O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 285

N.° 17

SESSÃO DE 12 DE FEVEBEIRO DE 1898

Presidencia do ex.mo sr. Eduardo José Coelho

Secretarios - os ex.mos srs.

Joaquim Paes de Abranches
Frederico Alexandrino Garcia Ramires

SUMMARIO

Aberta a sessão, sr. presidente declara ter-lhe sido entregue uma representação da sociedade de geographia, que a camara resolve que seja publicada no Diario do governo. - Em seguida têem segunda leitura dois projectos de lei, que são admittidos. - O se. Queiros Ribeiro apresenta o parecer da commissão da legislação criminal, sobre o projecto de lei que regula a liberdade de Imprensa; o sr. Simões dos Reis o da commissão de administração publica, sobre o projecto de lei que reorganisa o serviço de polleia nos districtos do Evora, Funchal e Beja; e o sr. Fialho Gomes o da commissão de instrucção secundario, sobre o projecto de lei que eleva a lyceus centraes os lyceus de Evora e Viseu. - O sr. Henrique Kendall participa a constituição da commissão do regimento. - O sr. Fialho Gomes faz um requerimento de interesse publico, e apresenta um projecto de lei que interessa á camara municipal de Barrancos. - O sr. Francisco Machado declara que vae lançar varios requerimentos na caixa das petições, e faz varias considerações contra a lei que estabeleceu o limite de idade no exercito.- O sr. conde de Silves agradece ao governo a publicação do decreto que manda proceder á construcção do ramal do caminho de ferro de Tunis a Lagos. - O sr. Avellar Machado troca varias explicações com o sr. ministro das obras publicas ácerca da falta de farinhas e da accumulação de operarios em Lisboa. - O sr. Luiz José Dias faz uma declaração de voto, apresenta um projecto de lei, reorganisando o ensino da physica geral superior da escola polytechinica e refere-se favoravelmente a fórma por que se tem feito a desaccumulação do operario em Lisboa. - O sr. Simões Ferreira declara que vae lançar um requerimento na caixa das petições, e o sr. Catanho de Menezes chama a attenção do governo para um edital relativo aos advogados, affixado na quinta vara civel de Lisboa, respondendo-lhe o sr. ministro da justiça. - O sr. Menezes e Vasconcellos participa a constituição da commissão de inquerito parlamentar sobre os titulos do emprestimo D. Miguel, e o sr. Pereira de Lima apresenta um requerimento de interesse publico. - O sr. presidente consulta a camara sobre se permitte que um sr. deputado se ausente do reino, o que é concedido.

Na ordem da dia continua a discussão do projecto de lei n.º 5, conversão, usando da palavra, contra, os srs. Dias Ferreira e Mello e Sousa, e, a favor o sr. Adriano Anthero, relator. Quando o sr. Mello e Sousa fallava levantou-se tumulto, sendo a sessão interrompida por cinco minutos. Reaberta a sessão, trocaram explicações o sr. relator e o sr. Mello e Sousa, ficando findo o incidente.

Primeira chamada -Ás duas horas da tarde. Presentes, 4 srs. deputados.

Abertura da sessão - Ás tres horas.

Presentes á segunda chamada - 55 srs. deputados. São os seguintes: -
Abel da Silva, Adriano Anthero de Sousa Pinto, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alfredo Carlos Le-Cocq, Alfredo Cesar de Oliveira, Antonio Teixeira de Sousa, Arnaldo Novaes Guedes Rebello, Carlos Augusto Ferreira, Conde da Serra de Tourega, Conde de Silves, Eduardo José Coelho, Eusebio David Nunes da Silva, Francisco de Castro Mattoso da Silva Côrte Real, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco José Machado, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Manuel de Almeida, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Frederico Alexandrino Garcia Ramires, Gaspar do Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Jacinto Candido da Silva, Jacinto Simões Ferreira da Cunha, Jeronymo Barbosa de Abreu Lima Vieira, João Abel da Silva Fonseca, João Catanho de Menezes, João Lobo da Santiago Gouveia, João Ferreira Teixeira de Vasconcellos, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca, Joaquim Heliodoro Veiga, Joaquim José Pimenta Tello, Joaquim Ornellas de Matos, Joaquim Pões de Abranches, Joaquim Saraiva de Oliveira Baptista, Joaquim Simões Ferreira, José Adolpho de Mello e Sousa, José Alves Pimenta do Avellar Machado, José Augusto Correia de Barros, João Benedicto de Almeida Pessanha, João Capello Franco Frazão, José da Crua Caldeiro, José Estevão da Moraes Sarmento, José da Fonseca Abreu Castello Branco, José Gil de Borja Macedo e Menezes (D:), José Mona de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Mathias Nunes, Libanio Antonio Fialho Gomes, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayola, Luiz José Dias, Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro, Manuel Affonso de Espregueira, Martinho Augusto da Cruz Toureiro Sebastião de Sousa Dantas Baracho e Visconde da Ribeira Brava.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, Alvaro de Castellões, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Maximo Lopes de Carvalho, Antonio de Menezes e Vasconcellos, Antonio Simões dos Reis, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto José da Cunha, Bernardo Homem Machado, Conde do Alto Mearim, Conde de Burnay, Elvino José de Sousa e Brito, Francisco Antonio da veiga Beirão, Francisco Pessanha Vilhegas de Casal, Francisco Silveira Vianna, Frederico Ressono Garcia, João Baptista Ribeiro Coelho, José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José Dias Ferreira, João Eduardo Simões Baião, José Frederico Laranjo, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim da Silva Amado, José Malheiro Reymão, José Maria de Oliveira Matos, José Maria Pereira do Lima, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Fischer Berquó Poças Falcão, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Telles de Vasconcellos, Sertorio do Monte Pereira e Visconde de Melicio.

compareceram á sessão os srs.: - Albano de Mello Ribeiro Pinto, Antonio Carneiro de Oliveira Pacheco, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Tavares Festas, Arthur Alberto de Campos Henriques, Augusto Cesar Claro da Ricca, Carlos José de Oliveira, Conde de Idanha a Novo, Conde de Paço Vieira, Francisco de Almeida e Brito, Francisco Barbosa do Couto Cunha Sotto Maior, Francisco Furtado de Mello, Guilherme Augusto Pereira do Carvalho de Abreu, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Jeronymo Barbosa Pereira Cabral Abreu e Lima, João Antonio de Sepulveda, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Joaquim Izidro doo Reis, João de Mello Pereira Sampaio, João Monteiro Vieira de Castro, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José Bento Ferreira de Almeida, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Luiz Ferreira Freire, José Maria Barbosa de Magalhães, Leo-

Página 286

286 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

poldo José de Oliveira Mourão, Luiz Cypriano Coelho de Magalhães, Manuel Pinto de Almeida e Marianno Cyrillo de Carvalho.

Acta - Approvada.

O sr. - Presidente: - Tenho a participar á camara que a direcção da sociedade de geographia, constando-lhe que vae ser eliminada do orçamento a verba de 600$000 réis de subsidio á mesma sociedade, me entregou uma representação em que pede para ser mantido esse subsidio, e expondo ao mesmo tempo os motivos por que essa eliminação não deve ter logar.

Consulto a camara sobre se permitte que ella seja publicada no Diario ao governo.

Assim se resolveu.

EXPEDIENTE

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - Depois da organisação do exercito de 30 de outubro de 1884, os exames a que estão sujeitos os officiaes, para obterem o direito de accesso aos postos de major e de general, não passam de uma mera formalidade, e nunca poderiam servir para avaliar conscienciosamente a sua capacidade o aptidão.

A accepção, em que todos nós tomâmos a palavra exame, é a accepção academica, que dá aquelle acto por equivalente á ultima prova de um curso regular, e no qual se apreciam, não só as respostas do examinado, no proprio acto do exame, mas tambem e muito principalmente a sua applicação, aproveitamento e frequencia durante o curso; e digo muito principalmente, porque estas ultimas circunstancias fornecem elementos de muito maior consideração para a approvação ou reprovação, do que as meras respostas no acto do exame.

Na carreira dos estudos militares, que podemos considerar inciada logo que os individuos, que a ella se destinam, dão ingresso nos lyceus ou no collegio militar, tem invariavel applicação estes principios, que costumam observar-se até á conclusão do curso.

Encontrâmos, porém, na reforma de 1884 uma excepção a este principio, que cousa alguma justifica e que pelo contrario todos condemnam: são os exames a que me referi para os postos de major e general.

A actos similhantes nunca deveria chamar-se exames, porque nem são a ultima prova de um curso regular, nem n'elles entrou como factor a applicação, o aproveitamento e a frequencia.

Para se exigir aos candidatos áquelles postos essas provas do seu saber, se provas se lhes podesse chamar, era indispensavel que no ministerio da guerra lhes tivessem proporcionado com rasoavel antecedencia os meios de se habilitarem a satisfazel-as com a seriedade, que o curso então reclamaria.

Mas não é só este argumento, que por si é capital, o que condemna a existencia de taes exames, pois ha muitos outros de não menor força, que o cerroboram.

Segundo os preceitos dos regulamentos militares, o capitão mais antigo de cada regimento substituo o major nos seus impedimentos; substitue-o de facto e de direito nas suas funcções de cominando, nas suas responsabilidades de instrucção e de disciplina, etc., etc., e tudo isto sem exame, e sem que esse capitão possa eximir-se a assumil-as sem commetter uma falta, porque seria castigado, ainda quando allegasse ignorancia dos deveres de major, allegação que seria improcedente.

Pois bem, este capitão, depois de haver durante dez ou doze annos, que permanece n'este posto, exercido a valer essas funcções de major, depois de ter dado muitas e repetidas provas da sua aptidão para tal exercicio, é iguominiosamente mandado fazer exame para major, como se alguma duvida podesse existir a respeito da sua aptidão, o que é uma dupla iniquidade, tanto por se porem em duvida os seus meritos, já provados, como por se fazer depender a sua promoção do resultado d'aquelle acto, que, devemos admittir, póde ser a reprovação.

Não bastariam ao ministerio da guerra, para se resolver a promovel-o, as informações dadas anno a anno pelos coroneis dos corpos em que tenham servido e onde exercem as funcções de major, nem o resultado, das inspecções a que esses corpos foram periodicamente sujeitos? Bastavam de certo, mas, se essas informações não merecem absoluta confiança, por ser a opinião de um só individuo, proceda-se como se faz em Italia, onde se lhes consagra o maior cuidado. N'esse paiz as informações dos officiaes são feitas do seguinte modo: em cada regimento constituem-se commissões, que formulam as chamadas notas individuaes caracteristicas. Essas commissões são compostas por todos os officiaes do regimento, com patente superior áquella a que se refere a informação, excluindo os tenentes.

Vota cada um por escrutinio secreto, dando um valor entre 0 e 10; depois tira-se a media, que será a nota da informação. Assim se póde obter uma informação completa e justa, pois são áquelles, que convivera dia a dia com o official, que melhor podem apreciar as suas aptidões; muito melhor pelo menos do que um jury, que talvez nunca viu o official, e tem um periodo insignificante, para o apreciar.

Demais, todos vós sabeis, que o conceito de um mestre sobre o saber de um discipulo póde ser erroneo, mas o dos condiscipulos nunca o é.

Na Austria o novo regulamento para os exames dos capitães aspirantes a officiaes superiores, de 7 de dezembro de 1897, prescreve as seguintes condições:

A duração dos cursos é de seis semanas e mais uma na escola do tiro. Para apreciar os candidatos, a commissão fará executar trabalhos de estudo escriptos, exercicios tacticos sobre o terreno, partidas do jogo da guerra de dupla acção, algumas das quaes são dirigidas pelos proprios candidatos, para julgar da sua aptidão para instruir os jovens officiaes. O plano de todos estes exercicios é de antemão fixado, e d'elle se dá conhecimento aos officiaes candidatos. E diz mais que todo o exame theorico ou qualquer interrogatorio sob a fórma de exame são prohibidos.

É assim que se procede n'estas potencias militares de primeira ordem e nos paises em que se tratam a valer os assumptos militares.

Foi a experiencia, e os illuminados cerebros de tantos homens illustres, que os guiou assim, porque na Italia já houve o tal exame para o posto de major, mas o general Ricotti, não sendo ainda ministro da guerra, na sessão de 1 de julho de 1884 proferiu um discurso, tão notavel e convincente contra os exames para qualquer posto, que esse exame foi abolido.

Não me resta, pois, a menor duvida, sobre a inutilidade de tal exame, e até da injustiça com que hão de ser avaliadas muitas vezes as aptidões militares de um bom official.

A propria reforma de 1884, que lhe deu origem, foi incoherente, porque passando para os tanentes-coroneis as funcções dos majores na parte relativa fiscalisação e superintendencia na escripturação regimental, devia exigi-o tirocinio e o exame áquelle e não aos majores.

Para o posto de general de brigada é igualmente insustentavel a continuação dos exames, e tem ainda menos rasão de ser.

Alem de ser inutil e injusto, como é o exame para maior, o exigir a um coronel em avançada idade, com trinta ou mais annos de bons serviços, um exame para decidir los seus merecimentos, é um absurdo. Bem lhe devem bastar tantos annos em que servia ou não com intelli-

Página 287

SESSÃO N.º 17 DE 19 DE FEVEREIRO DE 1898 287

gencia e dedicação á patria, para sarem conhecidas a sua capacidade e aptidão. E ao é difficil, como muito bem diz o general Fetieio, comparar por meio de exames os titulos á promoção da jovens officiaes, ainda é muito mais para os officiaes já avançados em idade.

Não conheço legislação alguma estrangeira, que estabeleça similhante exame. Os generaes que se têem distinguido em todas as guerras nunca foram submettidos a exame, e nem por isso elles têem deixado de praticar grandes feitos, que ae impõem á admiração de todos.

Muitos e diversos predicados são necessasios para um bom general e que o exame não póde apreciar. O general deve na hora do perigo imprimir a sua vontade e a sua direcção a grandes massas. Para dominar é necessario ter uma vontade energica e decisiva. É necessario ter uma coragem innacta e não a adquirida nas provações da vida. Precisa de uma forte ambição, porque sem que elle tenha ambição de que o sen nome passe á posteridade, não é capaz de grandes acções. Sem ambição ninguem é capaz de praticar feitos extraordinarios e ter amor á gloria.

A grandeza de alma é outra qualidade indispensavel, para que elle se possa abalançar a grandes commettimentos. Deve ser previdente, atrevido, emprehendedor; ter um grande golpe de vista, ser perseverante, ter um certo optimismo, um profundo conhecimento da natureza humana, uma boa disposição de espirito, muita memoria, uma saude robusta e incansavel ás fadigas.

De onde se vê que uma serie de grandes qualidades puramente humanas constituem ao mesmo tempo as grandes virtudes militares, as quaes nem sempre são faceis de apreciar, porque só as occasiões fazem os grandes generaes.

O grande Napoleão era apenas major graduado de artilheria quando no cerco de Toulon fica promovido a general de brigada, confiando-se-lhe aos vinte e cinco annos o commando em chefe do exercito de Italia, onde mostrou logo notabilissimas aptidões.

E quantos exemplos vos poderia apresentar para provar que um exercito commandado por generaes que chegaram a este posto em virtude de exames não offerece mais garantias de successo, do que aquelle em que os generaes foram promovidos sem terem sido submettidos a exames scientificos e litterarios desde o posto de alferes.

O que é preciso é que os officiaes sejam instruidos, tenham muito selo pelo serviço, um caracter intemerato, um comportamento regularissimo, e tudo isto será mais facil apreciar pela sua biographia militar, do que por um simples exame.

Demais, os coroneis do nosso exercito nunca são chamados a exercer as funcções do generalato, a não ser muito excepcionalmente, no commando de alguma brigada em parada.

Muitos d'elles nunca assistiram a um ligeiro exercicio de tropas do commando de um official general, e não podem portanto ter conhecimento das funcções do generalato como os capitães aspirantes a officiaes superiores podem colher noa regimentos em que servem.

Exige-se-lhe a prova do exame para que não ha a habilitação de um curso, nem a lição da experiencia, nem ao menos um programam das materias de que o exame ha de constar.

Os examinadores conhecem tanto da materia como os examinandos, por isso que tambem nunca exerceram a serio as funcções do generalato. Se um ou outro tem exercido algumas funcções do serviço são apenas as do serviço se dentario, como o commando de uma divisão militar territorial ou a administração superior de um estabelecimento que bem poderia estar, n'um paiz pobre como o nosso, a cargo de generaes reformados.

Assim, nem aos coronéis reprovados para o accesso ao posto de general, reata aquella triste consolação de todo os reprovados de outros tempos: magister dixit porque não conhecem noa seus examinadores a auctoridade scientifica, que dava força e prestigio aos antigos mestres.

E como são feitos esses exames?

Segundo o respectivo regulamento, o coronel examinando tira á sorte um thema de entre tres que são formulados pelo corpo de estado maior; este termo conserva-se lacrado, distribuindo-se-lhe apenas uma carta em que se acham representados 25 kilometros quadrados de terreno, onde é abrangido o problema tactico a resolver. Com este papel marcha o examinando para o campo, desacompanha-lo de qualquer official e até de uma simples ordenança. Não se sabe por certo o que ali vae fazer, porque, desconhecendo por completo a natureza da operação, que terá de desempenhar a força do seu commando, conseguirá quando muito verificar se n'um ou outro ponto a carta topographica representa com exactidão a fórma real do terreno. Findo o praso de oito dias é chamado a resolver sobre a carta o thema a que me referi, o qual então é aberto na presença da membros do jury.

Do melhor modo possivel o candidato escreve o plano do exercicio e formula as ordena que para a execução d'aquella determinada operação, teria de expedir aos seus subordinados dividindo em phases a acção. O mesmo processo tem de seguir no plano que o inimigo deve realisar. Reconhecendo o jury que o projecto é realisavel, vão as tropas para o terreno e começam as decepções: tal zona não permitte a marcha de batalhões; toes postos avançados não podem cobrir-se devidamente, em obediencia e respeito pela propriedade particular; a elevação de tal cota não se encontra bem discriminada no terreno e de tudo isto resulta uma confusão na disposição das tropas e na occupação definitiva das posições. Começa o combate, as unidades não entram a tempo na lucta, as phases do combate confundem-se, não se cumprem as determinações do examinando, mas cabem-lhes as responsabilidades.

Certamente, um tal exame nada poderá provar das aptidões e capacidade do examinando, e é incoherente fazer depender d'elle a sua promoção.

O exame é uma inutilidade que nada justifica; nem instrue o candidato. nem as forças que concorrem ao exercicio; quando muito poderá provar até certo ponto a intelligencia do examinando. Mas nunca poderá revelar aquelle grande numero de qualidades verdadeiramente militares indispensaveis a quem tenha de exercer um commando superior.

Por todas as rasões expostas e convicto de que outros meios ha com que possamos fazer mais justa e conscienciosamente a apreciação da candidatos ao generalato, é que tenho a honra de voa propor o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° São revogados os artigos 177;° e 178.° da carta de lei de 31 de outubro de 1884.

Ar t. 2.° Para a promoção dos coroneis de qualquer arma e corpo de estado maior a general de brigada, proceder-se-ha do seguinte modo:

a) Reunir-se-ha durante o mez de dezembro de cada anno, onde for ordenado pelo respectivo ministro, uma junta constituida pelos generaes, commandantes geraes das diversas armas e do corpo de estado maior, da qual servirá de secretario, sem voto, o chefe da l.ª repartição da secretaria da guerra;

b) A esta junta serão presentes todos os documentos officiaes relativos á biographia militar dos coroneis que poderão ascender ao posto de general no anno seguinte, segundo o numero provavel de vacaturas;

e) Depois de minuciosa e conscienciosamente examinados os referidos documentos, a junta organisará uma lista de apuramento por ordem de antiguidade da coroneis que julgar aptos para a promoção;

d) As deliberações da junta constarão de uma acta de caracter reservado, na qual será lançada a opinião indivi-

Página 288

288 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

dual de cada um dos vogaes ácerca da capacidade ou incapacidade dos coroneis para a promoção;

e) A lista de apuramento de que trata a alinea c) acompanhada da referida acta, será presente ao ministro, que lançará na primeira o seu despacho de conformidade, em virtude do qual serão feitas as promoções até 31 de dezembro do anno seguinte, deixando n'esse dia de ter validade a mesma lista;

f) Pela secretaria da guerra será immediatamente communicada a exclusão da lista de apuramento ao coronel interessado, que poderá recorrer para o supremo conselho de justiça militar, quando a decisão da junta for por maioria de votos;

g) O supremo conselho de justiça militar, avocando o processo, resolverá em ultima instancia o recurso, sendo o accordão publicado em ordem do exercito, se o reclamante o requer.

Art. 3.° Nenhum capitão de qualquer arma ou do corpo de estado maior poderá ser promovido ao posto de major sem que tenha exercido effectiva e sequentemente as funcções d'este posto durante dois mezes nos corpos e nas escolas praticas das suas armas.

a) Para os capitães do corpo de estado maior o tirocinio será prestado durante quatro mezes nos corpos das diversas armas e nas respectivas escolas praticas.

Art. 4.° Fica revogada á legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 11 de fevereiro de 1898. = O deputado, F. J. Machado.

Foi admittido e enviado á commissão de guerra.

Projecto de lei

Senhores. - A lei que regula a aposentação dos empregados e funccionarios civis ou magistrados é o decreto n.° 1 com data de 17 de julho de 1886.

Acontece, porém, que o decreto de 21 de fevereiro de 1891 que regida a organisação dos serviços fiscaes de exploração de caminhos de ferro e do respectivo possoal, na parte do seu titulo vi, que se refere á aposentação dos empregados das direcções fiscaes dos caminhos de ferro, manda regalar esta aposentação pelos termos do decreto n.° 2 de 17 de julho de 1886, o que evidentemente foi engano typographico, porquanto o decreto n.° 2 apenas regula a aposentação dos empregados menores e operarios não comprehendidos no primeiro decreto.

N'estas condições, procurando remediar tardiamente aquelle erro, que não corresponde, por certo, á vontade dos ministrou que referendaram aquelle decreto, e prejudica uma classe de funccionarios publicos com uma longa folha de serviços, tenho a honra de submetter á apreciação da camara o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° A aposentação dos empregados das direcções fiscaes dos caminhos de ferro será regulada pela lei geral das aposentações dos funccionarios civis, nos termos do decreto n.° l, de 17 de julho de 1886.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Lisboa, sala das sessões, 11 de fevereiro de 1898. = Alvaro de Castellões.

F foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

O sr. Queiroz Ribeiro: - Mando para a mesa o parecer da commissão de legislação criminal sobre a proposta de lei n.° 48-A, que regula a liberdade de imprensa.

A imprimir.

O sr. Henrique Kendall: - Pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte

Participação

Participo que se acha constituida a commissão de regimento, tendo sido eleito presidente o sr. deputado conde do Alto Mearim e secretario, o sr. Jeronymo Barbosa Pereira Cabral. = O deputado, Henrique de Carvalho Kendall.

Para a acta.

O sr. Simões dos Reis: - Em nome da commissão de administração publica, mando para a mesa o parecer sobre o projecto de lei n.° 5-E, que auctorisa o governo a reorganisar o serviço de policia nos districtos de Evora, Funchal e Beja, de modo que elle possa fazer chegar a sua aceito á propriedade rural.

Foi enviado á commissão de fazenda.

O sr. Fialho Gomes: - Sr. presidente, sem fazer os mais leves commentarios, porque a regimento não o permitte, e sem allusão á especie de campanha que parece querer levantar-se contra o honrado ministro das obras publicas, mando para a mesa o seguinte requerimento:

«Requeiro que sejam mandados publicar no Diario do governo, logo que cheguem a esta camara, todos os documentos requeridos pelos srs. deputados Simões Baião e Luciano Monteiro, relativos ao arrendamento de terrenos na zona marginal do Tejo, proxime da Chamusca. - O deputado da nação, Libanio Fialho Gomes.»

Mando tambem para a mesa um projecto de lei, que tem as assignaturas dos srs. Alfredo Cesar de Oliveira, visconde da Ribeira Brava, conde da Serra de Tourega, Antonio de Menezes e Vasconcellos, J. M. Pereira de Lima e Francisco Ravasco, auctorisando a camara municipal do concelho de Barrancos a levantar todas as verbas que tiver no cofre de viação e applical-as ás suas despezas geraes, ficando de futuro isenta de contribuir para o mesmo cofre.

Aproveito ainda a occasião de estar com a palavra para mandar para a mesa, por parte da commissão de instrucção secundaria, o parecer sobre o projecto de lei n.° 5-G, que tem por fim elevar a lyceus nacionaes centraes os lyceus nacionaes de Evora e de Vizeu.

Foi approvado o requerimento.

O parecer foi enviado á commissão de fazenda.

O projecto ficou para segunda leitura.

O sr. Francisco Machado: - Sr. presidente, vou mandar deitar na caixa de petições uma representação de varios ex-officiaes inferiores do exercito que desejam se lhes conte para a reforma o tempo de serviço militar.

Parece-me justa a pretensão, e por isso entendo que esta camara a deve attender.

Vou tambem proceder do mesmo modo com dois requerimentos - um do major de infanteria n.° 14, José Joaquim Soares de Oaatro, e outro do tenente do mesmo regimento, Antonio Ribeiro de Almeida - em que pedem a esta camara, que seja tomada uma resolução, que acabe de vez com o limite de idade.

É claro, que julgo terem os peticionarios toda a justiça, e que é urgente adoptar qualquer providencia para se acabar o mais depressa possivel com tão iniqua disposição.

Tenho a satisfação de saber que no anno passado muitos requerimentos n'este sentido foram aqui apresentados, o que prova que nem todos os officiaes, como se pretende inculcar, estão de acoordo com esta vexatoria medida.

Tenho esperança de que os officiaes do exercito hão de chegar todos á convicção do prejuizo d'esta medida, que nem lhes aproveita a si nem a suas familias, e hão de todos representar no sentido de acabar com os limites de idade, que poderão beneficiar um pequeno numero, mas que indubitavelmente prejudicam a maior parte, suas familias e, sobretudo, o paiz, que tem de pagar o enorme acrescimo de despeza.

Para os que utilisam com o limito de idade, é inutil todo e qualquer argumento, e não é para esses que eu fallo,

Página 289

SESSÃO N.° 17 DE 12 DE FEVEREIRO DE 1898 289

pois os egoistas, para satisfazerem a sua ambição, não duvidam sacrificar os seus camaradas.

Não ae importam que muitos officiaes sejam victimas e lançados fóra das fileiras do exercito antes dos trinta e cinco annos de serviço, isto é, em más condições de reforma, ainda validos, no vigor da vida e aptos para o serviço, podendo o paiz esperar ainda da sua actividade, do seu saber e experiencia, muitos e valiosos serviços.

Esta medida veiu destruir um dos principies mais fundamentaes da disciplina, que é a boa camaradagem, a reciproca união, que deve existir na grande familia militar.

O limite de idade vela despertar ambições desmedidas, porque muitos querem attingir rapidamente aos postos superiores, sacrificando os seus camaradas.

Veja v. exa., sr. presidente, os resultados de tão insolita medida, alem da despesa enorme que acarreta para o thesouro, e com a qual não é possivel continuar sem grave risco do futuro d'este paiz.

Para v. exa. ver qual é o absurdo de similhante providencia, basta dizer que o chefe de saude do exercito, que, por sua natureza, não póde exercer senão as funcções se dentarias de chefe da sexta repartição do ministerio da guerra, foi reformado por ter attingido o limite de idade.

Refiro-me ao sr. Teixeira de Aragão, ha pouco reformado, e que anda por ahi a passear e a tratar dos seus negocios com tonta vida e sande como qualquer de nós. Mesmo que, no caso de guerra, o exercito se mobilisasse, a situação do chefe de saude era a de chefe da sexta repartição do ministerio da guerra, serviço, como disse, de natureza sedentaria.

Outro exemplo. O capellão de cavallaria n.° 10, que não tem tempo para a reforma, brevemente attinge o limite de idade; é posto fóra, e ha de vir pedir que se lhe conte o tempo que serviu fóra da carreira multar, pois sem isso não tem direito a vencimento algum.

Não desejo fazer censuras, nem ao sr. ministro da guerra nem aos seus collegas. O governo tem declarado que deseja remediar as difficuldades, que encontrou, pelos meios legaes. O sr. ministro da guerra entende naturalmente que, revogando as disposições relativas ao limite de idade, iria causar uma certa perturbação; por isso, naturalmente, não tem providenciado a tal respeito. A minha opinião é, que a perturbação ha de ser verdadeiramente enorme, quanto maior for o numero de annos que passarem sem se tomar uma providencia que derogue a lei a que me estou referindo, a qual considero immoralissima sempre, e, sobretudo, nos actuaes circumstancias do thesouro.

Creio, que todos estarão lembrados do que aconteceu com a celebre reforma dos coroneis em 1879.

O limite de idade está destinado a produzir os phenomenos mais prejudiciaes e perniciosos. O que succedeu então? Por se ter praticado um acto de favoritismo, em relação a um dos coroneis, veiu uma alluvião d'elles pedir que se lhes applicasse o mesmo principio, o que deu origem á que uma infinidade d'elles fossem reformados em generaes de divisão, com um prejuizo enorme para o thesouro. É o que ha de acontecer mais tarde com o limite de idade. Não hão de ser só dezenove, mas muitas dezenas ou, talvez, centenas.

Já hontem disse, e torno a repetir, que o sr. general Silverio foi posto fóra do serviço por ter attingido o limite de idade. Sendo julgada incapaz para o serviço no continente, foi reformado, e está em Lourenço Marques desempenhando uma commissão, creio que muito bem, com muita saude e robustez. Não o julgaram apto para o serviço do continente, mas para o do ultramar é capacissimo!

Ora, francamente, uma lei que produz absurdos d'esta natureza não tem rasão de existir.

Eu não quero dizer á camara o que se allega para não se acabar com o limito de idade.

São rasões de ordem tal que, por prudencia, me abstenho de apresentar.

Entendo, que se não deve dar ouvidos a boatos, e que uns e outros devemos unir-nos para se tomar uma providencia tendente a acabar com o limite de idade.

Se julgam que o official não está capaz, mandem-n'o á junta. Se está apto para o serviço, continue a servir; se não o está, reforme-se; e, n'este caso, nem elle, nem ninguem, se póde queixar.

Para se reconhecer que o limite de idade, junta moral, exame para general e outras medidas tiveram mais especialmente por fim arranjar vagas e promoções, é ver o que tem acontecido.

Na marinha os limites de idade são aos sessenta e quatro, aos sessenta e sete e aos setenta annos; pois no exercito, alem d'estes, ainda ha e de sessenta annos.

Não satisfez aos reformadores a lei que regala os limites de idade na armada, por isso entenderam que, em virtude d'ella, seria ainda pequena a promoção no exercito. Para saciar, pois, as suas ambições, embora á custa do thesouro, introduziram o limite de sessenta annos.

É pasmoso!

Parece um contrasenso.

Estou convencido de que nenhuma rasão plausivel póde justificar a differença estabelecida entre as disposições da lei da armada e as da lei do exercito.

Eu, na minha opinião, ainda vou mais longe, pois que entendo que o limite de idade não é preciso para cousa alguma.

Desde que o ministro entende que um militar qualquer
não está competente, ou pela sua avançada idade, ou pelo
seu estado de saude, para o serviço, manda-o submetter
á junta, e ella declara se elle necessita ou não de ser reformado.

Estamos sempre a copiar a legislação de paizes estrangeiros, e porque não nos aproveitará o que n'este assumpto se observa na Allemanha?

N'esta grande nação, que póde, de um momento para outro, entrar em campanha, não ha necessidade de renovação de quadros, não se precisa de limites de idade. E, todavia, ninguem desconhece o valor intellectual e moral do exercito allemão.

Carecemos bem de imital-o, sim, para que possamos contar com o nosso na hora do perigo.

Não quero lançar o descredito sobre uma corporação a que tenho a honra de pertencer, tanto mais que não tem ella a culpa do estado a que chegou.

Não se póde augmentar a verba destinada ás despezas do exercito, e, todavia, precisasse de armamento, de equipamento, de mobilia e utensilios para quarteis, de reparação d'estes, de artilhamento de fortificações, de melhorar, emfim, a situação dos hospitaes militares, cujo estado deploravel sinceramente lamento.

Pois apesar de serem tão urgentes essas necessidades, ainda se consente que esteja onerado o thesouro com as despesas consideraveis causadas pela applicação da lei dos limites de idade!

Deus permitta que o thesouro se não veja obrigado a reduzir a despeza que faz com os servidores do estado. N'essas apertadas e tremendas circumstancias, quem mais soffrerá serão as classes inactivas.

Augmentar, pois, as reformas e aposentações dos funccionarios, tanto militares como civis, é arriscar o futuro de numerosas familias, que succumbirão esmagadas pela fome.

Não me alargo em mais considerações, para não tirar a palavra a alguns dos meus collegas.

Mais algumas vezes hei de fallar sobre este assumpto, desculpando-me a camara se abuso da sua bondade; mas estou certo de que a hei de convencer dos inconvenientes da lei que combato. (Apoiados.)

O sr. Conde de Silves: - Tendo sabido agora que

Página 290

290 DIARIO DA CAMASA DOS SENHORES DEPUTADOS

o sr. ministro das obras publicas tinha dado as necessarias ordens para se começar desde logo a construcção do ramal do caminho de ferro de Tunis a Lagos, passando por Villa Nova de Portimão, com as minhas felicitações dou os meus agradecimentos a s. exa. o sr. ministro das obras publicas e ao governo por ter emprehendido um melhoramento de tanta importancia, e que é uma das principaes aspirações dos habitantes d'aquella parte da provincia. Felicito o Algarve por ver iniciado um melhoramento que tanto lhe interessa e tanto desejava; e pela parte que me diz respeito, não posso deixar de manisfestar a v. exa. e á camara a minha satisfação, tanto mais quanto este melhoramento se faz sem encargo para o estado, como bem sabe o sr. ministro das obras publicas, e pelo contrario, deve representar uma medida de alto alcance economico. (Apoiados.)

Não posso deixar tambem de dirigir os meus sinceros agradecimentos ao sr. governador civil do districto pela diligencia, solicitude e boa vontade que empregou perante os poderes publicos para que este melhoramento se realisasse. Creio que d'este modo interpreto os sentimentos de toda a provincia. (Apoiados.)

(S. exa. não reviu.)

O sr. Avellar Machado: - Sr. presidente, vi n'um jornal acreditado da capital, geralmente bem informado que o sr. governador civil do districto offerecêra aos padeiros, por parte do governo, farinhas de puro trigo, de boa qualidade, e por preços não superiores á tabella official.

No outro dia tive occasião de chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas para o facto extraordinario de ha mezes a esta parte, serem de qualidade bastante inferior as farinhas consumidas em Lisboa, ao mesmo tempo que o preço do pão, base principal da alimentação do povo é cada vez mais elevado, não só porque os padeiros reduziram o peso, que era anteriormente de 1 kilogramma e de meio kilogramma, respectivamente a 800 e 400 granimos mas tambem porque a sua qualidade peiorou consideravelmente, misturando-se á farinha de trigo farinhas de centeio, fava, milho, etc.

O sr. ministro das obras publicas fez o obsequio de me dizer que o governo pensava em elaborar um regulamento para tornar effectiva a fiscalisação das farinhas empregadas na alimentação, e que, posto não sejam prejudiciaes á saude publica, constituem um verdadeiro logro ao publico. (Apoiados.) Parece-me que o regulamento em que s. exa. pensa, poderá ser muito util para o futuro, mas não evita o grande damno que á população da capital está causando a pessimo qualidade do pão fornecido e a elevação no preço da venda ou, o que vem a dar na mesmo, a diminuição no peso respectivo, justamente quando a miseria se alastra pela capital com uma rapidez de causar receio aos poderes publicos. (Apoiados.)

Tem s. exa., porventura, verba no orçamento do ministerio das obras publicas para comprar directamente as farinhas que o sr. governador civil acabo de offerecer aos padeiros?

Quaes as bases que o sr. governador civil adoptou para fazer tal fornecimento aos padeiros? Desejo saber que natureza de providencia foi esta que o sr. governador civil adoptou e tudo que com ella se ralacione. Que quantidade de farinhas adquiriu o governo? Essas farinhas são destinados o fornecer todos os padeiros que as requisitarem ou apenas uma parte d'elles?

Póde s. exa. calcular qual a cifro dos prejuizos que o governo poderá vir a ter com o auxilio concedido directamente aos padeiros, e indirectamente á população da capital?

Estará o governo disposto a empregar uma pequenissima parte d'essa verba para d'esde já montar eficazmente a fiscalisação das farinhas que entram no consumo publico?

Creia o illustre ministro que a fiscalisação da qualidade e do peso do pão destinado á alimentação da capital constitue uma medido importantissima reclamada unanimemente pela opinião publica, e que o governo não póde deixar de adoptar mais cedo ou mais tarde. É indispensavel evitar que se venda como pão de trigo, pão de cevada, de centeio, de fava, etc. Tanto o governo assim o reconheceu que eu vi hoje noticia, n'um jornal ministerial, que o sr. governador civil, nas farinhas que offerecia aos padeiros, lhes garantia a genuidade.

Julgo sempre muito despendiosa a intervenção directa do governo n'este assumpto, porque ha mil meios indirectos de se conseguir o mesmo fim com menor sacrificio para o thesouro; no emtanto, se o governo não podér deixar de intervir directamente paro que o qualidade, o peso e o preço do pão se mantenham como anteriormente, não serei eu quem por isso o accuse. Este assumpto é dos mais importantes que póde preoccupar o estado no momento actual em que são tão desgraçadas os condições biologicas da população de Lisboa. (Apoiados.)

Por circumstancias differentes, mas concorrendo todas para o mesmo fim, os preços dos generos necessarios á alimentação do povo têem subido constantemente de preço, de anno para anno, o que represento para as classes menos abastadas um grande sacrificio; mas o que se torna sobretudo intoleravel, o que é inadmissivel, é o augmento no preço do pão, por ser o alimento quasi exclusivo dos proletarios. (Apoiados.)

Os esforços que o governo e a camara municipal empreguem para attender a este estado de cousas, não constitue mais do que o cumprimento de um dever que se impõe de tal modo á consciencia publica, que estou certo que o sr. ministro das obras publicas, pelo seu caracter nobre e honrado, não será capaz de faltar ao cumprimento do seu dever.

Desejava saber qual a porção de farinha que o governo poz á disposição do sr. governador civil, quaes os condições de vendo d'essas farinhas, e se são para todos os padeiros que queiram utilisar-se d'ellas, ou apenas para uma parte d'elles, e por quanto tempo durará esta medida transitoria, que não póde nem deve prolongar-se, porque traria encargos enormes para o estado.

Tambem quereria saber se o governo tenciona começar desde já a fazer verificar a genuinidade das farinhas empregadas na panificação, e manter o peso e o preço do pão por qualquer fórma.

É sobre estes dois pontos que eu desejava chamar a attenção do sr. ministro das obras obras publicas e se s. exa. estiver habilitado para responder-me, com muita satisfação ouvirei as suas explicações.

Já que estou com a palavra chamo tambem a attenção do nobre ministro para a necessidade impreterivel de continuar nas medidas que, honra lhe seja, tão bem iniciou para desaccumular a população operaria que os governos, em virtude de circumstancias calamitosas, têem concentrado na capital, muitas vezes sem necessidade, e sómente para acudirem á miseria em que ella vive. É justo e conveniente, não só como uma questão de caridade, mas tambem como questão importante de ordem publica, que o governo preste auxilio a esses operario; mas tambem é justo, necessario e indispensavel que os empregue onde o seu trabalho seja mais util e proficuo.

Consta-me que a iniciada desaccumulação de operarios tem ultimamente parado, e algumas centenas d'elles ha que não são de Lisboa, e aqui não têem familia, que podiam ser empregados em trabalhos importantes que o governo tem necessidade de executar nas provincias. Concentral-os aqui representa um prejuizo grande para o thesouro, e prejudica os proprios operarios, que perdem os habitos de trabalho, e amor da familia, e muitas vezes a saude que tão indispensavel lhes é para angariarem os meios de subsistencia.

É indispensavel que s. exa. continue no caminho que

Página 291

SESSÃO N.º 17 DE 12 DE FEVEREIRO DE 1898 291

iniciou com applauso meu, que não costumo regateal-o a ninguem, nem mesmo aos meus adversarios politicos quando o merecem.

Proceda s. exa. de maneira que não levante justificados clamores, bastando para isso que mande, apresentar aos directores das obras publicas dos diversos districtos os operarios da provincia de que não carecer a fim de que estes os distribuam pelas differentes obras, garantindo-lhes o salario que se pagar n'essas localidades.

Se os operarios não quiserem conservar-se em taes condições, que são justas e equitativas são elles proprios que se collocam fóra da protecção que o governo lhes dá, e n'esse caso o governo nenhuma responsabilidade terá da sua miseria e da sua desgraça.

Dou por findas as minhas consideraçães, aguardando as explicações que o sr. ministro das obras publicas entenda dever dar me, para, se ellas me não satisfizerem, voltar novamente á questão.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Augusto José da Cunha): - O illustre deputado que acabou de fallar dirigiu-me varias perguntas relativamente ao fornecimento de farinhas feito aos padeiros de Lisboa pelo governador civil.

Devo dizer a s. exa. que me é completamente desconhecido esse facto. Eu não dei ordens algumas ao governador civil, nem directa, nem indirectamente, para compra de farinhas, nem as podia dar.

O ministerio das obras publicas ainda até hoje não mandou comprar farinhas, nem ao forneceu. É possivel que as circumstancias da alimentação publica em Lisboa forcem o governo a isso; mas até hoje ainda não se fez compra nem fornecimento de farinhas.

A respeito das farinhas e da falta de peso do pão, devo dizer, com muito prazer, que tenho aqui as provas vindas da imprensa nacional de um regulamento que, estou persuadido, ha de impedir a falta de peso e na fraudes que se estão commettendo no fabrico do pão.

Pelo que respeita á desacumulação dos operarios em Lisboa, devo tambem dizer que o governo não tem descurado este assumpto.

Em Lisboa chegaram a estar, por conta das obras publicas, 7:200 operarios, e na semana passada estavam apenas 4:800; quer dizer, já deixaram as obras publicas do districto de Lisboa 2:400 operarios.

Parece-me, pois, que o governo tem tratado este assumpto com todo o cuidado e attenção. Uma desacumulação mais rapida não se podia fazer sem causar perturbações na ordem publica, e em causar perturbações na ordem publica, e sem causar certas dificuldades nas commodidades dos operarios; que devem merecer a attenção de todos nós. (Apoiados.) Alem d'isto, tambem a desaccumulação não se podia fazer mais rapida, porque não se póde de um dia para o outro mandar proceder a obras nas provincias, onde possam ser empregados, os operarios, porque as obras que estão em construcção têem já os seus operarios e não se ha de ir despedir uns para admittir outros, nem mesmo se ha de ir admittir mais operarios quando os que lá estão são bastantes.

Tem-se feito, por consequencia, a desaccumulação com insistencia, mas com moderação; e parece-me que s. exa., que me deu alguns louvores por eu ter tomado em consideração este assumpto, não os retirará depois dá resposta que acabo de lhe dar.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Luiz José Dias: - Mando para a mesa uma justificação de faltas e uma declaração de voto.

Aproveito a occasião para mandar para a mesa um projecto de lei que tem por fim desdobrar em duas a cadeira de physica da escola polytechnica.

As rasões que justificam este desdobramento estão exarado no relatorio que precede o projecto e referem-se, não só ás necessidades do ensino, mas ainda ao destino que têem os que frequentam aquella cadeira.

Parece-me que essas rasões são sufficientemente concludentes para que possa ser adoptado o projecto que mando tara a mesa, e a que v. exa. se dignará dar o competente destino.

O projecto é este.

(Leu.)

Este projecto não traz augmento de despeza e melhora serviço, tornando-o consentaneo com a boa rasão.

Já que estou no uso da palavra, aproveito a occasião para, pela minha parte, e pelo conhecimento que tenho do modo como têem corrido os negocios relativos á desaccumulação da população operaria, reforçar e perfilhar as explicações do nobre ministro das obras publicas, que tem procedido com a maxima circumspecção no assumpto tão melindroso a que se referiu o sr. Avellar Machado, e que em conciliado o mais possivel as exigencias do thesouro com as lei da caridade bem entendida, o que o torna digno da maiores elogios.

Esta questão não devia ser levantada por esse lado da camara, por isso que as difficuldades com que tem luctado o governo, e especialmente o sr. ministro das obras publicas, são todas effeito das providencias irreflectidas tomadas pelas administrações anteriores, sem a menor consideração pelo contribuinte e sem ao mesmo tempo se attender aos gravames e encargos que d'essas impensadas medidas advinham para o thesouro. Muito me admira, por isso, que base d'esse lado da camara que se dirigisse a este respeito qualquer pergunta ou pedido de explicação ao sr. ministro das obras publicas, que apenas tem soffrido as consequencias dos erros alheios.

Tenho dito.

Leu-se na mesa a seguinte

Declaração de voto

Declaro que, se estivesse presente á sessão de hontem, teria rejeitado o requerimento em que se pedia que se discutisse independentemente do projecto da conversão a proposta de moção de ordem apresentada pelo sr. deputado Dantas Baracho. = O deputado, Luiz José Dias.

O projecto de lei ficou, para segunda leitura.

A justificação de faltas vao no fim da sessão.

O sr. Simões Ferreira: - Vou mandar lançar na caixa um requerimento de José Maria da Cruz Sobral, escripturario das cadeias civis d'esta cidade, pedindo que lhe seja reparada uma injustiça que elle julga de facil reparo.

A commissão julgará se é ou não, e v. exa. dará ao requerimento o expediente necessario, quando elle chegar á mesa.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Catanho de Menezes: - Chama a attenção do sr. ministro da justiça para o facto de ter sido mandado affixar na Boa Hora, pelo sr. juiz da 3.ª vara civel, um edital intimando todos os advogados a que, no praso de quinze dias, apresentem no cartorio d'aquello juizo os seus diplomas para serem registados, sob pena de não poderem ali advogar.

O magistrado a que se refere é incontestavelmente um cavalheiro honesto e intelligente, e ao mesmo tempo um verdadeiro ornamento da magistratura; mas acima das suas qualidades estão os fóros da advocacia e a lei, que é mister cumprir.

Segundo a lei, os advogados, em Lisboa, têem obrigação de registar os seus diplomas no supremo tribunal, d'ali é que se officia para os outros tribunaes, não havendo necessidade de mais nenhum registo.

Ha muitos annos que o orador advoga em Lisboa, e não lhe consta que qualquer outro magistrado tivesse tal pro-

Página 292

292 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

cedimento, por isso maior é a sua estranheza. Pede, portanto, ao sr. ministro da justiça que tome este assumpto em toda a consideração.

O sr. Ministro da Justiça (Veiga Beirão): - Eu ouvi com toda a attenção o illustre deputado e devo dizer a s. exa. que não tenho informação alguma do facto a que se referiu; mas acceitando a declaração que s. exa. fez, eu não posso, n'esta occeitando a declaração que s. exa. fez, eu não posso, n'esta occasião, dizer á camara senão que tomarei as providencias necessarias para me informar ácerca do assumpto.

É para mim agradavel o poder, n'este momento, concordar com as palavras de s. exa., quanto á opinião que fórma do digno magistrado que hoje representa a justiça na 3.ª vara de Lisboa, e que é, como s. exa. disse, um dos ornamentos da magistratura portugueza. Isso faz com que eu tenha a convicção de que este illustre magistrado por modo algum teve o intuito de offender ou faltar por qualquer fórma aos fóros e prerogativas devidas á classe da advocacia.

Quanto á ultima parte do discurso de s. exa., em que se apresentou zelando os fóros da classe da advocacia, creia s. exa., que eu, que tenho a honra de ser seu collega, e que tenho sempre exercido a advocacia e espero continual-a a exercer quando abandonar este logar, não podendo, portanto, ser suspeito para ninguem, terei muito a peito defender as prerogativas e fóros da classe a que pertenço e a que devo considerações que não posso por fórma alguma esquecer.

Tenha pois s. exa. a certeza de que me vou informar da providencia que tomou o sr. juiz da 3.ª vara, e que, no que couber nas minhas attribuições, farei o que for preciso para attender ás reclamações de s. exa.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Menezes de Vasconcellos: - Mando para a mesa a seguinte

Participação

Participo a v. exa. que se acha constituida a commissão de inquerito parlamentar sobre os titulos do empretimo de D. Miguel, tendo escolhido para seu presidente o sr. José Dias Ferreira, e a mim para secretario. = Antonio de Menezes e Vasconcellos.

Para a acta.

O sr. Pereira de Lima: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, com a possivel brevidade, sejam enviadas a esta camara copias das ultimas syndicancias feitas á irmandade das almas (concelho de Louras), e outrosim de qualquer despacho administrativo ou inicio de procedimento criminal que porventura tenha havido em virtude de toes syndicancias. - O deputado, J. M. Pereira de Lima.

Mandou-se expedir.

O sr. Presidente: - O sr. Francisco da Silveira Viana dirigiu-me o seguinte

Requerimento

Tendo de me ausentar para fóra do reino, por quinze a vinte dias, peço a v. exa. que consulte a camara se me concede licença. = O deputado, Francisco da Silveira Vianna.

Consulto a camara sobre se concede a licença que este sr. deputado pede.

Assim se resolveu.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 5 (conversão)

O sr. Dias Ferreira: - Continuando o seu discurso, começado na sessão de hontem, diz que são tres os argumentos com que justifica o seu voto, contrario ao projecto. O primeiro, é que elle torna quasi impossivel a verdadeira conversão, que é reclamada pelas necessidades do thesouro; o segundo, é que es juros ou dividendos promettidos poderão ser satisfeitos no primeiro e segundo anno, mas o thesouro não póde com, elles permanentemente; e o terceiro, é que a administração estrangeira, embora encoberta, está no projecto, em mais de um artigo, e essa administração só se comprehende quando imposta á viva força, mas nunca sendo o parlamento quem lhe abra as portas.

Contesta o orador que o projecto seja de verdadeira conversão. Nem se póde pensar n'uma conversão propriamente dita, porque essa consistiria em pagar por inteiro os titulos aes portadores que não acceitassem a reducção dos juros, e isto não o podemos nós fazer.

Ha, porém, a conversão concordataria, e o orador é a favor d'ella, não só por motivos de ordem financeira, mas tambem por motivos politicos.

N'este terreno, o seu pensamento, seria tornar, amortisavel toda a divida externa e encaminhar as cousas para que ella podesse ser nacionalisada por compra, n'um momento de enthusiasmo patriotico que póde dar-se. O pais tem, a seu ver, os recursos precisos para absorver toda a divida externa.

Como os compradores seriam necessariamente pessoas abastadas, todas ellas ficariam, por esse motivo, muito interessadas na administração publica, o que era de alta vantagem, porque o maior mal do paiz tem sido a indifferença da opinião publica.

De todas, a maior Vantagem, seria ficar o paiz livre de continuados sustos, motivados pelos credores externos.

A conversão não se faz quando se quer, mas quando é possivel, porque depende de accordo com os credores.

A proposito, recorda o que fez o ministerio do marechal Saldanha. Em 1852 os titulos da nossa divida externa estavam unicamente em Londres; o governo inglez fez successivas reclamações, tendo de ir Fontes Pereira do Mello á capital ingleza tratar com os credores, mas o que é de notar, é que então se fez exactamente o contrario do que agora se pede; o governo, depois de negociar, é que trouxe á camara o que contratára. Nem podia deixar da ser assim, pois se os credores conhecerem previamente o que se lhes dá, evidentemente não terão necessidade de negociações. O mesmo processo contrario ao actual se adoptou tambem depois, no ministerio Lonlé.

Nota o orador que em todos os paizes tem sido a divida externa o que tem posto em perigo as suas finanças e n'alguns até a sua independencia. A este respeito frisa o facto de que, desde 1796, ha cento e nove annos, em que fizemos o primeiro emprestimo, que era de 10:000 cruzados, todos os annos tem havido deficit.

Isto prova que a culpa não é só dos governos, e que, portanto, é necessario regular, por uma vez, a nossa vida, chamando o paiz á vida activa, e interessando-o nas questões de credito publico.

Comprehende que existisse deficit no principio do seculo, epocha de lucta com o estrangeiro, e comprehende que elle existisse tambem no periodo das hirtas internas, mas chegar-se a uma situação tão angustiosa, no fim do largo periodo de paz que tem decorrido desde 1852, é facto que não póde deixar de se attribuir a alguma doença grave que, nos atacou.

Diz mais, que o governo, encontrando uma situação aliás difficil, bem podia tornal-a melhor, mas que em vez disto a aggravou. Agora, depois de alvoroçar, os credores e os governos com tantas embaixadas, o que espera conseguir, levando n'uma das mãos o papel da conversão, e pedindo com a outra dinheiro emprestado?

Parece-lhe que contratar n'estas condições, é offerecer o pescoço ao cutello.

A conversão repete, não póde fazer-se sem accordo

Página 293

SESSÃO N.º 17 DE 12 DE FEVEREIRO DE 1898 293

com os credores, mas os credores, dando-se-lhes as garatias que constam do projecto, certamente não o acceitam. Em sua opinião, o facto de não se consignarem no projecto taes garantias, daria força ao governo, porque era uma excellente base para obrigar os credores a virem a um accordo comnosco. N'estas condições, portanto, só quem não quizer a conversão é que póde votar o projecto.

O thezouro, não poderá de certo pagar o que o projecto prometto, porque elle, orador, quando ministro, para pagar tres coupons, depois que reduziu o juro ao terço, teve sempre que recorrer ao credito, o declarou então que não se poderia satisfazer aquelle encargo, se não se votassem os impostos que propunha, ou outros.

Em sua opinião, só se devia prometter o que se póde pagar.

Esta convencido de que o artigo 1.º, quando diz que o encargo dos novos titulou não deve ser superior ao que provém da execução da lei de 20 de maio de 1893, em vez de dizer - que tem provindo -póde dar logar a differentes interpretações, e causar graves prejuizos. Desvia antes dizer-se de um modo definido qual a percentagem que se ha de pagar; e esta fixação é indispensavel, porque a camara tem de se pronunciar claramente n'este ponto.

Não podendo nós pagar um terço em oiro o a percentagem no excesso das receitas da alfandega, que é uma percentagem eventual, como se poderá pagar uma percentagem permanente como garantia?

E isto tanto mais, quanto coturnos vendo que os rendimentos diminuem, como se prova pelo augmento da divida fluctuante, que em 20 de maio de 1897 era de 18:000 contos de réis, e actualmente está em 42:000 contos de réis.

O orador, analysando em seguida a nota da divida fluctuante, diz não comprehender que estando a divida fluctuante em 30 de novembro em 42:000 contos de réis, esteja em 31 de dezembro em 40:000 contos de réis, quando no mez de dezembro é o mez de mais encargos para o thesouro por causa do pagamento do coupon em janeiro.

O sr. Ministra da Fazenda (Ressano Garcia): - Declara que a rasão da diminuição da divida flutuante em dezembro foi devida ao emprestimo das classes inactivas feito com o banco de Portugal, e que o coupon de janeiro é pago em tres prestações.

O Orador: - Acha que a clausula de ficar o serviço da divida externa a cargo do banco de Portugal constitue uma grande humilharão nacional, porque significa a intervenção estrangeira, e termina, dizendo, que espera que a camara vote a moção que manda para a mesa.

Leu se. É a seguinte

Proposta

Proponho que no projecto se consigne o seguinte artigo addicional:

Todas as disposições da presente lei ficam inteiramente sem effeito desde que no accordo intervenha, quer directa quer indirectamente, algum governo estrangeiro. - Dias Ferreira.

Foi admittida, ficando em discussão conjunctamente com o projecta.

O sr. Adriano Anthero (relator): - Sr. presidente, o illustre deputado o sr. Dias Ferreira, no discurso eloquente que hontem pronunciou n'esta casa, resumiu a questão nos seguintes termos: Póde o thesouro portuguez com os encargos d'este projecto? Soffre com elle a dignidade do paiz?

Pois vou mostrar a s. exa. que o thesouro portuguez póde com os encargos d'este projecto e que não soffre com ello a dignidade do paiz. E, seguindo o conselho, hontem dado pelo sr. ministro da fazenda, de que, para poder comprehender-se bem uma questão, deve scindir-se nos seus elementos, eu vou dividir a questão nos seus pontos principaes, porque me parece que em verdade assim ao comprehenderá melhor o assumpto.

Vou portanto demonstrar: Primeiro, que a operação de que se trata é opportuna. Segundo, que é indispensavel. Tercero, que, quando não fosse indispensavel, era conveniente. Quarto, finalmente, que são acceitaveis as bases d'este projecto.

Em relação á opportunidade, já hontem se discutiu este ponto. O meu amigo o sr. Dantas Baracho entendia que não era opportuno (Mte projecto, por isso mesmo que o accordo com os credores externos devia preceder a auctorisação parlamentar. O nobre ministro da fazenda, com aquella clareza inexcedivel que todos lhe reconhecemos, demonstrou que, pelo contrario, era conveniente que a auctorisação procedesse o accordo, porque, se os credores vissem que o governo tinha largas para todas as concessões, poderiam tornar-se mais exigentes, emquanto que, limitado o governo ás restricções do seu mandato, poderia defender-se melhor d'essas exigencias, zelando ao mesmo tempo os
Interesses do thesouro.

O sr. Dias Ferreira renovou a questão sobre outro aspecto. Concorda em que o accordo póde ser posterior á auctorisação, mas quer auctorisações amplas, como aquellas que estavam consignadas na lei de 26 de fevereiro de 1892. Entende, ao mesmo tempo, que esta discussão é inconveniente agora, por se estar tratando lá fóra de negociações com os credores. E acrescentou ainda hoje outro argumento, para julgar estas auctorisacções inopportunas, que vem a ser - e deverem se ter pedido á camara e ter-se feito o accordo o anno passado.

Vou examinar estas objecções.

Quanto á primeira tanto faz que os auctorisações sejam latas e amplas, conforme estavam na lei de 1892, como que não existam; porque sempre fica o mesmo limite indefinido, e por consequencia sempre o mesma largueza para a exigencia dos credores.

Ha outra circunstancia a ponderar. N'uma questão d'estas e na situação do paiz, sempre prompto a suspeitar da probidade e seriedade dos governos, se o ministerio pedisse uma auctorisação ampla, poderia a nação inquinar-lhe as suas intenções patrioticas.

Finalmente, no projecto existem condições que eu examinarei, mostrando que são perfeitamente acceitaveis, embora alguma d'elles sejam novas. Mas, se em vez de pedir estas auctorisações restricta á camara e discutir a conveniencia d'ella, o governo pedisse auctorisação ampla e depois apparecesse a consignação de rendimentos, o pagamento pela caixa do banco de Portugal, e outras clausulas do projecto, poder-se-ía abusar d'essa circumstancia, para levantar uma reacção infundada, que prejudicasse os intuitos patrioticos do governo e a administração publica, especulando-se, ao mesmo tempo, com as paixões partidarias.

A outra objecção do sr. Dias Ferreira é que não devemos occupar-nos d'esta auctorisação, quando se estão fazendo conferencias e tratando negociações com os credores externos, segundo disse hontem o sr. ministro da fazenda.

Achou o sr. conselheiro Dias Ferreira, com assomos de indignação, que causaram terror á camara, que isto é um facto inaudito; e perguntou: onde está o parlamento do mundo em que se tenha feito uma cousa d'esta ordem?

Eu vou mostrar que não ha inconveniente nem desaire em estar aqui discutindo estas auctorisações ao mesmo tempo que ha negociações pondentes; o que, se houvesse algum desaire, perdõe-me s. exa., por quem tenho o maximo respeito, a responsabilidade era unicamente sua.

Vamos á primeira parte. Não ha desaire nem inconveniencia em estar discutindo aqui estas auctorisações e, ao mesmo tempo, tratando com os credores externos, porque as circumstancias são iguaes. Nós estamos discutindo no

Página 294

294 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

parlamento estas auctorisações, elles estão conferenciando com os nossos intermediarios o meio de fazerem a negociação. Nós vamos votal-as n'esta assembléa, elles vão resolvel-as no seu gabinete. A unica differença, portanto, é que nós discutimos e votâmos no parlamento, e elles, que não têem parlamento, discutem, emittem a sua opinião e votam nos seus gabinetes particulares. Não póde haver por isso desaire ou inconveniencia para nenhuma das partes; mas, quando houvesse, a responsabilidade cabia unicamente ao sr. Dias Ferreira, como já disse.

Sinto profundamente ter da referir-me a este assumpto, mas s. exa. comprehende que eu atraiçoria a causa de que me incumbiram, se não tivesse a coragem de dizer desassombradamente, embora nos limites da cortezia, a minha opinião individual e manifestar os sentimentos da minha consciencia.

De quem é, pois, a culpa de tudo isto? O sr. Dias Ferreira sabe-o bem.

Em 1892 negociou-se com os credores externos o pagamento de metade do juro em oiro, fez-se um convenio, houve emissarios de respeitabilidade enorme, como, por exemplo, o sr. Antonio de Serpa. É feito esse convenio, de harmonia com as nações estrangeiras, convenio sagrado e formal, porque tinha a responder por elle a respeitabilidade do nosso paiz, que não valo menos que a de um particular, antes se a falta do cumprimento da palavra de um cidadão o deshonra só a elle, a de um paiz deshonra a todos os cidadões, o sr. Dias Ferreira rasgou-o na cara dos credores! E depois a uma nota um pouco azeda da Allemanha respondeu ainda de uma maneira menos propria para a grandeza d'aquella nação! As consequencias d'isto foram o estado de desconfiança em que se collocaram os credores para comnosco; e n'estas condições, que admira que nós, para acabarmos com essa desconfiança, queiramos proceder para com elles franca, honrada, digna e sinceramente? Não se trata aqui de expedientes de agiotas, e, pelo contrario, temos obrigação, nas circumstancias dolorosas em que estamos, de resgatar, com pura e sincera consciencia, as vergonhas do nosso procedimento passado.

Se houvesse alguma cousa de extraordinario em o governo pedir as auctorisações antes de feito o accordo com os credoras, a imputação recairia sobre quem foi o causador d'essa desconfiança d'elles para comnosco. (Apoiados.)

E o que é de estranhar, digo-o com tristeza, n'um desafogo natural da minha consciencia, é que seja exactamente o sr. Dias Ferreira quem venha pedir ao governo a responsabilidade que unicamente a s. exa. deve ser attribuida. (Apoiados.)

Eu sou novo n'esta camara, entrei aqui impellido quasi á força; pedi aos eleitores que não me dessem votos, mas que m'os tirassem; e sou completamente estranho a estas artes politicas. Mas, se estivesse collocado na posição do sr. conselheiro Dias Ferreira, a quem tributo o maior respeito e por quem tenho a maxima consideração, o que faria era pôr-me ao lado do governo, para remir, pela minha altitude, os meus erros passados e mostrar, pela minha contricção, que assim tentava resgatar o meu anterior procedimento. Em vez d'isso, porém, s. exa. é recalcitrante na injustiça, porque já diversas vezes aqui lhe têem sido incriminadas as consequencias d'esses erros, e ainda assim faz sempre com ellas um chuveiro de accusações e recriminações contra todos os governos. (Apoiados.)

Outro argumento do sr. Dias Ferreira, para mostrar que era inopportuno pedir esta auctorisação, é, como expuz, o não se ter feito a conversão o anno passado, nem se ter discutido então este projecto. Mas as circumstancias de então eram diversas.

Eu não conheço os segredos do gabinete, e tenho a declarar que, se a doutrina do projecto é do governo, as rasões com que a sustento, são exclusivamente minhas.

Se houver, portanto, erro da minha parte na exposição d'essas rasões, o governo ou qualquer dos meus illustres collegas da maioria poderá corrigil-o á vontade, sem que eu me julgue, nem de leve, melindrado por isso. Com esta liberdade é que eu digo que as circumstancias do anno passado oram completamente diversas das actuaes, pois que os credores estrangeiros soffreram este anno uma diminuição no supprimento do juro tirado dos rendimentos alfandegarios, visto que só houve para distribuir por elles 228 contos de réis, emquanto que o anno passado se distribuiram mil e tantos contos de réis.

N'estas circumstancias, não é de estranhar que este anno estejam mais maleaveis do que estavam primeiramente.

O proprio sr. Dias Ferreira reconheceu que um accordo é a resultante de duas vontades, e, se o anno passado os credores estrangeiros estavam menos inclinados para o accordo, não póde o governo ser accusado de ter reservado para este anno a discussão do projecto. (Apoiados.)

Vamos ao segundo ponto, que me propuz tratar, se é ou não indispensavel a doutrina do mesmo projecto. Este ponto, assim como a demonstração da conveniencia do accordo, são essenciaes para a questão, porque, se effectivamente ha essa indispensabilidade e essa conveniencia, basta só isso para que o paiz aproveite.

Que o projecto é indispensavel, já se deduz da moção do sr. Dantas Baracho, que, embora falle só da conveniencia, reconhece tambem implicitamente a indispensabilidade. E as informações particulares e o que se sabe pelas declarações da imprensa e conferencias dos credores, confirma que não poderemos abrir os mercados financciros, nem destruir a hostilidade dos credores externos, emquanto, por um contrato sincero e definido, lhes não restituirmos a esperança de receberem pontualmente o credito que for estabelecido, e lhes não cortarmos o sobresalto da imposição de novas reducções. (Apoiados.)

Isso mesmo se deduz das consequencias do regimen actual em que estão os mesmos credores.

V. exa. sabe que elles, pela lei de 13 de junho de 1892, soffreram a reducção dos seus juros a um terço em oiro; e por consequencia, em vista do direito que tinham ao juro total, sentiram-se prejudicados nos seus legitimos interesses. Veiu depois a lei de 20 de maio de 1893, que lhes deu 50 por cento no rendimento das alfandegas que fosse acima de 11:400 contos de réis e na differença do agio que descesse de 22 por cento; mas essa lei não os contentou nem indemmisou, já porque o rendimento das alfandegas é e tem sido fluctuante, e já porque não se lhes tirou o sobresalto do governo, apesar d'essa lei, lhes impor ainda novas redacções.

Ora a camara sabe bem quaes são os effeitos perniciosos d'esta hostilidade dos credores. Por um lado, estão fechadas as praças estrangeiras para os nossos fundos. Do emprestimo dos tabacos, por exemplo, ha 6:000 contos de réis de obrigações que ainda não estão cotadas, e v. exa. comprehende a vantagem enorme que resultaria da sua cotação.

Por outro lado, estão nos fechadas as praças estrangeiras, quando o paiz queira recorrer ao credito, e nenhum estado está livre de ser obrigado a lançar-se n'esse caminho, embora temporariamente. Nós devemos, é certo, pôr um travão completo ao systema do emprestimo, como recurso ordinario; mas, extraordinariamente, não ha ninguem que não possa ter um momento de crise e de agonia em que precise recorrer a essa ultima esperança. (Apoiados.)

Emfim, sr. presidente, os credores externos têem dinheiro, têem por isso preponderancia nos respectivos governos e d'ahi resulta, em certo ponto, a má vontade e frieza que temos encontrado em alguns estados da Europa.

Portanto a lei que acabar com este estado de cousas, sa-

Página 295

SESSÃO N.º 17 DE 19 DE FEVEREIRO DE 1898 295

tisfaz a uma necessidade publico, e torna-se por esse motivo indispensavel. (Apoiados.)

«Mas quando não seja indispensavel, será pelo menos altamente conveniente a operação de que se trata?»

É este o terceiro ponto que me incumbi de tratar.

Ora sr. presidente que a conversão, que a operação de que se trata, é altamente conveniente, deduz-se tambem as circumstancias que acabo de expor, em relação á necessidade de acabar com a hostilidade dos nossos credores externos: mas ha outras circumstancias a acrescentar.

Uma d'ellas é a influencia na diminuição do agio do oiro. Este agio é a diferença que existe entre o valor da nota ou papel moeda que se vae depreciando e o do oiro que se conserva sensivelmente estacionario; e por isso, quanto maior for a procura do oiro, quanto peior for a situação economica do paiz e menor a confiança dos nossos credores, maior será a diferença d'esse agio.

Ora o primeiro factor - procura do oiro - vae diminuir em consequencia d'esta operação, porque o governo é um grande concorrente á acquisição de cambiaes e deixará de o ser n'uma grande parte, pela consolidação da divida fluctuante externa.

O segundo factor - a má situação economica do paiz - tende tambem a desapparecer, porque, em virtude d'essa mesma consolidação, em virtude do melhor regimen alfandegario que resultará da approvação d'este projecto, e em virtude de outras vantagens que eu vou expor, deve melhorar a riqueza publica, e deve o nosso estado desafogar-se das dificuldades extremas, que o assoberbam.

Finalmente, acabada a hostilidade dos credores e melhorado o estado financeiro e economico do paiz, renascerá o credito e confiança que aos abandonou.

E é d'este modo que nós veremos diminuir sensivelmente a diferença de agio; sendo certo que, pagando o nosso governo approximadamente 3:600 contos de réis de cambio no pagamento da sua divida externa, basta uma pequena diminuição d'aquelle agio, para que, só n'essa parte, o paiz receba um enorme beneficio.

Outra causa pela qual é conveniente esta operação, é o acabar ella com o regimen actual dos juros supplementares, tirados dos rendimentos das alfandegas.

Já me referi n'este ponto aos inconvenientes d'esse regimen para os credores, vou agora mostrar os inconvenientes com respeito a nós mesmos.

Como eu já disse, os credores têem metade ou 50 por cento dos rendimentos das alfandegas, na parte excedente a 11:400 contos de réis, exceptuados tabacos e cereaes; e com isso acontece o seguinte. Se nós quisermos augmentar os direitos alfandegarios, metade do augmento irá beneficiar os credores estrangeiros, com grande prejuizo do estado; e, se os quizermos diminuir, sujeitar-nos-hemos a reclamações por parte dos governos estrangeiros, alem da suspeita de má fé. E, demais, os credores estrangeiros têem hoje o direito de vigiar, de fiscalisar essas receitas, o que involve uma pressão permanente, muito mais vexatoria do que a garantia estabelecida n'este projecto, porque não é uma hypothese, é uma tutela. ( Apoiados.)

Não podemos desviar um ceitil das receitas alfandegarias, nem levantar ou abaixar a ponta á mercê das necessidades do commercio e da industria!

Acresce ainda que esta base, tomada para pagarmos um juro supplementar, é uma base falsa, caprichosa e incerta, que não corresponde ás necessidades do paiz. Assim os direitos de importação, que são os que mais avultam nos rendimentos das alfandegas, podem augmentar por differentes circumstancias que impliquem melhoria economica da nação, por exemplo, a nacionalisação das mercadorias vindas de fóra, o commercio de transito, a entrada de materias primas que servem para fazer renascer a industria; mas, em geral, entre nós, os direitos de importação crescem pela necessidade dos objectos de consumo, o que representa não uma riqueza, e só uma pobreza relativa. (Apoiados.) E assim temos que a nação pagará mais estrangeiros, exactamente quando for menor o nosso rendimento e mais empobrecida a nossa industria.

Outra conveniencia d'esta operação é que, por meio d'ella, vamos acabar com a divida fluctuante.

A camara comprehende qual é para um paiz pequeno, como o nosso, o perigo que provém da divida fluctuante. Esta divida, não só nos colloca n'um sobresalto continuo para a pagarmos, mas ainda nos impede de podermos tranquilamente tratar da nossa economia interna. (Apoiados).

Ainda outra conveniencia que daqui resulta é, como já hontem expoz o sr. ministro da fazenda, a unificação da nossa divida. E tambem merece lembrar-se a conveniencia de reduzirão capital nominal ao real, para que, em geral, nos não julguem mais endividados do que estamos, e se apague assim do orçamento esse rotulo da nossa apparente insolvabilidade.

Agora passo a tratar do quarto ponto que me propuz tratar, mostrando se as bases apresentadas no projecto são ou não acceitaveis. E ainda aqui, seguindo o conselho do sr. ministro da fazenda, vou decompor estas bases nos tres pontos capitães a que se refere o projecto. São elles o accordo com os credores em relação á divida externa, a consolidação da divida fluctuante e a conversão da divida externa em divida interna. E começando pelo accordo com os credores, podemos ainda subdividir as clausulas do projecto - em relação á fórma, em relação aos encargos, em relação ás garantias, em relação ao pagamento, e em relação ás despezas.

Com relaç8o á fórma, assim como é indiferente a figura de individuos ao pé das suas qualidades, é tambem indiferente a fórma do accordo, desde que os encargos sejam os mesmos. E, como se vê do projecto, os encargos de operação não podem exceder os que actualmente existem.

Mas ha duas circumstancias, que convem frisar. A primeira é a que se refere á amortisação; a segunda a que se refere ao carimbo ou estampilhação.

No projecto consigna-se que a amortisação póde ser feita, ou por sorteio, ou por compra no mercado, conforme for mais conveniente aos interesses do thesouro.

A camara comprehende bem esta vantagem. Como os titulos amortisaveis só recebem actualmente um terço do seu primitivo juro, e por isso o seu valor real tem descido tambem a um terço, approximadamente, do nominal, o governo, accordando com os credores a faculdade de poder adquir esses amortisal-os por compra no mercado, em vez do sorteio, ficará com a faculdade de poder adquirir esses titulos por um valor muito inferior; e por consequencia, em logar de pagar a amortisação por inteiro, pagal-a-ha por muito menor quantia, de modo que o dinheiro que lhe sobra serve para ir amortisando igualmente os titulos de divida consolidada E assim, quando estiver amortisada a divida amortisavel de 4 e 4 1/2 por cento, poderá estar igualmente amortisada a divida consolidada externa de 3 por cento, como eu já vi demonstrado por calculos, que naturalmente serão apresentados a esta camara por pessoa mais competente do que eu.

Emquanto á outra circumstancia, a do carimbo, já hontem o sr. ministro da fazenda respondeu triumphantemente ao sr. Baracho, e portanto nada mais accrescentarei sobre essa materia.

Vamos aos encargos.

Os encargos não podem exceder aquelles que provém da lei de 20 de maio de 1898.

Quaes são elles? São os do pagamento de um terço do juro em oiro, a distribuição eventual dos rendimentos supplementares da alfandega, a quota da amortisação e o agio.

Eis os quatro factores que resultam da lei de 20 de maio de 1893, e n'este projecto consigna-se bem claramente que.

Página 296

296 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

o governo não poderá, por fórma alguma, exceder o limite d'esses encargos.

Disse o sr. conselheiro Dias Ferreira, que era melhor fixar um dado certo, porque, d'esta maneira, fica alguma cousa de ambiguo e de vago, e n'este contrato não devem admittir-se conclusões ou palavras indeterminadas.

Mas o expediente do illustre parlamentar tinha o inconveniente de que, se o limite fixado fosse grande, ficavamos prejudicados; se fosse pequeno não podia ser acceito. E, por esta fórma, o governo fica auctorisado a negociar com os nossos credores, como julgar conveniente, dentro dos limites marcados pela lei de 20 de maio de 1893.

Diz ainda s. exa. que não comprehende a rasão por que, estando na emenda do sr. ministro de fazenda que os encargos não podiam ser maiores que os que provém da citada lei de 20 de maio de 1893, sem prejuizo do pagamento do terço em oiro, se modificou depois essa emenda, no sentido que consta do projecto, cortando as palavras que se referiam ao pagamento em oiro. Cortaram-se essas palavras, porque, desde o momento em que se consignou o limite maximo dos encargos e dentro d'elle se póde comprehender tambem o pagamento do terço do juro em oiro, eram ellas desnecessarias.

E isto já serve para responder ao sr. Dias Ferreira, quando clamava que o paiz não podia com os encargos resultantes do projecto; porque, se os encargos não podem exceder a já existentes, e se o paiz até hoje tem podido com elles, não ha rasão para dizer que os não possa igualmente comportar para o futuro.

Vamos agora a outra clausula, relativa ao accordo de que falla o projecto.

Essa outra clausula refere-se ás garantias do contrato; e foi, n'essa parte, que o sr. José Dias Ferreira lançou o melhor das suas indignações.

Por essa clausula, o governo ficará auctorisado a consignar aos credores externos, em garantia ao pagamento dos juros, os rendimentos das alfandegas, excepto os provenientes de cereaes e tabacos, que uma lei anterior já havia exceptuado.

Ha alguma cousa deshonrosa para o paiz? E eu repiso a pergunta, visto que d'este ponto se tem feito cavallo de batalha, para combater o projecto.

Ora um paiz deve ter os mesmos principios de dignidade que um individuo, pois que é formado pela collectividade de todos os cidadãos; e desde que um individuo por sua má administração, e por seus desvarios e prodigalidade chegou á situação extrema de não inspirar confiança inteira aos seus credores, o seu dever exige que lhe dê toda a prova da sua honestidade e as possiveis garantias do seu debito. Fugir, pelo contrario, a uma prova manifesta de honradez e de probidade, quando os actos passados possam ter levado a desconfiança ao seio dos credores, é aninhar o germem da má fé e ter um procedimento improprio de um cidadão honrado e digno. O estado está no mesmo caso: posta a desconfiança dos credores, a sua obrigação é garantir honradamente a sua palavra e os seus contratos.

Mais ainda. Que inconvenientes podem resultar d'esta garantia?

Mesmo que não fosse dada aos credores externos, se o governo portuguez, feito o novo accordo e sanccionado pela nação, com todas as qualidades de um contrato serio, definido e sagrado, se nós faltassemos uma segunda vez aos nossos compromissos, como já faltámos uma entra, póde alguem imaginar que as nações estrangeiras ficariam de braços cruzados, e não viriam naturalmente tirar, pela exigencia da força, aquillo a que nós tinhamos faltado por deficiencia do dever?

Pois, se porventura nós ámanhã, depois do nosso procedimento passado, não tivessemos a probidade, a honradez e sinceridade que devemos a nós mesmos e aos nossos credores, não estariamos certamente sujeitos a que os governos estrangeiros nos fizessem uma tutella, como se fez á Grecia?

Mas nós temos na mão o poder de fugir a essa consequencia, que é pagar honrada e integralmente aquillo a que nos obrigámos; e, se temos esta faculdade, aonde está o perigo d'esta clausula, quando o credor estrangeiro só exige que resgatemos honradamente os nossos compromissos?

O sr. Luciano Monteiro: - V. exa. tem muito empenho em ensinar o caminho ao credor estrangeiro?

O sr. Presidente: - Peço ordem.

O Orador: - Eu respondo a s. exa. Eu folgo muito com quaesquer observações, venham de onde vierem; e, especialmente, vindo do meu amigo o sr. Luciano Monteiro, com quem muito sympathiso.

Eu já disse a s. exa. que a doutrina do projecto é do governo, e as rasões com que o defendo são minhas, o pela minha parte julgo que não se deshonra o paiz, nem me deshonro como relator, dizendo até onde poderiam chegar as consequencias da nossa má fé. (Apoiados.)

Se estivessemos aqui fatiando uma linguagem duvidosa e suspeita aos credores que nos escutam, e nos não apresentassemos com a franqueza de homens de bem, que desejam resgatar honradamente as suas faltas passadas, é que, segundo entendo, se compromettia a dignidade do paiz.

O sr. Luciano Monteiro: - E honra que precisa de canção hypothecaria.

O sr. Presidente: - Peço ao sr. deputado que não interrompa o orador.

O Orador: - Não me incommoda.

O sr. Presidente: - Se s. exa. se não incommoda com isso, o sr. deputado póde interrompel-o.

O Orador: - Já que s. exa. se dirigiu a mim, com o que muito folgo, permitia-me tambem que me dirija a s. exa.

A deshonra não está na caução, está em termos chegado por nossa culpa a esta situação. (Apoiados.)

A desgraça está em que precisâmos de fazer um accordo com os credores estangeiros para robustecimento do credito, para o resgate dos nossos compromissos, para o desenvolvimento do nosso fomento. E, se temos na historia o logar de uma nação briosa e honrada, devemos conservar, acima de tudo, a honra, o brio e a dignidade. (Apoiados).

Para mim não ha grandeza alguma, absolutamente nenhuma, que possa emparelhar-se com esta.

Se nas minhas palavras ha alguma cousa que seja inconveniente ou impolitico, acceito a correcção da camara e do governo.

Mas, habituado a apresentar-me com a simplicidade da minha consciencia, sem refolhos, com a franqueza da minha alma, dizendo abertamente o que sinto, não posso encobrir a verdade, nem quando fallo a respeito dos estrangeiros.

Uma das rasões por que o sr. conselheiro Dias Ferreira acha tambem perigosa essa clausula, pela qual se consignam ao pagamento dos juros dos credores externos os rendimentos das alfandegas, é porque assim ficarão tambem esses rendimentos consignados ao pagamento da divida consolidada, e portanto perpetuamente consignados. Mas eu já mostrei que essa divida consolidada tem de ser amortisada e paga no mesmo periodo da divida amortisavel, e por consequencia é infundado o argumento de que os rendimentos das alfandegas ficarão eternamente consignados a ella.

A outra rasão por que s. exa. não quer que se consignem estes rendimentos é extraordinaria. Eu ouvi hontem o meu illustre amigo e mestre, que muito respeito, e por cujo talento tenho a maior admiração, porque s. exa. representa no paiz uma gloria juridica, que póde emparelhar-se com as mais levantadas do estrangeiro. Sympathiso com os seus dotes de estadista, acho-o dotado de uma

Página 297

SESSÃO N.° 17 DE 12 DE FEVEREIRO DE 1898 297

energia apreciavel, e entendo que não ficou deshonrado na sua gerencia ministerial perante a historia do nosso paiz; mas quando hontem ouvi s. exa. apresentar tal rasão, para mostrar que não deviamos consignar aquelles rendimentos, fiquei hesitante, e perguntei a mim proprio, se o erro seria do mestre se do discipulo.

Essa rosto é que na lei de 23 de fevereiro de 1892, devida ao governo de s. exa., se pedia auctorisação para consignar quaesquer rendimentos em geral, mas não o das alfandegas, e que era inconveniente consignar estes, que mais facilmente se podiam fiscalisar...

Uma voz: - Não foi isso.

O Orador: - E sobre elles se podia exercer maior vigilancia...

(Interrupção que não se ouviu.)

Se eu estou em erro, o sr. Dias Ferreira, que me está ouvindo, póde rectificar.

O sr. Dias Ferreira: - V. exa. dá-me licença? Eu não costumo interromper quem me responde, portanto não se admire v. exa. de eu não me ter levantado para lhe responder, porque reservo-me sempre para em replica poder dizer o que julgo opportuno, por isso que uma interrupção ás vezes corta o fio do orador, o que é desagradavel.

Eu não disse isso que s. exa. me attribue. Disse que em logar de ficar especialmente consignado o rendimento das alfandegas, ficava á escolha do governo o consignar para a junta do credito publico como garantia, quer dos credores nacionaes, quer dos estrangeiros, certos e determinados rendimentos. Foi isto o que eu quiz dizer.

O Orador: - De maneira que a unica differença que ha entre a lei promulgada por s. exa. e o projecto do actual governo, é que, por essa lei, ficava o governo auctorisado a poder consignar os rendimentos que quizesse, emquanto que, pelo projecto do governo, os rendimentos que têem de ser consignados, são os das alfandegas.

Mas, se nós queremos, visto que esse é o pensamento do accordo, dar honrada, franca e sinceramente uma garantia aos nossos credores, e se a garantia que o sr. conselheiro Dias Ferreira queria, era segura, certa, ísenta de todos os sophismas, indiferente se torna que nós consignemos o rendimento das alfandegas ou outra qualquer receita que esteja nas mesmas condições.

Se, porém, essa consignação preferida aos rendimentos das alfandegas não era tão seguro, tão isenta de cuidados e de suspeitos para os credores, certamente que o procedimento do governo que assim sophismasse as seguranças que se prestou a dar, não seria compativel com a honra e com a dignidade nacional. E eu appello para o proprio sr. Dias Ferreira.

Se ao escriptorio do illustre deputado chegasse um individuo e lhe dissesse: «Eu tenho um credor, contrahi com elle um compromisso sagrado, preciso honrar esse compromisso e dar uma garantia a esse crador. Entre os meus bens tenho uma propriedade de valor seguro e certo, e tenho tambem outros menos seguros e até umas leiras manhosas que elle não póde vigiar, que têem complicações e servidões que ninguem descobre, e diferentes encargos que as oneram: que devo fazer?»

V. exa., com a sua probidade e honradez, com o modo serio e levantado com que tem feito da sua advocacia um verdadeiro sacerdocio, respondia: «Cumpra o seu compromisso, seria, honrada e dignamente, e não sophisme a sua obrigação.»

Ora nós estamos exactamente nas mesmas circumstancias.

Impressionou-se s. exa. com as declarações feitas no comité francez reunido em 14 de dezembro de 1897, constantes do relatorio apresentado por s. exa.; e tambem essas declarações o levaram a repellir a idéa do projecto consignar os rendimentos das alfandegas ao pagamento dos credores externos.

O sr. conselheiro Dias Ferreira chamou hontem a essa reunião uma reunião memoravel; e ainda hoje se referiu a ella, invocando o relatorio como um dos principaes textos da sua argumentação.

Eu vou dizer á camara o que vale o documento a que se referiu o sr. conselheiro Dias Ferreira.

Em primeiro logar, não tem nomes nem assignaturas. O presidente de que ahi se falla, é designado por um simples N, e os que se dizem credores por srs. M N e X. Em segundo logar, não se sabe onde foi feito. Em terceiro logar, qual foi o comité que figurou ahi?... Porque ha differentes comités.

(Apartes da esquerda.)

O sr. Luciano Monteiro: - V. exa. está enumerando os deficiencias juridicas d'esse documento. Pergunto se lhe falta o reconhecimento do tabellião.

O Orador: - Faz s. exa. muito bem em lembrar isso. É tambem outra falta, a do reconhecimento do tabellião, apesar de que nem sequer havia assigaturos que renhecer.

O sr. Luciano Monteiro: - V. exa. está discutindo este negocio que é um negocio nacional, como se fôra assumpto que eu tratasse no meu escriptorio na rua Nova do Almada, n.° 24.

O Orador: - Eu estou apreciando o que o documento vale em si. Isto é o inicio da minha argumentação sobre o mesmo documento.

Temos diversos comités; o comité Garier, de que faz parte o conde de Reilhae, o comité de iniciativa franco-portugueza, o comité Fonrnier e outros. Qual d'elles é o que se refere n'este documento? Quantos credores figuraram? Qual a importancia dos creditos? Trata-se de um comité isolado ou mais do que um?

Nada consta do documento, e nada se sobe a tal respeito, a não ser que o meu amigo o sr. dr. Luciano Monteiro o explique, visto que, pelas palavras que lhe ouvi em áparte, me pareceu que s. exa. sabia tudo.

O sr. Luciano Monteiro: - Desconheço tudo, mas entre a resposta do governo e a pergunta que lhe dirigem, não faz nenhuma declaração sobre o que se passou e o que encontrou em um documento impresso; regulo-me por este documento em vista do silencio do governo.

O sr. Presidente: - Peço no sr. deputado que não interrompa.

O Orador: - Não me incommodam cousa nenhuma os interrupções, antes as desejo, para que possa ir destruindo as duvidas e objecções que se apresentarem.

V. exa. cumpre o regimento e faz muito bem, mas eu estou perfeitamente á vontade.

O sr. Presidente: - Segundo o regimento, nenhum sr. deputada póde interromper o orador sem o seu consentimento e da presidencia.

O Orador: - Está muito bem.

Felizmente estou a fallar com um jurisconsulto; vou, por isso, expor novamente, em conclusão, os defeitos d'este documento; e depois é s. exa. o sr. Luciano Monteiro que ha de julgar, se v. exa. me dér licença, para lhe fazer uma pergunta.

Primeiro, não só sabe se é um comité isolado ou se é a maioria ou totalidade dos comités que figuraram na reunião a que o documento se refere. Em segundo logar, não se sabe quem foi o presidente, porque figura simplesmente um anonymo! E, em terceiro logar, não se sabe a somma dos credores que aqui figuraram, nem quaes foram! São quatro, seis, oito, dezeseis? Quantos foram? Só adivinhado. (Apoiados.)

Não tem assignatura, não se sabe aonde foi feito e onde teve logar a reunião; e não tem nada que garanta a sua authenticidade. Isto em relação á fórma.

Agora pergunto ao sr. Luciano Monteiro, que é um ornamento da advocacia, (e tenho tido o gosto de apreciar os recursos da sua grandissima intelligencia em questões que, como advogado, tenho tratado com s. exa.): «se ao escri-.

Página 298

298 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ptorio de s. exa. chegasse um individuo para tratar de uma questão insignificante, por exemplo - permitia-me a expressão - da simples compra de um burro (Riso.) com um documento d'esta ordem, que não tem assignatura, que não tem data, que é anonymo, não se sabendo quem n'elle figurou, v. exa. faria obra por similhante documento?!...»

O sr. Luciano Monteiro: - Eu respondo e vem a geito. Se fossem ao meu escriptorio consultar-me sobre a venda de um burro, eu apreciaria e veria todos os documentos. Mas deixe-me dizer a s. exa., que parece confundir a nacionalidade portugueza com um burro; e de facto assim é, porque o projecto do governo, na opinião de s. exa., mira fatal e inevitavelmente ao meu caso, chamar borro a Portugal!...

O Orador: - o meu pensamento é nitido e claro para toda a camara; sirvo-me d'esta comparação, como me poderia servir de um campo, de um pedaço de terra ou de um objecto mais insignificante, uma arma, um revolver; é um exemplo como outro qualquer.

Já me não dirigirei a s. exa., para que não imagine que o quero incommodar, mas dirijo-me aos advogados d'esta camara, onde de facto ha bastantes e muito illustrados, a quem pergunto directamente: «digam-me se um documento n'estas circumstancias podia servir de prova irrefragavel?»

Isto em relação á fórma externa; mas, pelo que respeita ao conteudo, ha cousas muito mais graves e attentatorias n'este documento.

Contém elle, desde o principio até ao fim, um tom desagradavel e quasi injurioso para o nosso paiz! Este documento refere-se á gerencia do sr. Dias Ferreira, e diz «que, em consequencia dos factos passados no seu ministerio, todas as cautelas são poucas em relação aos intermediarios»! E eu vou citar as paginas:

São, pagina 14, onde se lê: «Le comité, dans sou rapport lu tout à leure, faisant allusion aux pourpalers qui eurent lieu sous le ministere de mr. Dias Ferreira, a dit qn'on ne saurait se montrer trop circonspect sur les qualités et pouvoirs des négociateurs.»

E, demais, elle está recheado de palavras deprimentes para o nosso paiz. Dizem, por exemplo, aqui os nossos credores, que é preciso fazer um bloqueio na bolsa de Paris, para obrigar o governo portuguez a acceitar o convenio com elles; e todo este conteúdo não respira senão a hostilidade aberta e má vontade contra o nosso governo. E é este documento que o sr. Dias Ferreira classificou como parto de uma reunião memoravel!

Mais ainda. No fim das conclusões d'essa reunião, encontra-se o seguinte, que é edificante:

«Segunda resolução. - A assembléa, considerando que é de interesse commum de Portugal e de seus credores que a regulamentação de todas as suas dividas exteriores seja effectuada com urgencia, emitte o voto de que a reparação seja completa e comprehenda todas as emissões portuguezas, sem excepção.»

Note-se bem, todas eu dividas exteriores, mesmo as de D. Miguel! Bem se póde ver aqui o dedo do conde de Reilhae, o nosso inimigo e o nosso diffamador!

Pois bem, é tudo isto que o sr. Dias Ferreira acaba de exaltar n'esta camara e de que fez uma das suas principaes argumentações, para mostrar que a base principal do projecto que se discuto não podia ser acceita!

Escuso de dizer mais nada, para fazer caír pela base, n'este ponto, a argumentação de s. exa.

E agora perguntarei qual é mais vexatoria: a consignação dada aos nossos credores do rendimento das nossas alfandegas, ou o estado actual, como resulta da lei de 20 de maio de 1893? Nós, por este projecto, consignando o rendimento das alfandegas, nada temos com os credores, nem elles comnosco, porque os rendimentos das alfandegas chegam de sobejo para os assegurar e para que elles se não inquietem com a fiscalisação. Mas, pelo regimen actual, os credores tinham de nos vigiar constantemente; e como tem acontecido, e consta - segundo creio - de reclamações internacionaes, se desviassemos ou diminuissemos um ceitil só do rendimento das alfandegas, ahi estariam elles a protestar e a desconfiar da nossa boa fé.

D'este modo, desapparecerá, pois, a vexação d'essa tutela ominosa que resulta da legislação anterior, de que o governo não tem a minima responsabilidade, e pela qual não podiamos abater um ceitil do rendimento das alfandegas, sem inconvenientes internacionaes, nem podiamos augmental-o, sem que metade fosse para os credores externos.

Pelo projecto que se discute, daremos, é certo, uma garantia, mas completamente desprendida de toda a vexação; e essa garantia tambem o sr. conselheiro Dias Ferreira se prestava a dal-a na lei de 1892.

Para mostrar que não resulta d'aqui nenhuma deshonra para o paiz, citarei tambem uma outra auctoridade insuspeita n'esta camara, que tenho pena de não ver presente, porque desejava testemunhar-lhe na presença o grande apreço em que tenho o seu enorme talento e o resplendor d'essa intelligencia assombrosa, que constitue um dos vultos mais proeminentes da nossa moderna historia politica. Refiro-me ao sr. Marianno de Carvalho.

No livro que elle escreveu, Planos financeiros, diz muito expressamente, a pag. 98, o seguinte:

«Dar segurança aos credores, quando com elles se ajusta reducção dos juros e amortisações, que se torna impossivel pagar integralmente, não nos parece que tenha nada de deprimente para a dignidade de uma nação, sempre que - repetimos - n'essa concessão de seguranças não haja quebra de decoro, nem diminuição dos direitos soberanos.»

Aqui está uma opinião insuspeita, escripta por um homem cuja auctoridade n'estes assumptos é irrefutavel.

Creio ter demonstrado que não ha nada de deprimente para o paiz na garantia consignada no projecto; mas, se alguma cousa ha de deprimente, a culpa não é nossa. (Apoiados.) E tanto mais que, segundo tenho ouvido dizer, uma condição irrevogavel, lembrada pelos credores externos, para se poder fazer o accordo com elles, é o garantirmos nós, de um modo definitivo, o pagamento do seu credito.

E repetirei novamente. Se é deprimente similhante consignação, muito mais deprimente é o regimen que resulta da lei de 20 de maio de 1893, pela qual os credores têem direito a fiscalisar, e fiscalisar ceitil a ceitil, o que arrecadamos nas alfandegas, levantando a toda a hora, por causa d'isso, reclamações contra o nosso paiz. (Apoiados.)

Segue-se tratar da outra clausula do projecto, e é a que se refere ás despezas da operação.

O sr. Dias Ferreira não se referiu a este ponto, mas eu quero tratar completamente de toda a materia, como entendo e posso, segundo os meus pequenos recursos. Por consequencia, refiro-me a este ponto, franca e desassombradamente; e, sem esperar pela argumentação da opposição, vou ao seu encontro.

Estas despezas estão calculadas n'um terço do valor nominal do fundo amortisavel. Calculando estas despezas, andam por oitocentos e tantos contos, e com o valor do cambio, a 50 por cento, approximadamente, andarão ellas por 1:300 contos, tambem approximadamente. Mas o governo só gastará, dentro d'este limite, o que for necessario; e, quando tenha de gastar tudo, terá de emittir titulos para isso, vindo assim, quando muito, o encargo annual a ser de 60, 70, 80 ou 90 contos, conforme a taxa do juro dos papeis que emittirmos.

Eu não sou mathematico, e por isso peço aos srs. deputados, conhecedores do assumpto, que corrijam este calculo, se n'elle ha inexactidão. Em todo o caso, o erro, se o ha, não será grande; e, calculada assim a media em 70,

Página 299

SESSÃO N.° l7 DE 12 DE FEVEREIRO DE 1898 299

em 80 ou 90 contos por anno, é intuitivo que esse encargo será largamente compensado com a vantagem da differença do cambio que resultará d'esta operação e coma faculdade de podermos manobrar á vontade com as pautas das alfandegas, elevando-as ou abaixando-as em nome das exigencias do commercio, da industria e do consumo, alliadas ás necessidades do thesouro. (Apoiados.)

E, demais, este accordo com os credores deve ser feito como ponto de partida de uma vida nova? {Apoiados.)

N'este ponto concordo eu com o sr. Dias Ferreira, porque se o projecto ficasse, que não fica, isolado na nossa vida economica, o proveito d'elle seria, em grande parte, perdido. (Apoiados.)

Mas não se trata d'isso, e, pelo contrario, deve elle ser o inicio da nossa reconstituição economica, e, por assim dizer, o lastro da nossa nova organisação financeira. (Apoiados.)

Só é preciso para isso que o governo, com uma administração regrada e por uma economia rigorosa, aproveite todos os fructos d'este conversão e d'este accordo com os credores.

É preciso tambem que, por uma escrupulosa politica de moralidade, demos aos estrangeiros que nos vigiam e aos nacionaes que nos escutara, um exemplo sincero da nossa contricção. E já que estou n'esta corrente, permitta-se-me que interrompa um pouco a ordem que ta seguindo, para dizer que é preciso ainda cortar, sem dó nem piedade, n'este corpo combalido do paiz, e metter fundo o bisturi n'esta gangrena que tudo avassalla. (Apoiados.) Acabaram de uma vez as aguas molles na governação, e n'aquellas cadeiras (apontando para os srs. ministros) devem sopitar-se durante algum tempo os impulsos bondosos do coração; (Apoiados) porque é necessario onerar dura, fria e cruelmente, cortando a valer e amputando sem commiseração, (Apoiados.)

Com este projecto, com o incitamento do fomente, com o desenvolvimento da moralidade politica, com o estabelecimento dos principios de boa administração e economia, teremos o inicio da nossa regeneração financeira e economica. (Apoiados.)

Se o governo andar n'este caminho, a sua obra será meritoria, se trilhar um caminho differente, não devemos ficar vinculados a elle e seguiremos o destino que nos indicar a nossa consciencia. Mas nós temos tudo a esperar do zêlo, intelligenoia e inquebrantavel energia, alliada á justa moderação, com que o governo tem dirigido os destinos do paiz. Se continuar no mesmo systema de administração proveitosa, e, ao mesmo tempo, serena, prudente e tranquilla, sem saltos mortaes, sem tropelias bruscas, com que tem gerido os interesses da nação, e devemos todos esperar confiadamente, para honra d'elle e do paiz, que assim succederá, os fructos d'esta operação serão completos (Apoiados.)

Eu tenho ainda de dizer mais alguma cousa sobre este capitulo. A materia é vasta e a camara desculpará...

O sr. Presidente: - O sr. deputado tem ainda um quarto de hora para concluir o seu discurso.

O Orador: - Eu vou então resumir.

Em relação á forma, aos encargos e ás despesas, mostrei já a justiça e conveniencia do projecto. Vamos agora ao modo do pagamento, outra clausula que tambem levantou grande indignação por parte do meu amigo e nobre deputado sr. Dias Ferreira.

S. exa. tombem não quer que este pagamento seja feito pelo banco de Portugal; mas que o seja, como antigamente acontecia, pela junta do credito publico.

Ora os pagamentos devem ser feitos da maneira mais economica, mais commoda para todos e de modo que o serviço seja o mais bem feito. E quem está mais habilitado a fazel-o n'estas condições? Certamente o banco de Portugal, que tem empregados proprios, industriados e ensinados n'esse mister e mais espalhados por toda a parte, e que, com grande presteza, póde fazer o pagamento em qualquer praça emquanto que a junta do credito publico havia de ter para esse serviço empregados novos e menos experientes, fazer muito mais despeza e ter esses empregados em menos praças. Bastava esta consideração para se saber que, ainda n'esta parte, o projecto deve ser votado.

E que inconveniente póde resultar de ser feito esse pagamento pelo banco de Portugal? Pois o banco de Portugal não é já quem faz os pagamentos dos juros da divida interna? E, se elle é competente para fazer o pagamento dos juros da divida interna, porque não ha de ser competente para fazer igualmente os da divida externa?!

Ficarem em deposito os quantias arrecadadas para pagamento aos credores não me parece que seja offensivo, pois poupa trabalho ao governo, e tanto importa que o dinheiro sáia d'esta como d'aquella gaveta. Onde ha, pois, qualquer vexame para o paiz em que esse pagamento seja feito por uma corporação que o póde fazer com maior facilidade do que a junta?

S. exa. ainda achou extraordinario que no projecto se dissesse que seriam consignados em primeiro logar os rendimentos das alfandegas, por entender que essas palavras são igualmente aviltantes para o credito do paiz. Mas s. exa. sabe bem, que, não se tratando de uma hypotheca em bens immobiliarios, para a qual a simples prioridade do registo implica a preferencia, é mister que no acoordo se declare expressamente essa preferencia, a fim de que os credores a possam ter efectivamente. Alem de que essa questão de palavras, n'um assumpto de tanta gravidade, carece de valor.

Tenho de pôr de parte muitas considerações que desejava fazer, para ver se posso concluir dentro dos poucos minutos que me faltam.

Vamos á segunda operação do projecto - a consolidação da divida fluctuante. Segundo o mesmo projecto, o governo é auctorisado a consolidar a divida fluctuante e a poder dar ás quantias mutuadas com esse destino 1/2 Por cento sobre o juro effectivo que corresponda ao consolidado na data da operação.

Já mostrei que não havia augmento de encargos no terço por conta dos despezas da operação, e vou agora mostrar que tambem não ha augmento de encargos, com relação a este 1/2 por cento.

Primeiramente, era necessario consignar esta auctorisação, porque se os mutuantes quisessem contentar-se unicamente com os juros dos titulos consolidados, compravam-n'o na praça. Se elles fornecem o seu dinheiro, é claro que pretendem mais alguma cousa, e d'ahi provém a necessidade de auctorisar o governo a poder contratar com elles n'esse sentido. Mas na divida fluctuante entram 24:000 contos de réis gratuitos, devidos ao banco de Portugal. O governo não pensa naturalmente na conversão d'essa divida, porque, sendo gratuita, não ha necessidade de augmentar por emquanto, por cansa d'ella, os encargos do thesouro, e ha ainda outras dividas que, embora vençam juros, não são opprimentes, e por isso o governo, só por uma operação muito vantajosa, deverá por emquanto tratar da sua consolidação.

Por isso só é urgente por ora a consolidação da divida fluctuante externo, que anda por quatro mil e tantos contos de réis; e vamos a ver se, n'esta parte, augmentam ou não os encargos do estado. Este ponto é importantissimo, porque se, na divida fluctuante, não ha tambem encargos, fica destruida pela base toda a argumentação do sr. José Dias Ferreiro.

Ora, para mostrar que effectivamente, ainda n'esta parte, não ha augmento de encargos, peço licença para ler um pequeno calculo, que, por ser muito resumido, não incommodará a camara, e que prova evidentemente o que acabo de demonstrar.

Página 300

300 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

«Nota do juro distribuido a cada divida externa, incluindo a percentagem das alfandegas:

Fundo 1893-1894 1894-1895 1895-1896 1896-1897 Medias

3 por cento 1,109 1,152 1,308 1,055 1,156

4 por cento 1,475 1,538 1,772 1,410 1,548

41/2 por cento 1,666 1,734 2 1,590 1,747

«Tomando por base o juro de 1,055 por cento que se abonou no ultimo anão aos titulos de 3 por cento, e suppondo que estes estão cotados a 20, o juro effectivo que dão é

20 : 1.055 :: 100 : x x = 5,275 por cento;

e acrescentando mais 1/2 Por cento, obteriam os 5,775 por cento para juro limite da operação destinada á consolição da divida fluctuante.

«Se tomarmos por base o juro medio de 1,156, e suppozermos que os titulos estão no mercado a 20 por cento, o seu juro effectivo será de

20 : 1.156 :: 100 : x x - 5,780;

e juntando 1/2 por cento, o juro da operação será limitado a 6,28 por cento.

«Ora a divida fluctuante externa, com todos os perigos que offerece ao governo, recebe juro não inferior e 6 1/1 por cento.»

Quer isto dizer que actualmente pagâmos um juro maior pela divida fluctuante do que ficaremos pagando pela consolidação. E aqui tem a camara como a despeza proveniente d'essa consolidação tambem não augmenta os encargos do thesouro que actualmente existem, e, pelo contrario, os diminue.

Em conclusão: parece-me ter respondido cabalmente, tambem n'este ponto, demonstrando ao sr. conselheiro José Dias Ferreira que, nas despezas da operação, não ha encargo para o thesouro, nem igualmente o ha na consolidação da divida fluctuante.

Aonde está por isso o perigo d'esta auctorisação e receio de uma horrorosa bancarota, como o sr. Dias Ferreira suppoz, quando encheu de cores negras o quadro da nossa situação financeira e nos pintou á beira de um abysmo? Não podemos pagar os encargos da operação e são os mesmo que já tinhamos!

Aonde está essa pressão do estrangeiro, e esse cutello de que s. exa. faltou tão indignadamente?

Aonde essa cousa horrorosa que nos envergonha e opprime, quando temos sómente o encargo de dar honradamente a garantia do nosso procedimento e da nossa lisura, em troca da nossa redempção economica e da diminuição das despezas, e de podermos socegada e desafogadamente tratar do desenvolvimento do nosso fomento?

A outra operação do projecto é a consolidação da divida interna e externa; mas, n'esta parte, escuso de cansar a camara, bastando referir-me ás palavras pronunciadas pelo sr. Dias Ferreira, quando s. exa. declarou que desejava se empregassem todos os esforços para reduzir a divida externa a interna. De harmonia com esse desejo, tambem no projecto se pede á camara auctorisação para essa conversão. E, por um lado, reduzindo nós a divida interna a externa os credores serão obrigados a supportar, em casos extraordinarios, qualquer sacrificio para o interesse geral da nação. Por outro lado, não podemos negar aos credores estrangeiros a faculdade de quererem tambem partilhar das garantias que damos á divida interna, desde que reciprocamente queiram sujeitar-se ás mesmas condições dos credores internos. Por consequencia, ainda por essa parte, se justifica plenamente o projecto.

Falta-me ainda responder a alguns argumentos de menor importancia do sr. Dias ferreira; mas reatam poucos minutos para a hora, e vou por isso dispor d'elles, para apreciar resumidamente os tres quesitos que o illustre deputado enunciou, ao começar hoje o seu brilhante discurso.

O primeiro é que o projecto torna impossivel a conversão e impossibilita a marcha do governo; e já demonstrei que elle não torna impossivel a conversão, nem impossibilita a marcha do governo. Pelo contrario, com a approvação d'este projecto e realisada a operação a que elle se refere, o mesmo governo ficará mais desaffrontado das dificuldades que têem impendido sobre o paiz.

O segundo quesito «é que o thesouro não póde com as prestações que tem a pagar, e dentro em poucos annos u não poderia satisfazer». E já demonstrei o contrario. Pois se actualmente se podem pagar os encargos que se têem pago, e se uma das vantagens do projecto é fazer diminuir esses encargos e conseguir a amortisação de titulos, mais baratamente, por meio de compra no mercado, e exactamente com menor sacrificio do thesouro, e se d'estas operações deve resultar o renascimento da nossa vida economica, é obvio que a argumentação do sr. Dias Ferreira fica destruida.

O terceiro quesito «é estar a administração estrangeira encoberta em varios pontos do projecto». Mas já mostrei igualmente, que em logar de serem vexatorias as disposições actuaes do projecto, pelo contrario são muito menos vexatorias e muito mais convenientes do que as da lei de 20 maio de 1893, (Apoiados) promulgada pelo proprio sr. Dias Ferreira e do que as resultantes do regimen actual.

Termino aqui as minhas considerações. E, se porventura das minhas palavras - preciso dizer isto porque sou completamente inexperiente em cousas parlamentares - se porventura das minhas palavras se póde deprehender alguma idéa que possa melindrar qualquer membro d'esta camara, ou houve alguma phrase que não fosse tão correcta como devia ser n'este templo da lei, n'este templo da justiça, eu declaro que tive apenas o desejo de tratar a questão e de mostrar que estudei, sem, por fórma alguma, querer melindrar qualquer membro d'esta camara.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Presidente: - A sessão encerra-se ás seis horas e meia, para as quaes faltam dez minutos; não sei se o sr. Mello e Sousa quer usar da palavra.

O sr. Mello e Sousa: - Bem vê que a hora está muito adiantada, mas não é demasiado, tarde para, em seu nome, como portuguez, como deputado e como membro da opposição, protestar contra a inconveniente declaração que deshonra o paiz, do reconhecimento aos credores estrangeiros de exigirem caução como garantia por falta de cumprimento de contratos, declaração esta feita com a approvação da maioria.

Contrastando com este procedimento, viu-se, ha pouco, que a pequena Grecia, esmagada por uma potencia, derrubou dois gabinetes primeiro que se curvasse ás mais poderosas potencias do mundo.

Já se vê, portanto, que muito prudentemente procedeu a opposição, quando apresentou a sua moção de ordem. Pretendia assim evitar as exigencias do estrangeiro, antes de se tratar com elle, e evitar tambem que o governo e a sua maioria viessem aqui justificar as exigencias do estrangeiro, como se fossem seus procuradores.

É caso unico...

Vozes da maioria: - Isso é falsos.

Levanta-te tumulto, e o sr. presidente interrompe a sessão.

(Cinco minutos depois foi reaberta.)

O sr. Presidente: - Tenho de dar uma explicação á camara.

Quando o sr. Mello e Sousa usava da palavra, levantou-se, por uma natural susceptibilidade da camara, uma certa agitação, provocada por amas palavras do orador,

Página 301

SESSÃO N.º 17 DE 12 DE FEVEREIRO DE 1898 301

que não se ouviram distinctamente na mesa, mas que me pareceram ser no sentido de que a maioria é n'esta casa procuradora da credores estrangeiros.

Se s. exa. assim o disse, certamente foi alem do seu pensamento; no caso contrario, estou certo de que s. exa., com a franqueza propria do seu caracter, rectificará as suas palavras, porque não póde deixar de dar explicação sobre uma phrase, cuja gravidade escuso de encarecer.

O Orador: - Explica. O que disse foi que o proprio sr. relator havia justificado a moção, apresentada pelo sr. Baracho, em nome da minoria; pois que s. exa. com as suas considerações e asserções parecia indicar que reconhecia nos estrangeiros o direito de virem tornar-nos contos da nossos esbanjamentos, se faltassemos ao pagamento dos seus creditos.

Tratava, por isso, de mostrar que em presença das palavras do sr. relator, apoiadas pela maioria, e dadas as condições e garantias do projecto, s. exa. poderia parecer um procurador e defensor dos interesses aos credores estrangeiros...

Susurro. Protestos da maioria.

O sr. Adriano Anthero (interrompendo): - Eu não disse o que me attribue o sr. Mello e Sousa. Desejo restabelecer a verdade.

O Orador: - Continuando, diz que quando o illustre relator explicava a exigencia da garantia...

O sr. Presidente: - V. exa. permitte que o sr. relator o interrompa para explicar o que disse.

O Orador: - Responde que com a melhor vontade.

O sr. Adriano Anthero (relator): - Desejo apenas dizer que houve um equivoco na interpretação dos minhas palavras.

Eu não disse que os credores estrangeiros tinham o direito de vir pedir-nos contas, disse que elles naturalmente viriam (Muitos apoiados da direita), o que é um pouco diferente.

O sr. Presidente: - Depois da explicação dada pelo sr. relator, o sr. Mello e Sousa não póde insistir nas suas palavras. N'estas condições considero terminado o incidente, sem aggravo para a camara, nem para ninguem.

A ordem do dia para segunda feira é a mesma que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram tres horas e meia da tarde.

Documentos mandados para a mesa

Representação

Da direcção da sociedade de geographia de Lisboa, no sentido de não ser eliminada do orçamento do estado a verba de 600$000 réis que aquella sociedade recebe annualmente como subsidio para despesas de correio e expediente.

Apresentada pelo sr. presidente da camara, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

Justificação de faltas

Declaro que faltei á sessão de hontem, 11 de fevereiro, por motivo de doença. - O deputado, Luiz José Dias.

A secretaria.

O redactor - Sá Nogueira.

Página 302

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×