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N.º 17

SESSÃO DE 15 DE FEVEREIRO DE 1902

Presidencia do Exmo Sr. Matheus Teixeira de Azeredo

Secretarios - os Exmos. Srs.

Amandio Eduardo da Moita Veiga
José Coelho da Motta Prego

Lida e approvada a acta, dá-se conta do expediente. - O Sr. José de Alpoim realiza o seu avião previo sobre o conflicto com o cabido de Lomego, respondendo-lhe o Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques). - O sr. Custodio Borja communica a constituição da commissão do ultramar e propõe que sejam aggregados a essa commissão os Srs. Almeida Dias, Christovam Ayres, Domingos Eusebio da Fonseca e Matheus do Sampaio, o que é approvado pela Camara. - Mandam documentos para a mesa os Srs. Raposo Botelho, Queiroz Ribeiro, Carlos Soares Cardoso, João Augusto Pereira, Alexandre Cabral, Sousa Tavares, Moraes Carvalho Sobrinho e Conde do Paçô-Vieira.

Na ordem do dia (continuação da interpellação do Sr. João do Alpoim, sobre o uso que o Governo fez das auctorizações que lhe foram concedidas pelo Parlamento) usam da palavra os Srs. Francisco e Conde de Medeiros, Ministro das Obras Publica? (Manuel Francisco de Vargas) e Conde de Penha Garcia, que fica com a palavra reservada. - Antes de se encerrar a sessão, trocam-se explicações entre os Srs. Antonio Cabral e Ministro dos Obras Publicas.

Primeira chamada - Ás 2 horas da tarde.

Presentes - 10 Senhores Deputados.

Segunda chamada - As 21/2 horas.

Abertura da sessão - Ás 3 horas e l quarto.

Presentes - 61 Senhores Deputados.

São os seguintes: - Alberto Allen Pereira de Sequeira Bramão, Alberto Antonio de Moraes Carvalho Sobrinho, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alfredo Cesar Brandão, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Alvaro de Sousa Rego, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Anselmo Augusto Vieira. Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Barbosa Mendonça, Antonio Belard da Fonseca, Antonio Centena, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Maria de Carvalho Almeida Serra, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio de Sousa Pinto do Magalhães, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Fuschini, Augusto Neves dos Santos Carneiro, Carlos Alberto Soares Cardoso, Caribe Augusto Ferreira, Carlos Malheiros Dias, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Conde de Castro e Solla, Conde de Paçô-Vieira, Domingos Eusebio da Fonseca, Ernesto Nunes da Costa Ornellas, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Francisco Roberto de Araujo de Magalhães Barros, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Guilherme Augusto Santa Rita, Henrique Vaz de Andrade Basto Ferreira, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Alfredo de Faria, João Carlos do Mello Pereira e Vasconcellos, João Marcellino Arroyo, João de Sousa Tavares, Joaquim Antonio de Sant'Anna, José Antonio Ferro de Madureira Beça, José Caetano de Sousa e Lacerda, José Coelho da Motta Prego, José da Cunha Lima, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria Pereira de Lima, Julio Maria de Andrade e Sousa, Luciano Antonio Pereira da Silva, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz José Dias, Luiz de Mello Correia Pereira Medella, Manuel Joaquim Fratel, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Marques de Reriz, Matheus Augusto Ribeiro Sampaio e Matheus Teixeira de Azevedo.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Abel Pereira de Andrade, Affonso Xavier Lopes Vieira, Agostinho Lucio e Silva, Alexandre José Sarsfield, Alfredo Augusto José de Albuquerque, Alipio Albano Camello, Antonio de Almeida Dias, Antonio Augusto de Sousa e Silva, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Cesar da Rocha Louza, Belchior José Machado, Carlos de Almeida Pessanha, Conde de Penha Garcia, Custodio Miguel de Borja, Fernando Mattozo Santos, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Frederico Ressono Garcia, Frederico dos Santos Martins, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Henrique Matheus dos Santos, Ignacio José Franco, João Augusto Pereira, João Ferreira Craveiro Lopes de Oliveira, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim Faustino de Poças Leitão, José Dias Ferreira, José Jeronymo Rodrigues Monteiro, José Maria de Oliveira Simões, José Mathias Nunes, José Nicolau Raposo Botelho, Lourenço Caldeira da Goma Lobo Cayolla, Luiz Fisher Berquó Pôças Falcão, Luiz Gonzaga doa Reis Torgal, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Antonio Moreira Junior, Rodrigo Affonso Pequito e Visconde de Mangualde.

Não compareceram á sessão os Srs.: - Alberto Botelho, Albino Maria do Carvalho Moreira, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Antonio Affonso Maria Vellado Alves Pereira da Fonseca, Antonio José Boavida, Antonio Roque da Silveira, Antonio Sergio da Silva e Castro, Antonio Tavares Festas, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Arthur Eduardo de Almeida Brandão, Augusto José da Cunha, Avelino Augusto da Silva Monteiro, Christovam Ayres do Magalhães Sepulveda, Eduardo de Abranches Ferreira da Cunha, Eduardo Burnay, Francisco José Patricio, João Joaquim André de Freitas, João Monteiro Vieira do Castro, Joaquim da Cunha Telles e Vasconcellos, Joaquim Pereira Jardim, José Adolpho de Mello e Sousa, José Caetano Rebello, José da Gama Lobo Lamare, José Joaquim Dias Gallas, José Joaquim Mendes Leal, José de Mattos Sobral Cid, Julio Augusto Petra Vianna, Julio Ernesto de Lima Duque, Libanio Antonio Fialho Gomes, Manuel Homem de Mello da Camara, Manuel de Sousa Avides, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marianno José da Silva Prezado, Ovidio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Paulo de Barros Pinto Osorio, Visconde de Reguengo (Jorge) e Visconde da Torre.

Acta - Approvada.

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

EXPEDIENTE

Officio

Do Ministerio dos Negocios Estrangeiros, remettendo 180 exemplares de cada um dos fasciculos do Boletim Commercial, n.°s 10 a 12, do 1900, e l a 10, de 1901, que foram publicados no anno passado, depois do encerramento das Camaras legislativas.

Para a secretaria.

Segunda leitura

Projecto de lei

Senhores. - Em 12 de abril do 1899 requereu o major reformado da provincia de Moçambique, André Corsino Teixeira Osorio, como acto de equidade e justiça, que lhe fosse melhorada a sua reforma.

Invocava cose requerimento um precedente: a lei de 18 de janeiro de 1883, em que se converteu o projecto n.° 231, de 29 de maio de 1882.

Fundava-se na disposição da portaria de 14 de janeiro do 1871, que garantia aos officiaes do exercito do reino, quando passassem para as guarnições das provincias ultramarinas, todas as vantagens do seu primeiro despacho para o ultramar, menos quanto a antiguidade na escala da respectiva classe.

Trata-se, pois, de tornar effectiva a disposição d'aquella portaria, na sua applicação á reforma concedida áquelle official julgado incapaz do serviço em 31 do janeiro de 1895, e que em 24 de abril do 1878 fôra, pela primeira vez, despachado para o ultramar.

O requerimento não teve andamento algum, e, para simplificar o estudo do assumpto e o justo deferimento do pedido, tenho a honra do submetter á vossa apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Ao major reformado da provincia do Moçambique, André Corsino Teixeira Osorio, é melhorada a reforma na que lhe pertencia em 31 de janeiro de 1895, se desde 24 de abril de 1878, data em que foi despachado, na conformidade do decreto do 10 de setembro de 1846, fosse considerado alferes da guarnição da provincia de Moçambique.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario. = Vaz Ferreira.

Foi admittido e enviado á commissão do ultramar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. José de Alpoim para realizar o seu aviso previo ao Sr. Ministro da Justiça, apresentado na sessão de 14 de janeiro, sobre o conflicto com o Cabido de Lamego.

O Sr. José de Alpoim: - Declara desde já que não traz nas suas palavras nenhuma aggressão pessoal, nem politica. Quando, o anno passado, teve a Loura de dirigir um aviso previo ao Sr. Ministro da Justiça, disse que lhe tinham causado funda impressão os ataques violentos que contra elle, orador, então Ministro da Justiça, dirigiram alguns dos seus subordinados, e desde então fez o proposito de afastar de semelhantes processos, não porque se arreceio dos debates, mas porque são um triste symptoma as indisciplina, e do dissolução moral. Terá, por isso, o maior cuidado na forma como vae dirigir-se ao Sr. Ministro da Justiça, porque não quer ser acoimado de se deixar dominar pela paixão partidaria, ou de atacar a religião.

Na sua opinião o Sr. Ministro da Justiça procedeu mal; andou irregular, illegalmente, no conflicto com o cabido de Lamego.

Elle, orador, é catholico por impulso do seu cerebro e do seu coração, como pelas tradições do nosso país, mas não pode admittir que o clericalismo queira dominar o poder civil, offendendo as leis e desprezando prerogativas que, vêem de seculos.

É profundamente liberal, mão não pertence ao numero d'aquelles que, prezando-se do liberaes, são, na phrase do grande escriptor, intolerantes, como frades.

Não quer que o Estado use da sua força para cercear os direitos do catholicismo, mas não pode tambem admittir que este queira exercer acção nos negocios do Estado, e impor-se ao poder civil.

Estas considerações, que em todo o tempo teriam sempre razão de ser, muito mais a teem na actualidade, em que um grupo de homens pretende formar um partido clerical.

Abstendo-se de mais considerações, que devem estar no espirito de todos, vae entrar propriamente no assumpto do seu aviso previo, mas antes d'isso deseja dirigir uma pergunta ao Sr. Ministro da Justiça, solicitando de S. Exa. a fineza de uma resposta immediata.

O Sr. Ministro da Justiça considera como prerogativa do Estado, uma regalia da Coroa, uma regalia liberal, contra a qual qualquer desobediencia constituo um crime, a insinuação do nome do membro do cabido, dado o caso de sede vacante que deve ser eleito para vigario capitular?

O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): - Responde affirmativamente.

O Orador: - Nesse caso, permitta S. Exa. que lhe diga, agradecendo a sua resposta, que não a soube defender convenientemente, porque não puniu aquelles que offenderam essa prerogativa.

A 3 de dezembro morria o bispo de Lamego; a 4 era esse fallecimento participado ao Sr. Ministro da Justiça; a 5 fazia o Sr. Ministro lavrar a respectiva carta regia e obtinha para ella a assignatura de El-Rei que, com certeza lh'a deu com todo o aprazimento, porque elle, orador, como Ministro, em identicas circumstancias, teve occasião de apreciar a paixão e o amor com que Sua Majestade defendo as prerogativas da Coroa, as regalias liberaes.

A 6, era expedida a carta regia, e, nesse mesmo dia, o deão da Sé, que é o presidente nato do cabido, fazia convocar o mesmo para o dia 9, a fim do eleger o vigario capitular. Levantando-se, porem duvidas sobre a forma como a convocatoria se fez, foi a reunião adiada para o dia 10.

No dia 9, estava o deão em Lamego; pois apesar d'isso, alguns membros do cabido reuniram-se, na Sé e ali, tumultuariamente, em altos brados, na presença da policia civil, nomearam, por acclamação, para vigario um sacerdote que, elle, orador, crê, desempenhava ali as funcções de arcipreste. Contra semelhante facto protestou o deão, porque o cabido não podia reunir, sem ser convocado por elle.

O cabido participou essa nomeação ao Sr. Ministro da Justiça, e como não tivesse sido obedecida a carta regia, S. Exa. expediu uma portaria, ordenando ao cabido que acatasse o que nessa carta se insinuava, dizendo, e nisso defendia a boa doutrina, que, da mesma forma que o Estado provia todos os beneficios ecclesiasticos, não se comprehendia que na eleição do logar do vigario capitular elle não tivesse do intervir. Esta é a verdadeira theoria, que foi respeitada em todos os seculos, mesmo no tempo em que o clero se impunha.

O cabido não acatou essa portaria; continuou em rebeldia, e o Sr. Ministro da Justiça depois de ter escrito que essa rebeldia constituia um crime previsto e punido pela lei, limitou-se a cortar as relações officiaes com o cabido; nada mais fez. Foi alguma cousa, decerto, mas muito pouco, sobretudo, como já fez notar, no momento actual, em que se procura formar um partido clerical.

Foi ou não um crime previsto pela lei, a desobediencia

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do cabido? Se foi, como o proprio Sr. Ministro o confessa, o seu dever era entregar os delinquentes aos tribunaes; delinquentes o cumplices, porque tambem ou houve, aquelles que d'elles acceitaram nomeações.

Estes são factos, por si bastante graves, mas ha cousa mais grave; é que a carta regia que foi assignada no dia 5, não foi expedida no mesmo dia, pois que o governador civil de Viseu só a recebeu no dia 7 ás duas horas da tardo. Não quero culpar d'essa demora o Sr. Ministro da Justiça, mas não falta quem ciga que foi propositada.

Tendo chegado a Viseu a 7, o governador civil expediu-a, para Lamego ao administrador do concelho, onde chegou no dia 8, que por ser dia santo não a recebeu e só teve conhecimento d'ella no dia 9 á noite, porque durante o dia tinha estado ausento.

Isto revela a extraordinaria leviandade com que o Sr. Ministro da Justiça procedeu, não se podendo comprehender que tão pouco cuidado lhe merecesse um documento de tal importancia. E é exactamente isto o que faz com que se diga que se procurou favorecer escuros o vesgos facciosismos partidarios.

E agora, pergunta: - É certo que S. Exa. está tratando com Roma para obter da Santa Sé um documento pelo qual fiquem assegurados os direitos do Estado? Se assim é, muito mal procedo o Sr. Ministro, porque ha lei escrita e lei consuctudinaria, que não precisa do reconhecimento de ninguem. S. Exa. não deve trotar com Roma, por honra do Governo, por honra da Coroa.

Á eleição, feita em nome da religião e das leia canonicas, foi uma verdadeira burla, como o proprio Sr. Ministro reconheceu em documentos emanados de S. Exa. Foi uma burla, porque foi feita contra as leis da religião, que são claras a esse respeito, o contra o que dispõe o Concilio de Trento, por isso que a eleição se fez á porta da sala, em altos brados, na presença da policia, por acclamação, quando devia ler sido feita em escrutinio serroto, por escrito, e recair em pessoa idonea, que, segundo o concilio, deve ser um licenceado em canones, o porque os não ha, num bacharel em theologia.

Alem d'isso, o cabido foi convocado pelo chantre, quando o devia sor pelo deão, que não estava ausente.

Isto tudo constituo motivos de nullidade e origem para processo. Porque o não manda instaurar o Sr. Ministro da justiça?

Resumindo: entendo que o Sr. Ministro da Justiça não empregou, como devia, todos os meios ao seu alcanço para punir aquelles que, não acatando a carta regia, desrespeitaram as leis e o frenderam as prorogativas da Coroa.

(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): - Vae responder ás considerações do orador procedente.

Ainda bem que veiu cedo a Camara a discussão do conflicto com o cabido de Lamego, porque pode, finalmente, dizer da sua justiça, justificar o seu procedimento, demonstrar, até á evidencia, que defendeu, como lhe cumpria, a lei e que não deixou marear o brilho de nenhuma das prorogativas da Coroa.

Serenamente, como quem tem por si a razão e a justiça, vão fazer a historia do processo.

No dia 3 de dezembro falleceu em Lamego o venerando bispo d'aquella diocese, e nesse mesmo dia, ao cair da tarde, recebia elle, orador, communicação telegraphica d'esse fallecimento. Immediatamente, no cumprimento do seu de ver, procurou informar-se na secretaria do qual seria a pessoa, dentro do cabido, que reunia as condições necessarias para vigario. Responderam-lhe que era o deito, bacharel formado em theologia e professor do sciencias theologicas do seminario. Soube tambem, nessa occasião, que elle não era affecto ao partido regenerador, que era mesmo o chefe do partido progressista em Lamego; mas apesar de ser elle, orador, acoutaddo do faccioso, fez immediatamente lavrar a carta regia, que no dia seguinte levou á assignatura do El-Rei.

Seria possivel proceder com maior rapidez ha defesa das prorogativas da Coroa, proceder com maior desprendimento politico?

Assignada a carta regia no dia 5, nesse mesmo dia foi ella expedida ao governador civil de Viseu, ordenando-lhe que a fizesse chegar ao seu destino e communicasse o dia e hora da entrega.

A correcção d'este procedimento não correspondeu com igual correcção o cabido de Lamego.

Convocada a reunião do cabido para o dia 9, levantaram-se duvidas sobro a forma por que a convocatoria linha sido feita e foi adiada para o dia 10. A esse tempo já constava em Lamego que tinha chegado a carta regia e então o Chantre officiou aos membros do cabido convocando-os para o dia 9. O deão o mais dois conegos protestaram o abandonaram a sala da reunião, mas os restantes retiraram-se para uma outra sala, e, passados alguns momentos, vieram annunciar que tinha sido proclamado vigario, não a pessoa que tinha sido insinuada pelo Governo, mas outra.

Este facto foi communicado a elle, Ministro, que, immediatamente telegraphou ao governador civil dizendo-lhe que não podia tolerar tal procedimento o que cortasse as relações officiaes com o vigario que tinha sido illegalmente eleito. E não fez só isto, officiou ao commissario da Bulla da Cruzada, dando-lhe parte do conflito e dizendo-lhe que fizesse recolher no cofre da Bulla da Cruzada todo o rendimento da diocese e que lhe desse conta da forma como estas ordens tinham sido cumpridas. Expediu mais uma portaria ao cabido, dizendo-lhe que as razões que allegava não podiam ser acceites, e officiou a todos os seus collegas do Ministerio, participando-lhe o que só tinha passado, para que elles tambem, por sua parte, cortassem as relações officiaes com o vigario. Mais ordenou ao escrivão da Camara Ecclesiastica, que é empregado do Governo, para que se abstivesse do dar execução ás ordens emanadas do vigario nomeado pela maioria do cabido.

Que mais podia elle, orador, ter feito?

O que é que se poderia fazer que elle não tivesse feito, logo num prazo de cinco dias e quando a doença o atormentava?

Para maior segurança oxpôs á Procuradoria Geral da Coroa todo o seu procedimento, consultando-a se conviria ir mais alem, e o Sr. Procurador Geral da Coroa, numa lucidissima exposição applandiu completamente o seu proceder, dizendo-lhe mesmo que elle fôra mais alem do que alguns seus antecessores tinham ido.

Quanto á instauração do processo crime, não lhe parece que haja conveniencia em o fazer, porque em questões de tribunaes não é acertado proceder, senão quando ha a certeza da sentença, e, elle, orador, lembra-se perfeitamente que em 1875, quando se dou um conflicto identico, o Supremo Tribunal de Justiça foi de opinião que a desobediencia do cabido não constituo crime.

Não é elle, orador, do mesmo parecer, por isso que a lei é expressa; o na propria Carta Constitucional é dada a El-Rei a attribuição do provimento dos beneficios ecclesiasticos.

O Sr. José de Alpoim: - Não contestou nada do que o Sr. Ministro está dizendo, antes o affirmou, o por isso julga desnecessarias essas considerações; o que deseja é que S. Exa. diga terminantemente se está ou não resolvido a punir aquelles que desacataram as leis do país.

O Orador: - Tem-se demorado na exposição dos factos, por julgar conveniente que a Camara e o país saibam como elles se passaram e como elle, orador, procedeu.

Quanto a instaurar-se processo, já disse ao razões por que o julgava inconveniente.

Das palavras do Sr. José do Alpoim podia inferir-se

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que as auctoridades administrativas de Viseu o Lamego não procederam com a correcção o presteza que o assumpto reclamava, e não sabe mesmo se até se referiam a elle, orador.

(Pausa).

Como S. Exa. não confirma essas palavras, dirá apenas que, se estivesse convencido de que essas auctoridades tinham faltado propositadamente ás ordens que lhe foram dadas, o Sr. Presidente do Conselho com certeza as não manteria no seu logar.

Crê ter demonstrado que empregou todos os meios ao seu alcance para que as prerogativas regias não fossem desrespeitadas, e tem a satisfação de participar á Camara que o Sr. Governador Civil de Angra o informou do que tendo reunido o cabido, esto elegeu para vigario a pessoa que na carta regia lhe fôra insinuada.

(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Custodio Borja: - Mando para a mesa a seguinte

Participação

Tenho a honra de participar a V. Exa. e á Camara que se acha constituida a commissão do ultramar, sendo escolhido para presidente o Sr. Conselheiro Marianno Cyrillo de Carvalho e a mim participante para secretario. = Custodia

Mando tambem para a mesa a seguinte

Proposta

Tenho a honra de propor que sejam aggregados á commissão do ultramar os Srs. Deputados: Antonio de Almeida Dias, Christovam Ayres de Magalhães Sepulveda, Domingos Eusebio da Fonseca e Matheus Augusto Ribeiro de Sampaio. = Custodio Borja.

Mando igualmente para a mesa o seguinte

Requerimento

Roqueiro a V. Exa. que consulte a Camara sobre se permute que, durante a sessão, se reunam e funccionem conjuntamente as commissões de saude e do ultramar. = Custodio Borja.

A participação foi para a acta.

A proposta e o requerimento de S. Exa. foram approvados.

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia.

Os Srs. Deputados que tiverem, papeis para mandar para a mesa podem fazê-lo.

O Sr. Raposo Botelho: - Apresento a seguinte

Declaração

Declaro que lancei na caixa das petições um requerimento do capitão medico Augusto José Domingues de Araujo, em que pede lhe seja contado, para effeito de reforma, o tempo que serviu como medico municipal. = Raposo Botelho.

Para a acta.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Apresento o seguinte

Aviso previo

Tenho a honra do participar a V. Exa. que desejo interrogar o Sr. Presidente do Conselho, Ministro do Reino, sobre a dissolução da Camara Municipal de Lisboa, soas razões e consequencias. = Queiroz Ribeiro.

Mandou-se expedir.

O Sr. Carlos Soares Cardoso: - Mando para a mesa um projecto de lei, contando ao desenhador de 2.ª classe do quadro auxiliar de engenheiros de obras publicas, addido ao quadro da Direcção Geral do Serviço de Engenharia, Antonio Baptista Ribeiro, o tempo que serviu no exercito, para o effeito da sua aposentação.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. João Augusto Pereira: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que seja enviada a esta Camara, pelo Ministerio da Justiça, e com a maxima urgencia, o seguinte:

Copia da syndicancia ordenada ao juiz de direito e delegado do Procurador Regio da comarca de Santa Cruz, bachareis José do Barros e Sousa e José Maria Malheiro. = João Augusto Pereira.

Mandou-se expedir.

O Sr. Alexandre Cabral: - Apresento o seguinte

Aviso previo

Desejo interrogar o Sr. Ministro das Obras Publicas sobre o estado da viação no districto de Braga e nos concelhos de Marco de Canavezes e Baião, do districto do Porto. = Alexandre Cabral.

Apresento, tambem, o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio das Obras Publicas, me seja remettida, com urgencia, uma nota, contendo o seguinte:

1.° Despesa feita com todo o pessoal das obras publicas do districto de Braga no anno de 1901;

2.º Despesa feita com a construcção de estradas reaes e districtaes em cada um dos concelhos do districto de Braga no anno de 1901;

3.° Desposa feita, com reparação de estradas reaes e districtaes em cada um dos concelhos do districto de Braga no anno do l901;

4.° Despesa feita com construcção de estradas reaes e districtaes o (separadamente) com reparação das mesmas no concelho de Marco de Canavezes, do districto do Porto, no anno de 1901;

5.º Idem relativamente ao concelho de Baião, do districto do Porto. = O Deputado, Alexandre Cabral.

Mandaram-se expedir.

O Sr. Sousa Tavares: - Mando para a mesa uma representação dos distribuidores supranumerarios do correio de Beja.

Vae por extracto no fim da sessão.

O Sr. Moraes Carvalho Sobrinho: - Apresento tambem uma representação dos distribuidores supranumerarios do correio de Viseu.

Vae por extracto no fim da sessão.

O Sr. Conde de Paçô-Vieira: - Mando para a mesa os pareceres das commissões de guerra o da fazenda, sobre a proposta de lei n.° 22-P, de 1901, que isenta do pagamento da contribuição de renda de casas os officiaes do exercito arregimentados.

Foram a imprimir com urgencia.

ORDEM DO DIA

Continuação da interpellação do Sr. José de Alpoim sobre o uso que o Governo fez das auctorizações que lhe foram concedidas pelo Parlamento.

O Sr. Francisco de Medeiros: - Disse que começava por cumprir um dever de cortesia parlamentar e de justa e merecida deferencia pessoal para com o Sr. Ministro das Obras Publicas.

Via presente o illustre Ministro; e isso significava cer-

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tamente que elle esta restabelecido da sua saude, pelo que sinceramente o felicitava.

Mandou depois para a mesa a seguinte

Considerando que o artigo 18.° da lei de 12 de junho de 1901, com relação ao artigo 32.°, n.º 6.º o alenea a) da lei de 3 do setembro de 1897, prohibia expressamente que em toda a reforma de serviços, que no uso da respectiva auctorização fosse decretada polo Governo, se augmentasse a despesa actual;

Considerando que as mesmas leis preceituavam que, para o confronto da referida despesa, com a que resultasse das novas organização de serviços, se devia contar com a despesa que a mais viesse a fazer-se com a criação ou augmento da emolumentos;

Considerando que, ainda mesmo no caso de se poder entender que as referidas leis auctorizavam o Governo a lançar impostos sob a forma dá emolumentos, tal auctorização serviria somente para lançar impostos destinados 4 satisfação de despesas já existentes, e não do novas despesas, que eram prohibidas;

Considerando que o Governo, no regimento dos corretores e no regulamento das bolsas, do 10 de outubro de 1901, criou e augmentou emolumentos, parte dos quaes destinou á remuneração dos corretores e tambem á remuneração dos commissarios do Governo, de que falla o regulamento das sociedades anonymas da mesma data;

Considerando que, independentemente dos emolumentos destinados aos corretores, a despesa com os commissarios do Governo não pode ser calculada desde já em menos de 11:760$000 réis, pois que, tendo sido nomeados já quatorze commissarios, segundo a respectiva nota publicada no Diario do Governo de 23 do janeiro ultimo, cada um d'elles vence annualmente a quantia de 8404$000 reis, como foi communicado pelo Governo a esta Camara;

Considerando que a desposa com os corretores e com os commissarios do Governo é desposa nova, resultante das reformas dos serviços dos corretores, das bolsas e da fiscalização das sociedades anonymas, e por isso prohibida;

Considerando que o Governo, nos citados regimento e regulamentos, decretou penas, que, ou não podia, ou não devia impor:

A Camara reconhece que o Governo nas reformas decretadas por estes diplomas excedeu a auctorização, que lhe for conferida no artigo 18.° da lei do 12 do junho de 1901. = F. de Medeiros.

Depois felicitou o illustre orador, que o procedeu neste debato, pela sua excellente estreia, tendo o Sr. Lopes Vieira affirmado no Parlamento o mesmo distincto merecimento, que no foro português lhe grangeou a justa o merecida reputação de um advogado notavel; e em seguida disse:

Que fazia sentido a intervenção do illustre causidico Sr. Lopes Vieira neste debate, que era como que a instrucção de um processo para o julgamento da historia, processo em que o Governo é o réu, representante do Ministerio Publico a opposição parlamentar progressista, e advogado do defesa do Sr. Lopes Vieira;

Que, não podendo ser juiz na causa o país, por ser o queixoso nella, nem a maioria parlamentar por estar feita com o réu o ser politicamente nas mãos do Sr. Hintze Ribeiro como a lima nos mãos do artifice, o não tendo nós ainda uma lei do responsabilidade ministerial, o não havendo para onde só recorra, só pode o julgamento ser proferido pela historia; e a historia ha ao dizer que nunca em Portugal se viu outra cousa assim, ou mesmo parecida;

Que a questão está posta, pelo seu querido amigo Sr. José de Alpoim, parlamentar illustre e estadista preclaro, verdadeiro homem do futuro, por que o futuro pertence sempre aos homens de verdadeiro valor, que sabem encará-lo com firmeza e tambem com a audacia precisa para as occasiões; tendo o Sr. Alpoim provado com factos irreductiveis a formidavel accusação por elle feita ao Governo, de ter abuzado monstruosamente da respectiva auctorização parlamentar para a reforma do serviços, augmentando em muitos centos do contos do réis a despesa publica, que elle tinha o dever legal de reduzir ou pelo menos de não augmentar;

Que o governo se defendem, declarando que longe de augmentar a desposa, antes pelo contrario fizera notaveis economias, mas que não tendo o governo provado tal defesa, deve elle reputar-se perdido no conceito publico como réu convicto do desperdicios dos dinheiros publicos, largamento desbaratados em favor e para regalo da sua clientela politica;

Que, tendo o distincto parlamentar o seu amigo Sr. Antonio Cabral apresentado, na sessão de 5 d'este mês, uma moção, convidando o Governo a publicar, com a brevidade possivel, no Diario do Governo, uma conta minuciosa e justificada das allegadas economias, e requerendo na sessão de hontem o Sr. Beirão, illustre leader da minoria progressista, estadista do altos meritos, uma das figuras mais justamente proeminentes da politica portuguesa, e sobretudo um grande homem do bera, que a moção do Sr. Cabral fosse votada immediatamente, a maioria da Camara, de acordo com o Governo, votara contra o requerimento do Sr. Beirão.

Que, só não é um acto de loucura o procedimento do Governo e da maioria, não queria então dar-lhe a devida classificação, parecendo até incrivel que o Governo, o primeiro interessado em dar contas dos seus actos, se boas as pudesse prestar, recusasse a publicação d'aquella conta minuciosa o justificada das economias notaveis, que, falsamente, teem sido alardeadas por elle;

Que depois d'este delirium tremens de reformas, sem conta nem peso nem medida, o tal pregão de economias notaveis chega a escandalizar, o parece um escurnco cuspido nas faces do país, d'esse grande soffredor, que paga todas as loucuras dos seus governantes, o que tudo supporta como intima, vili, para todas as experiencias;

Que, na verdade, é um repugnantissimo ludibrio fazer montes do reformes, em que nenhum funccionario publico é lançado á margem, em que os vencimentos de muitos são augmentados e o numeroso exercito dos empregados publicos é reforçado com muitos centos de novos funccionarios, todos bem retribuidos, dizendo-se depois que longo de se augmentar a despesa, antes pelo contrario, foram feitas notaveis economias;

Que quem ler despreoccupadamente as ultimas palavras do n.º 6.° o as primeiras palavras da alinea a) do artigo 32.° da lei de 3 de setembro de 1897... «ficando expressamente prohibido em toda a reforma, que no uso d'esta auctorização foi decretada, augmentar a despesa actual...» e attentar especialmente naquellas palavras sublinhadas, conhecerá á primeira vista que a prohibição ali imposta se refere, não á totalidade das reformas efectuadas, nem ainda á totalidade das reformas dentro de cada Ministerio, como pretendam o Sr. Hintze Ribeiro e o Sr. Lopes Vieira, com uma sophisteria demasiadamente translucida, mas sim a toda a reforma, ou seja a cada reforma ou a qualquer reforma effectuada, sendo que a intelligencia dada á lei polo Sr. Hintze Ribeiro no Parlamento diverge profunda o essencialmente da que lhe foi dada pelo Sr. Mattozo Santos no relatorio que precede o decreto de 24 do dezembro do 1901 sobre a reforma da Secretaria dos Negocios Estrangeiros;

Que o Governo estava obrigado a não augmentar a despesa em nenhuma das reformas que fizesse, e violaria a lei da auctorização, se augmentasse a despesa em gualquer reforma, embora em todas as mais fizesse economias, podendo estas economias ser circunstancia attenuante das culpas do Governo, mas nunca circumstancia dirimente da

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sua responsabilidade com relação á reforma ou reformas em que augmentasse a despesa;

Que é objecto para se pensar se, não sendo admittida pala nossa constituição politica a delegação dos poderes conferidos ás Côrtes para fazerem, interpretarem, suspenderem e revogarem leis, e parecendo a delegação das Côrtes, no Governo, por meio da respectiva auctorização uma inconstitucionalidade, como cousa contraria á divisão, independencia e equilibrio dos poderes politicos, pode resultar d'ahi que o poder judicial se julgue fundadamente obrigado a não cumprir os decretos feitos em virtude das auctorizações parlamentares, e que os cidadãos se considerem desobrigados de lhes obedecer;

Que, proseguindo na demonstração dos tantos abusos que o Governo praticou em relação á mencionada auctorização para reforma de serviços, vae referir se aos regulamentos dos corretores das bolsas e da fiscalização das sociedades anonymas, de 10 de outubro ultimo, nos quaes

Foram lançados impostos, sob a forma de emolumentos, que o Governo não estava auctorizado a lançar;

Foram determinadas despesas que o Governo não estava auctorizado a ordenar; e,

Foram impostas apenas que o Governo ou não podia decretar ou não devia impor;

Que evidentemente, em face dos citados n.º 6 o alinea a), o Governo não podia augmentar a despesa actual com os servidos organizados naquelles regulamentos; mas elle, em contravenção d'esse preceito, criou a despesa com a retribuição aos carretares, que é inteiramente nova, e alem d'isso a despesa com a remuneração dos commissarios do Governo para, as sociedades anonymas, que é inteiramente nova, tambem;

Que das ultimas palavras, aliás obscuras, da alinea a): «devendo, porem, contar-se para o dito confronto (da despesa actual com a que resulta das novas organizações de serviços) com a despesa, que a mais vier a fazer-se com a criação ou augmento do emolumentos, e com empregados addidos, por virtude das mesmas organizações» - combinadas com as primeiras palavras da mesma alinea, que prohibem o augmento da despesa, não se pode inferir a faculdade de lançar, sob a forma de emolumentos, os impostos constantes da tabella annexa ao regulamento dos corretores, e dos artigos 19.°, 29.° e § unico, e 63.° do regulamento das bolsas;

Que até o contrario d'isto se deve deduzir d'aquellas palavras da lei, visto que esses emolumentos criados ou augmentados não são dominados a satisfazer despesa actual, mas sim despesa inteiramente nova e por isso prohibida pela lei, sendo evidentemente contrasenso uma auctorização legal para lançar impostos destinados a occorrer a uma despesa illegal, ou seja prohibida pela lei;

Que as imposições fiscaes constantes da tabella dos correctores e dos artigos 19.°, 29.° e 63 ° do regulamento das bolsas são inteiramente novas, não se encontrando no regulamento das praças commerciaes de 16 do janeiro de 1837, nem no regulamento das bolsas, de 3 de outubro de 1889, e foram criadas em favor o para regalo dos corretores e dos commissarios;

Que, embora as despesas com os corretores o com os commissarios do Governo não figurem no orçamento do Estado, nem por isso deixam de ser importantes despesas publicas, que se sentem no bolso do contribuinte, que as paga;

Que para o Governo poder nomear commissarios para as sociedades anonymas, teve do revogar em parte o artigo 178.° do Codigo Commercial pelo decreto dictatorial de 2 de setembro de 1901, artigo 3.°, § unico, transferindo para o Governo o direito que tinha a Camara Municipal de Lisboa a nomear fiscaes seus ás respectivas sociedades anonymas; e revogou tambem noutra parte o mesmo artigo 178.º do Codigo Commercial pelo artigo 1.°, § unico, do regulamento da fiscalização das sociedades anonymas; tornando obrigatoria a nomeação de commissarios do Governo, que pelo dito artigo 178.° era facultativa, o que só deveria ser feita segundo o caso ou segundo as circumstancias;

Que já foram nomeados 14 commissarios do Governo com o vencimento annual de 840$000 réis para cada um; e certamente o Governo nomeará mais, porque a artilhadagem é insaciavel;

Que não era bem o caso de se dizer que o poder executivo é sempre tentado a comer, como dizia Borges Carneiro nas Côrtes de 1821; mas sim que o poder executivo é tentado a dar de comer, sendo verdadeiramente diabolica esta tentação quando os Ministerios são regeneradores;

Que nos citados regulamentos foram impostas penas, que podem ir até o maximo da prisão correccional, até á multa de 500$000 réis, e até ao degredo temporariamente, o que é contrario ao disposto no artigo 486.º do Codigo Penal, e manifestamente não parece materia contida numa auctorização legal para reforma dos serviços dos Ministerios e das suas dependencias;

Que isto não pode continuar assim, sendo preciso pôr termo ás auctorizações legaes, que tão nocivas hão sido ao país, tendo este Governo dado a prova irreductivel d'isso com os enormes abusos que praticou no ultimo interregno parlamentar;

Que o nosso organismo politico, todo elle, se encontra num estado profundamente morbido, que é preciso encarar e debellar de frente;

Que o illustre e venerando chefe do partido progressista, Sr. Conselheiro José Luciano de Castro, que é indisputavelmente ha muitos annos o primeiro cidadão do seu país depois do Rei, como o mesmo se disse tambem de Robert Peel, na Inglaterra, nos ultimos l5 annos da sua vida; que o seu querido chefe e velho amigo, com a sua grande auctoridade moral e politica desfraldara já o pendão de guerra contra as dictaduras e auctorizações parlamentares, sendo nessa campanha secundado pelo seu partido, que tanto o respeita e ama, com a sua fé mais viva e com o seu retorço mais denodado; e hão de vencer porque têem por si a verdade e a justiça;

Que precisamos do mudar de processos governativos, politicos, parlamentares e administrativos, principalmente administrativos, sendo isto uma reforma que se impõe pela força das cousas que mais vale e pode do que a vontade dos homens; e é certo que, quando as reformas inevitaveis não são consumnadas do cima para baixo, fazem se mais cedo ou mais tarde, ao inverso, isto é do baixo para
cima.

(O orador foi muito apoiado e cumprimentado pelos seus amigos politicos).

(O discurso, a que este resumo se refere, será publicado na integra, e em appendice, quando S. Exa. devolver as notas tachygraphicas).

Em seguida foi lida e admittida á discussão a moção mandada pare a mesa pelo sr. Medeiros.

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Manuel Francisco de Vargas): - Começo, Sr. Presidente, por agradecer ao illustre Deputado que acaba de falar as palavras amaveis que usou para commigo, e, ao mesmo tempo, aproveito a occasião para, não só a S. Exa., mas a todos os Srs. Deputados de ambos os lados da Camara, agradecer a delicadissima attenção que tiveram commigo durante a minha doença. Não só S. Exa. não exigiram a minha presença nesta casa, o que aliás me era impossivel satisfazer, mas nem censuraram a minha ausencia, nem finalmente os discursos que aqui pronunciaram sobre os differentes assumptos, que teem sido versados, se referiram a mim, ou pelo menos referiram-se o menos possivel.

A tão grande gentileza não posso corresponder senão da maneira que me é dado fazê-lo: protestando a todos o meu profundo e inolvidavel reconhecimento, e muito especial-

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SESSÃO N.º 17 DE 15 DE FEVEREIRO DE 1902 7

mente ao Sr. Medeiros, com cuja amizade me honro ha muito tempo, e que foi, por assim dizer, o interprete do sentir d'esse lado da Camara. (Vozes: - Muito bem).

Como provavelmente S. Exa. sabe, não tencionava vir hoje á Camara, cumprindo as prescripções de um clinico abalizado, honra d'esse lado da Camara, que com tanto carinho me assistiu durante a minha doença: o Sr. Dr. Moreira Junior. Só tencionava vir na proxima sessão. Soube, porem, hontem de manhã, que o Sr. Medeiros tomaria parte na discussão da interpellação que o Sr. José do Alpoim fez ao Governo sobre o uso das auctorizações que lhe foram concedidas, e, tendo-me o mesmo illustre Deputado annunciado em 28 de janeiro um aviso previo ácerca das disposições contidas no regulamento dos serviços da Bolsa e da fiscalização das sociedades anonymas, calculei que seria esse o assumpto de que S. Exa. se occuparia hoje. Nestas circumstancias resolvi antecipar a minha vinda a esta Camara. Em primeiro logar para mais uma vez manifestar a minha consideração pelo Sr. Medeiros, que é uma das honras do nosso Parlamento, pela sua intelligencia e saber, pela isenção com que exerce as funcções de juiz, e pelo seu honestissimo caracter (Apoiados); - devo a S. Exa. esta prova da minha attenção. Em segundo logar, porque entrou no meu espirito uma outro, razão, - razão que toda a gente apreciará, porque todos sentiriam o que eu senti: prevendo que o Sr. Medeiros se refiriria a este assumpto que corro pela minha pasta, entendi que era do meu dever vir dar conta á Camara dos actos que pratiquei. (Vozes: - Muito bem).

E entendi que mo corria esse dever não só para me defender das accusações que me fossem feitas, mau ainda para me justificar e para provar que nos decretos a que S. Exa. se referia, como em quaesquer outros publicados Ceio Ministerio das Obras Publicos, como pelos outros Ministerios, não só o Governo não exhorbitou das auctorizações concedidas, mas ficou muito aquém d'ellas. (Apoiados).

Por consequencia, apesar do ser um reu, como S. Exa. disse, julgo, não que sou um benemerito, mas que o Governo cumpriu o seu dever.

Os illustres Deputados hão de ter a palavra, porque creio que estão dispostos a discutir largamente esta interpellação. Liquidaremos, pois, as nossas contas como e quando quiserem.

(Sensação na esquerda).

Contas dentro d'esta casa, nem podia suppor-se o contrario. (Apoiados).

O Sr. Deputado Francisco de Medeiros começou as suas considerações, dizendo que o estado da sua saude não lhe permittia dar largo desenvolvimento ao seu discurso. A Camara sabe que, se a saude do Sr. Francisco de Medeiros é delicada, a minha o é muito mais. (Apoiados). Por isso não posso entrar em largas considerações.

Álem de que ha uma cousa a que nenhum de nós é superior. Todos temos uma profissão qualquer e, quando queremos manifestar a nossa actividade, a nossa intelligencia, maior ou menor, noutro campo, levamos para lá os habitos da profissão que exercemos. Ninguem escapa á regra. Ora sabem que sou engenheiro, o mais humilde doa engenheiros portugueses. Por isso acostumei-me, quando tinha de estudar um traçado de um caminho de ferro ou uma estrada, a cingir-me o mais possivel ao terreno, não fazendo caso de projectar obras que podiam ser muito bonitas, mas verdadeiramente escusadas. Portanto nesta discussão vou cingir-me tambem, unica e simplesmente ao assumpto, dispensando-me de outras considerações.

O illustre Deputado, o Sr. Medeiros censurou, de um modo geral, o Governo por ter augmentado as despesas e referindo-se a um documento publicado pelo Conselho do Ministros, provocou o Governo a apresentar o balanço, por assim dizer, do augmento da despesa que cada um dos Ministros fez. Eu de modo nenhum, pela consideração que tenho pela minoria parlamentar, quero dar conselhos, nem mesmo fazer censuras a opposição; mas, francamente, querem S. Exa. um balanço mais perfeito e completo do que o Orçamento Geral do Estado? (Apoiados). Quando o Orçamento for apresentado podem discuti-lo á sua vontade.

Uma voz: - Mas não ha Orçamento ainda! Não nos mandam o Orçamento!

O Orador: - V. Exa. sabem que não sou forte em dialectica, mas respondo sempre sincera e lealmente. Não sei quando o Orçamento entrará nesta casa pela simples razão do que ainda hontem á noite pão fui ao Conselho de Ministros, - pelo que não sei o que se tem passado. Mas imagino que, o Orçamento deve ser brevemente apresentado, porque me pediram urgentemente uma parte d'elle.

O Sr. Lourenço Cayolla: - Imagino que ha de estar feito com exactidão!

O Orador: - Não me incommodam os ápartes...

O Sr. Francisco Machado: - Ainda bem, porque eu estava com muita vontade de interromper V. Exa.

O Orador: - Quando o meu nobre amigo o Sr. Machado me quiser interromper sabe que tem licença e liberdade completa e plena para isso.

Respondendo agora ao Sr. Cayolla digo que o Orçamento ha de ser discutido e nessa occasião S. Exa. provarão que elle está errado. E facilimo dizer que uma cousa está certa ou errada; o que é difficil é prová-lo.

Uma voz: - Não ha nenhum que não traga saldo, mas na conta da gerencia ha sempre deficit.

O Orador: - Disse depois, e accentuo agora, que o balanço que o Sr. Francisco de Medeiros pediu com tanta instancia é o Orçamento. Elle virá brevemente á Camara, e então veremos quem tem razão, se a opposição dizendo que o Governo augmentou prodigiosamente a despesa, ou o Governo sustentando que não saiu para fóra das auctorizações.

Sustentou tambem o Sr. Francisco de Medeiros uma theoria peregrina e que eu, francamente, não esperava fosse apresentada por S. Exa. Foi a de que, quando se dá uma auctorização parlamentar para reformar serviços não augmentando a despesa, se deve entender que em cada reforma, tomada isoladamente, se não deve augmentar a despesa. (Apoiados da esquerda).

O Sr. Francisco Machado: - Está claro; nem ninguem nunca entendeu outra cousa!

O Sr. Presidente: - Peço aos Srs. Deputados que não interrompam o orador.

O Sr. Francisco Machado: - Eu estou entupido aqui ha mês o meio e preciso desabafar! (Riso).

O Orador: - Disse ainda o Sr. Francisco de Medeiros que o Governo tinha lançado impostos para cobrir o deficit proveniente do augmento de despesa. Eu não quero, nem a occasião é asada para entrar em largas divagações, dizer o que é imposto e o que não é; limita-me aos decretos publicados pelo meu Ministerio.

Desafio o Sr. Francisco de Medeiros, e seja quem for, a que, em boa consciencia, ma diga se se lançaram alguns impostos por qualquer dos decretos publicados pelo meu Ministerio.

O Governo, num dos decretos de 10 de outubro de 1901, criou taxas sobre differentes operações de bolsa.

Uma voz: - O que são taxas?

O Orador: - O que são taxas? Eu digo ao illustre Deputado sem entrar em largas explicações sobre o assumpto. Taxa é, por exemplo, o que se paga por um telegramma; não é um imposto, é uma taxa. Taxa é, por exemplo, a quantia que se cobra por um transporte feito em caminho de ferro.

(Ápartes).

Ora, pelo amor de Deus, não estejam a empregar argumentos tão frageis como esses. Evidentemente, desde que se paga sae da bolsa de alguem.

Taxa é, por exemplo, o que se pega pelas operações

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da bolsa feitas a prazo. Isto não é imposto nem ninguem nunca lh'o chamou.

Direi mais ao illustre Deputado: para lançar estas taxas sobre as operações de bolsa, nem o Governo precisava de auctorização (Apoiados); podia lançá-las quando quisesse; podia impor a todos que fazem operações na bolsa em certas condições, podia-lhes dizer: os senhores se querem servir-se d'este edificio, só querem que eu lhes garanta por meio do corretores officiaes a validade dos seus contratos, paguem, não como imposto, mas como remuneração de quem trabalha.

É uma cousa perfeitamente differente.

Eu tenho tanto direito, como Ministro das Obras Publicas, de augmentar ou lançar estas taxas, como tenho o direito de fazer subir ou baixar as tarifas dos Caminhos de Ferro do Estado, desde que entenda que vem beneficio para o país da sua elevação ou do seu abaixamento. (Apoiados).

Ainda lhes vou dizer qual foi a auctorização em virtude da qual o Governo publicou os decretos de 10 de outubro de 1901.

Publicou-os, em vista das disposições da lei de 12 de julho do anno passado Mas o Governo não tinha necessidade absolutamente nenhuma de fazer o uso que fez da auctorização parlamentar, porque já estava auctorizado precedentemente para o fazer. Leiam S. Exas. a lei de 20 de junho de 1888, que deve ser muito sua conhecida, porque é referendada pelo Sr. Beirão, e que approva o Codigo Commercial, (Apoiados) e vejam o que ella diz no artigo 6.°

Ahi teem os illustres Deputados, como se podia fazer isso.

Mas ha mais. No proprio Codigo Commercial ha uma auctorização para a criação de bolsas. Diz elle, no sen artigo 83.º:

«A instituição das bolsas depende de Auctorização do Governo, ao qual compete fazer os regulamentos successivos para o regime, policia o serviço d'ellas».

Ora, francamente, eu poderia esperar que me atacassem, dizendo que o Governo tinha exorbitado das auctorizações, que, pela Camara, lhe haviam sido concedidas; mas não esperava que o fizesse o Sr. Deputado Medeiros que sabe, muitissimo melhor do que eu, o que dispunha a lei de 1888.

O Sr. Francisco Medeiros: - Isso está no Codigo Commercial, mas o Governo não invocou essa auctorização legal.

O Orador: - Podia invocar, ou não; mas o facto é que pela lei de 28 de julho, o actual Governo, ou outro qualquer...

O Sr. Ressano Garcia: - São variantes! É um traçado com variantes!

O Orador: - Por minha parte, reputo-o um traçado muito bem estudado. Cada um encara a questão sob o seu ponto de vista.

Outra questão, levantada pela illustre opposição parlamentar, é a de que o Governo andou precipitadamente, apressadamente, como se lhe faltasse tempo para a publicação do decreto.

Ora, que qualquer outro illustre Deputado, que não fosse lido na materia - eu, por exemplo, que ignoro, por completo, es legislações especiaes - dissesse que o Governo andou apressadamente e até, por caminhos escuros, ainda se poderia comprehender; mas o Sr. Francisco Medeiros não tem licença para me dizer isso!... S. Exa. com certeza sabe tudo quanto se tem passado a este respeito, porque é a sua especialidade, especialidade em que S. Exa. é competentissimo.

Eu vou dizer a V. Exa. o que encontrei no Ministerio das Obras Publicas a este respeito: encontrei o regimento dos corretores, o regulamento da bolsa e o relativo á fiscalização das sociedades anonymas.

Em primeiro logar, o Sr. Medeiros referiu-se á lei de 26 de junho de 1889 do Sr. Beirão, que publicou o regulamento das bolsas. Ora veja V. Exa. a novidade de fazer o regulamento das bolsas que já em 1889 foi feito e não é de agora!... Francamente, não tive a pretenção do fazer novidade nenhuma; era uma cousa já tratada, mas que todavia precisava de algumas modificações.

Em 1890 ou 1891 - não pude averiguar bem - foi organizado o regimento do officio de corretor no Ministerio da Justiça: não sei no tempo de que Ministerio, mas desde o momento em que foi feito no Ministerio da Justiça, havia de ser feito por pessoas competentes; - com certeza o Ministerio da Justiça não encarregava de fazer este regulamento pessoas que não tivessem auctoridade para isso. V. Exa. deve saber da existencia d'este regulamento...

(Interrupção do Sr. Francisco de Medeiros).

Tenho-o aqui; mas não foi approvado por diploma nenhum ministerial. E explica-se por que não foi: em 1890 e em 1891 não se fazia senão aquillo que era indispensavel naquella occasião: em 1890 houve a questão com a Inglaterra e em 1891 houve uma gravissima crise!

Mas em 1889 - isto já devem conhecer a maior parte dos Srs. Deputados - em 1889 foi novamente organizado no Ministerio das Obras Publicas o regimento do officio de corretor. Esse projecto não foi approvado.

Eu explico ao illustre Deputado, porque não foi approvado esse projecto, assim como a razão por que não se approvou um outro diploma que já vou citar ao illustre Deputado; não o foi porque esse trabalho fôra apresentado no fim do anno de 1889 e em 1890 o Governo progressista debatia-se já nas vascas da agonia!...

Portanto, não admira.

O Sr. Francisco Medeiros: - Isso é de dois annos.

O Orador: - Passemes, agora, ao regulamento dos officios de corretores, que pareço, tambem, uma cousa por mim inventada, cousa nova.

Em primeiro logar, o codigo, no seu artigo 178.°, que todos conhecemos, e que o illustre Deputado citou, principalmente na questão dos commissarios regios diz:

«As sociedades anonymas que explorarem concessões feitas pelo Estado ou por qualquer corporação administrativa, ou tiverem constituido em seu favor qualquer previlegio ou exclusivo, poderão ser, segando o caso, tambem fiscalizadas por agentes do Governo ou da respectiva corporação administrativa, embora no titulo da constituição se não estabeleça expressamente tal fiscalização.

§ 1.° Esta fiscalização limita-se á do cumprimento da lei e dos estatutos e especialmente ao modo como são satisfeitas as condições exaradas nos diplomas das concessões e cumpridas as obrigações estipuladas em favor do publico, podendo para ella proceder-se a quaesquer investigações nos archivos e escripturação da sociedade.

§ 2.º Os agentes especiaes de que trata este artigo, poderão assistir a todas as sessões da direcção e da assembléa geral, e fazer inserir nas actas as suas reclamações para os effeitos convenientes.

§ 3.° Os agentes especiaes informarão sempre o Governo ou a corporação administrativa competente de qualquer falta praticada pelas sociedades e no fim de cada anno enviar-lhe-hão um relatorio circumstanciado.»

Mas, se foi elle quem reconheceu a necessidade absoluta, instante, immediata, de regulamentar este serviço, como pode o illustre Deputado imaginar que fui eu? Não fui eu; foi o Ministerio progressista. A Camara toda, e principalmente o Sr. Medeiros e os seus collegas de opposição, que occupam uma posição elevada no partido progressista, não podem desconhecer a portaria que vou ler;

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«Cumprindo ao Governo fiscalizar na sociedades anonymas a que se refere o artigo 178.º do Codigo Commercial e a lei de 3 de abril de 1890, e sendo necessario regulamentar a respectiva fiscalização; e

Considerando que é indispensavel definir a acção tutelar do Governo sobre aquellas sociedades, de modo que o seu funccionamento seja conveniente o efficazmente fiscalizado, nos termos da legislação em vigor e dos respectivos estatutos, exigindo lhes a estricta observancia da lei o dos encargos a que se obrigaram para com o Estado ou quaesquer corporações administrativas:

Ha por bem Sua Majestade El-Rei, una termos da auctorização conferida ao Governo pelas leis do 28 do junho de 1888, 3 de abril de 1896 e outras disposições legislativas, nomear pela Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria num commissão composta do Conselheiro Ernesto Madeira Pinto, que presidirá, dos bachareis Conselheiro Carlos João de Oliveira, Augusto Victor dos Santos e Manuel Duarte, do Chefe da repartição do Commercio Joaquim Simões Ferreira e dos engenheiros Antonio Teixeira Judice o Amavel Granger, servindo este ultimo do secretario, a fim de formular um projecto de regulamento para a referida fiscalização, esperando o mesmo Augusto Senhor do zelo, experiencia e conhecimento dos nomeados o cabal desempenho do encargo que lhes é commettido pela presente portaria.

Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria, 11 de novembro de 1899. = Elvino José de Sousa e Brito».

O Sr. Francisco de Medeiros: - Sabe V. Exa. se foi publicado no Diario do Governo algum decreto mais, que não seja o do Sr. Beirão? Desculpe-me V. Exa. só o interrompo.

O Orador: - Eu ouvi V. Exa. com o mais religioso silencio; não obstante, estimo, até, que me interrompa.

Eu não disse que mais algum catava publicado, porque se o estivesse, não teria o trabalho de tornar a publicá-lo. Certamente que não iria fazer cousa já feita.

Tudo isto mostra, porem, que o assumpto não foi descurado, que não é uma invenção minha, que o Governo não andou precipitadamente, que não quis fazer negocios, mais ou manos escuros, uma sim, que reconheceu tratar-se de uma necessidade confessada, por todos os partidos.

A portaria está publicada no Diario ao Governo de 11 do novembro do 1899, em pleno consulado do Governo progressista.

Disse o Sr. Medeiros, apoiado pela opposição parlamentar, que a ancia do Governo era para nomear commissarios regios.

Não ha, Sr. Presidente, accusação mais infundada, sendo, mesmo, parlamentar, que ella partisse do S. Exa.

O Governo estudou, para o que tinha todos os elementos que acabo de apontar, os projectos que existiam no Ministerio o que ao referem mais especialmente a este assumpto; o Governo estudou tudo que existia no Ministerio, estudou o regulamento do corretores, estudou o regulamento das bolsas o dos commissarios, estudou com attenção, depois de estudar, publicou ou decretos e depois de publicar os decretos nomeou os commissarios.

Mas, francamente, se eu não tivesse intenção do nomear os commissarios para que faria eu os decretos? A necessidade de nomear commissarios não era reconhecida por mim; estava reconhecida desde 1890. Nestas circumstancias como é que o illustre Deputado pode, a não ser um pouco, apezar do S. Exa. dizer que não é muito, influenciado pela paixão politica, como é que S. Exa. pode affirmar que houve precipitações na nomeação dos commissarios?

Sr. Presidente: se eu quisesse invocar precedentes, tinha mais e melhor e podia dizer o seguinte: nomeei commissarios depois de ter estudado o assumpto, depois de ter publicado o decreto. Depois do ter regulado o assumpto, depois de ler marcado os serviços dos commissarios nomeei emfim os empregador necessarios para exercerem essas funcções. Pois quer V. Exa. saber o que antes de mim succedeu? Eu chamo a attenção da Camara para este ponto.

Era 11 de novembro o Governo mandava estudar o assumpto e nomeava uma commissão para que lhe apresentasse um projecto de regulamento para a fiscalização das sociedades anonymas; em 2 de agosto do anno seguinte nomeava um commissario junto do uma companhia.

Ora, Sr. Presidente, quem tem d'estas culpas no seu dossier nato vem atacar um Ministro que tem prezado o se preza em seguir sempre o cumprimento do seu dever (Apoiados) não fazendo distincção do ninguem (Apoiados), tomando o seu logar como um encargo o não como um meio do satisfazer a sua vaidade; ou de auferir qual quer vantagem. Porque a verdade é que isso, se não desgosta, magoa um pouco. (Apoiados).

Falou S. Exa. nos ordenados dos commissarios.

Evidentemente marquei os ordenados.

Eu não comprehendo uma idéa, que em mais nação nenhuma se dá, que só em Portugal faz curso.

O ideal de todo o português é ser empregado publico, assim como o ideal do todo o português, que o não é, é descompor o empregado publico, querendo que elle sirva de graça. (Apoiadas).

Não comprehendo isto. Mas o que eu digo é um facto.

Toda a gente quer ser empregado publico, apesar de se saber que á bolsa do contribuinte o que só vae buscar com que satisfazer quaesquer novos encargos. E pedem-se depois economias.

Falo tanto mais desassombradamente quanto é certo que não tenho a honra de ser empregado publico. E a proposito seja-me permittido responder a um áparte que me pareceu ouvir quando o Sr. Medeiros se referiu á reforma do engenharia.

Pareceu-me que alguem disse - não sei quem foi - que ou na reforma da engenharia, não me tinha esquecido de mim. Lamento que uma phrase d'esta ordem tivesse sido pronunciada, fosse por quem fosse. Lamento profundamente.

Nunca na minha vida quis fazer de Catão. Sou um homem como outro qualquer: nem mais nem menos. Quanto á reforma de engenharia, pessoalmente para mim, só teve como consequencia a ser eu eliminado do quadro da engenharia civil. É vergonhoso para o Parlamento de uma nação, vir dizer-se que um Ministro faz uma reforma para proveito sou.

Sr. Presidente: lamento não poder continuar no uso da palavra, porque desejava ainda fazer outras considerações; todavia creio ter respondido a todos os argumentos apresentados pelo illustre deputado. (Apoiados). Vou, pois, terminar, dizendo o que receava ao entrar nesta discussão. Estudei o assumpto o melhor que soube; parecia-me e parece-me que os tres decretou do 10 de outubro de 1901, são decretos que eram necessarios, uteis e vantajosos. (Apoiados).

Estava por consequencia habilitado a defendê-los quaesquer que fossem as accusações que contra elles se fizessem; mas houve uma grande accusação a qual, francamente, declaro, não tinha nada a responder. Eu sou muito leal o por isso digo á opposição parlamentar qual ella é

Todos os projectos que acabo de citar foram por mim consultados. E se S. Exa. cotejarem os decretos que publiquei com esses projectos, verão que pouco ou nada ha de novo nos regulamentos por mim publicados.

Se me tivessem accusado de plagiario ou diria que era verdade.

O meu systema neste assumpto, systema que está de acordo com a minha orientação politica, que não ha motivo algum para occultar - sou conservador e só admitto

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o progresso pela evolução - é legislar, melhorando e modificando o que existe.

Sabia de mala a mais que parte d'esses regulamentos tinham sido feitos por jurisconsultos de valor, honra do foro português e por isso não me julgava mais habilitado, nem tanto como elles, para fazer cousa melhor. Nesse caso o que fiz? Copiei.

Aqui está a resposta a uma das accusações que o Sr. Francisco de Medeiros me fez, do ter excedido a auctorização concedida ao Governo.

Repito que copiei textualmente dos projectos existentes no Ministerio das Obras Publicas e a minha consciencia está tranquilla porque não excedi as auctorizações que ao poder executivo competiam. (Apoiados).

Na minha profunda ignorancia de direito parece-me que aquella limitação a que se referiu o Sr. Francisco de Medeiros á simplesmente para os regulamentos administrativos. (Apoiados).

Estou intimamente convencido de que esta accusação pelo facto de exceder a auctorização é injustificada, como está plenissimamente justificado tudo que fiz. (Apoiados).

Não posso continuar e por isso peço á Camara me desculpe. No entanto creio ter respondido a todas as accusações. (Apoiados).

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi muito cumprimentado).

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Conde de Penha Garcia: - Sr. Presidente: vou começar por dirigir um elogio, se não ao Governo, pelo menos a um dos seus membros. Sirva-lhe isso ao menos de desconto aos seus peccados, já que tão poucas vezes o Governo nos dá occasiões que, como esta, nos seriam tão agradaveis.

Não tenho que renovar ao Sr. Conselheiro Vargas as minhas felicitações pela sua vinda á Camara, porque isso já foi feito, e muito bem, em nome da minoria d'esta casa do Parlamento, pelo Sr. Francisco de Medeiros; mas pelo que desejo felicitar S. Exa. é por ter cumprido o seu dever vindo aqui, pois dever é, quando se discute nesta casa o uso ou abuso que o Governo fez das auctorizações parlamentares, ser aquelle que d'ellas usou quem se levante para defender os seus actos. (Apoiados).

Sr. Presidente: na discussão do uso das auctorizações parlamentares, eu entendo que só o titular da pasta, aquelle que usou da auctorização concedida pelo Parlamento, tem realmente auctoridade para responder ás accusações que aqui lhe são feitas. (Apoiados). Eu bem sei que á maioria incumbem tambem deveres, e deveres de que ella se desempenha briosamente, pois já tivemos occasião de ouvir a palavra de alguns dos seus oradores mais fluentes e notaveis; mas não comprehendo que cada um dos Ministros, que são os unicos responsaveis das reformas realizadas em virtude das auctorizações, deixo de responder pessoalmente para justificação dos seus proprios iactos.

Sr. Presidente: ao escutar com toda aattenção o discurso do Sr. Conselheiro Vargas, logo ás primeiras palavras uma cousa me encheu de assombro; disse-nos S. Exa. que o Governo ficara aquém das auctorizações parlamentares, que o Governo podia ter ido muito alem, e eu, confesso o, não pude deixar de me sentir tomado de um movimento de terror ao pensar que o Governo ainda não está satisfeito com a sua obra de desorganização e esbanjamento, e julga que ainda se poderia enaltecer mais!

Sr. Presidente: a maneira como o Governo usou das auctorizações, encontrei-a paraphraseada admiravelmente e caracterizada em poucas linhas num trecho de um livro, uma das joias da litteratura portuguesa, que se chama a Arte de Furtar. Intitula-se o capitulo VIII: Como se furta ás partes, fazendo-lhes mercês e concedendo-lhes misericordia.

Por esta regra se guiou o Governo no uso que fez das auctorizações parlamentares.

Fez mercês e misericordias; mas V. Exa. verá, e verá o país, só essas mercês e misericordias não hão de pesar muito na bolsa do contribuinte. (Apoiados).

Dizia o padre Antonio Vieira, ou outrem que tão bem soube imitar o seu estylo inigualavel, o seguinte:

«Offereceu-se o milhano á gallinha para ser seu enfermeiro em uma doença, e em cada visita lhe mamava um pinto pela calada; até que deu fé, pela diminuição de sua familia e casa, que a mercê que lhe fazia o seu medico tinha mais de furto do que de misericordia».

Assim foi tambem o Governo ao usar das auctorizações parlamentares.

Elle pediu as auctorizações, como medico do país que enforma, a enferma perigosamente com uma gravissima crise financeira que desponta já, infelizmente, nos horizontes dos acontecimentos politicos e economicos do nosso país. (Apoiados).

Elle, que tinha pedido as auctorizações para obter cura para algumas das manifestações d'essa doença, veiu pela calada com cada uma das auctorizações, e por formas diversas foi sugando mais e mais da bolsa do contribuinte o que era necessario para pagar as já enormes e esmagadoras despesas que pesam sobre este país, e que agora foram augmentadas.

É verdade que o Governo nega a pés juntos que tal acontecesse, mas nesta singular defesa vê-se sobretudo a influencia do Sr. Presidente do Conselho, do chefe do Governo.

S. Exa. e não vae nisto offensa, tem, como orador parlamentar, processos de dialectica que vulgarmente se chamam jesuiticos.

A interpretação que o Governo deu ás auctorizações parlamentares é, como a dialectica do Sr. Hintze Ribeiro, arrevezada, de sophismas, de subtilesas bysantinas, porque outra cousa não é vir dizer-se, quando se criam taxas ou emolumentos que não são impostos, como só isso demonstrasse que não se impôs um novo vexame ao contribuinte, e que não se applicou essa receito nova para despesas tambem novas e dispensaveis.

Sr. Presidente: isto brada realmente aos céus! (Apoiados).

Quem pagar essas taxas, esses emolumentos, é que ha desaber se realmente paga ou não paga despesas novas.

Dizer que não se augmentaram as despesas, pelo facto de se terem criado receitas especiaes para as pagar, é um cruel sophisma.

Por essa theoria nunca Governo nenhum augmenta a despesa... senão no dia da bancarrota!

O pais é que sente, o país e cada um de nós, quando considerarmos um momento na triste situação das finanças publicas. (Apoiados).

Vou ler a minha moção de ordem e vou mandá-la para a mesa.

Quem a ler desapaixonadamente verá se ella revela excessos de paixão partidaria, verá se não representa um julgamento imparcial de quem tem auctoridade para perguntar ao Governo: onde nos levam os senhores com estes desvarios? (Apoiados).

A minha moção é a seguinte:

Considerando que a situação financeira do país é cada vez mais grave, porquanto:

1.° A divida publica fundada augmentou consideravelmente desde a crise de 1890, attingindo um augmento, em 30 de junho de 1901, 135:186 contos na divida interna e 9.875:929 libras na divida externa, e sendo o accrescimo dos respectivos encargos de cêrca de 2:000 contos;

2.° A divida fluctuante apresenta o mesmo desolador espectaculo, tendo passado de 31:239 contos em 31 de de-

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SESSÃO N.º 17 DE 16 DE FEVEREIRO DE 1902 11

zembro do 1890 a 58:327 contos em setembro do anno findo, ou seja um augmento do 27:088 contos;

3.º Os orçamentos do Estado saldam-se regularmente com posados deficits que durante os ultimos oito nonos excederam 30:000 contos!

4.° A gerencia do anno economico do 1902-1903 saldar-se-ha com um deficit real não inferior a 5:000 contos;

5.° O recurso systematico aos creditos extraordinarios destroe por completo o systema orçamental, visto que só de l do julho de 1900 a outubro do 1901, o Governo abriu creditos extraordinarios na assombrosa importancia de 9:936 contos;

6.° A divida do Estado ao Banco de Portugal augmenta era proporções inquietadoras, pois que sendo em 31 do dezembro do 1890 de 10:363 contos, ficou em igual dia do anno findo em 55:623 contos;

7.º A circulação fiduciaria attingiu em 31 do dezembro de 1901 a consideravel cifra de 68:757 contos, ou seja mais 60:152 contos do que em fins de 1890;

8.º O cambio sobre Londres que em dezembro de 1890 estava a 53 1/3 ficou em igual mês do anno findo a 40 1/3;

9.° Apesar d'este assustador aggravamento da situação financeira do país, as despesas publicas augmentaram incessantemente num verdadeiramente desvairamento, tendo passado de 46:462 contos de réis em 1893-1894 a 55:861 contos de réis em 1902-1903, ou seja um augmento de despesa de 9:399 contos de réis;

Considerando que, no uso das auctorizações concedidas pela lei de 12 de junho de 1901 o Governo augmentou consideravelmente as despesas publicas e o numero dos funccionarios retribuidos pelo Estado, a Camara convida o Governo a apresentar ao Parlamento medidas que tenham por fim a redacção immediata das despesas publicas e a diminuição do funccionalismo inutil. = Conde de Penha Garcia.

Sr. Presidente: pois então quando a situação do pais é esta que acabei de mostrar a V. Exa., com a eloquencia muda dos algarismos, o Governo acha naturalmente bastante, para sua defesa, pretender provar que não excedeu as auctorizações por não ter augmentado as desposas!

Sr. Presidente: ainda que o Governo conseguisse provar isso, que não pode, não era bastante; não basta não augmentar as despesas, é preciso diminui-las. (Apoiados).

O Governo não o fará, mas alguem virá que tenha forçosamente que o fazer.

A situação, Sr. Presidente, infelizmente para nós, vae sendo muito parecida com aquella que precedeu a crise de 1891; e quando chegar o momento do perigo, então, Sr. Presidente, nós veremos se realmente o Governo não praticou um verdadeiro crime, adoptando, como norma de administração, principios que são um verdadeiro desperdicio dos dinheiros publicos. (Apoiados).

Sr. Presidente: a tarefa, que a todos incumbe, ou antes, a tarefa que a todos os Governos devia incumbir, era a melhoria da nossa situação financeira, que se acha num estado verdadeiramente desolador; o essa tarefa, Sr. Presidente, não é tarefa que um homem só possa emprehender; ha de ser levada a cabo, quando se congregarem para o mesmo fim, santo e nobre, muitas vontades e muitas intelligencias. (Apoiados).

Mas o Governo, Sr. Presidente - e quem sabe aquelle que se lhe seguir, que os desvarios do uns impedem ás vezes as boas intenções dos outros - o Governo vão infelizmente por um caminho de perdição, desviando-se loucamente d'aquelle que neste momento todas as circumstancias lhe aconselhavam a tomar! (Apoiados).

Sr. Presidente: para que pediria o Governo as auctorisações a esta Camara? Provavelmente o Governo fê-lo com um intuito elevado de boa administração, o Governo procurava negociar um convenio, operação a mais delicada da nossa vida financeira; e por isso, Sr. Presidente, o Governo queria apresentar-se honradamente deante d'aquelles com que ia tratar, mostrando por actos da sua iniciativa, que ia entrar num caminho de economia e boa administração, dando assim a unica o negara garantia, que não seja deshonrosa para o país, do que realmente era chegada a occasião de só fazer um novo acordo financeiro com os credores regulando a situação da divida externa.

Não foi infelizmente assim, Sr. Presidente!... Houve factos politicos, conhecidos de todos, que produziram na cabeça do Sr. Presidente do Conselho um abalo extraordinario. S. Exa. enfermou de uma chefite aguda que está custando muito cara ao país o que nos enche de assombro cada vez que penso, que o actual chefe do Governo é o mesmo Sr. Hintze Ribeiro de ha dois annos!

S. Exa. dominado inteiramente por ella esqueceu todos os principios que anteriormente respeitava e lançou-se num caminho perigoso mas que agora, no momento presente, na situação afflictiva das nossas finanças, merece qualificativo mais severo.

Por isso as auctorizações parlamentares, que deviam ser applicadas para só obter uma diminuição de despesa, foram ad majorem gloriam Hintze, applicadas em satisfação d'aquillo que me parece hoje ser a divisa do Sr. Presidente do Conselho, que é copia nephelibata da que adoptou osso monarcha energico que se chamou D. João II. Parece que depois que se deram os acontecimentos a que me referi a divisa de S. Exa. é a seguinte: «embora contra a lei sempre pela grei». (Apoiados).

Sr. Presidente: eu escutei com o interesse devido o discurso do Sr. Conselheiro Vargas e francamente, se até agora pelos discursos que tenho ouvido pronunciar, quer ao Sr. Presidente do Conselho, quer ao Sr. Arroyo, quer ao Sr. Lopes Vieira, eu tinha tido a impressão desoladora que o Governo não se defendia porque não se podia defender, porque a causa do Governo era uma causa perdida essa impressão não mudou. Nem o talento de um advogado do valor do Sr. Lopes Vieira pôde salvar o réu, nem a jocosidade do Sr. Arroyo pôde enaltecer com um ar de graça esta triste comedia.

O Sr. Ministro das Obras Publicas, convenceu-me que realmente a situação do Governo era ainda muito peor do que ou snppunha. (Apoiados). A defesa do Sr. Ministro das Obras Publicas, foi sympathica até certo ponto, O facto de S. Exa. ainda convalescente ter vindo á Camara defender o justificar os seus actos, collocava-o ipso facto numa atmosphera de sympathia e respeito, mas a despeito d'isto o seu discurso não conseguiu convencer ninguem, antes pelo contrario, visto que S. Exa. reconheceu o augmento da desposa feita com esses inuteis commissarios regios, pretende justificar-se apenas com a affirmativa do que criara receitas novas para pagar a desposa!

É que a causa do Governo é absolutamente indefensavel; e tanto que d'esta vê? nem sequer precedentes, a miseria dos precedentes, encontrou o Sr. Ministro para se justificar.

Quis acobertar-se com as intenções reformadoras do Governo anterior, quis justificar-se com actos mentaes dos seus antecessores! Tão triste essa defesa que ella constitue um aggravamento da situação do Governo.

Veja V. Exa., Sr. Presidente, se pode ser defesa de alguem vir accusar outrem do actos que confessa não terem sido praticados?

É realmente notavel!

De mais, nomear uma commissão para estudar um certo assumpto, pode significar decisão sobre a maneira de o resolver?

É claro que não, mas ainda que o fosse, o que se censura nossa famosa questão, dos commissarios regios, é o abuso que só faz de ura principio restricto, e sobre tudo o verdadeiro arrojo de ser aproveitado para um fim tão mesquinhamente partidario.

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12 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Passemos porem a outro assumpto.

É necessario que eu traga tambem o meu contingente, ainda que modesto, para a obra que emprehendeu a minoria progressista, de demonstrar ao país que o Governo no uso das auctorizações abusou, e muito.

Abusou, não só com relação ao augmento das despesas, mas tambem pelo mau uso que d'ellas fez.

O Governo, usando das auctorizações reformou os serviços publicos como entendeu, e tem de responder pela orientação que deu a essas reformas, e pelo excesso de despesas que auctorizou indo alem do limite das auctorizações que lhe foram concedidas.

Todos ouviram nesta Camara a palavra vibrante e fluente do meu illustre collega o Sr. Conselheiro José de Alpoim, agora do Parlamento Português (Apoiadas), demonstrando com clareza como em algumas reformas as auctorizações tinham sido excedidas pelo Governo.

Por cinco caminhos diversos, na opinião do Sr. Alpoim, conseguiu o Governo chegar ao mesmo fim condemnavel.

E eu accrescentarei uma sexta maneira de abusar das auctorizações, e vem a ser o descalabro fim que deixou os serviços que quis organizar.

Os meus illustres amigos Antonio Cabral e Francisco Medeiros, com conhecimento profundo das questões que expuseram, o com o brilho immarcessivel da sua palavra levaram ao espirito de quantos os ouviram a convicção de que em cada um dos pontos que apontaram feriram certo e feriram fundo. (Apoiados).

Agora, por minha vez, embora como o mais humilde dos oradores d'este lado da Camara, tambem pretendo acompanhar S. Exas. nessa cruzada, infelizmente - sem resultados praticos, porque, embora te demonstro, e demonstrado está que o Governo excedeu as auctorizações, as cousas caminharão como teem caminhado, só nos restará a triste consolação de julgar, com um certo fatalismo, que remedio para isto só pode vir da um aggravamento do proprio mal. (Apoiados).

Por isso, continue o Governo, continue, que vae muito bem nesse caminho.

Augmente as despesas, augmente-as, gaste, esbanjo, porque quanto mais loucuras praticar mais se approximará os liquidação inevitavel (Apoiados), que ha de ser o prolegomeno do renascimento da nacionalidade portuguesa com outro criterio administrativo menos egoista. (Apoiados).

Pretendo occupar-me, embora receie cansar a attenção da Camara, da analyse da uma das reformas publicadas pelo Governo no uso deis auctorizações. Mas antes d'isso peço a V. Exa. o favor de mandar verificar se ha numero legal na sala.

(Pausa).

Procede-se á contagem.

O Sr. Presidente: - Estão na sala 60 Srs. Deputados, portanto, ha numero mais do que sufficiente para a Camara poder funccionar.

O Orador: - Dizia eu que ia passar ao exame de uma das reformas publicadas pelo Governo no uso das auctorizações parlamentares: é a reorganização dos serviços do Ministerio dos Negocios Estrangeiros.

Sr. Presidente: escolhendo para assumpto das considerações que vou apresentar a Camara esta reforma, pareço á primeira vista que fiz uma má escolha.

Com effeito, ao ler se o relatorio que precede a reforma, encontramos a pretendida demonstração de que a reforma, longo de produzir augmento de despesas, produz até uma pequena economia.

Sr. Presidente: felicito o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros por S. Exa. ter comprehendido tão bem o espirito das auctorizações concedidas ao Governo. Já no começo do seu relatorio S. Exa. diz:

«Pela carta de lei de 12 de junho de 1901 foi o Governo do Vossa Majestade auctorizado a reorganizar os quadros dos serviços publicos com a clausula de não augmentar, antes reduzir quanto possivel, a despesa, sem prejuizo, comtudo, da regularidade e simplicidade dos serviços».

Esta é que é a boa doutrina. O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros estava no bom caminho.

Condimentando a sua reforma com esta orientação, dava S. Exa. testemunho de querer contribuir num orçamento minguado, como é o do Ministerio dos Estrangeiros, para a reorganização indispensavel e necessaria das finanças
portuguesas. (Apoiados).

S. Exa. confessa modestamente que conseguiu pouco. Por agora, não consegue diminuição alguma de despesa, porque a reforma era de tal maneira feita, tão extraordinariamente feita, tão perfeitamente concebida que, embora se faça uma grande alteração em muitos serviços, a despesa é exactamente igual á desposa anterior!

Verdadeira maravilha do concepção e de boa orientação em materia de administração publica, a reforma de S. Exa. o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros faz-nos nutrir a consoladora esperança de que, num futuro mais ou menos proximo, poderemos ainda alcançar uma diminuição de despesa de l:500$000 réis. A verba é minguada, mas representa uma boa vontade, e as boas vontades devem ser apreciadas!

Ah! Sr. Presidente, se estas palavras, se estes numeros não fossem enganosos, apesar da insignificancia da economia alcançada, muito teria eu que felicitar o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, porque, pelo menos, tinha sido coherente com os processos administrativos que presuppõem o uso da auctorização parlamentar. Não é de boa doutrina parlamentar suppor, e sobretudo demonstrar, que as auctorizações servem para os Governos, com mais commodidade, poderem despender os dinheiros publicos com menos fiscalização. (Apoiados).

O criterio mais seguro e de resultado mais pratico para poder apreciar a obra do Sr Ministro dos Negocios Estrangeiros e a maneira, como S. Exa. usou das auctorizações parlamentares que lhe foram concedidas, é, primeiro que tudo, estudar no relatorio que precede a reforma quaes os fins que levaram S. Exa. a fazê-la, embora nós estejamos, é certo, habituados a ver reformar só pelo prazer de reformar.

Reformar neste país, é para muita gente uma necessidade organica; reforma-se, porque é necessario reformar, fazer alguma cousa.

É possivel que da analyse do relatorio, que precede a reforma que reorganizou os serviços do Ministerio dos Negocios Estrangeiros, nós possamos tirar conclusões mais consoladoras, a demonstração de que S. Exa. reformou em obediencia a uma necessidade e foi só coagido por elle que se abalançou a uma reforma.

Ora, Sr. Presidente, a verdade é que o proprio Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, no seu relatorio, confessa que afinal a reforma que emprehendeu quasi na valia a pena fazer-se, foi apenas uma remodelação do existente.

Não acredite, porem, V. Exa. nesta confissão; examinada bem a reforma, vem-se afinal a descobrir que o Sr Ministro dos Negocios Estrangeirou foi muito modesto, extremamente modesto.

Na reforma ha cousas notabilissimas, e até seja dito com a natural reserva, a revelação de grandes emprezas diplomaticas em que o Governo anda mettido, de que ainda não quis dar conta á Camara, o que não deve deixar o inquietar o país.

É assim que nesta reforma se criam duas legações novas, uma em Tanger o outra em Constantinopla.

Ora eu chamo a attenção de V. Exa. para a natu

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correlação de idéas que resulta da approximação d'estes dois factos.

Temos obra diplomatica famosa. D'esta vez é que nos estabelecemos em Marrocos o convertemos ao cathoticismo O sultão da Turquia!

Se o Governo necessita de representação diplomatica em Marrocos e na Turquia é que q Sr. Mattozo, com um pé em Tanger e o outro em Constantinopla, quer dominar a politica no Mediterraneo!

Eu não quero tratar com menos seriedade ou com demasias de gracejos a reforma de um serviço de tão graves responsabilidade como este. Se o quisesse fazer, poderia buscar conselho naquelle celebre pregador, que respondia a Luiz XIV, quando lhe perguntava se podia ir ao theatro: «Ha grandes exemplos a favor e muitas razões contra».

Ora eu digo, sem querer tratar o assumpto com ar faceto, que ha grandes exemplos a favor o muitos razões contra, e vou pelas razões. (Apoiados).

Sr. Presidente: peço a V. Exa. o favor do consultar a Camara se permitte que eu fique com a palavra reservada para a sessão seguinte, porque a hora vae adeantada o me sinto um pouco fatigado.

Consultada a Camara, resolveu affirmativamente.

O Sr. Presidente: - Peço a attenção da Camara.

O Sr. Deputado Antonio Cabral pediu a palavra para explicações com respeito a phrases proferidas nesta sessão, nas quaes se julga comprehendido. Vou consutar a Camara sobre se permitte que eu conceda a palavra a S. Exa.

Consultada a Camara, resolveu affirmativamente.

O Sr. Antonio Cabral: - Pedi a palavra para explicações, porque ha pouco o Sr. Ministro das Obras Publicas, no seu discurso, referiu se com palavras que não posso deixar de repellir, a uma phrase que tinha sido proferida d'este lado da Camara. Essa phrase foi «que quando S. Exa. fez a reforma do engenharia não se tinha esquecido de si proprio».

A phrase não é minha, mas apoiei-a o secundei-a, e como não estava presente o Sr. Deputado que a tinha proferido, entendi do meu dever levantar a expressão do Sr. Ministro das Obras Publicas, quando disso que aquelle aparte era vergonhoso para o Parlamento.

Ora eu devo dizer á Camara a rasão em que me fundei para apoiar aquella expressão de um dos, meus collegas d'este lado da Camara.

O Sr. Ministro das Obras Publicas elaborou a reforma da engenharia e nessa reforma S. Exa. fez nos engenheiros, em exercicio, uma promoção larga, como é sabido, e, alem d'essa promoção, decretou vantagens varias para os engenheiros.

Nessa sua reforma determinou que os engenheiros que estivessem na situação de licença illimitada, gozariam das vantagens d'essa reforma! S. Exa. está nossas condições de licença, illimitada: riscou o seu nome du quadro dos engenheiros, é certo, mas não me consta, que S. Exa. se demittisse de engenheiro. (Apoiados), Continua, portanto, a ser engenheiro português.

E o artigo 105.° da sua reforma diz o seguinte:

(Leu).

Demittiu-se S. Exa. de engenheiro? Não; e desde que se não demittiu, comquanto o seu nome não appareça agora no quadro dos engenheiros, pode apparecer amanha, quando vier outro Ministro e S. Exa. requerer que lhe digam qual é a sua situação.

Ha do entrar então no logar que lhe compete, aproveitando-se, portanto, do todas as vantagens da sua reforma!...

O Sr. Luiz José Dias: - Como ha já exemplo nesse sentido!...

O Sr. Presidente: - interrompa o orador.

O Sr. Luiz José Dias: - O orador deu-me licença para o interromper.

Fui eu que proferi a phrase, baseado nessa razão que S. Exa. acaba do expor á Camara. Se o Sr. Ministro das Obras Publicas declarasse «que se demittia de engenheiro» só assim e que não aproveitava com a reforma.

O Orador: - Como a Camara vê, o Sr. Luiz José Dias assume a responsabilidade da phrase que proferiu, e como entendi dever apoiá-la o tambem levantar as expressões do Sr. Ministro das Obras Publicas, quero referir á Camara um exemplo historico, justificativo do áparte do Sr. Luiz José Dias, que eu apoiei.

Em 1892, o Sr. Pedro Victor, sendo Ministro das Obras Publicas, tez uma reforma do engenharia e não se incluiu na lista doa engenheiros, mas depois veiu a aproveitar-se das melhorias da reforma que fez, porque mais tarde foi inclui do na lista dos engenheiros, gozando assim das vantagens d'essa reforma!... Amanhã tambem ha da ser incluido nessa lista o Sr. Ministro das Obras Publicas, que se não demittiu de engenheiro, e por consequencia aqui esta o fundamento com que o Sr. Luiz José Dias disse a phrase a que S. Exa. se referiu com palavras que eu não posso deixar passar sem o meu protesto.

Eu apoiei o secundei a phrase do Sr. Luiz José Dias, estranhando depois que o Sr. Ministro das Obras Publicas dissesse: «que é vergonhoso que no Parlamento se declare que o Ministro das Obras Publicas fez uma reforma de» engenharia para servir-se a si proprio».

Espero que o Sr. Ministro das Obras Publicas expliquei a sua phrase, e ficará assim desvanecida esta nota um pouco triste do discurso do S. Exa. Foi para estas explicações que pedi a palavra e creio bem que o Sr. Ministro retirará as expressões que julgo offensivas para este lado da Camara.

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Manuel Francisco de Vargas): - Affirmo, sob minha palavra, que não me recordo do ter proferido a palavra vergonhoso, e fiquei surprehendido quando S. Exa. disse que eu me tinha servido d'essa palavra!...

Uma voz: - Foi lapso.

Orador: - Affirmo, debaixo da minha palavra, que o meu fim foi unicamente repellir a declaração nos limites da delicadeza, que me prezo do ter (Apoiados), e a que 12 annos de Parlamento me dão direito; repelli a offensa que vi naquellas palavras, sobretudo, porque era a maior das injustiças que ha muito tempo teem sido feitas.

O illustre Deputado citou differentes exemplos; permitia a Camara e o país que ou não entre em questões d'essa ordem.

Eu não figuro no quadro dos engenheiros do Ministerio das Obras Publicas: é a unica cousa que digo. Não entro em questões d'esta natureza.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - A primeira sessão é na proxima segunda feira á hora regimental, sendo a ordem do dia a mesma que vinha, dada para hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram 6 horas e 20 minutos da tarde.

Representações enviadas para a mesa nesta sessão

Dos distribuidores supranumerarios do correio de Beja, pedindo que aos distribuidores supranumerarios dos con-

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14 DIARIO DA CAMARA DOS SENHOBES DEPUTADOS

celhos de fora de Lisboa e Porto, nomeados anteriormente á actual organização, sejam mantidos os direitos de accesso que gozaram á data das suas nomeações.

Apresentada pelo Sr. Deputado Santos Tavares, enviada á commissão de obras publicas e mandada publicar no Diário do Governo.

Dos distribuidores supranumerarios do concelho de Viseu, pedindo que lhes seja assegurado o direito de accesso á classe de terceiros distribuidores.

Apresentada pelo Sr. Deputado Moraes Carvalho Sobrinho, enviada á commissão de obras publicas e mandada publicar no Diario do Governo.

O redactor interino = Mello Barreto.

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