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244-F DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

vernador militar. E foi isto o que salvou a eleição; porque a cima das ordens especiaes estão as ordens geraes.
Ora, quer a camara saber qual era o projecto?
Era o seguinte: No dia da eleição cercar a praia de Peniche e tomar as entradas da fortaleza por forças de cavallaria, para não deixar lá entrar os eleitores que eram meus amigos!
Fui avisado d'este projecto uns poucos de dias antes mas tudo lhe saíu frustrado, porque homens sérios e dignos, homens verdadeiros defensores da nossa patria, não commettem violencias por prazer de as commetter, não se prestaram a alcabalas, não põem a força publica que commandam ás ordens de qualquer Sovelão, para elle a desprestigiar, e a cobrir de opprobrio. Bem hajam os meus distinctos camaradas.
Não commetteram essa vilania, não se prestaram a isso; e apresentaram-se ao governador da praça.
Falhando este plano, o tal Sovelão que se dizia era o administrador do concelho, installou-se na casa do consul inglez, o transformou a casa do consul em administração do concelho, dando ordens para a direita e para a esquerda, e sem ter declarado a ninguem, que era administrador, sem mesmo usar do carimbo da administração, sem ter communicado officialmente a ninguem que era administrador e por uma d'estas fascinações inexplicaveis, exige que todos lhe obedeçam e todos começam a obedecer-lhe.
Até houve um amigo meu, que arranjou logo uma carta de apresentação para tão celebre auctoridade naturalmente com medo de que ella o mandasse enforcar.
Projecta o plano de, na occasião em que estivesse a funccionar a mesa eleitoral e quando fosse mais propicio, roubar as urnas á mão armada escudado na força publica e na policia. Para isto alugaram uns poucos de individuos de differentes concelhos - um individuo, que é meu conhecido, e que foi chamado para ser alugado para fazer o serviço, que eu vou descrever recusou-se - para na occasião em que se estivesse realisando o acto eleitoral, atirar com cal para os olhos dos individuos que compunham a mesa e seringar com tinta para sujar os cadernos, aproveitando assim a confusão que tal facto devia produzir para agarrarem a urna e fugir com ella e substituil a por outra já preparada com as listas do candidato do governo.
Estava a correr as duas horas de espera e não estava ninguem na igreja a não ser a mesa e poucos mais curiosos; eram tão absurdos os boatos que na vespera se tinham espalhado, que toda a gente os julgou desarrasoaveis e por isso abandonou por completo a urna e tanto mais que a eleição tinha corrido regularmente até então.
Por precaução, mandou-se atarrachar as urnas á mesa e fechar a bôca com uma tampa de charneira com cadeado tendo apenas uma fenda por onde se podesse metter a lista.
Foi esta precaução que salvou a eleição, porque estando a correr as duas horas, saíram de uma casa uns individuos, dando vivas a mim, porque o povo era meu amigo, e estes vivas não despertavam suspeita, indo tambem os policias de Lisboa, que tinham sido arranjados ad hoc, porque a policia que houve em Peniche durante todo o periodo eleitoral não foi do districto de Leiria, mas de Lisboa, e os caceteiros alugados, caminhando á frente d'esta tropa o sub-delegado, e o administrador do concelho fechando o prestito!
Entraram na igreja do charuto acceso e chapéu na cabeça, começando então a dar vivas á republica!
E como tivessem sido ensaiados e embebedados, invadem a igreja, atirando com a cal que levavam nas algibeiras para os olhos dos individuos que compunham a mesa, e com grandes seringas cheias de tinta, seringaram os membros da mesa e os papeis para os inutilisar.
O sr. Adolpho Pimentel: - Esses amigos não eram do partido regenerador, são do sr. Monteiro, progressista, e amigo de s. ex.ªs
O Orador: - S. ex.ªs serviram-se d'elles conscientemente. O que se vê é que s. ex.ªs conhecem os factos, o que eu agradeço muito; porém o que eu não considero é esses individuos como progressistas, porque nunca o foram, e sim de todos os governos e muito menos amigos meus.
Essa classificação repilo-a com toda a indignação.
Esta horda, commandada pelo sub-delegado o ensaiada pelo Sovelão que fechava o prestito, depois de ver os membros da mesa desnorteados uns quasi cegos, outros aterrados com ataque tão inesperado, agarraram-se á urna para a levar, dizendo: "isto é nosso!"
Porém, qual não foi a sua surpreza, quando a urna resiste por estar, como disse, atarrachada á mesa com uma forte tarracha! (Riso.)
Esta contrariedade ainda não os desconcertou, porque os policias que acompanharam o prestito, desatam á pranchada aos individuos da mesa, e os bebedos com machados atiraram-se á urna para a escangalhar e entornar as listas.
V. exa. póde imaginar o tumulto que isto produziu. Alguns amigos meus, instinctivamente atiraram-se para cima da mesa para defenderem a urna, e até uns rapazitos que lá estavam saltaram tambem para cima da mesa tapando com os barretes a tampa da urna para não poder ser roubada nem as listas sujas de tinta.
Isto foi calculado, premeditado e ensaiado com muita antecedencia. Antes de se praticar este acto achava-se dentro da igreja o illustre governador da praça, que tentaram afastar, porque não queriam praticar o attestado na sua presença.
O administrador do concelho, o administrador do concelho não, o individuo que os srs. ministros alugaram para fazer isto, o Sovelão, mandou um bilhete ao governador dizendo que havia uma insubordinação militar na praça, o que era falso, para o obrigarem a sair da igreja.
Vozes da esquerda: - Ouçam, ouçam.
O Orador: - É claro que o governador partiu para onde o chamavam os seus deveres feito isto saltaram na urna e praticaram aquelle bello feito. Os meus amigos teriam sido fatalmente victimas se não fosse a intervenção da providencia.
Aquelles benemeritos, a que não quero dar outro nome n'este logar, porque não devo, atiraram-se ás urnas e não podendo leval-as, ficaram furiosos, os vivas á republica redobraram, e tornando-se quasi impossivel aos meus amigos politicos, com os olhos cheios de cal e os cadernos cheios de tinta resistiram aos sabres dos policias, estavam prestes a succumbir.
Então, um tenente de artilheria distinctissimo camarada meu, um dos homens mais briosos da minha classe, que está em commissão n'aquella praça e tendo ido votar, indo já em retirada e ouvindo este tumulto, volta atraz e vendo os meus e seus amigos acutilados pelos sabres da policia, os olhos cheios de cal, a cara coberta de tinta que por acaso era de côr violeta e portanto parecia sangue, ouvindo os vivas á republica, e presenciando a desordem e a anarchia mais desenfreada que se póde imaginar, salta para cima da mesa e desembainhando a espada grita: "Viva a liberdade, viva a carta constitucional e viva Sua Magestade El-Rei; quem tocar aqui corto-lhe a cabeça"!
Isto causou uma certa intimidação. Os individuos recuaram um pouco, mas tiveram ainda a audacia de investirem com o official que defendia a liberdade e a honra d'este paiz. A policia ainda investiu com este bravo official, dizendo-lhes palavras pouco amaveis, mas vendo-o resolvido a praticar o que affirmava, recuou espavorida.
Este brioso official de artilheria é o sr. Antonio Maria de Souto Çervantes, a quem a camara municipal de Peniche acaba de reconhecer os seus serviços dando o seu nome a urna das ruas da villa.