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APPENDICE Á SESSÃO DE 16 DE MAIO DE 1890 244-A
O sr. Francisco Machado: - Sr. presidente, começo por dizer a v. exa. que me felicito, por ter na ultima sessão chamado phonographo do ministerio ao sr. ministro da instrucção publica; foi necessariamente por esse facto, que temos hoje a honra de ver representado n'esta casa a maior parte do ministerio.
Parece-me que os srs. ministros, que se acham presentes, acharam mais conveniente vir a esta casa ouvir os discursos de cada um dos oradores, do que mandar o phonographo para lh'os repetir; a comparencia dos srs. ministros, ou foi devida á minha attitude ou á classificação que dei ao sr. ministro da instrucção publica.
Portanto, felicito-me por ver presentes os illustres ministros, aos quaes tenho de dirigir muitas perguntas o vehementes censuras, hoje e n'outros dias, porque agora desejo ser o mais curto possivel, e mesmo por que vou annunciar uma interpellação aos srs. ministros pelos actos que se praticaram e diariamente estão praticando no meu circulo.
Estimo immenso ver presente o sr. presidente do conselho e ministro da guerra. S. exa. disse que eu lhe escrevi uma carta, pedindo providencias contra os actos que se estão passando no meu círculo. V. exa. não fez mais senão confirmar a verdade e aquillo que eu disse na ultima sessão em que tive a honra de tomar a palavra.
O que é verdadeiramente lamentavel é que, tendo pedido a v. exa. providencias contra actos repetidas vezes praticados, essas providencias não têem sido proficuas nem efficazes. Mais uma vez lamento que s. exa. não tenha dado providencias, ou se as tem dado não tenha sido obedecido.
Não consegui ser attendido nem ser ouvido quando pedi providencias energicas a s. exa. para fazer terminar os attentados verdadeiramente monstruosos que se estão praticando na villa de Obidos, que pertence ao meu circulo. Em ponto nenhum do paiz, em epocha nenhuma da nossa historia constitucional, se praticaram attentados contra as liberdades publicas, como se praticaram e estão praticando no meu circulo.
Disse um illustre deputado da maioria, que em todas as epochas eleitoraes acontecem factos d'estes!
É verdade, mas simplesmente com uma differença grave, séria, importante e sem precedente.
Quando ha luctas eleitoraes, desenvolvem-se sempre paixões locaes muitas vezes independentemente da vontade dos governos, e essas paixões dão origem a aconte-
cimentos graves contra a vontade dos que têem as responsabilidades, até dando os ministros ordens terminantes e positivas para que essas cousas não possam acontecer.
Mas no meu circulo ha um acontecimento grave, que eu vou relatar: é interferir n'estas violencias um ministro da corôa, o sr. ministro das obras publicas.
Quando s. exa., dentro do seu gabinete, ordenava aquellas propotencias, que se praticavam em todas as assembléas, sei que os collegas de s. exa. se prestaram a satisfazer os seus rancores, que eu não provoquei e de que não sou culpado.
Nenhum dos cavalheiros que se sentam n'aquellas cadeiras, tem aggravos pessoaes meus, porque não aggravo pessoalmente ninguem; o ignoro os motivos que os levaram a praticar estes attentados no meu circulo.
Nas luctas eleitoraes sempre se têem dado acontecimentos notaveis em diversos pontos do paiz. Sei que os ministros do meu partido mandavam telegrammas e ordens terminantes e positivas, tornando responsaveis as auctoridades que as não cumprissem, para evitar os factos que se deram no meu circulo ordenados e provocados por um dos actuaes ministros.
Eu podia pedir que v. exa. solitasse do ministro competente copia dos telegrammas enviados no penultimo periodo eleitoral pelo meu illustre amigo e chefe o sr. conselheiro José Luciano de Castro em muitissimos dos quaes se recommendam ordem, prudencia e moderação, tornando responsaveis as auctoridades que porventura desacatassem estas determinações.
O meu illustre chefe e amigo dizia aos seus delegados que preferia antes perder uma ou outra eleição a que houvessem desturbios e desordens.
Uma ou outra, que porventura houve e ha sempre n'esta epocha eleitoral, são os ministros completamente estranhos; são acontecimentos locaes sobre os quaes os ministros não têem acção nem enterferencia. Commigo dou-se o contrario e ahi é que está a gravidade do caso.
Da parte do um ministro a quem eu nunca tinha provocado e em relação ao qual eu nunca, pratiquei nenhum acto a que podesse ser-lhe desagradavel, houve uma intervenção directa na eleição dirigindo do seu ministerio a campanha eleitoral mais feroz que tem havido, mandando praticar actos de tal natureza monstruosos que causam espanto.
Esse ministro tinha ás suas ordens todos os seus collegas, porque me consta que s. exa. pozera a sua pasta sobre a minha eleição. S. exa. ha de declarar-me ainda hoje se praticou esses actos por uma questão pessoal.
Todos sabem como eu liqudo as questões pessoaes. O sr. ministro das obras publicas ha de declarar ainda hoje aqui se os attentados, as prepotencias e as pressões que mandou fazer aos eleitores meus amigos, eram ou não por uma questão pessoal commigo.
Tenho defeitos e qualidades como têem todos os outros homens, e entre essas qualidades figura a de não ter medo. Digo isto bom alto para que todos o ouçam.
Quando me alistei nas fileiras do exercito fiquei sabendo que teria de derramar o sangue pelo meu paiz e desafrontar a minha dignidade e a minha honra quando me visse affrontado. Na lista das doenças de que posso morrer figurará a ponta de um sabre, a bala de um revolver ou de uma peça de artilheria.
Infelizmente não tenho familia que fique chorando a minha falta.
Para desaggravar a minha honra hei de ir até onde vae todo o homem de bem (Apoiados.}
O sr. Arouca declarou aos seus amigos, no meu circulo, que as violencias que se praticaram ali, era por uma questão pessoal commigo.
Que eu saiba nunca lhe fiz o mais pequeno aggravo de onde s. exa. podesse tirar motivo para tal dizer. No emtanto, eu necessito fazer mesmo saber de um modo terminante, se as violencias que o sr. Arouca mandou praticar no meu circulo têem origem n'uma questão pessoal.
As questões pessoaes liquidam-se n'outro sitio e por outro processo.
Aqui só se liquidam questões politicas. Ainda hoje hei de annunciar uma interpellação ao governo para o tornar responsavel pelos factos verdadeiramente attentatorios das liberdades publicas e dos direitos do cidadão praticados no meu circulo durante a ultima eleição.
Os homens velhos dizem que nem no tempo dos Cabraes se commetteram tantas infamias, (Apoiados.)
Praticavam-se, é verdade, mas ao menos, depois do voto ter entrado na urna, respeitava-se o que lá estava e agora nem isso se faz. (Apoiados.)
N'uma interpellação especial em que possa á vontade dispor de tempo, hei de relatar a par e passo todos os acontecimentos que se deram desde a queda do gabinete progressista até hoje.
Durante os quatro annos que tenho tido assento n'esta casa, parece-me que tenho sido correcto em todos os meus actos e em todas as minhas palavras.
Se agora o não for, apesar da violencia que faço sobre mim mesmo, para me manter nos limites da cordura, attribua-o v. exa. sr. presidente, aos srs. ministros que me provocaram. . ' ninguem do partido regenerador me póde accusar de
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não ter sido liberalissimo e tolerante até ao ponto de me poderem classificar de menos conveniente.
Já disse a v. exa., e a alguns collegas meus regeneradores, que nos tres concelhos de que se compõe o meu circulo estavam tres escrivães de fazenda regeneradores fazendo politica contra mim e com favor dos seus partidarios ; pois eu não pedi que esses escrivães fossem incommodados, transferidos ou suspensos.
O sr. ministro da fazenda sabe muitissimo bem que quando eu tive a honra de ser administrador do concelho de Guimarães, n'uma epocha triste e calamitosa, os empregados publicos que existiam em Guimarães eram todos regeneradores; pois nem um só empregado foi demittido, suspenso ou transferido.
e isto não são actos de tolerancia não ha demonstração possivel.
Para demonstrar a v. exa. até que ponto chegou a minha tolerancia, basta dizer que durante todo o tempo do governo progressista foram presidentes da commissão de recenseamento, nas Caldas da Rainha, dois homens que eram absolutamente inelegiveis, porque um, era recebedor da comarca e o outro medico da camara municipal.
Estes individuos foram eleitos para a commissão de recenseamento, quando o n.° 9.° e 11.° do § l.° do artigo 7.° do codigo administrativo diz claramente que elles são inelegiveis, porque não podem ser eleitos para as commissões de recenseamento senão individuos elegiveis para cargos municipaes, e esses cavalheiros eram inelegiveis.
Os meus amigos politicos queriam que eu levasse um recurso contra este facto, para tirar da commissão do recenseamento aquelles individuos que eram regeneradores. Não fiz tal cousa, porque não quiz que n'esse acto se visse uma vingança politica.
Tive a ingenuinidade de acreditar que alguns dos srs. ministros, que se diziam meias amigos, o eram realmente, portanto não queria praticar um acto qualquer que podesse parecer uma vingança.
Muitos outros factos analogos podia citar, mas não o faço para não cansar a attenção da camara.
Todos sabem que o sr. ministro da fazenda, pouco tempo antes de se sentar n'aquellas cadeiras, fui a Guimarães visitar os seus amigos, e s. exa. sabe que não foi perturbado no seu passeio triumphal, nem foram perturbadas as ma-nifestações que lhe quiseram fazer.
Se um ou outro individuo progressista se misturou com os regeneradores dando vivas a esse partido e aos seus homens mais eminentes, de onde podia resultar a alteração da ordem, o sr. Franco Castello Branco sabe que eu reprovei esses actos, porque a obrigação do governo é não provocar. Agora commigo succede exactamente o contrario, é o governo e os seus amigos que provocam, desejando encontrar pretexto para prenderem e acutilarem os meus amigos.
Se em Guimarães se fizesse cousa analoga ao sr. Franco Castello Branco, que longos discursos repassados de indignação não lhe ouviriamos.
Agora manda o governo, de que s. exa. faz parte, fazer aos meus amigos o que o sr. Franco de certo não queria que lhe fizessem aos seus em Guimarães. Quando tive a honra de ser administrador do concelho de Guimarães foi esta cidade e concelho visitado pelo sr. Franco Castello Branco e toda a povoação de Guimarães fez a s. exa. uma apotheose verdadeiramente magestatica, e eu nem com uma só palavra prohibi essa manifestação, e applaudo-me por isso, e declaro que hei de sempre proceder d'este modo.
Ora, procedendo eu assim, doe-me profundamente a guerra atroz e desnecessaria que o governo mandou fazer contra mim, e contra os meus amigos e a que ainda hoje está consentindo que se faça.
Sei, que o sr. ministro das obras publicas, segundo dizem ha seus amigos, poz a sua pasta sobre a minha eleição, dizendo que me guerreava por uma questão pessoal, e s. exa. não ha de sair hoje d'esta casa sem declarar qual o motivo que deu causa a essa questão pessoal.
Dizia o sr. Arouca e diziam os seus amigos que se o partido progressista propozesse outro candidato não seria guerreado.
A guerra era só á minha pessoa, a mim só é que estava declarada a guerra de exterminio.
Declaro que nunca tive incompatibilidades pessoaes com o sr. ministro das obras publicas até ao começo da minha eleição, e por tanto é para estranhar que se servisse da auctoridade de que está revestido para attentar contra as liberdades publicas, e para, por todos os meios ao seu alcance, derrotar um individuo que não queria por principio nenhum, que fosse eleito, tendo ainda todos os seus collegas no ministerio a proteger estes intuitos. D'aqui em diante é melhor fazer as eleições no ministerio do reino e escusamos de estar enganando o paiz e os eleitores. É completamente inutil produzir uma agitação no paiz, porque só por uma excepção podem vir á camara os deputados que o governo não queira.
Tenho orgulho de dizer que bem pouca gente poderia resistir á guerra que se me fez, e se resisti, é porque tenho saude e tenacidade, do contrario não resistiria á lucta ingente em que o governo me lançou. Para o governo a minha eleição era questão de vida ou de morte.
Devo declarar a v. exa. que n'este momento ainda se estão praticando as maiores atrocidades nu meu circulo, como se estivessemos no periodo mais agudo da lucta eleitoral.
Escrevi ao sr. presidente do conselho relatando-lhe os factos que se estão passando em Obidos, e declaro que tive a veleidade de suppor que s. exa. daria algumas providencias; mas infelizmente s. exa. não as deu, ou sou mais levado a acreditar, que s. exa. não fui obedecido nas ordens que deu.
Sei que muitos governadores civis d'este paiz e muitos administradores de concelho, como por exemplo o de Penafiel, quando recebiam ordens do sr. presidente do conselho diziam que o governo governa na capital o que elles governaram nos seus districtos ou nos seus concelhos.
Bonitas e bellas theorias que demonstram bem o estado anarchico em que está o paiz e a pouca auctoridade que tem o sr. presidente do conselho para se fazer obedecer.
Que hajam auctoridades administrativas que digam isto, comprehendo, mas que haja um ministro do reino que não desse immediatamente a demissão a essas auctoridades, é que não posso admittir; e portanto os factos levam-me a concluir que o sr. presidente do conselho não deu ordens nenhumas, ou se as deu, não foi obedecido.
Estou perfeitamente espantado em presença dos factos que se têem dado e continuam a dar no meu circulo, porque nunca suppuz que o sr. Serpa fosse um homem ferino; pelo contrario, suppunha até que s. exa. fosse um cavalheiro humanitario, bondoso, que se compadecesse, emfim, das desgraças do povo. Mas o que eu vi foi, que, tendo escripto uma carta a s. exa. dizendo-lhe que estavam presos injustamente amigos meus, e tinha corrido sangue em Obidos, s. exa. não deu providencias e os factos repetiram-se.
Hoje recebi uma carta, que não leio para não fatigar a camara, carta em que se relatam os factos mais attentatorios que a imaginação póde conceber. No meu circulo não se está em Portugal, está-se debaixo da auctoridade do czar de todas as Russias; o que se está ali fazendo não se acredita; custa a conceber que a dois dedos da capital se esteja vingando um governo dos individuos que não qui-zeram votar no seu candidato. (Apoiados.)
O crime dos meus amigos é este e só este.
Um governo não se vinga. Os ministros devem ter alma generosa e grande, só assim podem alcançar perdão para os attentados que se commetterem. Não é irritando-nos que se consegue que usemos n'esta casa de brandura e suavidade.
Os meus amigos estão na cadeia. Recebi telegramma
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para transmittir isto ao governo e o governo fez ouvidos de mercador (Riso.) lisonjeando assim a vaidade, das suas auctoridades locaes. (Apoiados).
Eu disse outro dia, e repito agora, que o governo é o primeiro cooperador na minha causa, mas eu não trato de mim, mas sim da liberdade e tranquilidade dos meus amigos.
Se eu attendesse só á minha pessoa, applaudil-o-ía pelos actos que está praticando, porque os poucos amigos que o governo tinha n'aquelle circulo tem-n'os perdido. É preciso que v. exa. saiba que se mandava dizer para o meu circulo e repetia-se á bôca cheia, que os poucos votos que me tinham ficado haviam de ser roubados aqui! Posso provar com documentos que se mandava dizer isto e que era o sr. ministro das obras publicas que o dizia. Isto é grave!
O sr. ministro das obras publicas não contava, talvez, que eu viesse aqui para lhe tomar contas severas e estreitas do seu procedimento.
S. exa. imaginava talvez que em vez de sangue eu tinha capilé nas veias, ou que em vez de temperamento meridional dos filhos do Algarve, tinha um temporamento lymphatico. Até hoje, graças a Deus, ninguem me provocou que não encontrasse na sua frente um homem sempre prompto a responder-lhe em todos os campos. (Apoiados.} Se no parlamento não poder medir-me com s. exa. no uso da palavra, hei de, ao menos, desaffrontar-me como poder e como souber, porque se me não sentisse com forças para representar o meu circulo com a dignidade com que deve ser representado, não teria acceitado o meu diploma, ou tel-o-ía devolvido aos meus eleitores. Se o governo me quer afastar d'esta casa, se só assim deixa de perseguir os meus amigos, diga-o então franca e desassombradamente, porque se os meus eleitores me derem licença, retiro-me immediatamente para que elles não soffram mais.
Se o fim do governo é esse diga-o francamente!
Eu não estou aqui por interesse pessoal, estou aqui para defender até á morte os interesses do meu circulo e dá minha patria, quaesquer que sejam os acontecimentos, quaesquer que sejam as responsabilidades!
Não supporia v. exa., não supporia a camara, que depois do que eu aqui disse hontem, que ao menos se daria algum remedio que pozesse cobro ao que se está passando em Obidos?
Mas o que v. ex.ªs não poderiam suppor era que em virtude do meu discurso: se mandassem ordens mais apertadas para cercear as liberdades no meu circulo e para prender por força ou por geito os meus amigos que mais se dedicaram á minha causa.
Eu suppunha que as minhas palavras haviam de ter um um echo pelo paiz fóra, e tiveram!
Os srs. ministros estão absolutamente enganados.
S. ex.ªs que têem obrigação descercar do prestigio as instituições que lhe estão confiadas, dão o abalo mais profundo n'essas instituições que todos queremos justificar e robustecer.
As instituições não têem inimigos mais crueis do que os actuaes ministros
O povo que não tem o criterio, que nós temos, vê que isto não póde ser, que isto não póde seguir assim, porque dentro do regimen actual não tem garantias nem liberdade, e por isso é necessario um grande esforço dos individuos dirigentes para conter o povo nos limites da cordura e das conveniencias.
Querem voltar ao tempo do absolutismo?
Enganam-se porque a epocha é outra.
Eu pedi, o maximo que era possivel, ao sr. presidente do conselho para que desse providencias, escrevi uma carta ao sr. Antonio de Serpa narrando os acontecimentos que se estavam dando na villa de Obidos, mas tudo foi inutil.
O sentimento que reina na villa de Obidos é tal que todas as lojas, pharmacias e vendas estão ha dois dias com meia porta fechada.
O sr. Franco Castello Branco ri-se, acha muito bonito ver uma povoação peor do que nos tempos de D. Miguel.
Em Obidos reina o cacete, o trabuco e o sabre da policia.
Eu fiz isto no seu circulo sr. Franco Castello Branco?
Basta dizer a v. exa. que os creados dos individuos que votaram commigo não podem sair á rua a fazer compras? sem serem presos.
Se duvidam tenho aqui cartas que eu não leio porque não quero fatigar a camara, mas que estão á disposição de qualquer sr. deputado que as deseje ler.
Alem das cartas, tenho recebido telegrammas pedindo providencias energicas, que eu não posso dar, porque o governo não quer attender ás minhas palavras.
Não estejam a enganar o paiz não estejam a dizer que vivemos em um regimen liberal, porque é falso.
Bem basta as liberdades que assassinaram, bem basta as prisões que effectuaram, bem basta tudo quanto fizeram durante as eleições, quanto mais inaugurar um systema de vinganças contra aquelles que não são affectos ao governo.
Era assim que se praticava no tempo de D. Miguel.
São graves as responsabilidades do governo e eu liei de pedir-lhe estrictas contas. Não se faz o que o governo fez; dissolver a associação academica, suffocando as expansões dos estudantes que são o futuro do paiz, e vir depois dizer, que se procedeu de tal modo para robustecer as instituições que os estudantes estavam abalando, é que é o cumulo da audacia. O governo com o seu procedimento é, que impelliu os estudantes para um caminho em que elles não tinham tenção de se lançar.
O que falta ao governo é criterio, para não ver que o seu procedimento é que faz abalar as instituições que nós queremos fortificar e cercar de prestigio que as colloquem acima de todas as contingencias.
A maior parte d'esses rapazes são filhos de familias monarchicos convictas e ellas eram as primeiras a aconselhal-os a que se mantivessem dentro da ordem; hoje estão indignadas com o procedimento do governo, porque os seus sentimentos eram os mais nobres que se podiam imaginar. Quando o governo fez isto na capital, suffocando as liberdades publicas, suffocando as expansibilidades patrioticas que o governo devia applaudir, e eu direi a s. ex.ªs, que, se eu tivesse qualidades para estar no seu logar, o que eu faria como governo, era dirigil-os e não suffocal-os, repito, quando o governo fez o que fez na capital póde calcular-se o que faria por esse paiz fóra quando não havia quem se oppozesse aos seus caprichos.
Mas o governo o que fez? Suffocou as expansibilidades d'aquellas almas nobres e generosas, que devia ter aproveitado para mostrar lá fóra que ainda ha no paiz sangue, e vida e amor pelo torrão que nos viu nascer.
Hei de tomar ao governo estrictas contas por esse acto.
É preciso ter um falso criterio, para suppor que o movimento d'aquelles rapazes podiam transformar o paiz em uma republica. Aquelles rapazes são, na sua maior parte filhos de familias que têem arreigados sentimentos monarchicos, e quando elles iam para as suas reuniões, essas familias eram as primeiras a recommendar-lhes ordem, prudencia e moderação.
Hoje essas familias estão indignadas.
Ha collegios inteiros, com centenas de rapazes, onde há um só que não diga mal do governo.
Não desejo alongar-me muito, mas a minha indignação provocada pelos actos do governo é tão extraordinaria, que tenho de fallar, para mostrar aos meus eleitores que faço quanto posso para acabar por uma vez com o estado anarchico em que está a villa o concelho de Obidos.
Os soldados que estão na villa de Obidos para manter
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a ordem, servem para acompanhar tambem os presos às Caldas, como se fossem faccinoras.
Mettem-nos dentro de carruagens e vão rodeados de cavallaria e dois policias sentados na frente.
E assim se tratam os eleitores independentes!
Mais ainda, um apontador das obras publicas, João Theodoro Junior foi posto ás ordens do administrador para ensinar aos policias quem eram as pessoas que deviam prender.
Este empregado traz uma relação das pessoas que os policias, que foram de Lisboa hão de prender; assim que os encontrem!
O sr. Francisco Rodrigues Cardoso, meu amigo, foi preso por estar sentado no poial de uma porta e não se retirar quando a policia o intimava para o fazer.
Levaram-n'o para a enxovia o nem sequer consentiam que a familia lhe mandasse uma cama para dormir.
Queriam que um rapaz preso, e. das primeiras familias de Obidos, dormisse nas pedras da enxovia.
Se ali houvessem casamatas era naturalmente que ali o mettessem como se fazia aos presos politicos no tempo de D. Miguel, pois que Obidos está agora governado por este regimen.
Não se consente que o povo se approxime das lojas cujos proprietarios me são affectos, prejudicando assim o negocio e interesses d'aquelles meus amigos.
As lojas d'estes meus amigos estão rodeadas pela policia.
Os presos foram horrivel e barbaramente tratados.
Um d'elles foi espancado e empurrado pelos policias, batendo com a cabeça do encontro á aresta de uma cantaria abrindo a cabeça jorrando da ferida grande quantidade de sangue e manchando as paredes que ainda lá estão para o attestar.
Os meus amigos não podem transitar pelas ruas alem das nove horas da noite, por que se o fizerem serão presos.
Ora, sr. presidente, chegando a Obidos o comboio ás onze horas e vinte minutos, todos toem receio de vir a Lisboa tratarem dos seus negocios com medo de serem presos á volta.
E não obstante tudo isto, aquelles cavalheiros victima dos são cada vez mais meus sinceros amigos e é isto que o governo não póde tolerar.
Isto representa vida, energia e convicções, mas o governo não quer vida, nem convicções, nem energia, no povo portuguez (apoiados) porque quer esmagar toda agente e não quer encontrar o povo pela frente. Apoiados.)
Leio o telegramma e termino as minhas considerações.
"Capitão Machado. - Lisboa.
"Pedimos providencias. Foram agora presos cinco progressistas e um regenerador por engano. Ò regenerador foi logo solto a pedido dos seus amigos."
O regenerador foi immediatamente solto a pedido dos meus amigos, emquanto que os progressistas estão presos.
Vozes: - Ouçam, ouçam.
Se acham que isto é bonito, continuem e depois não se queixem dos resultados.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O sr. Francisco Machado: - Começo por agradecer aos srs. presidente do conselho o ministro das obras publicas as respostas que se dignaram dar-me.
Agradeço ao sr. ministro das obras publicas a declaração clara e franca que acaba de fazer, dizendo, que nunca houve nenhuma questão pessoal entre nós e que não foi por esse motivo que fui victima da guerra que se me moveu.
Agradeço ao illustre ministro, e observo que d'este modo respondeu s. exa., não a mim, mas aos seus amigos politicos que espalhavam esta noticia no meu circulo. S. exa. deu-lhes um completo desmentido e portanto não tenho mais que objectar.
Estimo immenso que s. exa. deixe no seio da representação nacional esta demonstração clara e positiva de que nunca entre nós tinha havido qualquer facto que o obrigasse a pôr a sua pasta sobre a minha eleição.
Está assim respondido pelo sr. ministro das obras publicas aos seus principaes amigos politicos do meu circulo, os quaes diziam, para intimidarem os eleitores, que eu não me havia de sentar n'esta casa, porque s. exa. havia de empregar toda a sua influencia e a dos seus amigos politicos para vencer a eleição, fosse pelo que fosse, ainda que para isso tivesse de empregar as maiores violencias.
Estimo immenso a declaração do sr. ministro das obras publicas, como disse, mas tanto é verdadeiro o facto quo acabei de expor á camara, que posso apresentar aos meus collegas centenas de declarações feitas perante um tabellião de que um individuo que gosa da intimidade do sr. ministro das obras publicas dizia a todos que o queriam ouvir, o seguinte: "Eu sou aqui regedor de parochia, administrador do concelho, governador civil, ministro de todas as pastas, camara municipal, camara do deputados, etc., etc., sou tudo, sou omnipotente", e isto porque tinha o seu amigo Arouca ás suas ordens.
Portanto, respondeu hoje o sr. ministro das obras publicas aos seus amigos politicos, que no circulo das Caldas diziam não era s. exa. quem mandava praticar os actos que ahi se praticaram, e respondeu de um modo tão claro que não póde ficar a mais pequena duvida de que se abusava do nome de s. exa.
Sr. presidente, replicando ao sr. presidente do conselho e agradecendo a resposta que s. exa. tambem se dignou dar-me, desejava que s. exa. faça cumprir as suas determinações para que a tranquilidade volte aos espiritos exaltados, e á villa de Obidos volte ao estado normal o mais depressa possivel.
Permitta-me agora que eu replique ao sr. Arroyo, que disse na sessão passada que eram ôcas, vagos e insubsistentes as declarações por mim feitas n'essa sessão.
Eu citei o facto de estarem presos alguns individuos e o de ter corrido sangue.
Citar o facto de estar um homem com a cabeça partida c outros na cadeia, sem poderem tratar dos negocios, é fazer declarações vagas?
E fazer declarações vagas, o affirmar que estão presos alguns individuos pelo unico crime de terem votado commigo?
Eu não desejo antecipar-me na narração dos factos passados no circulo das Caldas durante o periodo eleitoral.
Annuuciando uma interpellação a este respeito, reservo-me, para quando ella se realisar, apresentar á camara o estendal de attentados que se praticaram n'aquelle circulo, durante quasi tres mezes que durou o periodo eleitoral.
Visto, porém, que o sr. ministro das obras publicas disse á camara que não se tinha praticado ali violencia alguma, vou passar pela rama alguns factos.
Disse eu, em áparte ao sr. ministro das obras publicas, que todos os empregados meus amigos foram demittidos, transferidos ou suspensos.
Citarei desde já um facto. Um amanuense da administração do concelho de Obidos, que tinha substituido o pae, fallecido havia pouco tempo, deixando-lhe por unica herança um nome honrado e dois irmãos para sustentar, foi demittido pelo unico crime de ser meu amigo. Esse empregado chama-se Francisco Gregorio de Castro.
O sr. ministro das obras publicas e o sr. presidente do conselho podem não saber o que lá se passa, mas, tendo vindo a Lisboa uma commissão de amigos meus pedir providencias a El-Rei, s. exa. deviam logo ver que, por causas insignificantes, não se deslocam homens d'aquelles, dos seus labores quotidianos.
Para que proprietarios honrados, serios e habituados ao
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Socego da sua vida campestre, se deliberassem vir até aos pés de El-Rei pedir providencias, é porque os factos eram graves, gravissimos até, e porque já se tinham esgotado todos os outros meios. E eu applaudo-me porque essa commissão de proprietarios adoptasse essa resolução, porque tiveram a honra de ver El-Rei pela primeira vez e foram encantados pela affabilidade com que foram recebidos por Sua Magestade, indo dizer maravilhas para o povo dos seus logares. Alem d'isso, regressaram mais tranquillos porque Sua Magestade lhes prometteu providencias que o governo se recusava a dar.
Sr. presidente, eu tive a honra de mandar a Sua Magestade El-Rei um telegramma em que dava a minha palavra de honra de que estes factos eram verdadeiros, e eu não sou homem que dê a minha palavra em vão e muito menos ao meu Rei.
Para provar que as violencias ali praticadas foram extraordinarias, basta um facto que vou citar á camara.
O governo queria absolutamente vencer a eleição no meu circulo fosse como fosse e pelo que fosse, e como sabia que era em Peniche que eu tinha o maior numero de amigos, dirigiu para ali os seus principaes ataques.
Foi ali que os amigos do governo, e não digo o proprio governo, porque quero, acreditar, na palavra, de honra do illustre ministro das obras publicas, tentaram roubar a urna;
Existiam em Peniche, nada menos que tres administradores de concelho! Um effectivo, um substituto e um interino!
0 sr. Jayme Pinto: - Tambem já apanhei d'isso. (Riso.)
0 Orador: - O administrador do concelho, interino, foi para lá na ultima semana fazer a eleição. É conhecido pela cunhada de Sovelão, e tanto foi para lá mandado por este governo simplesmente para fazer a eleição; que dizia, mostrando uma carta do sr. Lopo Vaz, n'ella o auctorisava a commetter todos os attentados, que tinha sido alugado por 200 libras só para me vencer!
Vozes : - Ouçam, ouçam!
O Orador:- Este homem, sr. presidente, mostrava, como disse, a todos uma carta do sr. Lopo Vaz, auctorisando-o a praticar toda a sorte de violencias, roubos e assassinatos, com tanto que vencesse!
Vozes: - Tanta cousa junta.! (Riso.}
O Orador: - Eu, sr. presidente; declaro a v. exa. que não acredito que tal carta fosse verdadeira.
ma voz: - Então para que a cita?
O Orador: - Eu cito o facto. 0 administrador mostrava essa carta a toda a gente e dizia ser do sr. Lopo Vaz. Eu tenho conhecimento do caracter do illustre ministro da justiça; mas o povo é que o não tem e acreditava que a carta era verdadeira. (Apoiados da esquerda.) O fim era intimidar o povo, mostrando que era inutil tudo quanto fizesse por mim, porque elle havia por força vencer a eleição, porque o ministro a isso o auctorisava.
O sr. Ministro da Justiça: - V. exa. diz-me quem era esse administrador. O Orador: - Pois não. Esse administrador era o celebre e tradicional Ferreira das Neves, conhecido pela alcunha do Sovelão pelas proezas praticadas n'uma eleição na Arruda. Note v. exa. que eu tenho muitissima pena de não ter vindo preparado para este debate, mas reservo-me para em occasião opportuna, a fim de com documentos, provar a a authenticidade d'estes factos;
Uma VOZ: - E a celebre carta?
O Orador: - Eu já disse a v. exa. que não acreditava que ella fosse verdadeira, mas francamente v. ex.ªs, bem comprehendem que verdadeira ou falsa o administrador não m'u daria, nem a daria a ninguem. (Muitos apoiados dos esquerda).
Não estejamos aqui com artificies a querer enganar o paiz. O que eu digo a v. ex.ªs é que o administrador do concelho, dizia e fazia acreditar ao povo e aos influentes que levava carta branca para vencer a eleição e que podia, se tanto fosse necessario, roubar e assassinar, pois a tudo isso estava auctorisado pelo governo, como provava pela carta que fazia acreditar possuir. Eu não acredito.. n'isto, mas o que é facto é que elle o dizia e o povo acreditava.
O sr. Ministro das Obras Publicas: - Elle já dizia a mesma cousa em 1886, quando foi administrador progressista.
O Orador: - Pois se v. exa. sabia que esse administrador tinha essas bellas qualidades e que ia comprometter o nome do governo para que o nomeou?! (Apoiados)
Pois v. exa. sabem que elle era useiro e veseiro em praticar d'esses factos, e alugaram-no por duzentos libras para ir para aquelle concelho? Para que foi isso?
Justamente para praticar d'estes factos em que já era useiro e veseiro com perfeita conivencia com srs. ministros, que já sabiam o que elle era, (Apoiados.)
E eu sei quem indicou a v. exa. este individuo para administrador do concelho. Ha de vir tudo para aqui, visto que s. ex.ªs dizem que no meu circulo não se praticaram violencias. Não se provoca um homem como eu, quando falla a verdade; porque de todos os factos que relato fui testemunha, porque estava lá. Não andei a passear pelas ruas de Lisboa, deixando os meus amigos entregues só às pre- potencias do governo e aos trabalhos da lucta eleitoral.
O sr. Presidente: - Peço ao sr. deputado que restrinja quanto possivel as suas considerações, porque estamos com a hora bastante adiantada e ha um projecto importante para discutir na ordem do dia.
O, illustre deputado póde annunciar uma interpellação ao governo e é então occasião propria de v. exa. explanar a suas considerações. (Apoiados.)
O Orador: - Sr. presidente, eu vou satisfazer ao pedido de v. exa., mas v. exa. comprehende que desde que os srs. ministros disseram que não se tinham praticado violencias no meu circulo o que eu estava mal informado, esquecendo-se s. ex.ªs de que eu estava lá e vi e assisti a tudo, não posso deixar de responder.
Se não se praticaram violencias, e nem os srs. ministros eram capazes de ordenar tal cousa, (Riso) para que fim então se mandou para Peniche um administrador de concelho, na ultima semana da eleição, administrador conhecido pela alcunha de sovellão useiro, e veseiro, como já disse, n'estas proezas eleitoraes, segundo se dizia, e parece que elle o não negava, alugado por duzentas libras para vencer a eleição fosse pelo que fosse? E se v. exa. quizerem posso citar nomes, porque os cavalheiros que o diziam são incapazes de faltar á verdade.
Eu digo o que lá se fez.
Este, administrador dizia: eu sei que não tenho votos, mas não venho cá para arranjar votos, venho para vencer a eleição, para isso é que cá venho e foi para isso que o governo me mandou. Votos não posso ter e portanto não peço nenhum".
E sabe a camara em que elle se fiava e com o que contava para vencer, alem de todos os elementos e dos policias que lá tinha e que o acompanhavam de Lisboa? Era , com a cavallaria, que tinha sido mandada pôr ás suas ordens; mas que por um d'estes actos da mais subida honradez do official commandante da força, não se realisou o que estava premeditado.
O illustre presidente do conselho e ministro da guerra mandou passar uma guia ao commandante da força de cavallaria que para ali foi,- note a camara, para uma praça de guerra como é Peniche,- para se apresentar ao administrador do concelho!
Ora, como n'uma praça de guerra quem manda militarmente é o governador d'essa praça, o commandante da força não se apresentou ao administrador, mas sim ao go-
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244-F DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
vernador militar. E foi isto o que salvou a eleição; porque a cima das ordens especiaes estão as ordens geraes.
Ora, quer a camara saber qual era o projecto?
Era o seguinte: No dia da eleição cercar a praia de Peniche e tomar as entradas da fortaleza por forças de cavallaria, para não deixar lá entrar os eleitores que eram meus amigos!
Fui avisado d'este projecto uns poucos de dias antes mas tudo lhe saíu frustrado, porque homens sérios e dignos, homens verdadeiros defensores da nossa patria, não commettem violencias por prazer de as commetter, não se prestaram a alcabalas, não põem a força publica que commandam ás ordens de qualquer Sovelão, para elle a desprestigiar, e a cobrir de opprobrio. Bem hajam os meus distinctos camaradas.
Não commetteram essa vilania, não se prestaram a isso; e apresentaram-se ao governador da praça.
Falhando este plano, o tal Sovelão que se dizia era o administrador do concelho, installou-se na casa do consul inglez, o transformou a casa do consul em administração do concelho, dando ordens para a direita e para a esquerda, e sem ter declarado a ninguem, que era administrador, sem mesmo usar do carimbo da administração, sem ter communicado officialmente a ninguem que era administrador e por uma d'estas fascinações inexplicaveis, exige que todos lhe obedeçam e todos começam a obedecer-lhe.
Até houve um amigo meu, que arranjou logo uma carta de apresentação para tão celebre auctoridade naturalmente com medo de que ella o mandasse enforcar.
Projecta o plano de, na occasião em que estivesse a funccionar a mesa eleitoral e quando fosse mais propicio, roubar as urnas á mão armada escudado na força publica e na policia. Para isto alugaram uns poucos de individuos de differentes concelhos - um individuo, que é meu conhecido, e que foi chamado para ser alugado para fazer o serviço, que eu vou descrever recusou-se - para na occasião em que se estivesse realisando o acto eleitoral, atirar com cal para os olhos dos individuos que compunham a mesa e seringar com tinta para sujar os cadernos, aproveitando assim a confusão que tal facto devia produzir para agarrarem a urna e fugir com ella e substituil a por outra já preparada com as listas do candidato do governo.
Estava a correr as duas horas de espera e não estava ninguem na igreja a não ser a mesa e poucos mais curiosos; eram tão absurdos os boatos que na vespera se tinham espalhado, que toda a gente os julgou desarrasoaveis e por isso abandonou por completo a urna e tanto mais que a eleição tinha corrido regularmente até então.
Por precaução, mandou-se atarrachar as urnas á mesa e fechar a bôca com uma tampa de charneira com cadeado tendo apenas uma fenda por onde se podesse metter a lista.
Foi esta precaução que salvou a eleição, porque estando a correr as duas horas, saíram de uma casa uns individuos, dando vivas a mim, porque o povo era meu amigo, e estes vivas não despertavam suspeita, indo tambem os policias de Lisboa, que tinham sido arranjados ad hoc, porque a policia que houve em Peniche durante todo o periodo eleitoral não foi do districto de Leiria, mas de Lisboa, e os caceteiros alugados, caminhando á frente d'esta tropa o sub-delegado, e o administrador do concelho fechando o prestito!
Entraram na igreja do charuto acceso e chapéu na cabeça, começando então a dar vivas á republica!
E como tivessem sido ensaiados e embebedados, invadem a igreja, atirando com a cal que levavam nas algibeiras para os olhos dos individuos que compunham a mesa, e com grandes seringas cheias de tinta, seringaram os membros da mesa e os papeis para os inutilisar.
O sr. Adolpho Pimentel: - Esses amigos não eram do partido regenerador, são do sr. Monteiro, progressista, e amigo de s. ex.ªs
O Orador: - S. ex.ªs serviram-se d'elles conscientemente. O que se vê é que s. ex.ªs conhecem os factos, o que eu agradeço muito; porém o que eu não considero é esses individuos como progressistas, porque nunca o foram, e sim de todos os governos e muito menos amigos meus.
Essa classificação repilo-a com toda a indignação.
Esta horda, commandada pelo sub-delegado o ensaiada pelo Sovelão que fechava o prestito, depois de ver os membros da mesa desnorteados uns quasi cegos, outros aterrados com ataque tão inesperado, agarraram-se á urna para a levar, dizendo: "isto é nosso!"
Porém, qual não foi a sua surpreza, quando a urna resiste por estar, como disse, atarrachada á mesa com uma forte tarracha! (Riso.)
Esta contrariedade ainda não os desconcertou, porque os policias que acompanharam o prestito, desatam á pranchada aos individuos da mesa, e os bebedos com machados atiraram-se á urna para a escangalhar e entornar as listas.
V. exa. póde imaginar o tumulto que isto produziu. Alguns amigos meus, instinctivamente atiraram-se para cima da mesa para defenderem a urna, e até uns rapazitos que lá estavam saltaram tambem para cima da mesa tapando com os barretes a tampa da urna para não poder ser roubada nem as listas sujas de tinta.
Isto foi calculado, premeditado e ensaiado com muita antecedencia. Antes de se praticar este acto achava-se dentro da igreja o illustre governador da praça, que tentaram afastar, porque não queriam praticar o attestado na sua presença.
O administrador do concelho, o administrador do concelho não, o individuo que os srs. ministros alugaram para fazer isto, o Sovelão, mandou um bilhete ao governador dizendo que havia uma insubordinação militar na praça, o que era falso, para o obrigarem a sair da igreja.
Vozes da esquerda: - Ouçam, ouçam.
O Orador: - É claro que o governador partiu para onde o chamavam os seus deveres feito isto saltaram na urna e praticaram aquelle bello feito. Os meus amigos teriam sido fatalmente victimas se não fosse a intervenção da providencia.
Aquelles benemeritos, a que não quero dar outro nome n'este logar, porque não devo, atiraram-se ás urnas e não podendo leval-as, ficaram furiosos, os vivas á republica redobraram, e tornando-se quasi impossivel aos meus amigos politicos, com os olhos cheios de cal e os cadernos cheios de tinta resistiram aos sabres dos policias, estavam prestes a succumbir.
Então, um tenente de artilheria distinctissimo camarada meu, um dos homens mais briosos da minha classe, que está em commissão n'aquella praça e tendo ido votar, indo já em retirada e ouvindo este tumulto, volta atraz e vendo os meus e seus amigos acutilados pelos sabres da policia, os olhos cheios de cal, a cara coberta de tinta que por acaso era de côr violeta e portanto parecia sangue, ouvindo os vivas á republica, e presenciando a desordem e a anarchia mais desenfreada que se póde imaginar, salta para cima da mesa e desembainhando a espada grita: "Viva a liberdade, viva a carta constitucional e viva Sua Magestade El-Rei; quem tocar aqui corto-lhe a cabeça"!
Isto causou uma certa intimidação. Os individuos recuaram um pouco, mas tiveram ainda a audacia de investirem com o official que defendia a liberdade e a honra d'este paiz. A policia ainda investiu com este bravo official, dizendo-lhes palavras pouco amaveis, mas vendo-o resolvido a praticar o que affirmava, recuou espavorida.
Este brioso official de artilheria é o sr. Antonio Maria de Souto Çervantes, a quem a camara municipal de Peniche acaba de reconhecer os seus serviços dando o seu nome a urna das ruas da villa.
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APPENDICE A SESSÃO DE 16 DE MAIO DE 1890 244-G
Este official é filho de Pedro Cervantes, a quem Peniche deve os mais relevantes serviços. Foi innegavelmente o sr. Cervantes que salvou a eleição que o governo, por meio das suas auctoridades, pretendia roubar á mão armada, em pleno dia e á vista de toda gente.
Tres vezes tentaram repetir o assalto, mas os meus amigos já estavam prevenidos e em grande quantidade cercavam a urna. N'uma das investidas, o projecto era fazer saltar por meio de bombas de dynamite a urna! (Ouçam, ouçam.)
Vou terminar sr. presidente, porque me sinto muito cansado, e como vou mandar para a mesa uma nota de interpellação a todos os srs. ministros, porque todos elles têem culpas no cartorio, e quem sabe se até mesmo o sr. ministro dos negocios estrangeiros, porque não sei se da Inglaterra veiu alguma ordem para se vencer esta eleição visto ter sido na casa do consulado d'aquelle paiz que se recolheu o administrador do concelho, reservo-me para quando isso se realisar explanar mais desenvolvidamente este assumpto a que fui obrigado a referir-me agora, pelas inconvenientes declarações do sr. Antonio de Serpa, de que no meu circulo não foram praticadas violencias e que m'o havia de provar.
Tenho aqui uma porção de requerimentos para mandar para a mesa, mas agora limito-me apenas a enviar a nota de interpellação.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi muito comprimentado.)