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APPENDICE A SESSÃO N.º 17 DE 31 DE JANEIRO DE 1896 146-A

Discurso proferido pelo sr. deputado José Bento Ferreira de Almeida, na sessão de 31 de janeiro, depois de corrigido por s. exa.

O sr. Ferreira de Almeida: - Sr. presidente, é condição necessaria para bem produzir ter mens sana in corpore sano. Infelizmente, o meu espirito não está possuído dos alentos que animam a trabalhar, e neste caso a fallar, e, infelizmente, tambem o meu corpo não está em tão boas condições de saude que se preste a auxiliar-me o espirito.

Entretanto, a despeito das disposições em que estou, de usar da palavra o menos que for possivel, varias referencias feitas no decorrer da discussão, que poderemos chamar da generalidade do bill de indemnidade e dos actos que com elle se ligam, e ainda uma referencia feita antes da ordem do dia pelo nosso collega Carneiro de Moura sobre as suas aspirações coloniaes e sobre a maneira de radicar nas colonias a nossa emigração, presumindo que nada se tinha feito até aqui, e que, portanto, eu nada fizera no periodo em que fui membro do poder executivo, levam-me a aproveitar este ensejo para dar conta do exercício das minhas funcções como ministro da marinha e ultramar.

Repito, procedo assim determinado pelas referencias feitas já pelo sr. Dias Ferreira a respeito da situação da India, já pelo sr. Carneiro de Moura sobre o aproveitamento da emigração, já pelo sr. Marianno de Carvalho a respeito dos governos e das forças do ultramar, e ultimamente pelo sr. Boavida, a respeito dos capellães da armada.

Poderia, quando viessem á discussão cada um dos decretos dictatoriaes publicados pela minha parte, e que, sendo da responsabilidade politica collectiva do governo, são mais especialmente da minha responsabilidade pessoal pela parte profissional e technica que a elles me ligam; poderia, nessa occasião, fazer a respeito de cada um desses decretos as considerações respectivas, e a isso limitar-me; mas, acceitando o logar de ministro, julgo do meu dever dar satisfação á camara, e, portanto, ao paiz, da maneira como procedi.

Figuro com trinta e três decretos na collecção que a camara tem de apreciar, sendo vinte e quatro de- marinha e nove do ultramar, e deixei, vistos pelo conselho de ministros uns, outros impressos ou manuscriptos, dezeseis projectos, que deviam vir á camara como propostas de lei, sendo seis do "ultramar e dez de marinha, alem dos trabalhos preparatorios para a acquisição de navios, o que perfaz um total de cincoenta disposições de lei.

Não se assuste a camara, se eu lhe disser que os vou fazer desfilar na sua presença, rapidamente, para os justificar, e para que a camara de antemão se previna contra as solicitações que ha de ter contra esses decretos, como já se tem manifestado nos diversos requerimentos, mais ou menos acompanhados de considerandos, que têem sido presentes á camara. Note-se ainda que todos os requerimentos que têem sido apresentados, quer reclamando contra decretos, quer de outra ordem, todos mirara e se traduzem em augmentos de despeza. Não esqueça isto a camara. E a proposito vem dizer, que se ha cousa que justifique a dictadura em que tomei parte, é um facto recente da nossa historia politica.

Em 1894 foi apresentado ao parlamento o orçamento com as reducções de despeza que o ministerio entendeu poder fazer; e sabe v. exa. o que aconteceu?! É que sendo1 já o tempo da penuria publica, o orçamento da despeza saiu augmentado da camara, e creio que diminuído o da receita. Logo, a dictadura justificou-se, pelo menos, pelo facto de cuidar de augmentar as receitas e diminuir as despezas, e foi esta a minha orientação capital.

N'este intuito de dar conta á camara da forma como procedi, e simultaneamente responder às observações dos oradores que me precederam, nos pontos que visaram, devo dizer a v. exa. que os decretos que foram publicados, e um que o não foi, mas que devia vir a esta camara, deverão produzir, se se mantiverem; 212 contos de réis de reducção na despeza de pessoal e produziram desde já, como previ e consta do projecto do orçamento apresentado pelo sr. presidente do conselho; e ministro da fazenda, mais de os contos de réis de reducção no orçamento de marinha.

Creio que estes factos positivos faliam bem claramente ao espirito e ao sentimento d'aquelles que devem comprehender que, na situação em que o paiz se encontra, todos os sacrifícios se impõem, e que se todas estas medidas acarretam um grande odioso para quem as promulga, esse odioso é muito maior quando o legislador ou dictador pertence á corporação a que foram impostas as reducções, porque se preoccupou mais com o interesse do paiz do que com o interesse egoista de classe.

A camara, que não tem que arrostar com odios desta espécie, verá se, perante as condições financeiras do paiz, deve conservar e manter as medidas promulgadas, ainda por outra ordem de rasões que vou apresentar.

As economias feitas no pessoal podem ter dois objectivos: ou simplesmente reduzir a despeza, ou realisar dentro da dotação da marinha os fundos possiveis para a organisação indispensavel do material naval de combate, que nos falta e que faz com que as demais nações nos considerem sem valor, sem préstimo algum no concerto europeu.

Nação maritima e colonial sem navios de guerra que possam operar soltos ou em esquadra, não se percebe; percebe-se á Suissa sem esquadra, mesmo a Belgica, por não ter colonias, e a sua costa não ser de facil accesso, mas uma nação maritima com metade do seu perimetro banhado pelo mar, e com um importante domínio colonial, sem elementos de valor militar naval com que possa fazer-se valer no congresso das potências, não se comprehende; d'ahi vem a maneira realmente villã com que por vezes temos sido tratados.

Eu tive occasião de dizer á camara em 1890, sobre este mesmo assumpto, quanto se fazia mister termos uma marinha militar a valer; não é necessario por agora augmentar a marinha colonial, temol-a sufficiente, o que tive occasião de demonstrar, acudindo, com os elementos que possuíamos num periodo extraordinario de revolta e de agitação, a todos os dominios coloniaes; periodo não creado por mim, mas vindo do abandono e contemporisação de outros tempos.

A tudo se pôde acudir; e digo mais, com o preciso cuidado na administração naval, tencionava deixar, até fim do actual anno economico, guarnecidas todas as nossas colónias com material naval reparado para serviço por dois annos, como communiquei ao conselho de ministros. Far-se-ha? Não sei!

Se alguem me perguntar os detalhes, então justificarei esta asserção.

Mas este cuidado em reduzir despezas e fazer trabalhar acarreta odios; d'ahi a guerra que se fazia nos jornaes contra mim.

Á falta de argumentos contra as minhas medidas o contra a actividade que imprimia aos serviços, fui accusado vae vingativo, de violento, áspero, e de me desmanchar na pote, de ministro!

Permitta-me v. exa. que ateste respeito faça uma comparação judiciosa.
Uma destas noites, ouvindo em S. Carlos a Gioconda foi pedida a repetição de um trecho de musica pelo entrain; vivacidade, correcção e belleza com que a orchestra o executava. Por um acaso, sem deixar de prestar audição á musica, fixei a vista no maestro, e vi, que sendo a musica a cousa mais suave e bella que póde captivar o nosso es-

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pirito, para a conduzir nos seus andantes, no seu ensemble e na sua vivacidade, o maestro tanto era sereno na sua direcção, quando ella tinha a sua marcha normal, como era violento e agitado quando tinha de a conduzir nos tons vivo e rapidos, e que apesar de cada instrumentista ter diante de si a musica por que devia guiar se, como os funccionarios têem a lei e as normas do dever, o maestro, numa vertiginosa e sacudida acção da batuta, brandida a um e outro lado, como que chamava á execução marcada cada um dos executantes, e lhe imprimia, no tom vibrante e violento da sua batuta, a acção, o vigor e euthusiasmo de que se achava possuido!

N'estes termos, sr. presidente, como se julga estranho, que, para imprimir acção, vigor e observância do regimen administrativo, os ministros, nos casos difficeis, tenham do ser sacudidos, incisivos nas ordens a dar, para bem conduzir a administração publica que lhe está confiada, quando o tom e disposição nativa é o do dulce far niente que este bello céu inspira! (Apoiados.)

Deixando, porém, estas divagações, passo a fazer a exposição e justificação das medidas que promulguei.

O primeiro decreto que se contém na collecção, e é da minha responsabilidade technica, regula o abono das rações de bordo, que era demasiado extensivo na sua incidência, e reduzido no seu quantitativo, resultando daqui graves e injustos prejuízos, pois que custando a ração em géneros ao estado proximamente 210 réis, na alimentação em commum, se pagava para a alimentação singular a 160 réis, a dinheiro.

Estabeleci, pois, que se pagassem pelo valor médio que ellas tinham, reduzindo a incidência do abono e economisando com esta providencia 20 contos de réis.

Estes 20 contos de réis são a primeira parcella de uns 56 contos de réis, que já apparecem, de reducção na despeza do ministerio da marinha no orçamento apresentado á camara para 1896-1897, e cuja reducção se tornou desde logo effectiva no exercício de 1895-1896.

O segundo decreto, é o que annullou os commandos das divisões navaes.

As divisões navaes constituidas pelos navios que se encontram n'uma dada região têem todos os seus commandantes, e alem desses, um commandante em chefe, vivendo em terra, com creado, cozinheiro, uma embarcação às ordens, ctc., o que tudo representava uma despeza annual de 5:952$000 réis e que foi supprimida.

Restabeleceu-se a antiga organisação das estações navaes, em que o commandante mais antigo é o chefe, desempenhando as funeções que pertenciam ao commandante da divisão naval.

V. exa. comprehende que isto não prejudicou nenhum individuo determinadamente; supprimiu apenas uma commissão rendosa, e por isso foi uma d'aquellas pancadas de batuta mal recebidas. (Riso.)

Segue-se o decreto da dissolução do corpo de engenheiros hydrographos.

Os engenheiros hydrographos em geral, ou quasi na totalidade, derivavam de officiaes de marinha considerados mais habeis ou que tendo mais empenhos, conseguiam ficar a estudar em Lisboa a chamada hydrographia, com todos os vencimentos, emquanto que os seus camaradas, iam para as colonias fazer serviço de embarque.

E depois de fazerem o curso continuavam a ficar cá nas repartições ou faziam hydrographia em Portugal; às colonias nenhum lá ia. Todo o trabalho que ha de hydrographia colonial, tom sido feito pelos officiaes de embarque, que menos hábeis ou menos protegidos, para se inscreverem n'aquella classe, os tem mandado á critica dos soit disant hydrographos.

Está assistindo n'esta casa, a esta exposição, um dos almirantes da armada o principal ornamento da nossa marinha de guerra, o sr. Ferreira Marques, e que pela seriedado do sen caracter, se eu avançar qualquer proposição menos exacta, não deixará de certo de o notar: embarquei sob as ordens de s. exa. e por isso sei qual é o merecimento do seu caracter.

Não tinha ainda explodido o crak da fazenda publica, quando o sr. conselheiro Arroyo em 1890, animado das melhores intenções, orgnnisou era corpo especial a classe dos hydrographos, e depois porque lhe chamavam engenheiros, deu-lhe o vencimento de engenheiros navaes. Já vêem v. exas. que pela data do decreto não podem elles allegar direitos adquiridos, pois que a essa data não tinham quadro.
Eu pergunto se não ha direitos mais sagrados que foram calcados pelas exigências das necessidades publicas, e que ainda não tiveram reparação?! Refiro-me ao trabalho cupi-talisado representado nos títulos do estado, e que tendo um dado juro, hoje está reduzido de 30 por cento. Se ha direito sagrado é aquelle, e entretanto ahi ficou tanta gente em más condições, e bem assim estabelecimentos de caridade, possuidores desses titulos por imposição da lei.

A extincção do quadro especial de engenheiros hydrographos produziu logo 1:932$000 réis de economia.

Segue o decreto, que deu o primeiro corte na escola naval. Imaginem s. exas. que os lentes da escola naval desfructavam pela ultima lei do 29 de novembro de 1887 a reforma como officiaes de marinha, e os terços e jubilações como professores; desfrnctando ainda durante o exercício do magistério o soldo da patente, a gratificação de réis 400$000 e mais a gratificação de 430$000 réis, que se creou em tempos para acabar com a exploração do ensino; desta forma os lentes da escola naval tinham de gratificação 880$000 réis, o soldo da patente e duas reformas! O que fiz? Reduzi-lhe as duas reformas a uma só, pois não se percebe que o individuo que passa o seu tempo debaixo de coberta enxuta, tenha duas reformas, quando os seus camaradas de embarque, com uma vida mais árdua, têem uma só; o reduzi-lhe as gratificações de 880$000 a 600$000 réis, como têem os lentes da escola do exercito.

Este golpe é o que levantou mais iras e os desapossados não descansam por ré haver o perdido. Esta reforma produziu logo 2:520$000 réis.

Outro decreto é o que reduziu o quadro dos capellães da armada. O meu antecessor o sr. conselheiro Ferreira do Amaral tinha reduzido já o numero de capellães de oito a seis e com o seguinte objectivo.

Um no corpo, um no hospital, dois nas escolas e dois, um para cada uma das
divisões navaes, completando assim os respectivos estados maiores.

Pela minha parte entendi que dada a penuria do thesouro publico me podia limitar a ter aquelle pessoal em serviço nas mesmas condições que no exercito, com um capellâo no corpo de marinheiros e outro no hospital, dispensando os restantes do serviço e do ensino, nas escolas do alumnos marinheiros, a rapazes de quatorze a dezesete annos nas primeiras letras e moral christã, custando esta funcção o mínimo 852$000 réis por anno.

Foram pois licenciados com o soldo os capellães dispensados, dando esta medida 1:279$000 réis de economia.

O decreto, fixando as gratificações do pessoal do estado maior, pertencentes aos quadros da armada, em commissão na escola de torpedos, deu 480$000 réis de economia, por lhes serem arbitradas as gratificações dos officiaes da armada de iguaes patentes, fixadas no decreto de 14 de agosto de 1892.

A escola e serviço de torpedos póde continuar a funccionar onde está installada, mas manter ali o deposito de material é impossivel. Para o demonstrar basta dizer que se o palacio da Ajuda póde ser bombardeado de fora da barra, Paço de Arcos, onde está a escola de torpedos, mais facilmente é attingido por um bombardeamento.

Não tive tempo para ir visitar a escola de torpedos, porque mal me chegou para fazer cincoenta decretos, dos quaes trinta e três publicados, e estando alem disso no

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APPENDICE Á SESSÃO N.° 17 DE 21 DE JANEIRO DE 1896 146-C

meu gabinete, como numa estação telegraphica central a ouvir do ultramar reclamações, pedidos, explicações e instrucções por parte de um pessoal que gosta muito de estar á testa das commissões, mas nada das responsabilidades que lhe são inherentes, e por isso não pude occupar-me da reorganisação do serviço de torpedos.

N'uma costa aberta como a nossa, onde metade da população está accumulada á beira mar, indefensavel por meio debaterias, por isso que teriam de ser collocadas junto das casas de habitação, e por consequencia sem as cobrir, são os torpedeiros a unica defeza recommendavel, e que porá em respeito as esquadras bloqueantes.

Pensei, e este era um dos taes dezeseis decretos que haviam de vir á camara, em crear nos quatro departamentos quatro secções de torpedeiros, sendo uma em Lisboa, com uma subsecção em Setubal, e porventura em S. Martinho, no Porto, Faro e nos Açores.

O deposito de material e arrecadação principal seria em Lisboa a coberto do pontal de Cacilhas, podendo ficar a escola em Paço de Arcos, e bem assim a estação de defeza por meio de torpedos, ou noutro ponto que se julgue mais adequado.

No Porto o deposito seria a montante da ponte do caminho de ferro para estar abrigado; em Faro, no castello, e nas ilhas em logar devidamente estudado e em que os explosivos estivessem devidamente abrigados.

Não tem hoje rasão de ser constituir a escola e serviço de torpedos uma commissão especial, servida por officiaes em commissão permanente, quando tanto o torpedo como o torpedeiro estão sendo o material mais generalisado no serviço naval. Alguns primeiros e segundos tenentes têem saido para a costa nos torpedeiros para fazer exercicio, o que é conveniente, porque não se póde d'elles fazer uso util sem muito habito de vida a seu bordo.

Esqueceu-me fallar quando tratei dos engenheiros hydrographos da redacção das gratificações dos engenheiros navaes, e bem assim da correcção feita a uma admissão illegal no respectivo quadro, de alguns officiaes habilitados com o curso, não havendo vacatura.

Tendo os engenheiros navaes um curso para o serviço do estado, representado em capital e tempo empregado, em o completar, quando muito igual ao que despendem os engenheiros militares ou civis, não tinham direito a ter gratificação, em alguns casos dupla, da que aquelles desfructam por lei, e por consequencia reduzi as gratificações, adoptando as da engeuheria militar; e sendo as condições do serviço mais favoraveis do que as dos engenheiros militares, não ha rasão para que tenham maiores gratificações. (Apoiados.)

Fiz considerar como simples officiaes da armada e com os respectivos vencimentos os habilitados com o curso de engenheria encorporados no quadro sem vagas.

Estas duas alterações produziram 1:524$000 réis de economia.

Segue o decreto de 1 de fevereiro de 1890, fixando as gratificações dos capitães de fragata da armada, a cuja classe tenho a honra de pertencer. Esse decreto produziu 2:340$000 réis de economia.

Devo dizer a v. exa. que em 1890, quando se fez a remodelação dos serviços navaes, se alterou a gratificação dos capitães de fragata, elevando-a de 30$000 a 30$000 réis por se entender que á progressão crescente dos soldos deveria corresponder igual progressão das gratificações, constituindo uma espécie de remuneração por diuturnidade de serviço. Mas em 1890 suppúnha-se que a fazenda se achava ainda em bom pó. Diante das violências inglezas era necessario animar todos os elementos de actividade nacional, e uma das maneiras de a animar é sem duvida com mais alguma cousa do que simples palavras. Mas dada a situação precaria do thesouro forçoso era voltar á antiga tarifa, não havendo rasão para invocar direitos adquiridos.

Annullou-se uma disposição de lei que datava de cinco annos. Este foi um dos primeiros decretos que promulguei, e como disse me comprehendeu.

Não gostaram - foi outra pancada de batuta da suspensão no entrain devorista das receitas do estado. (Riso.)

Eu tinha defendido esta ordem de idéas antes de ser ministro, e como ministro corria-me a obrigação de as pôr em pratica. (Apoiados.)

O decreto supprimindo o abono de subsidio de embarque aos officiaes de marinha militar em serviço nas capitanias dos portos do continente e ilhas adjacentes, produziu logo 3:252$000 réis.

Os logares de capitão de porto constituem commissões de residencia. Ha capitão de porto que está na terra da sua naturalidade aonde tem casa, familia e até propriedades urbanas ou rusticas, e são os desta especie os que se anteciparam a pedir a revogação do decreto que lhe cortou o subsidio!

Em 1890 estabeleceu-se que alem do soldo e gratificação tivessem os capitães de porto tambem o abono de subsidio de embarque para animar os officiaes à irem desempenhar esta commissão, sem serem violentados por uma ordem de partida. Mas a situação continuou a mesma; só ia quem queria ir.

Houve alguns annos, antes de 1844, o abono de subsidio de embarque para os officiaes que desempenhavam as commissões de capitães dos portos, mas desde então até 1890 deixou de existir similhante abono por economia e por se não1 justificar para o fim de tornar acceitavel similhante serviço. Em 1890 tornou a estabelecer-se como estimulo, e como não tivesse dado resultado e tambem por economia, supprimiu-o.

Vem depois o decreto extinguindo o abono de luz, da tabella n.° 9 do decreto de 30 de dezembro de 186; esse abono era variavel, conforme a graduação; hoje, que os navios têem uma larga illuminação paga pelo estado, é dispensavel ter cada um esse abono especial que em geral se pagava a dinheioo, alem de que os navios modernos hão de ser todos illuminados a luz electrica e no quartel ha a illuminação a gaz. Quem ficou, mais affectado foram os officiaes inferiores, cujo abono de 12 grammas do estearina ou 8 grammas de cera por dia, representa uns tostões por anno. Mas não reclamaram.

A economia immediata calculada pela contabilidade, se os conselhos administrativos de bordo não glosai em a lei, e de 2:200$000 réis.

Segue-se o decreto que aboliu as varadas e todos os castigos corporaes na armada: este decreto não foi bem recebido por alguns officiaes de marinha; e, sem eu querer deprimir a consideração que elles possam ter, quer pessoal quer, profissional, devo dizer, que onde a auotoridado se não impõe pelo caracter moral do indivíduo ou pela sua auctoridade profissional, não ha chibata, não ha nada, por mais violento, que o consiga. (Apoiados.)

E isto tanto é para os homens, como para-as creanças. Deixem-me ter a immodestia de dizer que tendo eu commandado durante dois annos e meio a corveta Sagres, escola de alumnos marinheiros no Porto, só ali se deram palmatoadas uma vez na minha ausencia e sem minha auctorisação, e outra auctorisada por mim pouco tempo depois como confirmação da antecedente, para desfazer a animadversão dos alumnos contra os officiaes. Assim, para 140 rapazes de quatorze a dezesete annos, cessaram n3o só as palmatoadas, mas o chicote de cabo e os puxões de orelhas, etc., sem que o regimen do navio soffresse, e sendo até o melhor desde que ali está, para o que invoco o testemunho dos cidadãos do Porto. (Apoiados.)
Os castigos corporaes não têem rasão de ser como systema, porque não impõem respeito o aviltam o caracter dos pacientes, ou o irritam; é esta a impressão que tenho desde creança.

Temos o decreto reorganisaudo o serviço das pescarias,

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moldado no que existe em França e Hespanha, creando commissões locaes, onde os interessados podem discutir os seus interesses; as commissões departamentaes, como de recurso, e finalmente a central em Lisboa, como de suprema instancia para resolver sobre todos os assumptos da pesca.

Aqui tive de fazer o enorme augmento de despeza de 400$000 réis para dotar este serviço com os indispensáveis elementos do estudo.

Este dinheiro vae sendo applicado em trabalhos, que já têem dado brilhantes resultados, porquanto numa das primeiras pesquizas maritimas, o naturalista que faz parte da commissão teve a fortuna de encontrar um pequeno peixe do qual ha só um exemplar no Japão e que illumina o espaço em que se mantem por meio de reflectores electricos que tem distribuidos pelo corpo: de Peniche veiu um exemplar do outra especie rara, que só caracterisa por ter na cabeça um tentaculo, em cujo extremo tem um foco eléctrico, que lhe serve para apanhar os outros peixes pequenos, como se pescasse ao candeio.

Segue o decreto que reorganisa o quadro dos officiaes da administração naval.

Este decreto não deu ainda resultados effectivos, mas quando completa a reducção successiva do pessoal dará 21:760$000 réis de economia.

O quadro, que em 1868 era de trinta officiaes, subiu em 1890 a sessenta e oito; as gratificações, que em 1868 tinham um determinado valor, estavam duplicadas em 1890; não alterei estas mas reduzi o quadro a cincoenta, e ao mesmo numero de categorias superiores que tinha em 1880, em que o quadro era de quarenta e seis indivíduos: como a camara comprehenderá, mal se percebe que tendo o medico naval um largo curso, chegue até capitão de mar e guerra (coronel; emquanto que o commissario, tendo actualmente apenas com o curso do lyceu uma cadeira na escola naval vá até ao posto de capitão de fragata (tenente coronel). Entre o curso que se exige a um. medico e o simples curso do lyceu com uma cadeira na escola naval não ha parai leio possivel, e nesta comparação ainda o commissariado ficou em melhores condições do que os medicos navaes.

Outro decreto creou uma junta de revisão de saude naval: no meu entender não póde esta medida soffrer contestação, desde que em outras repartições do estado ha juntas de revisão: extraordinario é que ha muito tempo se não tivesse estabelecido a junta do revisão de saude naval. Não deu augmento de despeza.

Outro decreto remodela o quadro de auxiliares da administração naval.

Eu defendi sempre na camara os interesses das classes inferiores da armada, quer officiaes marinheiros, quer sargentos, por isso que a única perspectiva do futuro que tinham ora serem os últimos despachados alferes para o ultramar e os officiaes inferiores de manobra irem morrer em patrões mores de capitanias com as honras, mas sem os proventos, de segundos tenentes da armada.

Assim, a maioria das praças da classe de inferiores da armada, depois de passar uma grande parte da sua vida a navegar para o ultramar, o prémio de consolação que tinha no seu futuro era irem acabar lá os seus dias. Pareceu-me sempre que se lho devia dar alguma cousa mais pelos seus serviços e como incentivo para preenchimento dos seus respectivos quadros ainda hoje com grandes lacunas.

O sr. Ferreira do Amaral, sendo ministro, creou o chamado quadro da administração naval, esquecendo, porém, de contemplar nesta melhoria a classe dos mestres de manobra, pessoal que tem uma certa importância, pois que commnnda quarto na falta de officiaes.

Tornei, pois, extensivo aos mestres o beneficio resultante da creação d'aquelle quadro que por emquanto não dá augmento sensivel de despeza; o quadro é limitado e será lentamente preenchido, a despeza que num futuro ainda distante ha de dar, constituo a mais legitima retribuição devida a funccionarios que por tantos titulos a merecem.

Segue o decreto reorganisando os serviços dos departamentos e capitanias dos portos do continente e ilhas.

Este decreto teve por fim, por um lado, regularisar a jurisdicção maritima, por outro descentralisar de Lisboa o funccionamento do serviço das capitanias das ilhas. Não havia necessidade de estar o almirantado em Lisboa a corresponder-se para ali em cousas que são da simples jurisdicção de um chefe de departamento.
Neste decreto definiu-se de uma maneira clara e precisa qual é a jurisdicção marítima, e qual é a jurisdicção das circumscripções hydraulicas.

As irregularidades existentes eram de tal ordem que é facil fazel-as comprehender á camara num rápido traçado.

Imaginem, por exemplo, que esta sala representa a na de Faro, bacia toda salgada; pois a divisão existente era dada por uma linha traçada na carta tirada da estação do caminho de ferro para uma das bocas da na costa, e que póde figurar-se como a diagonal desta sala, quando toda a região é de aguas salgadas.
Pelo novo decreto tudo quanto é salgado pertence á administração naval, o resto às circumscripçí5es hydraulicas dependentes do ministerio das obras publicas.
O decreto installando a terceira escola de alumnos marinheiros deriva do decreto que creou esta instituição.

A installação immediata d'esta terceira escola justifica-se pelas estatisticas, que no periodo de cinco annos, de 1890 a 1894, dão uma concorrencia de candidatos em numero de 221, 237, 319, 293 e 367, ou sejam 1:437, dando em media 287 candidatos para uma admissão máxima de 135 por anno, deixando desattendidos 152 candidatos, em que, sem duvida, se encontra uma parte inaproveitavel.

Não ha augmento de despeza, por isso que a sua dotação, em relação aos alumnos, póde ser levada á conta do pessoal de grumetes do corpo de marinheiros e, com relação aos officiaes, é mais uma commissão que têem, em logar de estarem adidos ao almirantado.

Publiquei tambem o decreto reorganisando o corpo de machinistas navaes, em que tive por fim dar aos machinistas conductores regalias similhantes às que tinham os sargentos.

Temos o decreto, indevidamente denominado via collecção, da reorganisação do corpo de marinheiros, decreto que regula apenas as condições de promoção das praças de marinhagem.

Temos a seguir o decreto ampliando o quadro dos pilotos do porto de Ponta Delgada. O pessoal era insufficiente, e foi elevado o quadro dos pilotos, passando de dois a quatro.

Segue o decreto mandando applicar, provisoriamente á armada, o regulamento disciplinar do exercito. Era uma necessidade dimanada da abolição dos castigos corporaes e dos artigos de guerra que, embora do século passado, ainda estavam em vigor na armada!

O decreto que regula a exploração das ostreiras, é apenas uma questão de regulamento da sua exploração, sendo para estranhar que tenha estado completamcnto abandonada essa exploração entre nós, quando é riquissima nos outros paizes, e tendo nós condições para que dê aqui mais resultados do que lá fora!

Finalmente, o decreto da reorganisação da escola naval, que tantas iras, reclamações e protestos levantou por parte dos lentes deslocados, fundados numa espécie de direito divino de posse e exploração!

Nas armas de cavallaria e infanteria, pedem-se no nosso paiz tres annos de escola polytechnica e tres annos de escola do exercito; adoptei o mesmo principio, desembaraçando a escola naval das mathematicas puras, passando-as para preparatórios e desdobrando cadeiras de ensino

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APPENDICE Á SESSÃO N.º 17 DE 31 DE JANEIRO DE 1896 146-E

especial. Este desdobramento impunha-se, porquanto s. exas., sem serem de profissão, sabem entretanto quanto hoje a electricidade, por exemplo, entra como elemento extraordinario de acção em todos os artificios de guerra.

Reduzi o numero dos aspirantes, porque mal se comprehendia que no quadro de ofnciaes, cujo movimento maximo, nos postos inferiores, nunca vae alem de dez por anno, se estivessem admittindo aspirantes a esse quadro por forma extraordinaria, de maneira que o futuro que espera os ultimamente entrados é deplorável, pelo estacionamento extraordinario a que vão ficar sujeitos.

A lei antiga marcava 60 aspirantes de 1.ª e 2.ª classe, e agora ficou reduzido o quadro a 30, 10 por cada um dos tres annos do curso especial. A lei antiga marcava 30 guardas marranas que, tendo dois annos de tirocínio, representava 15 por anno; agora ficou reduzido a 20, 10 por anno isto para não estar a illudir os pães de família e os pretendentes á carreira naval, entrando n'ella com vontade e porventura com enthusiasmo, e vendo se depois sem futuro.

Esta reforma foi moldada na da escola do exercito actualmente em vigor e detalhadamente apreciada pelo conselho de ministros.

Adoptou-se n'ella o principio de que o exercício do professorado era de commissão temporária, como na escola do exercito, sendo nesta até attiugir a promoção a coronel, emquanto que na escola naval só até tenente coronel (capitães de fragata): a rasão da differença de imposto deriva de que as responsabilidades do mando na armada são maiores do que no exercito e, portanto, deverão reverter ao serviço de embarque os officiaes, em patente, que possam exercer ainda o serviço sob cominando superior, antes de o exercerem de responsabilidade propria.

O principio é o seguido nas marinhas sueca, hespanhola, dinamarqueza, italiana e mesmo franceza, para o professorado de proveniência militar e até nestas marinhas em postos monos graduados. Se o principio, pois, é bom, é justo applicar-se desde logo, não o deixando para as kalendas gregas. O provimento fez-se por nomeação agora, como se fez com a reforma da escola do exercito, por não haver tempo para concurso, mas de futuro será por concurso documental e de provas praticas em caso de igualdade de diplomas.

Eis, rapidamente exposto, o teor e fundamento dos decretos de marinha, que me consta se procuram alterar pela solicitação d'aquelles que fazem da marinha uma exploração gananciosa e não uma profissão honrada. Se tal succeder, eu só terei a lastimar-me por me ter preoccupado em ser ministro d'estado em proveito do mesmo estado, com prejuizo meu como membro de classe, quer materialmente, quer pelas malquerenças que conquistei, atacando interesses illegitimos, em logar de ser ministro de classe, explorando o thesouro publico.

Outras pequenas providencias merecem menção, taes foram o fazer suspender a substituição da antiga legenda "a patria honrae, que a patria vos contempla", pela que ultimamente foi ordenada, de "talent de bien faire", não só porque esta nada significava como suggestão, mas porque representava a sua substituição a despeza de alguns contos de réis.

Ainda ordenei que o bordo de honra, e, portanto, a respectivo portaló, fosse o de estibordo (lado direito), em logar do de bombordo (lado esquerdo), porque é esse o uso em todas as marinhas, e só não era na nossa fazendo excepção não justificada, não importando esta alteração despeza.

Isto mesmo vae ser derogado, diz-se, para manter a tradição! Digamos, por espirito de contradicção, que me abstenho agora de classificar.

Passemos agora uma rápida revista aos nove decretos do ultramar, que são os seguintes:

Acabando com os postos de accesso. Eu não conheço nada mais injusto, mais inutil, mais inconveniente, do que a lei que permittiu a concessão de postos de accesso no ultramar, prestando-se a favoritismos odiosos e importando um alargamento indirecto dos quadros, com gravame para o thesouro, pela existência dos supranumerários regressados do ultramar.

A economia é manifesta nesta medida, cujo quantitativo não determinei: criticou esta medida um só jornal, com o fundamento de que isto havia de fazor com que não houvesse quem quizesse ir para o ultramar.

Devo declarar que durante o tempo que fui ministro, e depois já medida decretada, superabundavam os pretendentes.

Quando deputado, pronunciei-me sempre na camara contra os postos de accesso, e no mesmo sentido se pronunciou tambem na antiga camara o sr. Dantas Baracho, que esteve em commissão em Angola, e outros.

Outro decreto concede uma pensão á viuva de um official morto em combate. Não me occupo em o justificar; está por demais recommendado por sua natureza. (Apoiados.)

Decreto classificando os governos das provincias ultramarinas e regulando os vencimentos dos respectivos governadores. E este um dos diplomas a que se referiu o sr. Marianno de Carvalho, achando que estavam mal remunerados os governadores.

Como o meu objectivo capital era regularisar os serviços, reduzindo ao .mesmo tempo a despeza tanto quanto fosse possível, não póde ainda assim, neste caso, evitar um augmento de 2 contos de réis, mas regularisou-se o serviço pela forma que rapidamente vou expor, mostrando á camara o estado em que as cousas se achavam.

O governador de Moçambique, por exemplo, figurava no orçamento com 6 contos de réis de ordenado e 800$000 réis para despezas de representação. Vindo a Lisboa recebia aqui 3 contos de réis.

O governador de Angola, província porventura mais importante para nós do que Moçambique, e os cavalheiros que pertencem ao commercio, e têem aqui assento, sabem de quanto serviram as relações de Angola na crise por que passámos; o governador de Angola, digo, recebia réis 3:200$000 de ordenado e 4 contos de réis de gratificação; ao todo 7:200$000 réis, isto é, mais do que, o de Moçambique quando está em exercicio na colónia, pois vindo a Lisboa tem só 1:600$000 réis, emquanto aquelle recebia 3.

Nas ajudas de custo tambem eram grandes as anomalias; assim, emquanto os governadores, arcebispos e bispos tinham 500$000 réis de ajuda de custo na sua partida para o ultramar, se lá fosse um official general para uma inspecção, tinha apenas 150$000 réis.

Isto é, emquanto um governador, que é às vezes um capitão, major, ou tenente coronel, tinha de ajuda de custo 600$000 réis, um general, que tinha de manter a mesma representação, recebia apenas 150$000 réis. Foi para acabar com taes irregularidades que promulguei o decreto, ficando agora equiparadas as categorias, iguaes ou equivalentes.

Os vencimentos são iguaes para todos, conforme a categoria dos governos; a gratificação é que varia, conforme a importancia do mesmo governo e a responsabilidade que representa; as despezas de representação variam e crescem tambem nas mesmas condições.

Se é pouco, a camara poderá augmentar.

O que asseguro é que tambem a offerta excede a necessidade; e o actual sr. ministro da marinha poderá dizer quantos pedidos tem para governos do ultramar.

Havia ainda de notável o que vou expor á camara.

O governador de Benguella, que é um districto importantissimo, e o de Mossamedes, se não tanto, é grande pelo território e pelas responsabilidades, tinham 1:700$000 réis em media, comprehendendo todos os abonos; pelo novo decreto passam a ter 3 contos de réis, o que não é muito; comtudo, eu entendi que não podia alargar-me mais.

Visto dar a hora, continuarei amanha a exposição que encetei.

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