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302 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O Orador: - V. exa. comprehende que eu não gosto de tomar tempo á camara, e tão pouco fallo, que o sr. ministro da fazenda já me accusou de fazer um discurso por anno.

O sr. presidente: - Eu não lhe faço concessão, quem a faz é o regimento.

O Orador: - A quem v. exa. o diz! Eu era deputado quando se fez esse magnifico regimento, todo inspirado contra a camara e a favor do governo; e é por isso que ainda subsiste de pé!

Mas vamos á questão.

Sr. presidente, não podemos pagar uma percentagem superior á que hoje se paga, e nem mesmo talvez a percentagem que agora se paga.

Pois precisamente no momento em que as rendas publicas estão descendo, e a situação economica está cada vez mais deprimida, é que nós vamos transformar em percentagem permanente a percentagem eventual do rendimento das alfandegas, que todos os dias vae diminuindo, porque todos os dias vamos empobrecendo!?

Podem as côrtes votar o projecto. Mas eu espero ainda que esta medida, se não cair diante da vontade soberana do paiz, caia pela natureza das cousas e pela força das circumstancias, porque a rasão póde mais do que o voto! Confio em que ainda póde raiar uma aurora de esperança para a economia da nação e para as liberdades publicas, que ha tanto tempo estão sob a influencia de um eclipse!

Ha cinco annos dizia eu que mesmo o terço em oiro mal o paiz poderia pagar, e fazia esta affirmação quando a divida fluctuante estava em 18:000 contos de réis. A lei de 20 de maio de 1893, no errado intuito de acalmar os protestos dos credores, acrescentou essa renda com percentagens eventuaes. Hoje a divida fluctuante vae muito alem de 40:000 contos de réis, e tem-se feito enormes sommas de dinheiro em venda de titulos!

O que significa o augmento da divida e a alienação dos papeis do estado?

Significa que, ou pelo augmento despropositado das despezas, ou por outras circumstancias, os rendimentos ordinarios não cobrem os encargos do orçamento, e que, portanto, é mais do que perigoso tomar compromissos para com o credor estrangeiro, quando já antecipadamente se sabe que não podem ser cumpridos!

Em vez de pagarmos as despezas ordinarias com as receitas ordinarias, como sempre devia ser, e como não podia deixar de ser em seguida á reducção dos juros, fomos pelo contrario n'um crescendo de encargos, que o deficit medio nos ultimos cinco annos decorridos não foi inferior a 6:000 contos de réis!

É verdade que os governos, desde certa epocha para cá, não sabiam o que era deficit, e, pelo contrario, escreviam sempre no orçamento um saldo positivo mais ou menos avultado.

Hás tambem é já corrente na imprensa financeira do estrangeiro, que nas margens do Tejo é onde a arte das cifras floresce com mais esplendor!

Na verdade a arte de acastelar cifras chegou entre nós ao auge de perfeição!

Ora imagine v. exa. a impressão que me fez a leitura no Diario do governo da nota da divida fluctuante em 31 de dezembro, na somma de 40:000 contos de réis, quando um mez antes, em 30 de outubro, estava em 42:000 contos de réis!

Muito cresceram as receitas n'estes dois mezes, dizia eu comigo, pois que a divida fluctuante não podia diminuir senão pagando-se, e para a pagar n'aquella somma era necessario que tivessem subido as receitas acima das despezas em 2:000 contos de réis!

Pelo augmento da receita, porém, não podia eu explicar porque a época era de vaccas magras e de vaccas magrissimas.

De ponto subiu ainda a minha confusão quando deparei com a informação, no mesmo Diario do governo, de, no primeiro quadrimestre do anno economico de 1897-1898, longe de terem subido as receitas sobre as despezas, terem subido as despezas sobre as receitas mais 1:394 contos de réis!

Ora, não chegando a receita para, a despeza, porque ainda faltavam 1:394 contos de réis para pagar despezas ordinzrias, como é que se pagaram as despezas e ainda por cima se amortisou a divida fluctuante na importante somma de 2:000 contos de réis, em fez de se levantar dinheiro para occorrer aos encargos do estado?!

Venderam-se, portanto, alguns titulos? Fez-se algum emprestimo?

O sr. Ministro da Fazenda (Ressano Garcia): - V. exa. dá-me licença?

O Orador: - Com todo o gosto.

O sr. Ministro da Fazenda (Ressano Garcia): - A comparação da divida fluctuante em 31 de dezembro com a mesma divida em 30 de novembro dá-nos effectivamente uma diminuição de 2:000 contos de réis, cifra redonda. Mas a rasão d'essa diminuição está em se ter feito no mez de dezembro o contrato com o banco de Portugal para as classes inactivas, contrato pelo qual recebemos 1:800 contos de réis. Aqui tem s. exa. explicado muito simples e claramente o motivo por que apesar do mez de dezembro ser effectivamente um mez de vaccas magras, não augmentou a divida fluctuante.

O Orador: - Que a diminuição da divida fluctuante se não podia explicar, senão por venda de; bens do estado ou por outros emprestimos era para mim claro e evidente.

O que, porém, ainda não ficou claro para mim foi como poderam os 1:800 contos de réis do emprestimo do banco de Portugal cobrir 3:394 contos de réis, ou sejam 2:000 contos de réis, diminuição da divida fluctuante, e 1:394 contos de réis, augmento de despeza sobre a receita n'aquelle periodo.

Tambem no estado em que tudo vae, não vale a pena apurar estes factos, que são capitalissimos nos paizes bem governados, mas que em Portugal não; conseguem hoje prender a attenção publica!

Hoje nem orçamento, já temos!.... Durante muito tempo eram os creditos especiaes que prejudicavam as previsões do orçamento.

Hoje temos nova invenção para não avolumar as despesas, invento que appareceu pela primeira vez n'este anno, que é deixar, claramente e sem ceremonia, fóra do orçamento as mais avultadas despezas, como as grandes reparações e construcção de novas estradas, e as verbas destinadas a occorrer às despezas geraes das provincias ultramarinas!

Mas imagina a camara que se não pagam estas despezas omittidas no orçamento?

Lá vem no proprio orçamento a auctorisação para serem pagas; e hão-de sêl-o, ou pelo expediente do emprestimo, ou pelo recurso á venda.

Já chegámos á situação de não podermos descrever regularmente a despeza do thesouro, o que significa que nem já é possivel encobrir a situação de ruina que creámos. (Apoiados.)

Pois sendo tão perigosa a nossa situação, e extremamente aggravada com as grandes difficuldades do cambio e do premio do oiro, o governo, tratando do pagamento da divida externa, nem a mais ligeira disposição consigna sobre a fórma do pagamento, ou sobre a responsabilidade pelo cambio!

Comprehendia ainda que o governo se envolvesse em accordo com os credores estrangeiros para fixar o cambio, e livrar o paiz da situação oppressora do agio do oiro.

Obrigava-me este ponto a largas considerações, que pelo adiantado da hora tenho de passar em silencio.

Vou portanto ao ultimo capitulo, ao capitulo da administração estrangeira.