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APPENDICE Á SESSÃO N.° 17 DE 12 DE FEVEREIRO DE 1898 302-A
Discurso do sr. deputado Dias Ferreira, que devia lêr-se a pag. 292 da sessão n.° 17 de 12 de fevereiro de 1898
O sr. Dias Ferreira (continuando): - Entro já no fundo do projecto em discussão.
Em assumpto de tanta magnitude, não seria justo occupar-me com mais largueza das questão secundarias a que o incidente de hontem porventura se prestasse.
Começo por declarar a v. exa. e á camara que tres são os topicos principaes da minha oração, ou antes tres os argumentos capitaes com que justifico o voto contra o projecto.
Quero ser bem explicito na exposição dos factos que mais feriram a minha attenção e mais particularmente condemnam o projecto sujeito ao debate parlamentar, para ficar bem clara o bem nitida a minha idéa, e com toda a lucidez definido o meu pensamento.
A primeira rasão por que voto contra, é porque o projecto torna quasi impossivel a conversão, reclamada pelos interesses do thesouro e pelas necessidades do paiz.
Esta medida, desde o primeiro dia denominada projecto de conversão, simplesmente porque esse nome lhe foi dado no relatorio official que acompanhou as propostas de fazenda, é, depois da remodelação, a antithese da conversão indispensavel para regularisar a situação da fazenda publica, porque, longe de a favorecer, impossibilita de futuro os trabalhos necessarios á verdadeira conversão da divida publica.
O primeiro argumento, pois, contra o parecer sujeito ao nosso exame, é que similhante providencia, longe de auxiliar, voe prejudicar qualquer projecto de conversão da divida.
Segunda rasão. As percentagens, juros, dividendos, ou como melhor lhes quizerem chamar, que o projecto, garante aos credores estrangeiros, poderão ser satisfeitos no primeiro ou no segundo anno. Mas o thesouro não póde com ellos por muito tempo, a não paralysar o movimento de outros serviços necessarios para a regularidade da vida nacional.
E seria não só perigoso, mas contrario a todas as noções do decoro politico, assignar um contrtao que de antemão se sabe que poucos annos poderá ser cumprido!
Terceira rasão. Por mais disfarçada que venha e por mais encoberta que appareça, está no projecto, e em mais de um artigo, a administração estrangeirai (Apoiados.)
Já disse hontem a v. exa. e á coroara que a administração estrangeira, como qualquer acto e violencia por parte do estrangeiro, poderá ainda pesar sobre a nosso paiz.
Não seria a primeira vez que Portugal tem sido victima da violencia estrangeira, e comprehende-se que o paiz se resigne com a administração estrangeira imposta á viva força.
Mas não só comprehende que seja precisamente o parlamento, a assembléa dos representantes da nação, que abra com o seu voto as portas á administração estrangeira! (Apoiados.)
Para obter um emprestimo ainda á custa de todos estes desastres é que se apresenta uma providencia com o rotulo de conversão, quando similhante medida nem sombra tem de conversão.
Mas desde que o illustre ministro da fazenda, no seu relatorio financeiro do anno passado, lhe chamou conversão, toda a imprensa e toda a gente politica repetiu o mesmo nome; quando o projecto é de anti-conversão.
O sr. ministro da fazenda apresentou ao publico a proposta com este rotulo; mas quem quizesse dar-se ao incommodo de ler escusava do certo de abraçar a nuvem por Juno, porque no relatorio que precedia os propostas de lei se explicava claramente o que era o projecto da conversão.
Dizia o sr. ministro muito clara e nitidamente no relatorio, que lhe era indispensavel a conversão para abrir ao credito portuguez as bolsas estrangeiras, que estavam bloqueadas.
O governo queria romper o bloqueio, a fim do levantar um emprestimo para viver socegadamente alguns annos e para preparar a rehabilitação nacional.
O relatorio exprimia-se assim: «Para isto julgo indispensavel ligar á conversão da divida a realisação de uma operação de credito sufficientemente avultada para fornecer ao governo ao meios de prover durante alguns annos ás remessas de oiro para o estrangeiro em pagamentos de encargos publicos.
«Elimina-se para o thesouro a necessidade da compra de cambiaes, desapparece o mais forte concorrente ao mercado para provisões de oiro, e necessariamente benefica seria a influencia exercida sobre o premio do metal. Torno-se então possivel a suspensão do recurso permanente ás emissões da moeda-papel; ficam mesmo disponiveis no orçamento sommas bastante avultadas para attender á eliminação do meio circulante depreciado; beneficia-se largamente o paiz nas suas condições de trabalho e de actividade, o dá-se tempo á nação para repor paciente o corajosamente, pelo trabalho e pela producção, a riqueza nacional indispensavel á reconstituição das reservas metallicas e á collocação definitiva dos titulos de divida, cujo valor está actualmente antecipado nas notas emittidas.»
Pois, sem embargo de explicação tão clara, a idéa de quasi toda a gente e a linguagem da imprensa é de referencia a um projecto de conversão, quando nem o primeiro parecer se podia chamar projecto de conversão, nem as nossos especiaes circumstancias nos permittem pensar sequer em conversão, como é elementar para todos que lidam em questões financeiras.
Poderio fazer conversão o governo francez, o governo inglez, o governo belga e o governo hollandez ou qualquer outro com finanças prosperas. Nós não.
A verdadeira conversão representa o offerecimento ao credor de juro menor ou o reembolso do titulo ao par.
Se o estado, que paga 4 1/2 por cento, offerece ou portador do titulo 3 por cento, por exemplo, ou o reembolso do titulo, dá-se a verdadeira conversão, porque se resgatam os titulos antigos, e offerecera-se titulos novos com juro mais diminuto.
Mas similhantes conversões não as fazem, nem as podem fazer, senão os paizes de finanças prosperas e acreditadas, cujos fundos têem cotação alta e merecem tal confiança, que os credores preferem de ordinario novos titulos, contentando-se com juro menor.
Esta é a verdadeira e unica conversão no rigor da linguagem financeira. Ora, similhante conversão não a podemos nós fazer.
O que estamos discutindo é uma conversão concordataria, ou antes um emprestimo com caução.
Seria util uma conversão concordataria, não só por motivos financeiros, quando d'ahi resultasse grande diminuição de encargos, mas até por motivos politicos.
Grande parte do paiz está inquieta e sobresultada com a questão dos credores externos, receiando complicações que affectem a integridade governativa da nação.
Ora é preciso retirar da scena politica fato ponderoso motivo de desassocego.
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302-B DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Sr. presidente, durante largos annos que as nossas relações com a nação vizinha não eram cordiaes, como são hoje, nós, que não podiamos esquecer a data funebre de 1580, viamos a cada passo nas complicações politicas do outro lado da fronteira perigo imminente para a independencia de Portugal.
Hoje cessaram de todo, e com justificada rasão, estas preoccupações; e de nenhum povo do mundo nos poderão advir difficuldades politicas, se nos governarmos com tino e com prudencia.
Surge-nos, porém, a toda a hora á questão dos credores externos com todo o seu cortejo de perigos pelas tentativas do administração estrangeira.
Não vale a pena dissimular que o paiz vive debaixo da pressão violenta de que directa ou indirectamente póde ser offendida a integridade governativa da nação; e é preciso afastar este motivo de sobresalto para a nossa dignidade e para os interesses do thesouro.
N'esta ordem de idéas eu faria todos os sacrificios, que não implicassem com a dignidade nacional, para levar a cabo um systema de conversão, em que a divida externa fosse toda reduzida a divida amortisavel, ou em que o governo ficasse auctorisado a comprar os titulos perpetuos o preço ajustado, quando as circunstancias lh'o permittissem.
Prevejo a possibilidade da realisação d'este plano, se por um movimento patriotico, que muitas vezes inflamma o enthusiasmo das nações, os portuguezes, quer residentes em Portugal, quer no estrangeiro, quizessem tomar a seu cargo o resgate da divida externa, como no anno passado o povo hespanhol abriu a sua bolsa para occorrer ás despezas com a guerra de Cuba.
Então o governo, amortisando ou remindo a divida externa, podia nacionalisal-a.
Não é rigorosa a phrase «nacionalisar a divida», no sentido de serem só portuguezes os credores.
As dividas dos estados não se nacionalizam n'este sentido, porque os capitães são cosmopolitas. Mas acabava a divida externa, e ficava a divida puramente portugueza, que não carecia de cotação nas bolsas estrangeiras, nem sujeitava a cada passo o paiz á pressão dos governos estrangeiros, o que aliás não excluia o pagamento dos encargos na moeda de oiro.
As despezas não diminuiriam; mas, revestindo toda a divida o caracter nacional, estariamos livres da inquietação permanente como que nos opprime a intervenção official e officiosa do estrangeiro.
A nacionalisação da divida é pois recommendada, não só por motivos financeiros, mas principalmente por motivos, politicos, quer de ordem externa, quer de ordem interna.
Se chegassemos á hora feliz de transferir para o paiz toda a divida externa, interessar-se-hia assim activamente no governo da nação a parte mais abastada da população portugueza, que seria de certo aquella que havia de comprar a divida, e não só se removiam por esta fórma os perigos da pressão estrangeira, mas constituia-se o povo ficaria na necessidade de fazer sentinella contra os abusos dos governos. (Apoiados.)
Por mais patrioticos e por mais bem inspirados que sejam os governos, quando se encontram em presença da indiferença nacional, vivendo á sombra de maiorias parlamentares, dispostas a mantel-os, seja como for, nas cadeiras do poder, a ruina do paiz, mais dia menos dia, é facto consummado!
O apoio popular é absolutamente indispensavel, sobretudo para as grandes questões, quer internas, quer externas.
Para os problemas de alta importancia não basta aos governos o concurso das camaras, desacompanhado do concurso da nação.
Temos necessidade de chamar á vida o paiz, e de o interessar devidamente nas questões de alto interesse nacional, e sobretudo nas que mais prendem com o credito publico.
Será uma phantasia a minha idéa de nacionalisar a divida pela amortisação dos titulos externos.
Mas ha já exemplo, creio que na Servia, de se terem estimulados clausulas auctorisando os governos a comprar os titulos na quantidade que lhes aprouver ao preço fixado.
Emfim, qualquer que seja a formule, o meu pensamento é habilitar o paiz a respirar livremente e a emancipar-se de quaesquer imposições estrangeiras. (Apoiados.)
Existem ainda no paiz os capitães precisos para n'um momento de elevado patriotismo absorverem toda a divida externa.
A este ponto fundamental é subordinado todo o meu plano sobre a conversão.
A conversão não se faz quando se quer.
Basta attender a que depende de duas partes contratantes a operação financeira.
Podemos, só por nós, reduzir o juro mais ou menos violentamente, com mais ou menos perigo. Mas a conversão não podemos fazel-a sem accordo com o estrangeiro.
Devemos recordar-nos do que succedeu em 1852 com o ministerio Saldanha, em que era ministro da fazenda o sr. Fontes Pereira de Mello.
O decreto de 18 de dezembro de 1852 converteu todos os titulos n'um typo unico, é reduziu o juro de 6, de 5 e de 4 por cento, a 3 por cento, unico que abonava a todo papel, viesse ou não viesse a conversão.
A reducção do juro tornou-se effectiva. Mas a conversão não.
A conversão não se fez sem o accordo, que se realisou tres annos depois no meio das mais graves dificuldades. E não se fez sem accordo, porque dependia a conversão da cotação dos nossos fundeis, e o Stock-Exschangne fechou nos immediatamente as suas portas.
A attitude do governo inglez tornou-se tambem extremamente aggressiva em 1852 contra Portugal, o que não succedeu em 1892.
Nem uma palavra disse nunca o governo inglez ao governo portuguez sobre a reducção dos juros da divida publica em 1892!
É verdade que em 1892 era das nações interessadas a Inglaterra quem menos titulos tinha da divida publica portugueza, quando em 1852 os titulos da nossa, divida externa estavam quasi todos na Gran-Bretanha.
Mas tambem em 1852 a reducção dos juros, segundo o relatorio que precede o respectivo decreto, não produzia diminuição de despeza superior a 350 contos de réis.
O certo é que, mesmo depois de confirmado por lei o decreto de 18 de dezembro de 1852, que reduziu os juros a 3 por cento, os credores e o governo inglez estiveram em reclamações constantes durante tre annos até se fazer em Londres o accordo com os representantes dos interessados.
Ainda a historia e os precedentes condemnam o systema do sr. ministro da fazenda, que prefere auctorisação previa para contratar, isto é que prefere apresentar-se a descoberto para se ver depois obrigado conceder tudo quanto estiver dentro dos limites da auctorisação!
O meio de garantir devidamente os interesses do paiz é deixar ás camaras portuguezas a ultima palavra sobre o assumpto.
No accordo de Londres acceitou o sr. Fontes a condição, onerosissima para o paiz, da preferencia nos futuros emprestimos aos representantes dos concordatarios. E com esta condição foi apresentado o projecto do accordo ao parlamento.
Pois as côrtes eliminaram a clausula que reconhecia ao credor inglez a preferencia nos futuros emprestimos.
A camara dos deputados ainda procurou conservar aquella clausula no contrato, cercando-a das cautelas precisas para ella se não transformar em monopolio.
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APPENDICE Á SESSÃO N.° 17 DE 12 DE FEVEREIRO DE 1898 302-C
Mas a camaras dos pares eliminou-a redondamente.
E n'isto foram de accordo dois ministerios differentes.
Na camara dos deputados ainda começou a discutir-se a questão com o ministerio Saldanha.
Mas pretendendo o marechal, que contava com numerosa maioria na camara dos deputados, uma fornada de pares para fazer vingar as medidas de fazenda, ligadas com o accordo, e tendo-lh'a negado a corôa em presença das manifestações do paiz, caiu o ministerio antes de legalisada a convenção, seguindo-se-lhe o gabinete Loulé, que acceitou o programma do seu antecessor.
Bem significam estes fastos que a acção parlamentar não é indifferente, em casos tão graves, sem mesmo lembrar agora que as
deliberações dos côrtes são a grande ancora do systema representativo, por mais viciado que elle esteja. (Apoiadas.)
Quantos governos, acompanhados de assombrosas maiorias, morrem no selo das assembléas que os apoiam, e sob o peso d'esse apoio!
Tambem as camaras introduziram na lei uma condição, que não vinha clara no accordo, e foi que nenhuma das concessões aos credores se tornaria effectiva sem os nossos fundos serem cotados no Stock-Exchange.
O Stock-Exchange recusou-se a cotar os nossos fundos, porque o seu regulamento lhe prohibia a cota de novos fundos a paizes que uma vez tivessem faltado ao pagamento integral das suas rendas, salvo accordo com os crodores.
Ora o governo portuguez tinha faltado ao cumprimento das suas responsabilidades, porque tinha reduzido a 3 por cento o juro que era de 6, de 5 e de 4 por cento.
O Stock-Exchange Portanto a recusou-se á cotação dos novos fundos, e inutilisou assim a conversão.
Portantos a redução dos juros não depende do credor. Mas a conversão não póde fazer-se sem acordo com os credores; e por isso não se faz quando se quer, mas quando se póde.
A nacionalisação da nossa divida, como eu já expuz é camara, não impede o francez, o inglez, o rasso, o allemão ou qualquer outro estrangeiro, de comprar fundos portuguezes, porque os capitães são cosmopolitas.
Mas põe e paiz ao abrigo da administração estrangeira, mais ou menos officiosa, e livra-o de embaraços na administração e regularisação da divida.
Desde o nosso primeiro emprestimo de 10 milhões de cruzados, nos fins do seculo passado, em 1796, que se ficou chamando o primeiro emprestimo quando se seguiram outros e outros, desde esse primeiro emprestimo, ha cento e dois annos, ainda não houve um anno em que saldassemos o orçamento sem defisit!
Que significa isto?
Significa que o mal não é só do governo!
É certo que muitos dos nossos governos têem tratado todo o carinhe e engordado mui cuidadosamente o deficit. (Riso.)
Mas tambem outros o têem maltratado; e todavia o deficit tem sempre resistido, sereno e impassivel, aos seus mais implacaveis adversarios, mantendo-se como instituição nacional!
Ha cento e dois annos que não vivemos sem emprestimos!
Mal fizemos o primeiro emprestimo de 10 milhões de cruzados começámos logo a pensar n'outro, que d'ahi a dois annos se fez!
Para emprestimos temos estado sempre promptos.
O emprestimo é a primeira lembrança do portuguez, quer financeiro, quer não financeiro!
É raro encontrar-se homem politico que não pergunto Immediatamente como voe o emprestimo!
Então os srs. ministros só com emprestimos, e com muitos emprestimos, se preoccupam.
E, porém, indispensavel regularisar a nossa vida financeira, e essa não se regularisa por similhantes processos.
Com o pensamento grandioso, que por largos annos dominou os grandes estadistas portugueses, de levantar capitaes no estrangeiro para fecundar o solo e a industria nacional, sem attender a que mais tarde a riqueza publica havia de ser absorvida pelo pagamento do capital e da juros, creou-se ao thesouro uma situação quasi irredutivel!
A todas as noções que se têem visto na dura necessidade de faltar aos compromissos para com os credores é da divida externa que lhes têem vindo as grandes dificuldades!
O Egypto, a Turquia, a Servia o a Grecia, é principalmente a divida externa que devem as suas calamidades, politicos e financeiros.
O proprio Brazil, paiz riquissimo e por explorar, que n'alguns generos póde produzir o sufficiente para alimentar, todo o mundo, com uma superficie igual a quatro quintos da Europa, atravessa n'este momento uma crise perigosa, assoberbado com a sua divida externa, cujos encargos se aggravaram com o cambio, a ponto de se receiar suspensão de pagamentos ou reducção do juro da divida publica!
O recurso em exagero á divida externa é que tem posto em perigo n'alguns paizes não ao as finanças do thesouro, mas a propria independencia nacional.
A independencia quer dos povos, quer dos individuos, quando largamente empenhados e sujeitos a fiscalisação de qualquer ordem, é puramente nominal!
Já temos emprehendido varios planos de conversão, e todos caíram, porque todos estavam affectados de doença mortal na sua base.
Não ha conversão sem finanças prosperas.
Entre nós explica-se a existencia de deficit, nos principios d'este seculo, quando o exercito francez pisava o solo da patria, e o estrangeiro, durante a ausencia de El-Rei D. João VI, nos impunha os ultimos sacrificios e violencia.
N'esta situação anormal não podiamos ter boa administração.
Tambem não era possivel acabar com o deficit, porque não podiamos ter administração regular, logo em seguida á implantação do constitucionalismo, quando havia que satisfazer reclamações de toda a ordem, e quando a politica do paiz se pleiteava, com as armas na mão, no campo de batalha.
Mas a nossa desorganisação financeira no longo periodo de, paz, desde 1852 a 1898, que nos levou a uma situação quasi de agonia, é da exclusiva responsabilidade dos governantes com a cumplicidade da governados!
Disse e repito que as conversões não se fazem quando se quer, e sim quando se pôde, visto dependerem do accordo dos oradores e das circumstancias do thesouro.
A conversão que hoje se discute é uma conversão concordatoria que o actual governo talvez podesse fazer quando tomou, conta dos sellos do estado, mas que hoje me é impossivel realisar.
Desde que a não tentou então, não póde agora effectual-a. (Apoiados.)
O governo não encontrou uma situação lisonjeira. Pelo contrario herdou uma situação difficil. Mas podia desaggraval-a.
Pois, em vez de a desaggravar, aggravou-a. (Apoiados.)
O seu primeiro dever era precaver-se para o resgato de cerca de 3:000 contos de réis de divida fluctuante creada no estrangeiro.
Pois, em vez d'isso, foi avolumando essa divida, chegando a eleval-a ao duplo!
Mais. Com as diversas embaixadas ao estrangeiro a proposito da conversão, mos por cansa de um emprestimo, alvoroçou os credores, que tornaram mais accentuadas as suas reclamações, constantes contra a reducção dos juros,
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e tem embaraçado cada vez mais a solução das dificuldades financeiras.
Como póde o governo conseguir uma conversão vantajosa para os interesses publicos, quando elle se apresenta aos credores levando n'uma das mãos o projecto da conversão e na outra um pedido de emprestimo? (Apoiados.)
Pois, é possivel obter a conversão nas condições que o paiz reclama levando ao lado o memorial a pedir dinheiro? (Apoiados.)
Na situação humilhante em que o governo se apresenta, o credor ou capitalista ha de aproveitar o ensejo para lançar na balança a espada de Brenno, com as palavras fatidicas: «Voe victis! Ai dos vencidos!» N'esta triste situação o governo ha de acceitar as clausulas que lhe forem impostas! (Apoiados.)
Não contrata livre e independentemente o pactuante que no acto da conversão se apresenta como pedinte!
Com este systema o governo não propõe um contrato de conversão. Pelo contrario offerece o pescoço ao cutello, collocando-se aos pés do credor estrangeiro! (Apoiados.)
Não ha uma só disposição no projecto que não seja contraria a um plano de conversão sensata e rasoavel.
Não é util a conversão sem reduzir os titulos de divida publica a um typo unico, ou pelo menos sem tornar amortisavel toda a divida.
Pois o governo, pelo contrario, consignando os rendimentos das alfandegas em primeiro grau a toda a divida, quer amortisavel quer consolidada, arma o credor estrangeiro com a melhor garantia a que elle poderia aspirar, e habilita-o a rejeitar todo o accordo que possa prejudical-o n'esta garantia! (Apoiados.)
Desde que o credor tem na sua mão, por um contrato legalmente feito, o direito de dispor de todo o rendimento das alfandegas em primeiro grau, nunca mais acceita reducção nem no juro, nem no capital! (Apoiados.)
Sr. presidente, em 1892 foi auctorisado o governo a negociar a conversão e a reducção de juros; e todavia os credores não se importaram com a conversão. O que já então queriam era a garantia dos juros no rendimento das alfandegas.
O interesse do credor estrangeiro é a segurança do juro; e a nossa obrigação é pagal-o.
É dever de honra pagar o que se deve.
Mas não é honrado o devedor que conscientemente promette o que não póde. (Apoiados.)
É contrario a todas as leis da honra prometter o que já antecipadamente se sabe que se não póde cumprir! (Apoiada.)
A mim não havia nada que me obrigasse a assignar um contrato com a consciencia de que o não podia cumprir!
Alem d'estas, outras disposições contém o projecto que nem o proprio governo será capaz de explicar.
Não sei como o governo espera conseguir dos credores da divida amortisavel de 4 e 4 1/2 o resgate por compra no mercado, onde o preço está abaixo do par, quando elles hoje tâem direito ao pagamento em oiro do nominal do titulo na amortisação por sorteio.
Não atino tambem com a rasão por que o governo destina para a amortisação do titulo Consolidado as economias realisadas com o resgate dos titulos amortisaveis pelo preço do mercado.
Menos ainda posso explicar a conveniencia publica de augmentar as vantagens ao portador do titulo consolidado, precisamente do titulo, cuja conversão é de mais necessidade, quando esta nova garantia mais difficulta a conversão.
É claro que o portador do 3 por cento, animado com a amortisação pelas economias realisadas na compra da fundos amortisaveis no mercado, e com o seu interesse garantido pelo rendimento das alfandegas, dificilmente virá a accordo vantajoso para o paiz.
Se queremos na realidade a conversão, mas a conversão necessaria para a marcha dos negocios e para a manutenção do credito publico, então é absolutamente indispensavel rejeitar o projecto em discussão desde o primeiro até o ultimo artigo.
Tambem é innovação sem precedente nos annaes financeiros dos povos civilisados a consignação de rendimentos a dividas perpetuas.
Na divida dos 3 por cento não é exigivel o capital. Póde o portador exigir o juro, mas não o capital.
Na propria natureza do titulo está, pois, excellente base para a conversão, pois o credor prefere sempre os titulos amortisaveis.
Com as garantias, porém, que vamos dar ao portador da divida perpetua podemos perder a esperança de a converter em amortisavel, a não ser com graves sacrificios para o thesouro que o credor não deixará de exigir.
O nobre ministro da fazenda, ou o illustre relator da commissão, explicará de certo como é que um povo civilisado vae hypothecar as suas mais avultadas receitas, os rendimentos das alfandegas, perpetuamente, per omnia scecula seculorum, e como é possivel a amortisação do consolidado de 3 por cento á custa do portador dos titulos de 4 e 4 1/2 por cento, que são amortisaveis pelo nominal em oiro.
Não é preciso ser muito lido em assumptos financeiros para reconhecer que o projecto em debate, longe de ser de conversão, é contra a conversão!
Entro agora n'outro capitulo importantissimo. Que vae dar o governo ao credor estrangeiro?
Não espero resposta!
Ordinariamente a resposta que eu recebo no parlamento. a perguntas, como esta, de capital interesse para o paiz, é uma descompostura rija, (riso) descompostura que se traduz n'uma replica parlamentar, irritavel, acre, e violenta conforme a dedicação que eu mereço ao orador. (Riso.)
Até ás vezes me accusam de dizer sempre a mesma cousa. Mas a culpa não é minha. A culpa é dos meus illustres adversarios. Elles reincidem sempre nos mesmos erros, de modo que eu não tenho outro remedio senão combater sempre no mesmo terreno. (Riso.)
Que hei de eu fazer?
Se os governos que tenho combatido viessem com materia nova, tambem eu poderia empregar argumentos novos: Mas a marcha d'esses governos tem sido sempre a mesma - augmento de impostos, augmento de empregos para os nossos amigos, e aggravamento da situação - !
D'este caminho nenhum tem saído!
E, como é preciso dar a resposta pelo caso por que se faz a pergunta, vejo-me na durá necessidade de reproduzir os meus argumentos, e elles então vingam-se desacreditando-me porque não digo muitas cousas novas. (Riso.)
Ha cinco annos que, occupando eu precisamente o logar que hoje occupa o illustre ministro da fazenda, e apresentando á camara uma proposta de lei para ser legalisado o decreto de 13 de junho de 1892, que reduzíra o juro da divida externa ao terço em oiro; declarei ou que o orçamento não podia nem com é terço em oiro, isto é, que o juro da divida externa, nem mesmo reduzido ao terço em oiro, podia ser pago com os recursos do orçamento, declaração a que me obrigava a verdade dos factos.
Com o juro reduzido ao terço em oiro por virtude do decreto de 13 de junho paguei eu tres coupons, os coupons de julho e de outubro de 1892, e o coupon de janeiro de 1893; e nem um só d'estes Coupons paguei sem o recurso ao credito!
O que eu dizia então do banco dos ministros, repito-o hoje da cadeira de deputado.
Por isso fui intransigente, recusando-me absolutamente a qualquer augmento de vantagens ao credor externo.
De não elevar acima, do terço em oiro a renda do titulo
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APPENDIOE Á SESSÃO N.º l7 DE 12 DE FEVEREIRO DE 1898 302-E
exterior fazia eu questão de gabinete, nem ou podia declarar questão aberta, como agora é pratica, um assumpto, que não podia deixar de reputar verdadeiramente nacional, e absolutamente decisivo para a vida do thesouro.
Afirmei do modo mais terminante ás côrtes que mesmo o terço em oiro não podia ser pago sem continuarmos n'uma vida rigorosamente economica, e sem se votarem os impostos, que eu proponha, ou outros que os substituissem.
A situação hoje é melhor? Os impostos, não os que eu propunha, mas outros, foram votados.
Mas a gerencia economica foi transformada em administração, largamente gastadora!
É certo que nós devemos pagar aos credores, tanto nacionaes como estrangeiros, tudo quanto podermos.
É o que prescrevem os deveres da lealdade e da honra.
Porém a primeira duvida que suscita o projecto é o quantum o governo promette pagar; e, se era a grande duvida em face do primeiro projecto, maior é ainda no segundo!
O primeiro projecto dizia «comtanto que o encargo do juro não seja superior ao que tem provindo da execução da lei de 20 de maio de 1893».
Ora, da execução da lei de 20 de maio de 1893, tem surgido em cada anno encargo differente, conforme a variação nos rendimentos das alfandegas.
Qual era pois o encargo a que se referia o primeiro projecto?
Era o termo medio? Era o maximo? Era o minimo?
Nas providencias governativas, sobretudo quando são da gravidade da que está sob o nosso exame, não só admittem similhantes nebulosidades! (Apoiados.)
A nova edição do projecto então deixa duvidas ainda maiores, o que nas leis, e em leis com execução no estrangeiro, é uma calamidade.
O illustre relator da commissão sabe tão bem ou melhor do que eu, que um jurisconsulto distincto e philosopho eminente queria pesadas as palavras da lei como os diamantes.
Ora n'esta lei, que tem de ser executada no estrangeiro, e que já de si é destinada acrear-nos muitos dissabores, e a causar-nos grandes prejuizos, em vez de redacção dubia, é preciso pesar tambem as palavras como os diamantes. (Apoiados)
Diz a nova redacção: «comtanto que o encargo resultante do acoordo não seja superior ao que provém da execução da referida lei».
Não se refere a nova edição do projecto ao encargo que tem provindo mas sim ao encargo que provém.
Ora os encargos que provém da lei de 20 de maio de 1893, que está em execução, são muito maiores do que os encargos que têem provindo.
A lei de 20 de maio de 1898 não deu ao credor estrangeiro apenas participação no rendimento das alfandegas, quando attingisse somma superior a 11:400 contos de réis.
Até agora só se tem pago ao credor estrangeiro a percentagem nos creditos aduaneiros.
Mas a lei de 20 de maio de 1898 prometteu-lhe mais.
Prometteu-lhe tambem metade do beneficio do premio do oiro, quando descesse abaixo de 22. Ainda não desceu abaixo d'esta cifra, mas póde descer; e o direito a participar n'esse beneficio representa para o credor estrangeiro uma vantagem, que elle saberá avaliar era réis.
Por não ter tido execução este beneficio, não está privado o credor de reservar o direito á percentagem quando as circumstancias lha proporcionarem.
Tambem a referida lei de 20 de maio de 1893 concedeu aos titulos da divida externa qualquer beneficio, que fosse concedido aos portadores dos titulos de divida fundada interna ou por diminuição do imposto de rendimento, ou por outra qualquer fórma.
Ora, é evidente que este beneficio, reconhecido ao credor da divida externa, é um valor que provém da execução da lei de 20 de maio de 1893.
Ainda esta lei declarou equiparados os titulos da divida externa aos titulos da divida interna, quando aquelles recebessem alem do terço em oiro 36 2/3 em papel, tomando este preço como equivalente aos 70 por cento em papel que recebem os titulos de divida interna; e similhante favor ao credor externe representa um valor apreciavel que provém da execução da lei.
Finalmente, comprometteu-se o paiz pela lei de 20 de maio de 1893 a pagar até ao par os juros da divida interna e da divida interna, acrescentando a percentagem proporcionalmente ao augmento da receitas aduaneiras acima dos 11:400 contos de réis e proporcionalmente á diminuição do premio de oiro abaixo de 22 por cento, isto é, comprometteu-se o paiz a voltar á antiga, pagando de novo os 3 por cento de juro, quando para isso desse a receita das alfandegas e o beneficio do premio do oiro nas condições expostas!
Ora, o credor não renuncia de certo de coração leve, e só por sentimento de humanidade, a tamanho valor que provem da execução da lei de 20 de maio de 1893.
Porque não troca o governo esta linguagem voga do encargo, que provém ou que tem provindo, por uma linguagem definida?
Porque não reconhece aos credores externos a percentagem de 1,30, 1,25, 1,50, ou o que quizer, n'uma redacção que todos comprehendam, e que não se preste a interpretações dubias, e de perniciosos effeitos para a nossa honra e para a nossa lealdade?
É com uma providencia n'estas condições desgraçadas que nos apresentamos a pedir dinheiro emprestado! (Apoiados.)
No acoordo, realisado em Londres em 1855 pelo sr. Fontes, indicava-se precisamente a quantidade de libras a pagar a mais desde logo, e a quantidade a pagar a mais decorridos dez annos.
Não se prestava a duvidas no quantitativo a pagar aquelle accordo.
Porque se não ha de seguir agora o exemplo do referido accordo, descrevendo-se claramente o augmento de percentagem que o governo está resolvido a pagar ao credor externo?
Fica porventura mal á camara auctorisar expressa a especialmente o governo a pagar ao credor estrangeiro mais 1 por cento, mais meio por cento, mais um quarto por cento, ou o que quizer, uma vez que julga o paiz em prosperas condições para poder pagar mais do terço em oiro?
Eu julgo que mesmo o terço em oiro, no actual momento, mal o paiz o póde pagar.
Mas a camara e o governo, que julgam o paiz rico e em condições de supportar mais encargos, devem fixar precimente a percentagem com que querem onerar o contribuinte em beneficio, do credor estrangeiro.
Se o paiz póde pagar, não 1, mas 2 ou 2 1/2, pague, que é esse o seu dever, porque a obrigação do devedor honrado, quando se vê na dura situação de não poder satisfazer pontualmente os seus compromissos, é pagar o que póde e tudo quanto póde.
Mas o paiz não póde pagar mais do que actualmente paga. O projecto pendente, uma vez votado e executado, embaraça talvez irremediamente a situação financeira do thesouro portuguez. (Apoiados.)
O sr. Presidente: - V. exa. falla ha uma hora, tem mais um quarto de hora para poder concluir o seu discurso.
O Orador: - Como v. exa. quizer. Muito obrigado.
O sr. Presidente: - Eu não lho faço concessão nenhuma.
O Orador: - Mas era muito capaz de a fazer.
O sr. Presidente: - Isso era.
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302 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
O Orador: - V. exa. comprehende que eu não gosto de tomar tempo á camara, e tão pouco fallo, que o sr. ministro da fazenda já me accusou de fazer um discurso por anno.
O sr. presidente: - Eu não lhe faço concessão, quem a faz é o regimento.
O Orador: - A quem v. exa. o diz! Eu era deputado quando se fez esse magnifico regimento, todo inspirado contra a camara e a favor do governo; e é por isso que ainda subsiste de pé!
Mas vamos á questão.
Sr. presidente, não podemos pagar uma percentagem superior á que hoje se paga, e nem mesmo talvez a percentagem que agora se paga.
Pois precisamente no momento em que as rendas publicas estão descendo, e a situação economica está cada vez mais deprimida, é que nós vamos transformar em percentagem permanente a percentagem eventual do rendimento das alfandegas, que todos os dias vae diminuindo, porque todos os dias vamos empobrecendo!?
Podem as côrtes votar o projecto. Mas eu espero ainda que esta medida, se não cair diante da vontade soberana do paiz, caia pela natureza das cousas e pela força das circumstancias, porque a rasão póde mais do que o voto! Confio em que ainda póde raiar uma aurora de esperança para a economia da nação e para as liberdades publicas, que ha tanto tempo estão sob a influencia de um eclipse!
Ha cinco annos dizia eu que mesmo o terço em oiro mal o paiz poderia pagar, e fazia esta affirmação quando a divida fluctuante estava em 18:000 contos de réis. A lei de 20 de maio de 1893, no errado intuito de acalmar os protestos dos credores, acrescentou essa renda com percentagens eventuaes. Hoje a divida fluctuante vae muito alem de 40:000 contos de réis, e tem-se feito enormes sommas de dinheiro em venda de titulos!
O que significa o augmento da divida e a alienação dos papeis do estado?
Significa que, ou pelo augmento despropositado das despezas, ou por outras circumstancias, os rendimentos ordinarios não cobrem os encargos do orçamento, e que, portanto, é mais do que perigoso tomar compromissos para com o credor estrangeiro, quando já antecipadamente se sabe que não podem ser cumpridos!
Em vez de pagarmos as despezas ordinarias com as receitas ordinarias, como sempre devia ser, e como não podia deixar de ser em seguida á reducção dos juros, fomos pelo contrario n'um crescendo de encargos, que o deficit medio nos ultimos cinco annos decorridos não foi inferior a 6:000 contos de réis!
É verdade que os governos, desde certa epocha para cá, não sabiam o que era deficit, e, pelo contrario, escreviam sempre no orçamento um saldo positivo mais ou menos avultado.
Hás tambem é já corrente na imprensa financeira do estrangeiro, que nas margens do Tejo é onde a arte das cifras floresce com mais esplendor!
Na verdade a arte de acastelar cifras chegou entre nós ao auge de perfeição!
Ora imagine v. exa. a impressão que me fez a leitura no Diario do governo da nota da divida fluctuante em 31 de dezembro, na somma de 40:000 contos de réis, quando um mez antes, em 30 de outubro, estava em 42:000 contos de réis!
Muito cresceram as receitas n'estes dois mezes, dizia eu comigo, pois que a divida fluctuante não podia diminuir senão pagando-se, e para a pagar n'aquella somma era necessario que tivessem subido as receitas acima das despezas em 2:000 contos de réis!
Pelo augmento da receita, porém, não podia eu explicar porque a época era de vaccas magras e de vaccas magrissimas.
De ponto subiu ainda a minha confusão quando deparei com a informação, no mesmo Diario do governo, de, no primeiro quadrimestre do anno economico de 1897-1898, longe de terem subido as receitas sobre as despezas, terem subido as despezas sobre as receitas mais 1:394 contos de réis!
Ora, não chegando a receita para, a despeza, porque ainda faltavam 1:394 contos de réis para pagar despezas ordinzrias, como é que se pagaram as despezas e ainda por cima se amortisou a divida fluctuante na importante somma de 2:000 contos de réis, em fez de se levantar dinheiro para occorrer aos encargos do estado?!
Venderam-se, portanto, alguns titulos? Fez-se algum emprestimo?
O sr. Ministro da Fazenda (Ressano Garcia): - V. exa. dá-me licença?
O Orador: - Com todo o gosto.
O sr. Ministro da Fazenda (Ressano Garcia): - A comparação da divida fluctuante em 31 de dezembro com a mesma divida em 30 de novembro dá-nos effectivamente uma diminuição de 2:000 contos de réis, cifra redonda. Mas a rasão d'essa diminuição está em se ter feito no mez de dezembro o contrato com o banco de Portugal para as classes inactivas, contrato pelo qual recebemos 1:800 contos de réis. Aqui tem s. exa. explicado muito simples e claramente o motivo por que apesar do mez de dezembro ser effectivamente um mez de vaccas magras, não augmentou a divida fluctuante.
O Orador: - Que a diminuição da divida fluctuante se não podia explicar, senão por venda de; bens do estado ou por outros emprestimos era para mim claro e evidente.
O que, porém, ainda não ficou claro para mim foi como poderam os 1:800 contos de réis do emprestimo do banco de Portugal cobrir 3:394 contos de réis, ou sejam 2:000 contos de réis, diminuição da divida fluctuante, e 1:394 contos de réis, augmento de despeza sobre a receita n'aquelle periodo.
Tambem no estado em que tudo vae, não vale a pena apurar estes factos, que são capitalissimos nos paizes bem governados, mas que em Portugal não; conseguem hoje prender a attenção publica!
Hoje nem orçamento, já temos!.... Durante muito tempo eram os creditos especiaes que prejudicavam as previsões do orçamento.
Hoje temos nova invenção para não avolumar as despesas, invento que appareceu pela primeira vez n'este anno, que é deixar, claramente e sem ceremonia, fóra do orçamento as mais avultadas despezas, como as grandes reparações e construcção de novas estradas, e as verbas destinadas a occorrer às despezas geraes das provincias ultramarinas!
Mas imagina a camara que se não pagam estas despezas omittidas no orçamento?
Lá vem no proprio orçamento a auctorisação para serem pagas; e hão-de sêl-o, ou pelo expediente do emprestimo, ou pelo recurso á venda.
Já chegámos á situação de não podermos descrever regularmente a despeza do thesouro, o que significa que nem já é possivel encobrir a situação de ruina que creámos. (Apoiados.)
Pois sendo tão perigosa a nossa situação, e extremamente aggravada com as grandes difficuldades do cambio e do premio do oiro, o governo, tratando do pagamento da divida externa, nem a mais ligeira disposição consigna sobre a fórma do pagamento, ou sobre a responsabilidade pelo cambio!
Comprehendia ainda que o governo se envolvesse em accordo com os credores estrangeiros para fixar o cambio, e livrar o paiz da situação oppressora do agio do oiro.
Obrigava-me este ponto a largas considerações, que pelo adiantado da hora tenho de passar em silencio.
Vou portanto ao ultimo capitulo, ao capitulo da administração estrangeira.
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APPENDICE Á SESSÃO N.º 17 DE 12 DE FEVEREIRO DE 1898 302-G
Já hontem eu disse que a consignação em primeiro grau do rendimento das alfandegas aos interessasses credores estrangeiros abria de par em par as portas á administração estrangeira.
Reconhecer o principio da administração estrangeira com a consignação do rendimento das alfandegas em primeiro grau constitue uma situação tão claramente aviltante para o caracter nacional, que não precisa de commentarios nem de explicações.
Mas este plano odioso importa ainda outras consequencias da mais alta gravidade.
Assim, não póde o estado mais tocar nas tarifas nem no rendimento das alfandegas, sem consentimento dos credores, porque é elementar que o penhor uma vez consignado não póde mais ser alterado sem consentimento do credor! (Apoiados.)
Em virtude d'este principio agora, na Grecia, a commissão internacional das seis grandes nações da Europa, prevenindo a hypothese de ser necessario tocar nas pautas determinou que essa alteração só seria admittida por causa dos tratados de commercio (naturalmente porque n'esses tratados poderiam ter interesse as nações protectoras) e que se da alteração nas pautas resultasse diminuição dos rendimentos consignados á commissão de controle, a Grecia, por outros rendimentos, compensaria esse desfalque.
Repugna estar a fallar em commissão de controle no seio da representação de um povo que foi sempre cioso da sua independencia até o fanatismo.
Mas eu quero prevenir o paiz, para elle se não encontrar mais dia menos dia amarrado de pés e mãos e á mercê do estrangeiro, como é natural votando-se este projecto! (Apoiados.)
Demos ao credor o que podermos, ainda á custa de grandes sacrificios.
Mas deixemos desembaraçados os pulsos para governarmo-nos como quisermos. (Apoiados.)
Medite a camara nas seguintes palavras do artigo 2.°, § unico:
«O banco de Portugal terá a seu cargo o serviço da divida nas praças estrangeiros»
O serviço da divida nas praças estrangeiras póde perfeitamente abranger o contrôle!
Em todos os regulamentos de contrôle se comprehende a fiscalisação estrangeira nas palavras «serviço da divida», que parecem fatidicas, e que em si incluem a idéa da administração estrangeira.
São uma formula suave para exprimir a influencia dos potentados estrangeiros na vida financeira de uma nação.
Sobre este ponto hei de eu mandar para a mesa a conveniente proposta, para a camara pronunciar o seu voto por fórma que evite uma grande humilhação nacional!
Não póde haver maior vexame para os nossos brios do que a intervenção de qualquer governo estrangeiros nos negocios portuguezes!
A camara deve ter ainda nos ouvidos a declaração formal do sr. ministro da fazenda, de que tinha negociações pendentes com os credores e com os governos estrangeiros.
Para apreciar os actos do governo não tenho á mão senão os documentos officiaes apresentados ao parlamento. Mas as intenções e os planos dos credores estrangeiros, com os quaes o governo tem negociações ácerca das quaes guarda absoluta reserva, constam das suas conferencias, de que dão noticia relatorios impressos que correm a Europa.
Desde que o governo portuguez está tratando de igual a igual com os credores estrangeiros, e não diz palavra sobre as bases dos negociações, nem nos documentos officiaes, nem nas suas orações no parlamento, vejo-me forçado a recorrer aos relatorios impressos, em que se dá conta das deliberações dos credores nas suas reuniões, porque não tenho outros documentos, e porque afinal esses relatorios, comquanto não tenham a authenticidade dos documentos portuguezes, são declarações solemnes dos homens com quem o governo está tratando, e encerram as pretensões de uma das partes com quem o governo portuguez está em negociações, das quaes nem os topicos, nem as bases o sr. ministro da fazenda quer dizer á camara, nem ao menos indicar as pessoas com quem está tratando. (Apoiados.)
Quer v. exa. saber o que diz o relatorio da reunião dos portadores da divida externa no dia 14 de dezembro ultimo em Paris?
«Nós não queremos assumir sós a responsabilidade de uma questão tão grave, e tomamos aqui o compromisso formal de não acceitar accordo que não seja primeiro submettido á approvação do governo francez, o qual, sem se involver no detalhe das negociações, não nos na de recusar a sua protecção, nem deixar de velar no futuro pela execução da convenção que tiver approvado, cercando-as da sua alta protecção.
Percebe-se!
Os credores estrangeiros querem transformar qualquer accordo com o governo portuguez sobre a divida externa n'uma convenção rigorosamente internacional!
Com a intervenção de governo estrangeiro no accordo, se circumstancias dolorosas nos obrigarem a faltar algum dia aos nossos compromissos, é com os governos estrangeiros e não com os credores que teremos de defrontar-nos!
Serão o governo francez e os governos das mais noções interessadas a garantia dos portadores da divida externa, que ficarão auctorisados a impor-nos pela via diplomatica, senão por outro modo, o cumprimento das nossas responsabilidades financeiras!
São os proprios representantes do povo que vão arrear a bandeira portugueza para collocar officialmente os credores estrangeiros ao abrigo da bandeira do seu respectivo paiz nos negocios portugueses!
Eu creio que a nação portuguesa não deixará de cumprir aquillo a que se obrigar para com os credores externos. Mas se circumstancias superiores á nossa vontade impedirem a transformação da nossa vida economica e financeira e nos collocarem na impossibilidade de pagar, a bandeira estrangeira nos forçará ao pagamento! (Muitos apoiados.)
Não prescidem os oradores estrangeiros da intervenção dos seus governos, porque estes sempre hão de encontrar no nosso territorio com que pagar aos portadores de titulos, ainda que nos deixem na miseria! (Apoiados.)
Sr. presidente, a camara poderá votar o que quiser. Eu liquido a minha responsabilidade perante a consciencia e perante o paiz, mondando para a mesa a seguinte proposta:
«Proponho que no projecto se consigne o seguinte artigo addicional:
«Todas as disposições da presente lei ficam inteiramente sem effeito desde que no accordo intervenha, quer directa, quer indirectamente, algum governo estrangeiro. = Dias Ferreira.»
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi muito cumprimentado.)