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SESSÃO DE 28 DE JANEIRO DE 1885 299

ticas com a Inglaterra, marcou n'ellas dois pontos principaes: o da benevolencia e o da resistencia, e não hesitou em representar de submisso e zeloso advogado do governo inglez, dizendo, que a dureza das condições por elle impostas eram a consequencia necessaria da fortissima pressão exercida pelo parlamento e pela opinião publica na Inglaterra, mas que mesmo em tal situação convinha mais ao governo portuguez continuar a tratar com a Inglaterra.

Não attentou, porém, s. exa., em que a opinião publica na Inglaterra é um verdadeiro poder, diante do qual se curvam todos os governos, e que em taes circumstancias não podiamos alimentar esperanças de resultado favoravel, e que só conseguiamos indispor contra nós a Allemanha e a França com a cega e imprudentissima teimosia em tratarmos com a Inglaterra, a despeito das reiteradas e instantes advertências, que o seu governo nos fazia, de que o tratado do Congo não podia prevalecer sem a sancção das outras potencias e sem por conseguinte se lhe dar um caracter de internacionalidade. Á vista da mudança da attitude da Inglaterra um governo habil, avisado, prudente e amestrado pela lição dos desenganos, proporia immediatamente a arbitragem, que é o recurso mais seguro das nações pequenas, que não têem por si senão a força do direito e a egide da justiça.

Se o recurso da arbitragem não fosse acceito, devia o governo de Portugal dirigir-se immediatamente á Allemanha e á França, e talvez fosse possível, a troco de algumas concessões, conseguir-se o triumpho da nossa causa e a consolidação do nosso dominio no Zaire. Disse o sr. ministro dos negócios estrangeiros, que o sr. Barros Gomes não dera verdadeiro valor á acção da associação internacional; o sr. Barros Gomes não preteriu este ponto, fallou por forma bem nitida da influencia embora illegitima da associação, referiu-se aos seus manejos e ás suas intrigas para nos tornar odiosos e nos alienar as sympathias da Europa.

Acceitando como indubitavel, que a associação internacional tem na verdade a importancia, que o sr. Bocage lhe attribuiu, e que nem o sr. Barros Gomes, nem eu lhe contestamos, é certo, que essa mesma importancia fornecia á associação numerosos elementos de informação, que a habilitavam para bem conhecer as intenções das differentes potências da Europa, e que bem as conhecia, prova-o a circumstancia de que, estando já posto de parte o tratado de 28 de fevereiro de 1884, ha vendo-se já manifestado contra nós uma grande indisposição, Stanley tinha ainda duvidas e receios de qual seria a attitude, que a Allema-nha haveria de tomar n'esta questão, e em 16 de agosto d'aquelle anno publicava na imprensa allemã uma carta celebre, em que Stanley saudava o povo allemão pelo vivo interesse, que lhe mereciam os interesses coloniaes, e dizia summariamente:

Se a Allemanha quer tomar a peito e deveras os problemas de colonisação, não tem senão duas soluções a adoptar, e são, ou reconhecer a associação internacional ou ligar-se a Portugal.

Reconhecendo a associação internacional, abre adiante de si um espaço immenso a melhoramentos materiaes e vantagens incalculaveis; terá a Allemanha nas paragens africanas arroteamentos productivos, colonias florescentes, permutações lucrativas, caminhos de ferro, isenção de impostos, emfim, as douradas perspectivas de um verdadeiro éden nas margens fertilissimas do Zaire; mas se preferindo a outra solução se ligar a Portugal os resultados serão lastimosos, serão embaraços á navegação, a ruina do commercio, o trafico da escravatura, uma rede oppressora de impostos vexatorios, a acção esterilisadora das auctoridades portuguezas, ruins, maldosas, avarentas e perversas; será um tenebroso quadro de horrores, de protervias e desgraças.

Tenho as obras de Stanley, e em nenhuma das suas paginas encontrei palavras denunciadoras de uma animosidade tão sanhosa como injusta contra Portugal.

Esta carta calculadamente eacripta, se por um lado mirava a aggravar a indisposição contra nós, mostrava por outro, que ainda a esse tempo, note-se, 26 de agosto do anno passado, Stanley tinha serios receios de que Portugal chegasse a um accordo com a Allemanha.

O desaproveitamento d'esse favoravel ensejo, e a má direcção dada ás negociações pelo governo portuguez, que nos representava por toda a parte como autómatos e satelites da Inglaterra, explica até certo ponto a resposta, que á carta de Stanley dava seguidamente o illustre professor allemão e celebre africanista Schwein Furht.

Poucos dias antes de partir para o Egypto, publicava o sabio allemão a sua carta escripta em linguagem emphatica, sem deixar de ser muito expressiva.

Dizia elle: «Vejo no appello feito pela imprensa ao povo allemão um signal dos tempos».

«A Inglaterra não póde mais exercer uma acção colonisadora benefica e fecunda sobre a área immensa de tantas e tão dilatadas regiões. O seu manto de purpura, á força de distender se e retesar-se atra vez de tão amplos territorios, começa a romper-se e desfiar-se.

«Mas a Inglaterra, para tolher o passo aos outros povos, emprega o obstruccionismo, e para isso nenhuma nação se lhe presta melhor do que Portugal, que é um manequim nas suas mãos.

«A America não vae á Africa por causa da doutrina de Monroë; nos braços da França ou da Allemanha hão de cair mais cedo ou mais tarde os estados livres do Congo.»

Parece, que estes documentos não foram comprehendidos, nem o seu verdadeiro alcance apreciado pela nossa perspicaz diplomacia, e por este sabio governo. Especialmente a significação da carta de Stanley, que é ao mesmo tempo idylio e libello, é tão evidente, que devia ser aproveitada para a melhor direcção das negociações.

Temos uma diplomacia apparatosa e cara, que, tirante algumas excepções honrosas, prestará para muito, mas não para ver com perspicacia, para informar com promptidão, nem para negociar com acerto. O governo, esse, com os olhos piedosamente fitos na Inglaterra, ignorava tudo; ignorava os intentos, os planos e as disposições da Allemanha, para uma extensa dilatação colonial, disposições em parte resultantes do estado da sua industria e das suas necessidades economicas, que contrastam com a grandeza collossal do seu poderio militar.

O governo ignorava mais tarde e quando era já passada a occasião propicia para negociarmos vantajosamente com a Allemanha, as declarações peremptorias e categoricas do principe de Bismarck, de que não reconhecia os nossos direitos historicos e incontestaveis no Zaire.

O governo ignorava os documentos, que ha pouco citei e que tiveram na Allemanha uma larga publicidade. E como ignorava tudo, tomou a iniciativa da reunião da conferencia, e teceu assim a corda, em que havia de ser estrangulado o direito, a soberania e a honra da nação. (Apoiados.) Ora, um governo que, não obstante ser um congresso de sabios, como nos declarou o sr. Fontes, não póde desempenhar tão altas e poderosas funcções; (Apoiados.) se não é réu de ignorancia, é culpado por negligencia e descuido, e arriscou assim não só grandes interesses públicos, mas tambem uma cousa mais séria e sagrada, que é o brio e a dignidade da nação. (Apoiados.)

Sei, que nos tempos, que vão correndo, é pouco feliz a situação e a sorte das nações pequenas, que sómente podem contar com o respeito e a sympathia, que merece o direito aluado á fraqueza.

Mas, quaesquer que fossem as consequencias, cumprisse o governo os seus deveres dirigindo as negociações a tempo, com acerto, com precaução e tambem com firmeza; não confiasse cegamente na protecção da Inglaterra, porque ella nos tem desamparado em crises apertadíssimas, como foi a do conflicto levantado por causa do apresamento da barca Charles & George, em que, por cum-