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300 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

prirmos fielmente os tratados celebrados com aquella potencia para a repressão do tranco da escravatura, ficámos sujeitos ás bofetadas mais ultrajantes e cruéis, que podem ferir um povo altivo, pundonoroso e digno.

Se o governo tivesse procedido com tino e cuidado, tiria ficado livre de todas as responsabilidades, e poderia dizer hoje, de cabeça levantada: fizemos o que podiamos e o que deviamos; Portugal será victima de mais um infortúnio, mas não é victima dos nossos erros.

As humilhações e os trances, que desde os preliminares da conferencia o governo tem soffrido, são a terrivel e justissima expiação da guerra santa, em que o tratado de Lourenço Marques, cujas responsabilidades principalissimas pertencem ao partido regenerador, foi a primeira arma de combate em 1881.

É tempo do me cingir ao objecto da minha moção de ordem.

No projecto de resposta ao discurso da corôa affirma-se, que a situação da fazenda publica é tão desaffrontada, que não inspira receios. É uma novidade singular, extraordinaria e por isso mais grata ao paiz.

Se nós estivessemos na antiga Roma, tinhamos rasões de sobejo para a tão jubiloso annuncio clamarmos em unisonancia de vozes: subamos ao Capitolio e decretemos as honras civicas e as corôas triumphaes aos consules benemeritos, que pelos desvelos de uma administração justa e patriotica nos deram a lograr tamanha e tão avantajada felicidade.

Para que o quadro das glorias financeiras do governo ficasse mais brilhante e completo supprimiram-se como discordantes e importunas as palavras «deficit e desequilibrio orçamental», que temos encontrado em todos os documentos anteriores da mesma natureza. Ao pensamento, que determina estas systematicas dissimulações, são perfeitamente applicaveis as notaveis palavras proferidas pelo illustre Thiers no parlamento francez em 1865.

Disse alguem: calumniáe, que sempre ficará alguma cousa; é desgraçadamente uma verdade. Em materia de finanças dissimuláe, dissimuláe, que sempre ficará alguma cousa. Mas no caso presente nada ficará d'estas dissimulações artificiosas, destas traças engenhadas com o fim de esconder a verdade ao paiz, não ficará a recordação de um esforço serio, efficaz e decisivo, para resolver a questão de fazenda; só ficará do pé, persistente e perduravel a memoria do engenhoso addicional de 6 por cento, e do vexatório imposto sobre o sal. (Apoiados.)

Não é com estes apoucados e insufficientes expedientes que o governo ha de fundir pedestal para as suas glorias financeiras (Apoiados.) e grangear as benemerencias do paiz.

Mas com que fins e com que propositos se disfarça a verdade conhecida, a verdade incontroversa, a verdade evidentissima no ponto, que mais interessa á vida e ao futuro do paiz?

Se é para attenuar as derrotas financeiras do governo, se é para adormentar o paiz n'um travesseiro feito de illusões, desatinada politica é esta, que de taes meios se vale e soccorre para escurecer a verdade.

Em assumptos financeiros são as illusões a cousa mais perigosa, mais nefasta e desastrosa, porque as illusões passam e os factos ficam. (Apoiados.)

As difficuldades, que a principio podiam atalhar-se com um esforço energico, perseverante e bem encaminhado, mais tarde só podem resolver-se a preço de duplicados e dolorosos sacrifícios. (Apoiados.)

E quando os disfarces cáem, as simulações se dissipam e as miragens desapparecem, e a amargura dos grandes desenganos impõe fatalmente a necessidade dos grandes sacrificios não é raro, que protestos irritados abram o prefacio de revoluções estrondosas.

Tambem a França, tambem essa grande e poderosa nação se deixou deslumbrar pela palavra dos seus estadistas, dos seus governos e dos seus diplomatas; tambem ella foi victima até 1870 das mais deslumbrantes, mais apraziveis e enganosas illusões e só acordou quando se viu vencida, ensanguentada e humilhada; quando ao desastre tremendo, que em Sedau aniquilava um exercito respondia em Paris a revolução implacavel, que derribava uma dynastia.

Sr. presidente, não quero nem as exagerações pavorosas, que aterrara sem necessidade, nem os optimismos seductores, que encarecem sem fundamento.

Entre os dois extremos vae o caminho chão, direito e plano da verdade lealmente sentida e corajosamente formulada.

Pela minha parte mais me arreceio do deficit da verdade do que do déficit da fazenda, (Apoiados) porque á extincção d'este e áquelle o maior impedimento.

Houve n'este paiz em 1880 um ministro illustradissimo, trabalhador, tão intelligente como modesto, tão distincto pelos quilates do talento como pelas energias de caracter. Esse ministro defrontou-se resolutamente com a questão de fazenda.

Depois da organisação financeira realisada em 1860 pela poderosa intelligencia e pela forte vontade do sr. conde do Casal Ribeiro neuhuns trabalhos, nenhumas providencias se lhes avantajavam mais, não só pela largueza de vistas e pela perspectiva dos resultados, senão tambem por assentarem, não em simples expedientes, mas em um systema bem reflectido e ponderado.

O relatorio apresentado ás côrtes em 1880 pelo sr. Barros Gomes não tem sómente para mim o grande valor de ser um monumento de sabedoria, como reconheceram os seus proprios adversarios, tem igualmente o grandíssimo merecimento de ser o espelho da verdade.

Bem e avisadamente entendia o sr. Barros Gomes, que assim como a um doente se não podia fazer uma operação dolorosa sem que elle se convencesse de que ella lhe era indispensavel, tambem ao paiz se não podiam pedir mais impostos e exigir novos sacrificios sem lhe mostrar a absoluta necessidade d'elles, e sem lhe dizer franca e imparcialmente a verdade.

Se o imposto do rendimento, que tem sido para a Inglaterra desde muitos annos o seu primeiro recurso tributario, e que foi para a Italia o primeiro instrumento da sua regeneração financeira, se esse imposto tão tenazmente impugnado por aquelles, que mais tarde lhe aproveitaram uma parte, se tivesse estabelecido, e enraizado no meio de nós, se a par d'isso tivessemos uma administração economica, regrada, severa e escoimada de prodigalidades e dissipações seria possivel affirmarmos hoje com fundamento, que a nossa situação financeira estava limpa de difficuldades e desassombrada de receios. Mas quando os factos na sua realidade inflexivel nos denunciam uma situação muito ao invez disto, quando esto paiz pobre e mingoado em recursos vê mais de metade da sua receita absorvida pelos encargos da divida publica, quando vivemos, ha muito, a vida amargurada que se cifra em levantar divida fluctuante para acudir ao deficit, e em contrahir emprestimos para consolidar a divida fluctuante, quando nos arrastâmos alquebrados e exangues pelas escorregadias sinuosidades de um circulo, que se não é de todo como o desenhado no Inferno de Dante, é de desacertos, de tormentos e flagicios, que não têem, nem podem ter outra saida e outro termo senão o paradeiro dos desastres, quando as difficuldades do presente se associam ás incertezas do futuro para quebrantar as esperanças mais viris, vem o governo dizer ao paiz, que esteja tranquillo e descansado, porque ás finanças não vão á véla, vão a vapor e com prospera viagem.

Não bastava ao governo o falseamento systematico dos principios e das instituições, era preciso para complemento dos seus feitos e glorias, que elle arvorasse sobre as finanças desmanteladas a desbotada bandeirola dos niythos e das ficções.