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302 DIARIO BA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

preciso ordenhar o sangue do povo; é caminhar para a desconfiança dos mercados monetarios, para a baixa cada vez mais descendente dos nossos fundos, para a irritação do contribuinte, para a banca-rota, para os grandes erros, que são quasi sempre precursores dos grandes desastres.

Mas o sr. Fontes é grande, e os seus prophetas maximos, apontando para os caminhos de ferro, para as estradas ordinarias, para as Unhas telegraphicas, para as escolas a radiarem luz e para os portos artificiaes a convidarem a navegação, entendem, que com estes brazões e tropheus ha de revestir-se e exornar-se o monumento erigido á gloria do sr. Fontes; mas esqueceram-se os illustres oradores da maioria de collocar sobre esses tropheus, e no alto d'esse monumento um espectro mirrado, livido e sombrio. Esse espectro é o deficit.

O partido progressista não emboca a tuba epica para exaltar as próprias glorias, e deixa á historia imparcial a tarefa e o cuidado de referir os grandes serviços, que prestou ao paiz desde a desvinculação da terra até á construcção gratuita de um caminho de ferro.

Este ultimo e valiosissimo serviço nunca os governos regeneradores, com todos os seus apregoados merecimentos, poderam fazer ao paiz.

Prestou-lh'o, porém, o partido progressista, e nomeadamente aquelle homem intelligentissimo, aquelle estadista insigne, aquelle meu dilecto amigo Saraiva de Carvalho, que nos deixou a nós todos os da sua grei não só uma memoria saudosa, que nos commove, e uma gloria imperecivel, que nos illustra, senão tambem um grande exemplo, que nos estimula. (Apoiados.)

Sr. presidente, eu não contesto nem deprimo os altos e culminantes merecimentos, que sobredouram o espirito do sr. Fontes; não desconheço nem amesquinho os serviços, que s. exa. tem prestado ao paiz durante a sua longa carreira publica; mas é certo que esses serviços nos têem ficado muito caros, e, qualquer que seja a apreciação que se faça da sua importância e da sua valia, não estão consubstanciados em uma obra tão grande, tão fecunda e gloriosa como aquella em que Mousinho da Silveira, o homem mais eminente da nossa historia constitucional, lançou os fundamentos da nossa transformação economica e social, desapressou a terra de antigas e oppressoras servidões, e deu á revolução liberal um melhor abono de victoria nas leis justas, que libertavam, do que nas espadas fortes, que combatiam.

O maior serviço, que o sr. Fontes, astro radiante da politica portugueza, podia prestar neste momento ao paiz, era o de eclipsar-se nas alturas do poder, contentando-se com a gloria de haver arrastado para o seu centro de attração os sábios, que não póde encontrar na sua illustrada e dedicada maioria, onde lhe não faltavam homens competentes para gerir as pastas da marinha e obras publicas.

Os sabios deixaram-se attrahir e passaram uma esponja sobre a democratica constituição de 1838, sobre a largueza das franquias populares, sobre as vehementes aggressões, que tinham feito ao governo na imprensa e no parlamento.

E eu sinceramente lamento, que o sr. Pinheiro Chagas, um homem de grande talento, que não precisava da luz d'aquelle astro para ver e alcançar e conquistar um grande futuro, se deixasse enamorar do sacrifício sublime de servir o seu paiz como ministro, a ponto de desamparar o posto que intrepidamente occupava aqui e lá fóra nas reuniões populares quando a sua voz eloquente trovejava indignada contra o syndicato de Salamanca, e grudava no rosto do sr. Fontes e dos seus collegas o rotulo infamante de traidores á patria e em altos brados pedia ao povo, que guardasse na sua memoria este terrivel estigma, que lhe rompia da consciencia e do coração e fosse em seguida associar-se áquelles, que assim maltratára, sem reparar, sem ver primeiro, se no logar onde se sentava ao lado d'elles estava já apagada a nodoa produzida pela espirrar d'aquella invectiva crudelissima. (Apoiados.)

Vozes: - Deu a hora.

O Orador: - Eu pouco mais tenho a dizer, mas se v. exa. e a camara assim o resolverem, terminarei na sessão seguinte.

O sr. Presidente: - O regimento dá-lhe a faculdade de concluir o seu discurso, apesar de já ter dado a hora.

O Orador: - Eu de pouco tempo preciso para terminar hoje, mas se a camara não quizer prolongar a sessão, continuarei na sessão seguinte.

Vozes: - Falle, falle.

O Orador: - Agradeço á camara a sua benevola demonstração.

Sr. presidente, para mostrar, que o estado da fazenda publica é para inspirar receios não preciso de invocar a existencia de um deficit avultado, nem lembrar a circumstancia de que, tendo-se contrahido, ha poucos mezes, um emprestimo de 18.000:000$000 réis, já nos vimos obrigados a levantar divida fluctuante na importancia de alguns milhares de contos para pagarmos o coupon da divida correspondente ao semestre findo.

Para mim basta como argumento o resultado do ultimo emprestimo; o governo recebeu o dinheiro, mas a maior parte dos títulos ficou encalhada nas carteiras das casas bancarias, com quem o governo contratou.

Este facto é uma lição severa dada ao governo, é a condemnação formal da sua administração financeira, é mais um aviso feito ao paiz para que mude de vida, e é uma demonstração irrecusável de que não devemos pensar tão cedo em contrahir outro emprestimo. (Apoiados.)

É verdade, que o paiz se tem desempenhado escrupulosamente dos seus compromissos, e que tem honrado o seu credito e o seu nome, mas para isto tem-se submettido a sacrificios gravissimos, e em presença d'elles não póde affirmar-se sem uma irrisão amarga, que tem recursos de sobra.

Ha recursos de sobra e muitos milhares de contribuintes fazem grande sacrificio em pagar ao estado pesadíssimos impostos directos o indirectos, e está-se accentuando um movimento geral de resistencia contra as corporações administrativas, que, abusando da faculdade illimitada de tributar, que lhes confere o codigo administrativo, estão exigindo tanto e mais do que o estado.

Ha sobra de recursos e a provincia do Douro, que ainda ha doze annos era a mais prospera do paiz, soffre actualmente em relação ao seu antigo rendimento annual um deficit calculado em 3.500:000$000 réis, e está-nos offerecendo o lutuoso espectaculo de ruina, de fome, e de miseria.

No norte do reino mais de dois terços da propriedade estão presos nas garras da hypotheca; as execuções por dividas á fazenda são innumeraveis e constituem um verdadeiro flagello; a agricultura, a industria e o commercio levam, á mingua de capitães baratos, uma vida attribulada e cortada de embaraços; instrucção primaria e profissional atrazada e escassamente diffundida, administração relaxada e anarchica, industria sempre incapaz de luctar com a concorrencia estrangeira, a propriedade em parte hypothecada e dando em todo o paiz um rendimento medio não excedente a 3 por cento; os bancos descontando a 6, 7 e 8 por cento, eis os traços escuros e as desastradas condições d'este paiz, onde, ao lado de um thesouro sempre faminto se levanta o vulto magestoso de um estadista sempre impenitente.

Não é com as risonhas affirmações contidas no projecto de resposta, não é com hyperboles inchadas, com phantasmagorias ostentosas e com fogos fátuos, que ha de firmar-se o credito publico, fomentar-se a riqueza nacional, e que hão de restabelecer-se as finanças e sanearem-se os males, de que enferma o paiz.

Não é com a reforma do regimen penal da imprensa, que as instituições monarchicas hão de auctorisar-se e assegurar-se-lhes consideração e prestigio perante a opi-