SESSÃO DE 29 DE JANEIRO DE 1886 249
ções para pares do reino na conformidade da lei, e as eleições para as corporações administrativas na conformidade das disposições legaes, só abstivera de dizer que a lei fôra cumprida com respeito á eleição da municipalidade de Lisboa.
Dizia, por isso, que o governo fallava verdade, referindo que a eleição se tinha verificado, mas não dizia toda a verdade, porque se a quizesse dizer necessariamente se condemnava.
Naturalmente quiz esquivar-se a dizer que se tinha feito a eleição esquecendo e infringindo a lei. Mas, sr. presidente, quer a eleição das corporações administrativas em todo o resto do paiz, quer as eleições dos pares, não tinham passado em verdade tão serenamente como o illustre ministro parece querer dizer, porque temos ouvido aqui muitas vezes o sr. Eduardo José Coelho referir-se ao que se passou com relação á eleição no concelho de Valpassos, que desde então até hoje tem estado constantemente num estado anarchico e revolto; e até mesmo um deputado da maioria pediu ao sr. ministro da justiça que pozesse termo ao estado anarchico em que estava a justiça n'aquelle concelho.
Com relação á eleição dos pares de reino tambem succede que no collegio eleitoral de Braga não compareceram os delegados por parte do concelho de Guimarães.
Devia ter chegado ao governo noticia d'este caso, mas n'esse tempo ainda o governo não se preoccupava com o conflicto entre Guimarães e Braga; n'esse tempo estava-mos ainda n'aquelle primeiro periodo a que se referiram o sr. presidente do conselho e o sr. ministro do reino em que tudo parecia correr serenamente. Guimarães, ferida nos seus melindres, procurava separar-se de Braga, e a cidade de Braga, continuando ainda no desvario em que se encontrara em 28 de novembro, applaudia essa desaggregação.
Por parte de Guimarães ninguem pedia n'essa occasião a destituição do governador civil de Braga, e então dizia o sr. ministro do reino até certo ponto com uma tal ou qual plausibilidade que tudo parecia correr admiravelmente bem.
Quando se notava ao governo a sua persistencia na conservação da auctoridade superior do districto de Braga contra a vontade da junta geral, da camara municipal e dos deputados, tudo parecia mostrar a necessidade de suspender, transferir, demittir, ou proceder por qualquer modo para com essa auctoridade superior, porque se o governo procedesse assim mataria á nascença o conflicto.
E de facto, assim parece, pois se só Braga reclamava a destituição do governador civil, é natural que embora manifestasse dor pela mutilação, ao menos encontrava uma compensação ao soffrimento da mutilação pelo alivio de se libertar de uma auctoridade que a vexava.
O sr. ministro do reino por isso, ao referir-se no discurso da corôa ao que se passára nas outras eleições dos districtos do reino devia sentir o quer que fosse de pesar porque as cousas não corriam tão bem como fôra para desejar.
Vamos, porém, ao que aconteceu com respeito á eleição municipal de Lisboa, que é incontestavelmente a primeira do paiz.
O decreto em virtude do qual se devia proceder á eleição municipal de Lisboa não foi um decreto que dimanasse da vontade ou do arbítrio do governo.
O sr. ministro do reino que se empenhara em que a lei de que tomara a iniciativa passasse com toda a rapidez no parlamento, s. exa. que forçara, digamos assim, a maioria a vir aqui às sessões diurnas e nocturnas, collocando uma parte da opposição, a opposição progressista, na situação de não poder comparecer a todas essas sessões por causa do trabalho constante a que era obrigada, o sr. ministro do reino, que devia ter procedido de modo que podesse responder triumphantemente aos que lhe notavam que a lei não era exequivel, mostrando que os reparos que se haviam feito não tinham fundamento; o que fez? Deixou correr os mezes de julho, agosto e uma, parte de setembro, o quando já não chegava a faltar um mez para a eleição, publicou um decreto em que a lei era infringida e desacatada de um modo verdadeiramente insolito.
Comprehendo que um ministro que tem de executar leis da iniciativa do seu antecessor se veja embaraçado; mas que um ministro que foi o auctor de uma lei, que veiu defendel-a, e que tanto se empenhou para que ella passasse, venha depois provar que não foi capaz de cumpril-a, é realmente insolito.
Depois de promulgada a lei, publicou-se um decreto em que a lei foi infringida pelo governo com uma serenidade que só é propria doestes tempos, em que os governos sem pestanejar infringem as leis, não sei se seguros de que toem cumplices n'essa infracção, se por qualquer outro motivo.
E porque infringiu o governo a lei?
Porque ella marcava perceptivamente que a eleição só devia realisar n'um certo e determinado dia, e o governo adiou-a para outro dia.
Não sei se o nosso illustre collega, o sr. Arroyo, virá dizer-nos, como já disse com respeito á prorogação do praso para o alistamento dos guardas fiscaes, que este artigo é d'aquelles que podem ser alterados á vontade do executivo; mas, folgarei que não diga, e deixe ao sr. ministro todas as glorias que lhe possam caber n'esta obra.
A lei diz perceptivamente o seguinte:
«A primeira eleição geral de vereadores da camara municipal de Lisboa, nos termos d'esta lei, realisar-se-ha no terceiro domingo do mez do outubro do corrente anno de 1885.»
Por consequencia a lei foi infringida. A lei diz o que acabo de ler, e fez-se outra cousa; portanto não foi observada.
O illustre ministro póde desculpar-se; mas com que? Com as suas proprias culpas, porque s. exa. foi o auctor da lei.
Quando a opposição dizia que esta lei era inexequivel, o governo persistia e a maioria approvava, e entretanto os factos vieram demonstrar que quem tinha rasão era quem mostrava ao governo que elle devia ser mais reflectido e mais cuidadoso na redacção das leis, que devia em todas as circumstancias e em todos os actos mostrar sempre a mesma compostura, porque é assim que devem mostrar-se os homens de governo.
Eu comprehendo que o sr. ministro tivesse grande difficuldade em demittir uma auctoridade superior, mesmo quando essa auctoridade estivesse a solicitar a sua demissão durante vinte dias, porque s. exa. mais de uma vez tem dito que deseja proceder depois de conhecer a verdade, para não proceder irreflectidamente. Comprehendo isto; mas um ministro que procede assim e depois vem dizei que por ter visto um telegramma que lhe apresentou um collega nosso, expediu outro telegramma para demittir uma auctoridade, tal ministro não tem sempre a mesma opinião.
Ha occasiões em que, por maiores que sejam as solicitações, não resolve, e ha outras em que, sem proceder a averiguações previas, resolve immediatamente. Este procedimento só tem uma explicação, e é a que alguem dava com relação ao telegrapho, dizendo que o telegrapho parecia ter sido inventado para supprimir a reflexão, e pôr de Darte a prudencia.
Vinham as solicitações, vinham as communicações de que eram portadoras as commissões, e o sr. ministro não procedia, nem acudia á solicitação da propria auctoridade que pedia a demissão.
Mas chega um telegramma; passou de ali para aqui; s. exa. vae para casa, dirige uma pergunta á auctoridade superior, não obtém resposta, e expede logo um telegramma para suspender uma auctoridade.