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250 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O sr. Ministro do Reino (Barjona de Freitas): - Hão foi assim.
O Orador: - O sr. ministro diz-nos que não foi assim, e eu não duvido, porque ha muita cousa que se passa no ministerio do reino e que ninguem sabe senão elle. (Riso.) Basta uma. Aqui está este decreto que s. exa. publicou, infringindo a lei n'um ponto que eu já notei, e noutros que eu vou notar.
Este decreto refere-se a outro com relação á divisão dos bairros. Lê-o a gente e pasma! Não se sabe em que paiz estamos! Diz este decreto de 17 de setembro de 1885:
«Ordenando o § 2.° do artigo 222.° da reforma administrativa do municipio de Lisboa, approvada por carta de lei de 18 do julho de 1885, que o governo mande determinar no terreno o traçado rigoroso da nova linha da circumvallação, e estando actualmente realisado este trabalho, sem o qual seria impossível usar da auctorisação concedida pelo artigo 227.° da referida reforma, para a divisão dos novos bairros e das suas respectivas parochias civis... hei por bem approvar a divisão dos bairros e das parochias civis do futuro municipio de Lisboa, na conformidade do mappa que acompanha este decreto...»
Ora este mappa não diz cousa alguma.
Ninguem é capaz de conhecer por elle os limites da circumvallação.
Por exemplo, o Beato é aqui incluido, e comtudo é atravessado pela linha de circumvallação, ficando assim parte do Beato dentro, e parte fora da cidade. Olivaes, aqui incluído, não fica toda a freguezia dentro da cidade, Ameixoeira igualmente.
Por consequencia o traçado da circumvallação conhece-o o ministro, o paiz é que o não conhece, porque por este mappa ninguem o fica sabendo.
E s. exa. nem sequer se referiu neste decreto a um mappa que existisse em qualquer parte, onde podesse ser examinado.
Ficâmos assim como succedeu com respeito aos planos de remodelação da cidade de Lisboa no tempo do marquez de Pombal; mas ahi ao menos fazia-se referencia a plantas, embora não se encontrem, nem na Torre do Tombo, nem no ministerio do reino, nem na camara municipal, nem na antiga intendência das obras publicas.
É preciso, porém, confessar uma cousa e é que a lei dizia no § 2.° do artigo 222.°:
«... para este effeito, logo depois da promulgação desta lei, o governo, mandará determinar no terreno o traçado rigoroso d'aquella estrada» (da circumvallação).
Este logo é muito conhecido nos nossos ministérios, porque a maneira de fazer com que um officio chegue mais depressa ao seu destino é escrever logo, logo.
Aqui está a presteza das providencias do sr. ministro do reino.
O governo dividiu os bairros, e incumbiu ás commissões de recenseamento dos tres bairros de Lisboa e do concelho de Belém, o trabalho do recenseamento que devia fazer-se segundo a lei de 18 de julho de 1885. Mas é preciso notar que a lei incumbia o trabalho não ás commissões designadas pelo governo, mas ás dos bairros de Lisboa e ás dos concelhos de Belem e dos Olivaes.
Por consequencia o sr. ministro deixou de cumprir os §§ 1.° e 2.° do artigo 222.° da lei de 18 do julho, que diziam:
«§ 1.° Para os effeitos d'este artigo as commissões do bairro de Lisboa e as commissões de recenseamento de Belém e Olivaes...
«§ 2.° As commissões do recenseamento de Belem e dos Olivaes...»
Infringindo a lei n'este artigo, o sr. ministro ordenou que os recenseamentos passassem só por vontade sua e segundo as suas ordens de umas commissões para outras, quando um artigo da carta de lei eleitoral de 1884 prohibia expressamente que os cadastros do recenseamento saissem do poder dos secretarios das commissões.
Esta lei impõe a obrigação, e communica multas aos secretarios das commissões só elles deixarem sair os recenseamentos da sua mão
Assim o governo, infringindo a lei de 18 de julho de 1885, infringiu, ou recommendou a inobservancia da lei de 1884, e desacatou ainda a legislação eleitoral vigente, que define a competencia das commissões de recenseamento, porque são as commissões de cada concelho ou bairro as que têem direito de conhecer da capacidade eleitoral dos cidadãos do respectivo bairro.
O sr. ministro alterou os bairros, e portanto ao mesmo tempo feriu não só a lei da reforma do municipio que tinha proposto, mas duas outras leis, uma para que tinha cooperado, e outra que estava em execução ha muito tempo.
Ora se estas illegalidades se praticam aqui em Lisboa, na sede do governo e do parlamento, pergunto, como nos havemos de admirar do que acontece em outras terras do paiz?
Quando isto acontece aqui, não devemos surprehender-nos, com o que se passa nas provincias; e comtudo, o governo está sereno e descançado, e nem se quer se lembrou de submetter á camara um projecto que o absolvesse da falta commettida pela inobservancia da lei.
Mas vamos a ver como as cousas se passaram, para fazer sentir á camara e áquelles que me ouvirem ou lerem as minhas observações se nós temos nas leis as seguranças necessárias para evitar que o governo atropelle os nossos direitos e commetta illegalidades.
O governo decretou illegalmente, e as commissões reuniram-se, trocaram os recenseamentos das freguezias de uns para outros bairros, e começaram a conhecer da capacidade eleitoral dos cidadãos em os novos bairros, para o que não tinham competencia.
Assim as commissões ás quaes foi incumbido o dever de velar pelos direitos dos cidadãos, inclinaram-se perante as illegalidades commettidas pelo governo, vergaram todas.
N'aquellas em que o partido regenerador tinha a maioria, ainda se comprehendia que a minoria fosse vencida; mas vergaram tambem aquellas em que a maioria não era regeneradora e sim progressista.
Quer dizer a maioria progressista vergou igualmente, tornou-se cumplice n'este attentado contra as leis, contribuiu igualmente pela sua parte para que a illegalidade produzisse os seus effeitos.
Ainda ha dois dias nós ouvimos dizer aqui a um dos oradores d'aquelle partido que muitas das scenas verdadeiramente desagradáveis a que assistimos hoje, provinham de se ter estabelecido a politica dos nossos amigos.
Foi talvez por causa dos nossos amigos, que as commissões de recenseamento, em que a maioria era regeneradora, se inclinaram perante o governo. Mas porque se inclinaram as commissões, em que a maioria era do partido progressista? Seria por causa dos nossos amigos, ou por causa dos nossos adversarios amigos? (Riso.}
Tanto um como outro partido são igualmente cumplices n'este attentado contra as leis; um o outro se uniram para que os direitos dos cidadãos não fossem respeitados; ambos se congraçaram para evitar que fosse mantida a genuidade do suffragio.
Estou prompto a acompanhar constantemente o partido progressista sempre que solte a sua voz para condemnar os arbítrios do governo; entretanto permittam-me que lhes diga que hão de ter muito pouca auctoridade para condemnar as arbitrariedades do governo, se contribuem para que ellas se pratiquem diante de nós, aqui mesmo na cidade de Lisboa.
Não peço aos meus collegas da opposição que me respondam, ou que guardem silencio. Isso é para mim absolutamente indifferente.