254 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
sos ramos de administração sobre que pode incidir a apreciação do parlamento.
Está s. exa. no pleno uso do seu direito, procedendo assim e eu cumpro o meu dever acceitando a discussão no terreno em que é collocada.
Notou o illustre deputado que no discurso da corôa se fallava em propostas de lei, destinadas a resolver necessidades urgentes, mas que não se designavam quaes eram as propostas.
Peço licença para dizer que a apresentação dessas propostas é que ha de indicar as necessidades a que o governo procura satisfazer.
O illustre deputado dirigiu se principalmente ao ministro do reino; foi elle o objecto principal das suas accusações, e apenas em algumas das divagações com que adornou o seu discurso, se referiu a alguns dos outros ministros, mas tanto de passagem, tão ao de leve que me pareço que n'esta parte não vale a pena responder-lhe.
Referindo-se ao sr. ministro da fazenda, achou-o muito digno de louvor por ter apresentado uma proposta de lei para o encerramento das contas de varios exercicios; mas estranhou que n'essa proposta haja urna novidade, os créditos complementares, de que o regulamento de contabilidade não faz menção, sem notar que se trata de uma proposta de lei que ha de ser discutida e que tem por fim a legalisação de despezas em que tenham sido excedidas as respectivas auctoriyações, por terem sido insufficientes as verbas votadas; e que esses creditos complementares foram o meio de satisfazer a essas despezas.
Sendo isto assim, onde está aqui o perigo da innovação?
Referiu-se tambem o illustre deputado ao sr. ministro da marinha, e perguntou se continuava no systema de legislar na vespera da abertura do parlamento.
S. exa. não carece da minha defeza, porque tem voz n'esta casa e na primeira occasião, se não agora, ha de responder a esta observação do illustre deputado; mesmo talvez lhe aponto alguns precedentes que hão de ser verdadeiramente insuspeitos para o illustre deputado.
Mas, como já disse, o sr. Elias Garcia dirigiu-se especialmente ao ministro do reino e começou por notar que elle se preocupava tão pouco com a instrucção publica que, tendo firmado um decreto com a data de 30 de dezembro, só o veiu a publicar em 25 de janeiro.
E aqui está o grande crime de que me accusa o illustre deputado, no tocante a instrucção publica.
Mas eu não sei bem do que é que s. exa. argue o governo; se é de se ter antecipado o decreto, ou de se ter demorado na publicação porque póde haver delicto em qualquer d'estes casos.
Sabe o illustre deputado para que era esse decreto?
Desde que a reforma administrativa tinha alterado a competencia das juntas geraes neste assumpto e tinha dado ao governo mais attribuições do que ellas tinham, principalmente no que diz respeito á inspecção das escolas normaes, é claro que a lei auctorisava o governo a alterar as respectivas bases. Foi por isto que se publicou o decreto a que alludiu o illustre deputado. E como n'esse decreto se diz que os membros da inspecção devem ser eleitos pelas commissões de instrucção e de saude que funccionam junto da camara municipal, é claro que era preciso esperar que estas commissões estivessem eleitas para BC poder executar aquelle decreto.
Aqui está a rasão porque o governo por um lado se deu pressa em alterar o que estava estabelecido, em relação á inspecção das escolas normaes, e por outro lado teve de esperar que se fizessem as eleições da camara municipal e das commissões para que o decreto tivesse execução.
Ha mais alguma cousa. A má vontade do illustre deputado contra o ministro do reino foi a tal ponto que, apresentando um relatorio do conselho superior, exclamou: «aqui está um relatório que em nada se deve ao ministro, e que se o temos, é por effeito de uma emenda votada n'esta casa sobre o conselho superior de instrucção publica.» Vejamos o valor d'esta observação.
Na proposta apresentada pelo governo dizia-se que o conselho superior apresentaria no fim dos seus trabalhos, depois da reunião da parte electiva, um relatorio ao governo. Por occasião da discussão nesta casa foi apresentada uma proposta, não sei se pelo illustre deputado, para que este relatorio fosse publicado na folha official, e o governo concordou com ella.
Por consequencia o illustre deputado, que attribue ao auctor da proposta o ter hoje na mão o relatorio do conselho superior, devia ter prodigalisado, por igual, os seus agradecimentos á camara que votou essa proposta, e ao ministro que concordou com ella. Seria isto um acto de justiça; mas s. exa. é que não quiz pratical-o.
Ora, o que está determinado é que o relatório seja publicado na folha official; mas o illustre deputado não apresentou aqui o Diario do governo; o que apresentou foi um folheto contendo esse relatorio, que foi distribuído ás camaras e que por certo não caiu do céu... e eu não lhe peço que me agradeça, mas apenas que me faça justiça.
Mas entremos mais especialmente no que diz respeito á execução da reforma administrativa, porque foi sobre este ponto que o illustre deputado mais insistiu, accusando o governo de haver praticado illegalidades.
Devo dizer a s. exa. que se eu estivesse convencido de que o governo tinha excedido as faculdades legaes, acceitava o seu projecto ou outro qualquer no mesmo sentido; mas não estou convencido do ter violado a lei, nem o illustre deputado o provou, e portanto, não vejo necessidade de o acceitar.
Direi as rasões que tenho para assim pensar.
O § 1.° do artigo 222.° da reforma administrativa municipal mandou que as commissões de recenseamento se reunissem no primeiro domingo immediato ao da sua promulgação para apurar os collegios eleitoraes dos 160 maiores contribuintes, assim como dos professores, dos individuos habilitados com cursos superiores e dos médicos que tinham de proceder á eleição das commissões que, nos termos da lei, fazem parte da camara municipal.
É verdade que o illustre deputado se referiu aos trabalhos preparatorios, e disse que o governo não tinha mandado nada a este respeito...
O sr. Elias Garcia: - Eu não vi.
O Orador: - Pois digo-lhe que mandou.
O sr. Elias Garcia: - Estando marcado na lei não era necessario que o governo mandasse.
O Orador: - Ha muita cousa que está marcada na lei e que para ter execução é necessario que alguém intervenha. As leis executam-se por meio de funccionarios, e no caso sujeito o governo deu as ordens precisas para se proceder aos trabalhos preparatorios.
Declaro ao illustre deputado que estou argumentando de boa fé. O governo não tinha interesse algum em proceder deste ou d'aquelle modo: tinha, sim, obrigação de executar a lei e foi o que fez, estudando previamente o melhor modo de o fazer. Executou-a assim. Errou? É necessario provar que errou, e o illustre deputado ainda não provou que a rasão esteja do seu lado. Os cidadãos tinham direito de reclamar; mas creio que não reclamaram na sua grande maioria e se algum reclamou, o poder judicial não lhe deu rasão.
Insurge-se agora contra isto o illustre deputado e vem clamar contra o poder judicial, dizendo que elle não entendeu bem a lei! O poder judicial é independente e pela minha parte devo dizer que, no caso de duvida, inclino-me para o lado d'esse poder.
É necessario notar que a lei da reforma municipal comprehende uma tabella de prasos para as operações de recenseamento, e que a somma d'esses prasos é de setenta dias. As diversas operações do recenseamento e o praso do recurso preenchiam talvez esses setenta dias.