SESSÃO DE 29 DE JANEIRO DE 1886 257
cações, nenhuma duvida terei nisso. Por agora não quero fatigar mais a attenção da camara.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Elias Garcia: - Uso novamente da palavra porque careço não só de rectificar o que disse, mas ao mesmo tempo pedir tambem ao sr. ministro do reino que rectifique algumas das suas asseverações. S. exa. sustentou que era legal o adiamento da eleição; eu digo que estava prescripto na lei o dia da eleição, e portanto s. exa. não podia adiar. Não se cumpriu a lei adiando a eleição; d'aqui não ha saída: ou sim, ou não. Se a lei diz que a eleição se deve fazer em um certo dia, e a eleição se não fez, não se cumpriu a lei, o governo procedeu illegalmente. Póde o illustre ministro do reino recorrer ás subtilezas que quizer; póde lançar mão dos argumentos que entender, mas d'aqui é que não póde sair, nem eu o deixo sair.
Mas s. exa. não só não cumpriu a lei, mas vem ainda explicar, de uma maneira insolita, que outro nome não tem, ou dar a rasão porque não a cumpriu. Porque? Porque precisava fazer a divisão dos bairros. Nego. S. exa. não precisava fazer a divisão dos bairros, nem a lei obrigava a isso. Para se cumprir a lei, não se carecia absolutamente para nada, de proceder á divisão dos bairros. Pois s. exa. nem sabe ao menos cumprir as leis que faz? Um meu illustre collega disse em outro dia que os ministros vinham para aqui para declarar que não podiam responder ao que se lhes perguntava.
Pois eu digo mais; os ministros nem sabem comprehender as leis, que elles mesmos fazem.
O sr. Marçal Pacheco: - Os ministros não fazem as leis.
O Orador: - Os ministros, que propõem as leis, que as discutem, que as recebem do parlamento, não as comprehendem.
E é para lastimar que um ministro assigne uma lei sem a entender.
Mas vem dizer-se que não se podia proceder á eleição, sem fazer a divisão dos bairros! No mez de junho ao discutir-se a lei não passava pela mente do sr. ministro o trabalho que havia de dar e o tempo que levaria a fazer o traçado da linha da circumvallação?
S. exa. ignorava isso? Não sabia o que isso custava? Quando eu pedia uma planta para conhecer a linha da circumvallação, para entender o projecto, s. exa. dizia «não é preciso»; foi aprender depois. Pois é preciso que os ministros saibam antes, e não venham depois desculpar-se com a sua falta de conhecimento dos negocios e das cousas, dando como rasão do não poderem cumprir uma lei não saberem interpretal-a.
Isto é que é indispensavel que a camara saiba. A maioria da camara póde applaudir o sr. ministro, mas o que não póde negar é que o sr. ministro não soube cumprir a lei. O proprio publicista a que me referi disse que bastava demorar alguns dias a promulgação da lei para se saber por onde passava a estrada da circumvallaeão e fazer-se a destrinça dos eleitores que era absolutamente necessaria. Por consequencia, e sr. ministro não podia ignorar, não lhe era licito ignorar; e se o sabia e não preveniu, é duplamente culpado. A obrigação de um ministro é cumprir a lei; não se póde desculpar com subtilezas e artificios de qualquer ordem, dizendo que cumpriu a lei pelo modo possivel, quer dizer, rasgando-a.
Pasmo de que haja uma camara que ouça dizer ao ministro: «rasguei a lei porque só rasgando-a é que a cumpria». Não me admiro já de que o ministro proceda com arbitrio; o que me admira é que a camara o apoie; lamento e lastimo isso; pela minha parte não acompanharei nunca neste caminho os meus collegas. A prescripção legal não admitte interpretações, não admitte subtilezas; pelo monos a auctoridade não deve recorrer a essas subtilezas, esse recurso é para os advogados. Por isso já disse um publicista que é preciso acabar com os advogados, porque não precisamos de advogados, do que precisámos é de homens. (Riso.) Os que trabalham, os que se batem, os obreiros, esses é que são os homens. (Riso.)
E esse publicista dizia muito bem.
Não ha artificio nem talento que seja capaz de encarar o ponto de que tratâmos de outro modo.
Foi illegal o procedimento do governo, e a desculpa que elle dá, condemna-o.
E dizia-nos o illustre ministro: «achei-me com esta lei.» (diga antes «com este trambolho.») (Riso.) «e não sabia como havia de a executar. Tinha este artigo, quase havia de executar em tal dia, tinha que fazer outras cousas, não sabia o tempo que levaria a fazel-as, e por consequência não tive outro remedio, rasguei a lei e adiei a eleição.»
Eu digo como procederia outro homem no caso de s. exa.
Esta lei cumpria-se em todas as suas disposições dentro do praso. Só não se podia cumprir a disposição .que era inexequível, porque o que é inexequivel ninguem póde executar.
A lei dizia:
«As commissões de bairro de Lisboa e as commissões de recenseamento de Belem e dos Olivaes reunir-se-hão... a fim de apurar... cento e sessenta maiores contribuintes.»
Eram tres os bairros de Lisboa, dois os concelhos, isto é, cinco commissões a apurar cada uma d'ellas quarenta maiores contribuintes; apuravam duzentos e não cento e sessenta.
Por consequencia s. exa. podia dizer que cumpria a lei fielmente fazendo-se a eleição em 18 de outubro, como está designado na lei.
Fazia-se a destrinça dos eleitores correspondentes á nova circumscripção, em relação á parte annexada, na conformidade da lei; o recenseamento dos professores e dos medicos fazia-se na conformidade da lei; só se não podiam apurar os cento e sessenta maiores contribuintes para elegerem as commissões de fazenda e de beneficencia da camara municipal.
Mas esta ultima parte não se executava, porque os governos têem obrigação de executar as leis, mas só o que é exequivel, e quando s. exa. viesse aqui dizer que não executára, porque era inexequivel, ninguem o podia condemnar por isso. Mas, em vez de proceder d'este modo, o que seria um procedimento legitimo, correcto e de observador da lei, procedeu de modo differente.
S. exa. diz-nos constantemente que quer a descentralisação e não quer a interferencia do governo. Também eu não a quero, mas não a posso evitar, porque é o governo que vae bater a todas as portas para influir por todos os modos; e apesar disso não consegue tudo. Ainda bem.
Eu não sou menos partidario da descentralização do que s. exa.; o que quero é que ella seja effectiva, e que as corporações, os tribunaes tenham força bastante para resistir aos actos de prepotencia do poder.
Diz s. exa.: «appellem para os tribunaes». Oh sr. presidente, appello, mas na minha appellação vae tambem o meu juizo ácerca do que é a independencia d'elles. O que importa appellar para os tribunaes? S. exa. não sabe que ha tribunaes, assim como ha juizes, que não têem independencia?
Em muitas epochas, e em muitas sociedades o proprio poder judicial não foi capaz de se manter na altura em que se devia conservar. De sobejo o devem saber. Se eu appellando primeiro, segunda e terceira vez para os tribunaes, vejo que a justiça me é negada; o que significa appellar para os tribunaes?
Diz-nos s. exa. appellemos para os tribunaes. Quaes são os tribunaes? Nalguns casos é o do contencioso administrativo. Este tribunal é uma instituição contra a qual se