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N.° 18

SESSÃO DE 22 DE JULHO DE 1897

Presidencia do exmo. sr. Eduardo José Coelho

Secretarios - os exmos. srs.

Joaquim Paes de Abroches
Frederico Alexandrino Garcia Ramires

SUMMARIO

Approvada a acta dá-se conhecimento á camará de cinco officios, acompanhando documentos e prestando informações, e tem segunda leitura um projecto de lei assignado pelos srs. José Frederico Laranjo e Franco Castello Branco. Informação do sr. presidente, em referencia a uma renovação de iniciativa do sr. Marianno de Carvalho, que concorda em que afio tenha segunda leitura.- Lido o acordão do tribunal de verificação de poderes, sobre a eleição de um deputado pelo circulo da Lousa (n.º 41), é proclamado o deputado eleito-o sr. presidente do conselho, depois de uma explicação dada pelo sr. presidente, usa da palavra para responder sobre o aviso do sr. (campos Henriques.- Apresenta um projecto de lei, revogando alguns artigos da lei eleitoral, o sr. José de Alpoim.- O sr. Luís Osório interroga, sobre os pontos indicados no sen aviso prévio, o sr. presidente do conselho, que lhe responde em seguida.- O sr. franco Castello Branco refere-se á transferencia de alguns funccionarios. Responde-lhe o sr. ministro das obras publicas. Por deliberação da cornara usa segunda vez da palavra sobre o mesmo assumpto o sr. Franco Castello Branco.- Mandam para a mesa avisos previos os srs. Dantas Baracho, Adriano Anthero e Malheiro Reymão; um requerimento o sr. Dias Costa; e um projecto de lei o sr. Correía de Barros.- O sr. presidente annuncia que vão passar-se a primeira porte, do ordem do dia, mas concede primeiró a palavra ao sr. Marianno de Carvalho, que a pediu para negocio urgente, e que, usando d'ella, formula tres perguntas, a que respondem os srs. ministro da fazendo, marinha e reino.- Por concessão da camará usa do palavra o sr. Franco Castello Branco sobro uma referencia feita pelo sr. presidente do conselho.- o sr. Barbosa de Magalhães manda para a mesa um parecer e uma participação, e o sr. Frederico Ramires um parecer.

Ma primeira porto da ordem ao dia continua em discussão o projecto de lei n.ºll, relativo ao" professores militares da escota naval, impugnando o sr. Marianno do Carvalho o additamento proposto pelo sr. Dias Costa, que lhe respondo em seguida. Approva-se o projecto com o additamento, depois de algumas explicações do sr. Marianno. - Apresentam propostas de lei os srs. ministros, da marinha e obras publicas.

Na segunda parte da ordem do dia entra em discussão o projecto do lei n." 12 (contingente de recrutas). Tomam parte no debate os Sra. Dantas Baracho, presidente do conselho, Avellar Machado e ministro da guerra, sendo por último approvado o projecto.

Abertura da sessão - Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada, 58 srs. deputados. São o" seguintes: - Adriano Anthero de Sousa Finto, Alfredo Carlos Le-Cocq, António, Carneiro de Oliveira Pacheco, António Maria, Dias Pereira Chaves Mazziotti, António Tavares Festas, Antonio Teixeira de Sousa, Arthur Alberto de Campos Henriques, Augusto César Claro da Ricca Carlos Augusto Ferreira/ Carlos José de Oliveira, Conde do Burnay,' Conde de Paçô Vieira, Eduardo José Coelho, Eusebio David Nunes da Silva, Francisco António da Veiga Beirão, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Furtado de Mello, Francisco Limpo de'Lacerda Ravasco, Francisco Silveira Viana, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Frederico Alexandrino Garcia Ramimires Frederico Ressano Garcia, Henrique Carlos de Carvalho Kendàll, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Jeronymo Barbosa de Abreu Lima Vieira, Jeronymo Barbosa Pereira Cabral Abreu e Lima, João Antonio de Sepulveda, João Catanho de Menezes, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João de Mello Pereira Sampaio, João Monteiro Vieira de Castro, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca, Joaquim Heliodoro Veiga, Joaquim José Pimenta Tello, Joaquim Paes de Abranches, Joaquim Saraiva de Oliveira Baptista, Joaquim Simões Ferreira, José Adolpho de Mello e Sousa, José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José Augusto Correia de Barros, José Bento Ferreira de Almeida, José Dias, Ferreira, José Eduardo Simões Bailo, José Frederico Laranjo, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim da Silva Amado, José Malheiro Reymão, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria Barbosa de Magalhães, José Maria Pereira de Lima, Luiz Fischer Berquó Poças Falcão, Luiz José Dias, Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro, Manuel António Moreira Júnior, Manuel Pinto de Almeida, Martinho Augusto da Cruz Tenreiro, Sebastião de Sonsa Dantas Baracho e Visconde de Silves.

Entraram durante a sessão os srs.: - Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Álvaro de Castellões, Antonio de Máximo Lopes de Carvalho, Antonio de Menezes e Vasconcellos, Augusto José da Cunha, Bernardo Homem Machado, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Jacinto Candido da Silva, Jacinto Simões Ferreira da Cunha, João Joaquim Izidro dos Reis, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José da Cruz Caldeira, José Estevão de Moraes Sarmento, Leopoldo José de Oliveira Mourão, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayola, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Telles de Vasconcellos, Marianno Cyrillo de Carvalho, Sertorio do Monte Pereira, Visconde de Melicio o Visconde da Ribeira Brava.

Não compareceram á sessão os srs.; Albano de Mello Ribeiro Pinto, António Simões dos Reis, Conde do Alto Mearim, Conde de Idanha a Nova, Francisco de Almeida e Brito, Francisco Barbosa do Couto Cunha Sotto Maior, Francisco de Castro Mattoso da Silva Corte Real, Francisco Pessanhà Vilhegas do Casal, João Abel da Silva Fonseca, João Pinto Rodrigues dos Santos, José Benedicto de Almeida Pessanha, José Gil de Borja Macedo e Menezes (D.), José Gregorio de Figueiredo e Libanio Antonio Fialho Gomes.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do tribunal de verificação de poderes, remettendo o processo eleitoral do circulo n.° 41 (Louzã).

PARA A SECRETARIA.

Do ministério da fazenda, remettendo, em requerimento do sr. deputado José Malheiro Reymão, tres relações que dizem respeito a pessoal da fiscalisação do imposto do sêllo.

Para a secretaria.

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328 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Do ministerio da justiça, participando, em satisfação ao requerimento do sr. Luciano Monteiro, que não existem n'este ministerio as notas de distribuição de feitos na relação doa Açores em cada um dos annos de 1893, 1894, 1895 e 1896, o que n'esta data são taes notas exigidas.

Para a secretaria.

Do ministerio das obras publicas, participando que, tendo sido feita pela direcção geral da thesouraria do ministerio da fazenda a expedição doa bilhetes do thesouro para pagamento aos fornecedores o empreiteiros do obras publicas, só essa direcção geral póde informar sobre o assumpto do officio d'esta camara n.° 86, de 2 do corrente.

Para a secretaria.

Da junta do credito publico, remettendo cem exemplares do relatorio e contas da gerencia do anno de 1895-1896.

Para a secretaria,

Segundas leituras

Projecto de 131

As leis sobre o imposto do sêllo, do 21 de julho e 4 de maio de 1896, com o intento aliás louvavel de beneficiarem o thesouro, exageraram e mesmo imposto em algumas das suas verbas, que algumas vezes a elevação da taxa, em vez do fazer augmentar a receita, como se esperava, produz uma diminuição d'ella e outras, quando isto não acontece, o lucro que o thesouro aufere de taes exagerações não compensa o custo o as dificuldades da cobrança, os vexamos a que obriga os contribuintes o a desorganisação e a paralisação do muitos actos o serviço que o proprio interesse do estado exige que se facilitem e não que se difficultem.

Emquanto o governo não propõe á camara a remodelação geral d'estas leis em termos mais claros e mais equitativos é necessario considerar quanto possivel os interesses e necessidades do fisco com os interesses e necessidades doe cidadão nas suas relações entre si e com a auctoridade publica,. IIa algumas partes da lei em que os exageros são tão que inquietavam as povoações, principalmente as mais pobres, o obrigavam os parochos, em quotidiano contacto com as classes mais desfavorecidas, a reclamarem, os prelados diocesanos a fazerem o mesmo reforçando-lhes as representações, e tão justos eram estes pedidos e tão secundados foram pela imprensa e pela opinião publica principalmente no que dizia respeito a baptismo e de casamento que o governo de então teve que dar explicados em circulares, abrandando as disposições da lei por meio de interpretações, e disso na camara dos dignos pares a alguns prelados que opportunamente proporia ao poder legislativo as emendas que se julgassem necessarias e convenientes nas mencionadas leis.

São algumas d'essas emendas instantemente necessarias que ouso propor-vos, porque demoral-as seria continuar a aggravar os povos, sem vantagem, se não algumas vezes com prejuizo para a causa publica e para o thesouro, porque sendo voluntaria a, pratica de muitos actos que a lei sujeita a um sêllo exagerado, deixam elles do ser praticados e a taxa, que, só fosse moderada, daria uma receita importante, exagerada, não produz cousa alguma.

Assim, para exemplificar isto, o sêllo estabelecido de 50$000 réis para casamento e baptisados em capella particular, e de 25$000 réis em capella publica, nada aproveita ao estado, porque pelo exagero da taxa deixaram de se pedir taes licenças, especialmente nas provincias, o que não acontecerá se este sêllo for, como agora se propõe, de 20$000 réis na primeira hypothese, e de 9$000 réis na sagrada .Se o estado que pretendeu com as taxas de 50$000 réis a 25$000 réis foi obrigar a que se não fizessem casamento ou baptisados em capellas, conseguiu os seus fins; mas se o fim a que visava não era este, mas
um augmento de receita, a taxa exagerada foi contraproducente, o para que essa verba da lei do sêllo lhe renda alguma cousa, é necessario modifical-a como propomos, ou abaixo do que propomos.

Outro exemplo d'isto é o que acontece com o sêllo de 70$5000 réis para a dispensa do proclamas, e com o de l$000 réis na licença para festividade religiosa, porque no primeiro caso, para se não pagar tal imposto, começa, mesmo nas classes mais ricas, a ser moda e bom tom a proclamação dos nubentes antes do casamento, ao contrario do que até então acontecia, e porque no segundo ou não se fazem as festas religiosas, principalmente as pequenas de irmandades pobres, o que offende as crenças do povo e o desgosta, ou se substituem por qualquer fórma as licenças passadas pelas camaras ecclesiasticas sujeitas ao sêllo, e d'este modo o estado não só perde actualmente as quantias que lhe renderiam estes recibos e que seria importante, se a taxa fosse modica, mas o que é mais, arrisca-se a perdel-a para o futuro, ainda depois de estabelecida essa modicidade, por se irem os povos habituando a prescindir do taes serviços e a não pagarem taes despegas, o que é mais um motivo para não se demorar a modificação d'essas taxas.

Mais grave, porém, é o que succede com ao taxas do sêllo nos assentos de casamento e de baptismo, geralmente condemnadas e censuradas desde logo; essas irritam as classes pobres, difficultam os casamentos, que ás vezes se podem trocar por outras relações menos regulares, levam á procrastinação dos baptismos e dos respectivos registos, tornam asperas as relações entre os parochos e muitos dos seus freguezes, pois que a rudeza de muitos lhes attribuem o augmento do imposto, lesa-os na sua congrua, perturba-os no exercicio de sua missão e vexa as classes monos abastadas na pratica livre e espontanea das suas crenças, nos actos mais indispensaveis da sua vida religiosa, deixando mais aborto e mais facil o caminho para a propaganda ant-religiosa e anti-social.

Reduzindo, pois, o sêllo em cada um d'aquelles assentos ao anterior de 100 réis com as isenções que vereis, é provavel que entes males cessem ou diminuam, e se o governo temer que de aqui lhe provenha uma diminuição de receita, poderia talvez, admittindo esta taxa do sêllo, como a ordinaria, acrescentar outra supplementar para os assentos do casamento e de baptismo de individuos e de filhos de familias que pagassem acima de uma determinada quantia de impostos por qualquer das contribuições directas; o que está como está, e que não póde continuar.

Consideranao pois tudo isto, o que não podo haver inconveniente em estabelecer já devidamente estas emendas e modificações, inserindo-as depois na revista geral da lei do sêllo, temos a honra de vos propor o seguinte:

Artigo 1.° Continuam subsistindo e em vigor as disposições das leis de 21 de julho de 1893 e de 4 do maio de 1896, menos na parte aqui declarada.

Art. 2.° Na tabella 1.ª, classe 7.ª, secção 2.ª, da lei de 21 de julho de 1893, que se inscreve: "Bullas, dispensas o outros diplomas ecclesiasticos sujeitos a sêllo de verba depois de escriptos", são eliminados os n.ºs 62, 63, 64, 65, 66, 67, 68 e 69, e substituidos pelo seguinte:

Bulla para oratorio........................ 100$000

(Para capellas não são precisas bullas nem breves, o estes numeros partindo do erro, em contrario estabeleceram taxas para casos que nunca se davam.)

N.° 85 - Breve do illegitimidade a beneficio... 200$000

SECÇÃO 2.ª

Outros diplomas ecclesiasticos sujeitos a sêllo de verba depois de escriptos ou do de estampilha:

Despeza de um pregão................ 2$000

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Despesa de dois ..................... 3$000

Despeza de tres...................... 5$000

Licença para casamento com fiança a banhos.. 5$000

Licença para casamento ou baptisado em capella particular, embora tenha porta para a rua... 20$000

Licença para capella publica ou para outra igreja que não seja a parochial................. 9$000

Licença para confessar.................... $200

Licença, sendo por mais de um anno........ $500

Licença para celebrar, confessar e pregar, ou Sómente Para prégar...................... $500

Carta de encommendado ou coadjutor......... $300

Carta de sacristão......................... $200

Licenças para festividade religiosa em igreja parochial ou fóra d'ella, procissão ou cyrio.. $200

Quaesquer diplomas expedidos pelas camaras ou auctoridades ecclesiasticas que não estiverem especialmente comprehendidos n'esta classe ou nas outras d'esta tabella................. $500

lasse 13.a

Assento de casamento, nascimento ou de baptismo, nos livros do registo parochial ou civil $100

Perfilhação feita por um ou ambos os paes em escriptura testamento publico ou auto publico, cada perfilhado...................... $500

Perfilhação feita por um ou ambos os paes, no assento do baptismo ou nascimento, cada perfilhado................................$100

Classe 14.ª

Alvará ou auctorisação escripta de paes, mães, tutores ou conselho de familia, para casamento de menores ..................... ....... 1$500

TABELLA N.º 4

Isenção do imposto de sêllo

Os assentos de registo parochial ou civil com declarações ou não de perfilhação, de pobres miseraveis, de creação de servir, e de operarios que vivam unicamente do seu jornal diario, não excedendo este 400 réis, devendo quem lavrar o assento declarar á margem o motivo por que não leva sêllo. •

Alvará ou auctorisação escripta para casamento de contrahente nas circunstancias antecedentes.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 20 de julho de 1897. = Os deputados, José Frederico Laranjos = João franco Castello Branco.

Foi admittido e enviado á commissão do fazenda.

O sr. Presidente:- está sobre a mesa uma proposta para renovação de iniciativa, que foi apresentada na sessão anterior pelo sr. deputado Marianno de Carvalho.
Consta-me, porém, que o projecto de lei n.º65 a que ella se refere e que foi da iniciativa do sr. Luiz José Dias, já esta convertido na lei de 14 de agosto de 1889. Enquanto, portanto, que a renovação não deve ter segunda leitura.

O sr. Marianno de Carvalho:- Sr. Presidente, devo declarar a v exa. que, se apresentai a renovação de iniciativa d'esse projecto, foi a pedido dos interessados; mas é muito natural que eles se dediquem mais a musica do conservatorio do que a leitura do diario do governo, e que por isso ignorem que a sua pretenção já foi satisfeita.

Sr. Presidente:- Vae ler-se o accordão do tribunal de verificação de poderes, a
Que se refere o officio que ha pouco foi lido.

Leu-se o seguinte:

Accordão

Na assembléa privativa de Ermida (Louzã), repetiram-se s actos eleitoraes em cumprimento do accordão fl. 17 e eram immediatamente remettidos a este tribunal as actas de constituição da mesa e da eleição e papeis concernentes, que estão desde fl. 24.

Reconhecida a authenticidade d'estas pela confrontação dos dizeres, assignaturas e rubricas, verifica-se que na assembléa do dia 4 do corrente concorreram 414 votantes, incluidos o presidente da assembléa e auctoridade administrativa.

Conferindo com as descargas nos cadernos em numero de 412.

E que foram votados:

Julio Ernesto de Lima Duque, com......... 218 votos

Adolpho Alves de Oliveira Guimarães...... 196 "

Sommados com os das mais assembléas que constituem circulo, resulta que em todo elle obtiveram:

Adolpho Alves de Oliveira Guimarães...... 2:417 votos
Julio Ernesto de Lima Duque.............. 2:346 "

Alcançando aquelle a maioria de 71 votos.

E considerando que esta eleição, feita no tempo o logar designado, correu em tudo regularmente e contra se não protestou.

Vistos os artigos 87.° 89.° e 94.° da lei de 21 de maio lê 1896, julgam valida a eleição, que teve logar em 2 de maio e completou em 4 de julho, do cidadão referido Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, por ser o mais votado no circulo n.° 41 (Louzã), em substituição do diploma entregue-se-lhe copia d'este acoordão.

Lisboa, 20 de julho de 1897.= Firmino J. Lopes = A. de Sá Freire Pimentel = J. Pereira Pimentel = C. Solla.

O sr. Presidente: - Proclamo deputado da nação portugueza o sr. Adolpho Alves de Oliveira Guimarães.

Participo á camara que me foi entregue, pela academia instrução popular, uma representação para que a camara tome em consideração o que n'ella se expõe, em referencia ao methodo da Cartilha maternal, de João de Deus.

Os signatarios desejam tambem que seja auctorisada a sua publicação no Diario do governo; consulto, por isso, a camara sobre este pedido, caso a representação esteja redigida em termos convenientes.

Foi permittida a publicação.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (José Luciano de Castro): - Sr. presidente, quando na ultima sessão d'esta camara pedi a palavra para responder ao sr. conselheiro Campos Henriques, v. exa. declarou que eu não podia fazer uso da palavra, porque tinhamos de entrar na ordem do dia. Sujeitei-me á deliberação de v. exa., como não podia deixar de sujeitar-me; mas, como desejo dar algumas explicações em referencia ás accusações que me fez o sr. Campos Henriques, pergunto a v. exa. se antes da ordem do dia posso dar muito summaria e rapidamente essas explicações.

Se o posso fazer, usarei da palavra, afiançando a v. exa. e á camara que não abusarei da sua paciencia, porque a minha resposta, como já disse, será muito simples, summaria e rapida. Do contrario, não podendo eu usar agora da palavra para esse fim, antes de entrarmos na ordem do dia, como tambem o não posso fazer na ordem do dia, ficarei privado do direito de responder ao sr. conselheiro Campos Henriques.

O sr. Presidente: - Devo dizer a v. exa. que eu não fiz mais do que observar o regimento, interpretando-o pela maneira como já tive occasião de expor á camara.

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330 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O regimento impõe-me preceitos que não posso alterar, e um d'elles é o de entrar precisamente á nora marcada na ordem do dia.

Bem sei que o rigoroso cumprimento d'este preceito traz na pratica alguns inconvenientes, como já succedeu na sessão de 12 do corrente, quando o sr. ministro dos negocios estrangeiros, na occasião em que fazia uso da palavra, respondendo a umas perguntas que lhe haviam sido feitas pelo sr. deputado Marianno do Carvalho, eu tive, era observancia do artigo 50.° do regimento, do observar a s. exa. que não podia continuar, por ter chegado a hora de entrarmos na ordem do dia.

Alguns srs. deputados indicaram-me, com vozes do - falle, falle - que o mesmo ministro podia continuar no uso da palavra; mas eu não podia assumir a responsabilidade de conceder a palavra, em contravenção do regimento, por simples indicações d'aquella natureza, que não exprimem o parecer da maioria da camara.

Portanto, quando se derem casos analogos, e para que não só supponha que eu pretendo assumir attribuições auctoritarias, quando a minha idéa fixa é simplesmente respeitar as indicações da camara e inspirar-me n'ellas, provocarei uma votação da assembléa para orientar o meu procedimento. (Apoiados.)

Reconhecerá, portanto, o nobre presidente do conselho, que eu não podia proceder do outra maneira, em relação a s. exa., quando desejou responder ás interrogações do sr. Campos Henriques.

A minha norma do proceder foi a mesma que tive em relação ao sr. ministro dos estrangeiros.

Hoje, porém, está s. exa. no direito de usar da palavra, como representante do governo, para responder ao illustre deputado que o interrogou; mas antes d'isso, se o sr. presidente do conselho me permitte, eu vou fazer introduzir na sala, para prestarem juramento, os illustres deputados os srs. Manuel Affonso Espregueira o Alexandre Ferreira Paes do Amaral que, segundo me consta, se acham nos corredores da camara.

Convido para esse fim os srs. deputados Carlos José de Oliveira e Vieira de Castro.

Foram introduzidos prestaram juramento e tomaram assento.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (José Luciano do Castro): - Não tive, por fórma alguma o pensamento do censurar a v. exa. pelo seu modo do proceder.

O que desejei saber unicamente era se eu podia usar da palavra n'esta occasião para responder ao sr. Campos Henriques, visto não me ter sido permittido fazel-o na sessão anterior.

Em poucas palavras responderei ás affirmações que me dirigiu s. exa. a proposito do procedimento que adoptei, em relação á mesa da irmandade da ordem terceira de S. Francisco da cidade do Porto.

E para que a camara fique habilitada a ajuizar do meu procedimento, começo por dizer a v. exa. que este processo teve origem n'uma representação que foi apresentada ao sr. governador civil do Porto, por parto de varios irmãos d'esta irmandade, adeusando a referida mesa do varios abusos e irregularidades, que se tinham dado na administração d'aquella irmandade e pedindo ao sr. governador civil que, no uso das suas attribuições, mandasse proceder a uniu syndicancia.

Esta auctoridade assim procedeu e o resultado da syndicancia foi remettido para o ministerio do reino com o respectivo processo, acompanhado de um relatorio do administrador syndicante, que tenho aqui presente e póde ser examinado pelos srs. deputados. E d'esse relatorio e processo resulta reconhecer-se que houve varias irregularidades e algumas d'ellas de certa importancia.

Ora, o sr. governador civil do Porto não pediu auctorisação para dissolver a mesa syndicada, porque esta já estava substituida. O officio d'aquella auctoridade é de 18 de junho, e a mesa havia terminado as suas funcções em 13 d'esse mez.

Foi por isto que o sr. governador civil se limitou a dar conhecimento ao ministerio do reino da syndicancia e dos abusos praticados pela mesa da irmandade, mencionando faltas, irregularidades e desvio de fundos, que só tinham dado na sua administração. Não leio essas informações por completo para não cansar a attenção da camara, mau não quero deixar do ler a conclusão do parecer da repartição, que examinou todo o processo.

Diz assim:

Muito do proposito a repartição deixou para ultimo logar o artigo da accusação, que o syndicante considera bem constatado e pelo qual se conclue que o reverendo Arthur Eduardo de Almeida Brandão, e que era ministro da ordem, comprando por 200$000 réis o terreno para um jazigo no cemiterio da ordem, occupou terreno que tom o valor de 740$000 réis, dando por esta fórma um prejuizo de 540$5000 réis, ou talvez 570$0000 réis, se o calculo for feito por outra fórma mais em harmonia com a rigorosa medição do jazigo e preço estabelecido nos regulamentos doa ministerios.

"Ainda mesmo que o referido ministro occupasse precisamente o terreno que contratou, verificava-se que cada metro quadrado era cedido por preço inferior a 9$000 réis quando a ordem o não póde adquirir por menos de 10$000 réis cada metro, incluindo o espaço que tem do ser occupado com ruas e que não produz receita de qualquer especie para a ordem..."

Como a camara vê, ha aqui uma referencia a um terreno occupado por um jazigo, o essa referencia carece de explicação, para que a camara possa apreciar esta parte da exposição, e por isso leio muito do proposito este ponto.

"É portanto a repartição de parecer, que se deve ordenar ao governador civil do Porto que faça intimar a mesa syndicada para entrar no cofre da veneravel ordem terceira da referida cidade com o maximo da multa estabelecida na lei, e bem assim com as quantias provenientes da differença entre o preço do terreno occupado pelo jazigo e o que entrou em cofre, e das joias do entrada que deviam pagar os irmãos d'ella dispensados; e não se promptificando a mesa ao pagamento da multa e indemnisação, dar parte á auctoridade judicial competente, para no processo que instaurar, se liquidar a multa e indemnisação e obrigar coercitivamente a indicada mesa ao pagamento."

Ora, examinando eu o processo, pareceu-me justa a doutrina do parecer da repartição, e em consequencia fiz expedir ao governador civil do Porto o orneio que foi objecto dos accusações que me dirigiu o sr. Campos Henriques.

Este officio não é muito extenso e por isso vou lel-o á camara para que possa ajuizar bom das accusações que me fez o sr. Campos Henriques.

Este officio diz o seguinte:

Illmo. e exmo. sr. - Com referencia ao assumpto do officio d'esse governo civil, sob n.° 147, em data de 18 do corrente, e que era acompanhado pelo processo de syndicancia a que se procedeu contra a mesa administrativa da veneravel ordem terceira de s. Francisco d'essa cidade, cumpre-me dizer a v. exa. que o exmo. ministro do reino, por despacho de 26 do corrente, ordenou que v. exa. faça intimar a mesa referida para pagar o maximo da multa estabelecida no artigo 409.° do codigo administrativo, por isso que se provou com audiencia que ella, em bastantes actos e deliberações, violou a terminante disposição das leis.

" Demonstrando-se igualmente pela syndicancia que a mesma mesa administrativa prejudicou o cofre da corpo-

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ração com o contrato da venda de terreno no cemiterio da ordem para um jazigo do reverendo Arthur Eduardo de Almeida Brandão, cedendo por 200$000 réis terreno que deve produzir 740$000 réis, deve a intimação comprehender a obrigação de indemnisar aquelle cofre com á differença entre o preço do terreno occupado e a quantia recebida, sendo essa differença na somma de 540$000 réis.

«Ainda a syndicada mesa deliberou a admissão de irmãos, que isentou do pagamento do quantias que os estatutos mandavam fossem satisfeitas pela entrada na ordem, o que bastante prejudicou as respectivas receitas, e por isso deve a intimação igualmente comprehender a ordem para entrar no cofre competente com as quantias que os irmãos isentos teriam a pagar se não fosse a isenção.

«No mandado de intimação deve estabelecer-se um praso rasoavel para seu cumprimento e para satisfazer á intimação; e se este decorrer sem a mesa intimada pagar a multa e indenmisação, ou deixar de satisfazer qualquer d'ellas, ordenou o mesmo exmo. ministro que, sem demora, se communicasse tal procedimento ao competente districto criminal para os enfeites legaes, por intervenção do respectivo agente do ministerio publico.

«Em 30 de junho, ao governador civil do Porto.»

Aqui tem s. exa. o que se continha no tal officio.

Eu não appliquei pena alguma á mesa da irmandade; não ordenei que o reverendo Arthur Brandão pagasse qualquer indemnisação, em vista dos abuso praticados. Limitei-me a mandar ordem ao governador civil para intimar a mesa a pagar o maximo da multa estabelecida no artigo 409.º do codigo administrativo, indemnisando a irmandade do prejuizo que tinha soffrido, em virtude da cedencia do terreno.

S. exa. accusa-me de ter invadido attribuições do poder judicial. Confesso que fiquei assombrado com esta affirmativa do illustre deputado.

Eu não fiz mais do que intimar a mesa da irmandade da ordem terceira de S. Francisco a entrar com a multa correspondente e com a indemnisação respectiva. Nada mais fiz. Se ella não quizesse pagar, se não acceitasse por bem este acto de boa administração, o aviso administrativo, ou mandaria fazer a participação competente ao respectivo agente do ministerio publico, e era este, portanto, quem procederia á acção da reparação dos abusos praticados. Nada mais.

Como é que o sr. Campos Henriques, que é um juiz distincto, perante o officio que tinha na sua presença, e pelo qual não se mandava mais do que fazer um simples aviso administrativo me accusa de obrigar aquella corporação a reparar o damno que tinha feito, vendo n'isto um ataque ás attribuições do poder judicial?

Eu nada mais fiz, repito, do que mandar um simples aviso administrativo - se assim lhe quizerem chamar - para que a meda da irmandade reparasse o damno que tinha feito, e o sr. Campos Henriques sabe perfeitamente qual o valor de uma intimação administrativa dirigida pelo governador civil, em carta particular, á mesa de uma irmandade, para que ella entre voluntariamente com a importancia da multa em que havia incorrido, reparando o damno que tinha feito.

Foi só isto o que se fez. Convidei a pagar voluntariamente, se voluntariamente quizesse pagar.

Se não quizesse pagar, então mandaria ordem para que se instaurasse o processo competente, applicando-se as multas respectivas. Nada mais.

Mas notou o sr. Campos Henriques que eu logo tivesse imposto o maximo da multa.

Se s. exa. tivesse lido o artigo 412.º do codigo administrativo, reconheceria desde logo que eu não podia fazer outra cousa.

Vou ler o artigo a que me refiro;

«Artigo 412.° As multas mencionadas n'este titulo podem ser pagas voluntariamente, e, n'este caso, serão cobradas pelo maximo estabelecido. Havendo reincidencia serão pagas em dobro.»

Como se vê, ou não podia obrigar os individuos, que tinham lesado uma corporação pela sua má administração, senão pelo maximo da multa.

Nem o minimo, nem qualquer outra quantia, eu podia fixar. Essa attribuição só pertence aos tribunaes; só elles o podiam fazer.

Se eu fixasse a multa, praticaria um acto de julgador, e, portanto, contrario ao pensamento do artigo 412.° do administrativo. (Apoiados.)

Fiz unicamente o que podia fazer, que era a intimação administrativa para que os interessados pagassem voluntariamente; e desde que houvesse recusa, tinha então de intervir o poder judicial.

Disse mais o illustre deputado, que o ministerio do reino até exigiu indemnisação por uma diferença que se dava no valor do terreno do jazigo!

Mas quem diz o contrario ao sr. Campos Henriques?

No aviso que fiz, a intimação era tanto para o pagamento da multa, como para o da indemnisação, e no caso da parte intimada não querer pagar, seria isso communicado ao ministerio publico para proceder.

Mas, quer v. exa. saber a rasão que houve para-a applicação da malta fixada no maximo?

O artigo 409.° diz o seguinte:

«Artigo 409.° Os corpos gerentes e corporações administrativas e todos os magistrados e funccionarios administrativos incorrem na multa de 50$000 a 200$000 réis;

§ 1.º Por violação manifesta da lei em seus actos ou deliberações.

§ 2.° Por falta de cumprimento das ordens e decisões das auctoridades, corporações e tribunaes superiores.

§ 3.° Por qualquer evtravio ou dissipação dos dinheiros, titulos e valores da corporação ou por negligencia de que resulte prejuizo aos interesses e serviços que lhes estão commettidos.

§ 1.º ...

§ 2.° As multas serão pagas pelos vogaes que tiverem incorrido nas omissões, ou tomado parte noa actos ou deliberações illegaes não se declarando vencidos ou não protestando em acto continuo contra as mesmas omissões, actos ou deliberações.»

Vamos agora á questão da indemnisação pelo prejuizo referente ao terreno do jazigo. Tambem aqui está expresso; é no artigo 419.°, que diz:

«O ministerio publico junto dos tribunaes de justiça é tambem, competente para propor, como parte principal, as acções necessarias para fazer valer quaesquer direitos do districto, municipio, parochia ou de outras corporações administrativos, nos caspa em que todos, ou a maior parte dos vogaes em exercicio, devam ser demandados; para fazer entrar nos cofres das respectivas corporações as quantias em que os gerentes forem condemnados ou porque forem responsaveis; bem como para serem impostas as multas a que se referem os artigos 408.° e 409.º e o § unico do artigo 413.°»

Ora aqui tem v. exa., como o meu procedimento foi rigoroso e justo. (Apoiados.)

Em resumo, eu não fiz mais do que conformar-me com as informações e indicações da repartição respectiva; acceitei a syndicancia que foi remettida á respectiva repartição. Esta informou como entendeu; eu conformei-me e em harmonia com o meu despacho expedi um officio para que se mandasse fazer a intimação. Se a mesa julgar que não deve pagar, o processo é remettido ao ministerio pu-

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blico, e este intentará a acção criminal ou civil e a questão fica liquidada. (Apoiados.)

Quereria o illustre deputado que eu mettesse na gaveta o processo, depois de se terem denunciado abusos? Não havendo já o recurso da dissolução da mesa syndicada, porque ella já tinha concluido a sua gerencia, o que queria que eu fizesse? Podia on olvidar todos esses factos? Colloque-se o sr. deputado no meu logar e diga-me se teria precedido do outra maneira. (Vozes: - Muito bem.)

Mas, longe de me fazer justiça, s. exa. accusou-me de violar as garantias e as immunidades do poder judicial, e de atacar a carta constitucional!!

Quando o illustre deputado fallou na carta constitucional, eu não sei como esta palavra lhe não queimou os labios. (Apoiados.)

Na verdade, parece-me ser o illustre deputado quem tem menos auctoridade para fallar na carta constitucional (Apoiados.) a proposito da intimação administrativa á mesa da irmandade da ordem terceira de S. Francisco da cidade do Porto.

Saltar da ordem terceira de S. Francisco para a carta constitucional, on da carta para a ordem terceira de S. Francisco, não sei realmente o que parece.

Eu respeito o illustre deputado; sei que é um magistrado muito illustrado, mas eu estava aqui na minha cadeira, não direi maguado, mas admirado de ver como o faccionismo politico e a paixão partidaria póde perturbar as inteligencias mais claras e mais lucidas - e a mim proprio perguntava: como é possivel que um magistrado costumado a applicar rigorosamente os leis, deixe escurecer por tal fórma a natural clareza do seu espirito que até não duvida accusar-me de ter atacado a carta constitucional e violado as garantias e os immunidades do poder judicial, por mandar fazer uma intimação administrativa para que os mesarios, compromettidos n'uma syndicancia, restituam o que devem ao cofre da corporação que administraram e que paguem as contas que se liquidarem?

Como é que eu, por ter cumprido este dever de simples expediente administrativo, podia nunca pretender atacar a independencia do poder judicial ou, sequer, offender qualquer das disposições mais secundarias da carta oonstitucional?

E disse isto o illustre deputado que tem o seu nome vinculado a tão grave responsabilidade! (Apoiados.)

E é o sr. Campos Henriques que, deixe-me dizer-lhe sem a menor intensão offensiva, nunca respeitou a carta, emquanto esteve no poder, quem vem accusar-me de a ter violado por uma simples intimação administrativa, feita aos mesarios da irmandade da ordem terceira de S. Francisco da cidade do Porto?!

O sr. Luiz José Dias: - Era para fazer estylo.

O Orador: - Sr. presidente, tenho dado as explicações que me pareceu dever dar, por serem justas, ao illustre deputado na parte em que s. exa. só referiu ao meu procedimento, como ministro do reino, em relação ao assumpto de que tenho tratado.

Quanto ás outras considerares que s. exa. expoz á camara peço que me dispense de entrar na sua apreciação, limitando-mo simplesmente a dizer que me parece que a sua oratoria apaixonada foi bastante deslocada. Tratar da eleição de deputados a que lhe chamou eleição de cabradina, tratar do politica geral sobre diversos assumptos, de todos os maleficios com que temos assolado a nação n'estes cinco mezes de governo, tudo isto a proposito da intimação feito aos mesarios da ordem terceira para que entrassem com a multa legal e restituissem ao cofre d'aquella ordem o dinheiro que tinham deixado desviar, para mim é incomprehensivel. Não sei como podem caber tão largas e vastas considerações politicas, n'um assumpto de natureza tão comesinha, como é uma questão administrativa; mas já que s. exa. entendeu dever aproveitar esta occasião para considerações politicas, limito-me a pedir-lhe que na primeiro occasião que se lhe offereça, diga quaes foram as victimas da intolerancia cabralina do governo nas ultimas eleições, quaes os empregados demittidos, suspensos, transferidos, quaes as camaras municipaes disolvidas, quaes as violencias empregadas contra os funccionarios e corporações, emfim, que apresente o rol de todos as victimas.

Fique-se sabendo, porem, desde já, que as taes eleições cabralinas, deram em resultado que em 114 eleições, apenas 3 foram annulladas por completo, alem de duas assembléas parciaes, o que de 25 ou 20 deputados que a opposição tem aqui, apenas a 11 foram disputadas as eleições.

Limito a isto a minha singela resposta as considerações tão descabidas do illustre deputado, porque não quero entrar em discussões politicas; e se s. exa. não se deu por satisfeito com as minhas explicações, ácerca do procedimento havido para com a mesa da ordem terceira, em outra occasião as darei mais amplas.

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas do seu discurso.)

O sr. José de Alpoim: - Tenho a honra de mandar para a mesa um projecto de lei, assignado tambem pelos srs. Correia de Barros, Leopoldo Mourão, J. Simões Ferreira, Barbosa de Magalhães, Luiz José Dias e visconde da Ribeira Brava, revogando os artigos 6.°, 8.°, 9.°, 10.°, 11.º, e n.º 4.° do artigo 4.°, e os e os n.ºs 1.° 2.º, 3.º e 4.º e os §§ 1.º e 3.° do artigo 7.° da lei eleitoral de 21 de maio de 1896, sendo a revogação applicavel ás eleições suplementares já realisadas, e cujos processos estão ainda pendentes.

No relatorio que precede este projecto, e que não leio á camara para a não fatigar, vão largamente expostas as rasões que o justificam.

Reservo-me para na discussão, se á camara o admittir, expor as rasões que me levaram a apresental-o.

Ficou para segunda leitura.

O sr. Presidente: - Com a resposta do sr. ministro do reino ás perguntas que o sr. Campos Henriques lhe fez, considero realisado o seu aviso previo, e, por consequencia, segue-se na ordem da inscripção o sr. Luiz Osorio.

Tem s. exa. a palavra.

O sr. Luiz Osorio: - Sr. presidente, o assumpto a que vou referir-me diz respeito a uma representação, que a camara municipal de Penamacor dirigiu, pelas vias competentes, ao sr. ministro do reino.

Permitta-me v. exa. que eu comece por declarar que varro de mim a responsabilidade, afasto-a inteiramente, de vir para a camara tratar de interesses relativamente restrictos, muito importantes e capitães, é certo, para a terra a que dizem respeito, mas relativamente restrictos, para o bem geral, no momento em que o paiz atravessa uma situação essencialmente melindrosa. Mas em summa, vá a responsabilidade a quem competir; estou aqui tambem, para zelar os interesses da minha terra, da terra que a esta casa me mandou; e se o governo quer paz, ao governo compete manter as auctoridades na ordem, não consentindo que ellas exorbitem. (Apoiados.)

Desejo ainda, deixar aqui consignado, que ao sair hoje d'esta casa, conto ir fazer as minhas orações, em acção de graças ao Altissimo, por ter conseguido a final, que o sr. Luciano do Castro viesse a esta casa, ouvir as modestas observações, que faço, em nome do municipio da minha terra, dizer-me, a final, o que tenciona fazer para regular aquelle estado de cousas o pôr termo aos abusos da auctoridade administrativa, que vou referir.

Ha dez ou doze dias, que mandei para a mesa o meu aviso previo, e só hoje, post tot tantos que labores, é que me foi dado o reclamar providencias n'esta casa, ao sr. presidente do conselho. (Apoiados.)

No assumpto a que vou referir-me, não vejo individuos,

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não vejo homens; aqui, vejo o sr. ministro do reino; em Penamacôr vejo apenas as auctoridades administrativas.

Pessoalmente, considero o sr. ministro do reino tanto, quanto elle me considera a mim; e o mesmo digo dos meus dois patricios.

Não quero, todavia, ser acrimonioso; ao menos, por emquanto.

Vou approximar-me do assumpto; e consinta v. exa. que eu continue com o meu latim, já que com elle principiei.

Ex digito gigans! Pelo dedo se conhece o gigante!

São palavras da sabedoria dos antigos, pela boca dos latinos. Não sei bem se pronunciei em kikero. Em todo o caso, desde já declaro, qualquer que seja a minha velha amisade e o meu respeito pelos camaradas do meu tempo, já então estudantes notaveis e hoje, illustrados professores da universidade, eu não conto perder meia hora de somno, por não ter pronunciado bem, segundo a nova seita.

Pelo dedo se conhece, o gigante; e v. exa. vão ver, pelo tamanho do dedo, o respeitavel tamanho do gigante.

Trata-se do administrador substituto de Penamacor, ex-arrematante das carnes verdes, para o açougue d'aquella villa.

Póde-se ser ex, mas tanto, não! (Riso.)

A representação refere-se a ambos; e a respeito de ambos se pedem providencias ao sr, ministro do reino; mas agora está mais particularmente em foco o substituto, porque se encontra no exercicio do cargo.

Permitta-me, ainda v. exa. que eu exponha á camara, como é, que o administrador effectivo interpretava as suas obrigações e os deveres do seu cargo, na passada campanha eleitoral.

É um patricio meu, do qual não tenho, que eu saiba, o minimo motivo de queixa pessoal; mas, como auctoridade, exorbitou, constituindo-se em galopim facciosissimo, até onde podia exorbitar!

Cito um ou dois factos, para o definir.

Andava de terra em terra, por todas as freguesias do concelho e pela villa, de porta em porta, a toda a hora e sempre, pedindo votos, solicitando, instando, inclusive, ameaçando!!

Não quero dizer, que não descansasse uma ou outra vez; porque, em summa, Deus tambem descansou ao setimo; mas teve um pouco mais que fazer e tirou melhor resultado. (Riso.)

Nos ultimos dias era acompanhado de 20 homens armados de grandes paus; entrava, fazia a sua arenga, emquanto os homens permaneciam todos, á porta mudos e quedos.

A pequena distancia, distancia mais ou menos artistica, estavam os policias, que tinham vindo de Castello Branco, para se entregarem exclusivamente áquelle moralissimo e legalissimo mister: proteger a auctoridade que pedia votos.

Contou-me á mim uma mulher, amiga de minha familia, como já os paes o foram, que constando ao administrador do concelho que estava em sua casa um eleitor que era meu, e elle queria chamar para o seu gremio, foi bater á porta para que lh'o apresentasse. Ella disse-lhe que o não tinha lá.

Está, não está, e ao cabo de algum tempo o administrador retirou-se fazendo esta ameaça: «Deixe estar que m'as ha de pagar».

Ameaça identica, pelas mesmas palavras, que elle enviára; por um dos policias, ao vereador do pelouro do açougue, porque este não resignava as attribuições que lhe competiam; consta da acta de uma das sessões, e que não leio para não incommodar mais a camara.

Ora, se todos lhe pagarem, como me hão de pagar alguns a quem emprestei durante a campanha eleitoral, está bem servido. (Riso.)

Vê-se tambem que o administrador effectivo continuou sempre a exorbitar, como consta da copia da representação que tenho aqui. Se isto significa insufficiencia ou esturro politico, ou uma e outra cousa conjunctamente, não serei eu que o diga. O sr. ministro do reino e a camara que me ouvem formarão o seu juizo.

Como não quero ser-lhe pessoalmente desagradavel, e apenas collocar-me ao lado do direito, da justiça e dos interesses do municipio, que faz parte do circulo que tenho a honra de representar n'esta casa, abstenho-me n'este ponto de emittir opinião.

Vou ainda referir um pequeno facto, que mostra até onde foi a exaltação da campanha passada, facto muito ridiculo, mas que dá a nota.

Como toda a gente, eu tenho os meus vicios, ou antes os meus pequeninos defeitos, e de vee em quando gosto de mandar vir do açougue nos miolos, uma lingua, cousas que não fazem mal a ninguem e me fazem particularmente bem a mim.

Notei por muito tempo que nada d'isso me apparecia. Queixei-me ao creadi, e elle disse-me que lhe respondiam sempre que nunca mandariam miolos nem lingua ao deputado victorioso. (Riso.)

Lingua! Ainda miolos, considerei eu, podia ser uma attenção, uma gentileza para commigo. Naturalmente diziam: «O homem não os precisa, tem juizo sufficiente para amanhar lindamente a sua vida», como diria Camillo.

Mas, não me mandarem lingua! Como se eu podesse nunca ter lingua bastante para contar aqui todas as tropelias, todas as cousas verdadeiramente extraordinarias que se passaram na minha eleição! (Apoiados.)

Vou ler a representação, bordando-a, aqui e alem, de uns pequenos commentarios; vou fazel-os com a brevidade que posso, porque o tempo urge.

Leu.)

Comprehende v. exa. que se valeu da sua posição de administrador substituto para pedir uns documentos, que só como particular lhe poderiam servir, e para salvar interesses que estavam em manifesta opposição com os interesses do publico!

(Continuando a ler.)

(Parece que lhe correram mal os negocios como arrematante...»

Já v. exa. vê que o espirito incentivo d'este administrador, citando artigos do codigo que não existem, com um bocadinho de sensibilidade, dava um poeta; o sr. dr. Queiroz Ribeiro, que, me parece, vi ha pouco, ou o sr. Alvaro Caetellões, poderão dizer se n'elle haverá alguma pequena costella de poeta! (Riso.)

(Continuando a ler.)

(3.° Dirigindo a esta camara como administrador interino...»

Vê v. exa. que é puramente o caso da pescada, que antes de o ser já o era. Antes de vir no Diario a sua nomeação já era administrador substituto, e procedia como tal!

(Continuando a ler.)

Veja v. exa. até onde chega a responsabilidade de tudo isto que elle fez!

(Continuando a ler.)

5.º...

Levantou na camara uma questão irritante o fundou-se para isto no artigo 24.° do codigo administrativo.

Deu-me, a curiosidade de ler o artigo 24.° o vejo que n'elle não ha sombra de cousa que respeite a isso.

Diz o artigo 24.°:

«As sessões são publicas, mas a nenhum cidadão é permittido, sob qualquer pretexto, intrometter-se nos negocios que ali se tratarem...»

Quer dizer, elle confunde qualquer espectador, visto as sessões serem publicas, que intervem emittindo a sua opi-

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nião pró ou contra, perturbando assim a ordem das sessões, com o facultativo que foi chamado por deliberação unanime da camara para decidir sobre assumpto da sua competencia.

Não preciso fazer mais commentarios para a camara formar o seu inteiro juizo.

«Perturbada a boa ordem das discussões...»

Quer dizer, desde que a sua opinião é differente da dos vereadores, intima.
Isso, para elle, representa uma intimação.

Como esto caso é mais ou menos de opereta, quando li isto, lembrou-me uma, representada ha muito tempo na Trindade, em que um rei perguntára á sua côrte:

- Que horas são?

Respondia o valido:

- As que vossa magestade quizer. (Riso.)

Tinham opinião differente; era o bastante para declarar que prendia e autoava toda a gente; o que a final não fez, provocando assim a gargalhada do publico.

(Leu.)

Lembra-me aqui uma imagem que da idéa da bravata audaciosa com que o administrador ameaçou, n'aquella sessão da camara, prender e autuar tudo e todos e da resignação com que saiu da sala, depois da exautoração do publico que assistia, sem ter prendido nem autuado ninguem.

Todos temos visto á beiramar o espectaculo, sempre vivante, immensamente curioso das ondas, dos grandes vagalhões embravecidos. Vem rolando de longe, bramindo, uivando; o dorso enovelado e intumescido, a crista branca despedida nervosamente ás estrellas. E, ao chegar á praia, se encontra resistencia, castiga, n'uma chicotada formidavel, a bronca e negra e ousada penedia que lhe tomara o passo.
Mas, se o penhasco branco se faz substituir pela areia fina, macia e loura, - um leito manso de amor, - o vagalhão recua, como que envergonhado da sua colera, e, quando avança de novo, leva tambem o amor no coração e vae, já meio sommambulo, enebriado e murmuroso, carpir saudades, gemer plangencias, encher de beijos, espraiando-se o macio leito que se lhe depara.

Tal o fero, o furibundo administrador! (Riso.) Perante a attitude correcta de todos, em presença da auctoridade e até dos seus maiores desmandos e desvarios, o administrador sumiu-se, acossado pela gargalhada geral e não pensou mais em prender e em autuar ninguem.

São estes os grandes destinos dos homens, como das ondas! (Apoiados.)

Ora, sr. presidente, toda a medalha tem o seu reverso; e estamos, finalmente, chegados ao reverso da medalha.

V. exa. a camara e o sr. presidente do conselho acabam de ver até onde chegaram todos os desmandos, os maiores abusos da auctoridade, filhos conjunctamente da maior audacia e da maior inepcia: que são, regra geral, irmãs gemeas. (Apoiados.)

A anarchia, resultado e consequencia natural de uma lucta extraordinaria, como não na memoria nos annaes d'aquelle concelho, não pôde durar sempre. O brio das corporações, dos municipios e dos homens, não é, que eu saiba, privilegio exclusivo das cidades. Esta auctoridade não tem saber; esta auctiridade não tem experiencia; esta auctoridade não tem prestigio. Se alguma vez o tivesse tido, ter-lhe-ia desapparecido ás machadadas de ridiculo, que lhe vibraram, na sala das sessões da camara, as gargalhadas do publico, quando declarou que prendia toda a gente e não prendeu ninguem.

Nada tenho que acrescentar aos termos em que vem escripto o final da representação.

A camara municipal deseja proseguir desassombradamente nas suas sessões, que não só tem o direito, mas lhe cumpre realisar; e deseja que terminem de prompto estas questões, que são fonte de ridiculo para as sessões camararias e enxovalham o principio da auctoridade.

Portanto, eu peço apenas ao sr. ministro do reino, me diga o que tenciona fazer de pratico, prompto e immediato, e não qualquer mera formalidade que signifique poeira arremessada aos olhos, (Apoiado».) deixando tudo no mesmo estado; e isto para evitar que eu tenha de voltar ao assumpto com uma acrimonia que não desejo; sobretudo no momento em que o paiz inteiro tem os olhos cravados em questões bem mais serias, a que se prendem os seus maximos interesses, e em que o proprio coração já vae empenhado e sangrando. (Apoiados.)

Quanto a mim, não tenho duvida em declarar que me desvaneço de ter sido n'uma questão relativa á minha terra, aos seus interesses e ao brio da corporação que a representa, que eu tive a honra, pela primeira vez, de tomar a attenção da camara, durante alguns minutos, na presente sessão.

Foram tão graves os sacrificios de muitos que se não venderam, em meio de rios caudalosissimos de dinheiro, e n'um desolado anno de tanta fome; e, sobretudo, foram tão excepcionaes, tão fôra de todos os moldes as manifestações que me fizeram, tão do intimo e do coração, em seguida ás eleições, que ou aproveito o ensejo que se me offerece para deixar aqui gravado, bem nitidamente, todo o meu largo, todo o meu profundo reconhecimento.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (José Luciano de Castro): - Confesso que não me foi possivel perceber uma grande parte do discurso do illustre deputado porque, pela distancia a que estamos um do outro, as suas palavras não eram para mim comprehensiveis.

O que pude perceber é que s. exa. leu uma representação da camara municipal de Penamacor; que essa representação faz notar, perante a camara, a irregularidade de alguns actos praticados pelo administrador do concelho, que parece se acha em conflicto com a mesma camara municipal de Penamacor o a quem s. exa., por vezes, fazia commentarios acerbos, empregando uma rhetorica esplendida, propria do seu talento; mas o que me pareceu que s. exa. não fez, foi formular, por ultimo, uma pergunta concreta a respeito do que desejava saber de mim. E eu fiquei ignorando o que s. exa. desejava perguntar-me, porque já no aviso previo que me enviou, tinha-me annunciado o seu desejo nos seguintes termos:

«De harmonia com o regimento, desejo interrogar o sr. presidente do conselho e ministro do reino, ácerca do procedimento da auctoridade administrativa com a camara municipal de Penamacor.»

O sr. Luiz Osorio: - Peço desculpa de interromper s. exa.

Eu recebi a copia de uma representação que havia sido entregue ao governador civil, para ser enviada a v. exa. Se não o disse, foi por esquecimento. Como se trata de um assumpto capital, deixe-me s. exa. dizer-lhe ainda que posteriormente constou-me que o governador civil tinha officiado á camara dizendo que não tinha mandado a representação a v. exa. baseado no artigo 417.° do codigo administrativo, que por signal não tem relação alguma com isto.
N'estas circumstancias, a quem deveria a camara queixar-se d'aquellas arbitrariedades?

É possivel que se não tivesse mandado a representação, mas custa acreditar que se não tivesse participado extra-officialmente.

O Orador: - O proprio illustre deputado está confessando, pela declaração que acaba de fazer, que a representação não foi dirigida ao governo.

O sr. Luiz Osorio: - O que eu disse foi que a representação fôra recebida pelo governador civil; não disse,

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nem podia dizer com certeza, que elle a tenha remettido a v. exa.

O Orador: - Não admira, portanto, que eu não tenha conhecimento do facto. Nem podia tel-o, porque v. exa. não me avisou e ninguem m'o disse.

Como queria o illustre deputado que eu tivesse conhecimento de uma representação que foi enviada ao governador civil, mas que este não remetteu para o ministerio do reino, como o proprio illustre deputado declarou á camara?

O sr. Luiz Osorio: - Se v. exa. me garante que a não recebeu, eu calo-me; mas emquanto o nobre ministro o não disser, mantenho-me na convicção absoluta de que está ao facto de tudo; o se s. exa., até agora, não tomou providencias, pedia-lhe a fineza de as tomar..

O Orador: - Eu estou a informal-o do que sei officialmente.

Repito, eu não tive conhecimento da representação que v. exa. leu á camara, porque essa representação, como v. exa. viu e é confirmado pelo governador civil, não foi remettida ao ministerio do reino, e portanto não tendo tido conhecimento da recusa do governador civil, não podia estar informado do conteudo da mesma representação.

Interrupção no sr. Luiz Osorio.

Entretanto, vou dizer á camara o que fiz, quando recebi o aviso previo do sr. deputado Luiz Osorio.

A pergunta feita n'esse aviso, como a camara viu, era tão vaga, tão indeterminada, por tal fórma generica, que eu fiquei sem ter a certeza do assumpo especial sobre que s. exa. me queria interrogar. Fiquei por isso incerto sobre o que deveria fazer. Parecia que s. exa. queria sujeitar-me a um exame vago, com respeito ás relações entre o administrador do concelho de Penamacor e a camara municipal, e ou não estava realmente, muito habilitado a dar informações a v. exa. a esse respeito.

Achando-me, portanto, n'esta incerteza de espirito, cortado de duvidas, e depois de interrogar a direcção geral da administração publica, acabei por ordenar ao governador civil que me desse informações que me habilitassem a responder ao illustre deputado. Não tinha outro recurso. Queria ver se o governador civil me tirava das incertezas em que me tinha deixado o aviso previo do sr. Luiz Osorio; mas o governador civil não adiantou muito mais e respondeu-mo no officio que vou ler á camara.

É o seguinte:

«Illmo. e exmo. sr. - O desconhecimento das perguntas que o sr. deputado Luiz Osorio haja de dirigir ao sr. ministro do reino ácerca do procedimento da auctoridade administrativa no concelho de Penamacor com a respectiva camara municipal faz com que, eu só, vagamente possa prestar as informações que me são ordenadas no officio d'esse ministerio n.° 1:182 de 15 do actual mez. É certo que entre a cama e o administrador referidos se tem suscitado questões irritantes tendo por causa proxima a lucta eleitoral travada recentemente n'aquelle concelho....»

Creio que isto á verdade, porque as considerações que o illustre deputado fez sobre a lucta e eleitoral, parecem explicar os motivos da representação que foi feita contra o administrador do concelho. Não sou eu, que o digo. S. exa. fez tantas allusões á lucta eleitoral que me parece que a tal representação ha de ter origem nos acontecimentos eleitoraes. N'este ponto, portanto, parece que está de accordo com o governador civil.

Continuo lendo o officio.

«E tanto quanto posso avaliar pelas actas das sessões da camara e informação prestadas pelo administrador do concelho sobre os assumptos tratados nas mesmas sessões e fóra d'ellas só posso colligir que a camara tem procurado, impecer a acção da auctoridade administrativa recusando-se a satisfazer as suas exigencias legaes, querendo arrogar-se a superintendencia sobre os actos do administrador do conselho, tolhendo a este a fiscalisação que pelo codigo administrativo lhe compete sobre os actos da camara invertendo assim as competencias de cada um.
Reconheço a manifesta vantagem, que para o serviço publico advêem da harmonia entre os corpos e funccionarios administrativos; mas não é possivel deixar de convir no caso presente em que o administrador do concelho de Penamacor, tem sido constantemente provocado pela camara dando este procedimento, logar a irritantes polemicas que no fundo nada valera e que affectam mais o caracter pessoal do que questões de administração publica, parecendo-mo poder affirmar que ao administrador assiste maior rasão do que á camara, nos aggravos que mutuamente se attribuem e cuja resolução está affecta ao poder judicial, que sobre elle decidirá como for de justiça.

«Todas as deliberações da camara reconhecidas como illegaes ou contrarias á conveniencia publica, serão successivamente emendadas ou annulladas pelos meios legaes.

«Parece-me que por emquanto não vae a minha competencia alem d'estas providencias. Deu entrada n'este governo civil uma representação da camara, dirihida ao sr. ministro do reino contra os actos do administrador effectivo e substituto, do concelho de Penamacor a que não dei seguimento por entender que a isso se oppunha os preceitos do artigo 417.° do codigo administrativo e o annuario d'essa secretaria d'estado nos officios publicados a pag. 357 do volume 7.° e 522 do 8.°

«Nenhuma outra informação posso por emquanto prestar a v. exa. sem que tenha conhecimento dos pontos de accusação que o sobredito sr. deputado possa formular.

«Deus guarde a v. exa. Castello Branco, 21 de julho de 1897. - Illmo. e exmo. sr. conselheiro secretario geral do ministerio do reino. = O governador civil, Francisco de Albuquerque Mesquita e Castro.»

Aqui está a unica informação que posso dar ao illustre deputado.

Quanto aos casos particulares, ás diversas questões a que s. exa. se referiu, eu só posso dizer que nada sei.

Se s. exa. me tivesse feito aviso previo com perguntas precisas, ou me tivesse indicado o ponto ou pontos para que queria chamar a minha attenção, estaria habilitado a responder; assim, o que posso dizer a s. exa. é que se me entregar essa representação, que considerarei como uma nota dos factos a que s. exa. se referiu, mandarei pedir ao governador civil informações, e procederei depois como julgar conveniente. Nos termos vagos, porém, do seu aviso previo, eu não podia exigir outras informações do meu delegado.

(S. exa. não revê as notas tachygraphicas dos seus discursos.}

O sr. Presidente: - Faltam só dois minutos para se entrar na ordem do dia; julgo, por isso, que nenhum sr. deputado quererá usar agora da palavra.

O sr. Franco Castello Branco: - Se V. exa. me permitte, aproveitarei eu esses dois minutos, que são bastantes para o que tenho a dizer.

O sr. Presidente: - Tem v. exa. a palavra.

O sr. Franco Castello Branco: - Como vejo presente o sr. ministro das obras publicas, se s. exa. quizer responder ás perguntas que vou dirigir-lhe, dispensando-me da formalidade do aviso previo, tanto melhor; no caso contrario não terei duvida, em formular o aviso previo.

A pergunta é muito singela. Foram transferidos recentemente de Castello Branco o agronomo e o veterinario districtal.

Desejava que o sr. ministro das obras publicas me dissesse se foi por faltas no serviço de que estão incumbidos, ou por qualquer motivo que o prejudicasse, que foram transferidos aquelles empregados.

A isto se reduz a minha pergunta. Não podia ser mais breve.

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386 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O sr. Ministro das Obras Publicas (Augusto José da Cunha): - Respondo concisamente á pergunta do illustre deputado.

Transferi aquelles funccionarios por conveniencia do serviço e usando de uma faculdade que a organisação do ministerio das obras publicas me concede.

Parece-me que, por muita consideração que tenha pelo illustre deputado e pela camara, não sou obrigado a outra resposta por parte do governo. (Apoiados.)

Procedi no pleno uso do meu direito em transferir os dois empregados a que s. exa. se referiu, como posso transferir outros quaesquer, quando as circumstancias do serviço assim o exijam.

Como ministro sou o unico juiz para ajuizar d'essa conveniencia.

Tenho dito.

(Não reviu.)

O sr. Franco Castello Branco: - Pedia a v. exa. o favor de consultar a camara, sobre se me permitte dizer só duas palavras ao sr. ministro das obras publicas. Serei muito breve; desde já o prometto.

O sr. Presidente: - Consulto a camara sobre se permitte que o sr. deputado Franco Castello Branco responda em breves palavras ao sr. ministro das obras publicas.

Assim se resolveu.

O sr. Franco Castello Branco: - Agradeço em primeiro logar a camara o ter-me concedido que usasse novamente da palavra e em seguida agradeço ao sr. ministro das obras publicas, a promptidão e a bondade com que me deu a resposta á pergunta que lhe dirigi. Registo, porém, que o sr. ministro das obras publicas não transferiu aquelles empregados porque tivessem praticado qualquer falta no serviço ou por qualquer erro que o prejudicasse; foi simplesmente por conveniencia do serviço.

Registo o facto e acrescento apenas que estes empregados são regeneradores e meus amigos politicos.

E mais nada.

(S. axa. não reviu.)

O sr. Dantas Baracho: - Mando para a mesa o seguinte:

Aviso previo

Em conformidade com es preceitos regulamentares, careço de que o sr. ministro da justiça responda á seguinte pergunta:

Que providencias adoptou s. exa. em desaggravo da camara de Thomar, relativamente á representação por ella feita aos poderes publicos em 22 de junho ultimo, contra o agente do ministerio publico n'essa comarca, o qual procedeu para com aquella respeitavel corporação, em documento publico escripto, por fórma manifestamente indelicada e incorrecta. - Dantas Baracho.

Mandou-se expedir.

O sr. Adriano Anthero: - Tambem mando para a mesa o seguinte:

Aviso previo

Declaro, para os effeitos do regimento, que desejo interrogar o sr. ministro do reino sobre o seguinte:

Em que termos se acha o processo instaurado em 1893 pelo governo, de harmonia com o collegio dos orphãos do Porto, para o mesmo governo adquirir o edificio onde esse collegio se acha estabelecido?

Tenciona o governo dar solução ao objecto d'esse processo? = Adriano Anthero.

Mandou-se expedir.

O sr. Dias Costa: - Mando para a mesa o seguinte:

Requerimento

Requeiro que, pela secretaria da guerra, me sejam fornecidos, originaes ou copias, dos requerimentos dirigidos ao governo em 1896, pedindo para ser suspensa a execução da carta de lei de 13 de maio do mesmo anuo, relativa a limites de idade para os officiaes do exercito. - F. F. Dias Costa, deputado pelo circulo n.° 31 (Arouca).

Mandou-se expedir.

O sr. Malheiro Reymão: - Mando para a mesa o seguinte:

Aviso previo

Em harmonia com as disposições do regimento, declaro que desejo interrogar o exmo. sr. ministro das obras publicas, commercio e industria sobre a ordenada construcção do lanço da estrada real n.º 27, entre a igreja de Cabaços e S. Julião do Freixo, e dotação designada para essa construcção, e bem assim sobre os optados que em março e abril se fizeram da estrada districtal n.º l, da Povoa de Varzim a Barco do Porto, na parte comprehendida entre S. Romão de Neiva (estrada real n.° 4) e o apeadeiro do Alvarães (estrada real n.° 2).- O deputado pelo circulo n.° l, Malheiro Reimão.

Mando igualmente para a mesa uma representação dos proprietarios de padarias da cidade do Vianna do Castello.

Mandou-se expedir o aviso previo.

A representação vae por estirado no fim a sessão.

O sr. Correia de Barros: - Mando para a mesa um projecto de lei concedendo as irmandades pobres a importação livro de direitos das mercadorias seguintes:

Pela alfandega de Lisboa:

Vigas laminadas do ferro de differentes secções e comprimentos até ao peso maximo de 92 toneladas.

Pela alfandega do Porto:

a Vigas laminadas do ferro de differentes secções e comprimentos até ao peso maximo de 150 toneladas.

b Arame até ao peso maximo de 14 toneladas.

c Cimento hydraulico até ao peso maximo de 215 toneladas.

Ficou para segunda leitura.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 11, pelo qual são garantidos aos officiaes da armada e do exercito, que em 31 de janeiro de 1895 exerciam o magisterio na escola naval, os direitos que lhes pertenciam pela legislação então vigente.

O sr. Presidente: - O sr. deputado Marianno do Carvalho communicou-me que desejava usar agora da palavra para tratar de um negocio urgente, e que os factos a que pretende referir-se são: a situação grave da Zambezia; um pagamento de 800:000 libras, e considerações sobre factos que prendem com a ordem publica.

Entendo que o conjuncto de todos estes factos é sufficiente, para que eu, applicando as disposições regimentaes, conceda a palavra ao sr. Marianno do Carvalho, para um negocio urgente, com preterição dos trabalhos a ordem do dia.

Tem o illustre deputado a palavra.

O sr. Marianno de Carvalho: - Depois de notar o facto de ter a maioria aberto hoje uma excepção ao regimento, em favor do sr. Franco Castello Branco, e de, por duas vezes, ter recusado a palavra a elle, orador, na sessão anterior, pede ao governo que responda ás tres perguntas que vae dirigir-lhe.

Pergunta primeiro ao sr. ministro da fazenda se é verdadeira a noticia, que viu nos jornaes, de que 800:000 libras do supprimento de 1.000:000 que o governo obteve, logo depois de se organisar, foram empregadas no pagamento a um estabelecimento bancario estrangeiro, que, contra o que se esperava, exigia prompto reembolso.

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Deseja igualmente que s. exa. lhe diga quando tenciona enviar-lhe os documentos que pediu a respeito da divida fluctuante.

Em segundo logar pergunta ao sr. ministro da marinha quaes são as informações que tem a respeito dos acontecimentos da Zambezia, onde o famoso chefe Combuemba aprisionou uma lancha, matando quasi todos os soldados e apoderando-se de duas peças de artilheria, facto que lhe deu audacia para atacar postos fortificados, tanto do governo como da companhia.

Chama a attenção de s. exa. para o facto de ser exigido pelo sr. intendente do Chinde o pagamento do emolumentos as lanchas portuguezas que sobem o Zambeze e não o exigir ás lanchas de outras nacionalidades.

Fede, em terceiro logar, ao sr. presidente do conselho que dê á camara as informações que tiver por convenientes, ácerca dos boatos desagradaveis que têem corrido, com respeito á alteração de ordem publica n'uma certa região do reino.

(O discurso será publicado na integra guando s. exa. o restituir.)

O sr. Ministro da Marinha (Barros Gomes): - Se o sr. Marianno de Carvalho me houvesse feito um aviso, eu teria vindo habilitado com os officios e documentos de Moçambique, nos quaes se acham pormenorisados os factos a que s. exa. alludiu, que são, no fundo, verdadeiros e que da minha parte, eu não posso, n'este momento, senão confirmal-os.

Quero dizer, que effectivamente se dou o facto do aprisionamento, por parte do Cambuêns, de uma lancha, que vinha mal defendida, com soldados negros; mas tambem acrescento que pelo sr. commissario regio foram já fornecidos ao bravo commandante, governador da Zambezia, o sr. João de Azevedo Coutinho, os elementos de força necessarios para castigar e chamar á ordem o Cambuêba pelos abusos, a que o illustre deputado alludiu e que realmente elle tem praticado.

Esses elementos de força e o nome de Azevedo Coutinho garante-nos que o potentado selvagem será reduzido á ordem. Devo, porém, dizer a s. exa. que, a par d'esses reforços militares, foram tambem enviadas instrucções áquelle distincto official, governador da Zambezia, no sentido de se limitar, por emquanto, a apagar esse foco de desordem n'aquella região, sem tentar outras emprezas mais aventurosas que poderiam n'este momento achar-nos desprevenidos dos elementos necessarios, para as levarmos a bom termo.

Creio ter dito o que posso dizer por agora. Amanhã, ou quando s. exa. queira, posso ler á camara os officios que recebi; mas o essencial limita-se a isto.

Os factos deram-se; mas estão tomadas as providencias para que o Cambuenba seja castigado e deram-se instrucções no sentido de se limitar a castigal-o a acção do governador, Azevedo Coutinho.

No que respeita á auctoridade do Chinde é á ordem para levantar impostos illegaes e differenciaes, visto que carregam sobre embarcações nossos, favorecendo outras de nacionalidade estranha, nada me consta.

Procurarei indagar, e quando alguma cousa souber a este respeito darei as informações que me forem pedidas.

Por agora nada mais tenho a dizer.

S. exa. não reviu.

O sr. Presidente do Conselho: - Agradeço muito ao illustre deputado a pergunta que me fez; agradeço-lh'a sinceramente por me ter proporcionado occasião de dar explicações á camara com relação aos assumptos graves sobre que s. exa. chamou a minha attenção.

Refiro-me aos boatos de alteração de ordem publica a que s. exa. alludiu.

É certo que esses boatos têem corrido com maior ou menor insistencia, relativamente ao norte do reino e especialmente á cidade do Porto.

Posso assegurar ao illustre deputado, sem receio de enganar-me, que esses boatos não têem fundamento.

A ordem publica está perfeitamente assegurada e o governo assume sem o menor receio toda a responsabilidade de mantel-a contra quaesquer perturbações promovidas por mera especulação politica. Devo, porém, declarar que não creio que tal succeda, porque faço justiça aos partidos monarcbicos que estão na opposição. No que digo refiro-me aos adversarios das instituições que na sua imprensa têem manifestado uma attitude e uma liguagem provocadora que obriga o governo a responder-lhes com a precisa energia para manter, com a firmeza e lealdade que deve ás instituições, que lhe cumpre fazer respeitar. (Apoiados.}

Esteja, pois, certo o illustre deputado e parece-me que posso dizel-o, esteja tambem seguro o paiz de que o ordem publica não será alterada (Apoiados.}, embora pareça demasiada ousadia fazer este affirmação por parte do governo no parlamento.

O governo está prevenido para todas as eventualidades, sabe tudo quanto se tem feito e está prevenido para tudo quanto se possa fazer.

E n'estas circumstancias cumpre apenas o seu dever, que é manter sem a menor alteração a ordem publica. (Apoiados.}

O governo comprehendendo as suas responsabilidades está devidamente acautelado; e se porventura, no que não crê, houvesse qualquer perturbação da ordem publica, esteja s. exa. certo, e póde estar tambem o paiz, de que quaesquer desordeiros, só os houver, serão devidamente punidos. (Apoiados.} Não creio, porém, mais uma vez o ligo, que possa levantar-se qualquer movimento serio, nem contra as instituições nem contra a ordem publica que temos obrigação de acatar e respeitar.

Termino, agradecendo de novo ao illustre deputado a sua pergunta, porque é certo que estes boatos de alteração da ordem publica têem corrido, a meu ver, por mera especulação politica. (Protestos da esquerda.}

E quando digo isto não me refiro á opposição d'esta camara.

O sr. Branco Castello Branco: - V. exa. rectifica então qualquer equivoco que possa haver?

O Orador: - Nem as minhas idéas, nem as minhas intenções, nem as minhas palavras alludiram por qualquer fórma a v. exa. (Apoiados da direita.) No tocante á alteração da ordem publica, não tenho nada absolutamente nem que reprehender, nem que censurar aos illustres deputados ou ao partido que representam n'esta casa. Não é d'elle que se trata; e estou até certissimo de que, se fosse preciso e indispensavel, s. exa. seriam os primeiros a prestar a sua leal cooperação ao governo, no sentido, exclusivamente, de manter a ordem publica e defender as intituições. (Apoiados geraes.)

Creio que o não será; mas o que digo a v. exas. é que o governo conhece as suas responsabilidades, tem tomado todas as providencias e está prevenido para quaesquer eventualidades que possam dar-se.

Creio que estas explicações satisfarão completamente os illustres deputados, como me parece que hão de satisfazer a opinião publica.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(S. exa. não revê os seus discursos.}

O sr. Franco Castello Branco: - Peço a palavra sobre este assumpto.

O sr. Presidente: - O sr. Marianno de Carvalho, como a camara ouviu, pediu a palavra para um negocio urgente, expoz os rasões por que a pediu, e todos os srs. ministros lhe responderam.

Não sei se com essas respostas se deve julgar terminado este incidente. No entretanto o sr. Franco Castello Branco acaba de pedir a palavra sobee este assumpto. Vou, pois,

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consultar a camara sobre se quer que elle ao generalise ou que se conceda só a palavra ao sr. Franco Castello Branco.

Vozes: - Falle, falle.

O sr. Presidente: - É preciso uma deliberação da camara, e eu consulto-a sobre se permitte que só o sr. Franco Castello Branco use da palavra.

A camara pronunciou-se affirmativamente.

O sr. Franco Castello Branco: - Agradeço á camara a sua resolução. Pouco tempo lhe tomarei.

Não pela minha pessoa, mas pelo partido o pela força que elle representa, parece-me que não são inuteis as declarações que vou fazer.

Quando o sr. José Luciano de Castro começou respondendo ás perguntas sobre ordem publica que lhe tinham sido feitas pelo sr. Marianno de Carvalho, a mim e a outros meus amigos d'este lado da camara pareceu que s. exa. tinha dito que tambem estava prevenido contra qualquer especulação de qualquer partido monarchico...

Vozes da direita: - Não disse, não disse.

Vozes da esquerda: - Disse, disse.

O Orador: - Eu não quero fazer increpações, e v. exa. deve comprehender que não foi para isso que eu pedi a palavra.

Mas, a breve trecho, s. exa. com toda a lealdade e com toda a nobreza, porque não posso acreditar que s. exa. não fosse inspirado por esses sentimentos, reparando no pequeno lapso que tinha tido, referiu-se por uma fórma clara, precisa o terminante á confiança que lhe inspirava por completo o nosso amor á ordem publica e a nossa lealdade e dedicação intransigentes ás instituições monarchicas. (Muitos apoiados.)

S. exa. disse que, se porventura tanto fosse preciso, está bem convencido e certo de que podia contar com o apoio do partido regenerador para a manutenção da ordem publica; e eu apoiei desde logo esta declaração de s. exa., e agora em nome dos meus amigos d'este lado da camara, em nome, posso tambem dizel-o, de todo o partido regenerador, (Muitos apoiados da esquerda.) declaro bem alto que nós somos, em questões que prendem com a ordem publica, tão governamentaes como os mais dedicados partidarios do governo (Muitos apoiados da esquerda.}

Nem os nossos principios, que são sinceros e firmes, permittiriam outra altitude, nem as circumstancias angustiosas do paiz nos aconselhariam outro proceder, porque qualquer complicação d'esta natureza podia tornar essa situação verdadeiramente irremediavel.

Vozes: - Muito bem.

(S. exa. não revê os seus discursos.)

O sr. Barbosa de Magalhães: - Por parte das commissões de fazenda, obras publicas e saude publica, mando para a mesa o parecer sobre a proposta de lei n.º 13-G, que respeita ás empreitadas de varias obras; e por parte da commissão do ultramar, o parecer sobre a proposta de lei n.° 6-K, relativa ao regimen da concessão de terrenos nas provincias ultramarinas.

Peço a v. exa. que os mande imprimir com urgrncia.

Mando tambem para a mesa, por parte da commissão de administração publica, uma proposta, e por parte da commissão de saude publica, a seguinte

Participação

Participo a v. exa. e á camara, que, não tendo o sr. deputado Martinho Tenreiro podido acceitar a presidencia da commissão de saude publica, para que fôra eleito, a mesma commissão elegeu para seu presidente o sr. deputado Silva Amado. =Barbosa de Magalhães

Para a acta.

Os pareceres foram a imprimir, sendo o primeiro com urgencia.

O sr. Ramires: - Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda ácerca da proposta de lei n.° 13-M, que auctorisou o governo a modificar o contrato de 20 de abril com a companhia dos phosphoros.

Lamento, sr. presidente, que só agora me tenha chegado a palavra, havendo-a pedido ha tres ou quatro dias, para tratar de varios assumptos, o que ainda hoje não farei, porque tendo pedido a palavra por parte da commissão de fazenda, não quero abusar, occupando-me de outros assumptos, quando de mais a mau já se entrou na ordem do dia.

N'outra occasião pedirei para ser inscripto e tratarei então dos assumptos a que me refiro.

O sr. Presidente: - Continúa a discussão do projecto relativo aos lentes militares da escola naval, e tem a palavra o sr. Marianno de Carvalho.

O sr. Marianno de Carvalho: - Embora não tivesse a palavra para responder aos srs. ministros, como fizera o sr. Franco Castello Branco, não está resolvido a ceder de nenhum dos seus direitos, nem tão pouco a pedir favores á maioria, qualquer que seja a consideração em que a tenha.

Dito isto, explica que assignando o parecer em discussão, o fez por considerar que era um acto de justiça a reintegração dos professores da escola, naval, que por um decreto dictatorial haviam sido esbulhados dos seus direitos; mas mal podia suppor que n'um projecto tão simples e ao mesmo tempo de tanta justiça, se viesse enxertar um additamento, reduzindo o numero de preparatorios para a admissão n'aquella escola, com o que absolutamente não pôde concordar.

Não comprehende que, sendo obrigatorios para um official de artilheria os preparatorios da escola polytechnica até ao terceiro anno, um official de marinha, que é official de manobra, de artilheria, muitas vezes governador do ultramar e até ás vezes exerce funcções diplomaticas, fique apenas no primeiro anno. Não sabe como isto se possa explicar.

Manifestando-se, portanto, absolutamente contrario a esse additamento, a seu parecer que a camara não se illustra nada votando-o, pois apenas vão servir com elle meninos incognitos, sem dar nenhum lustre á nossa marinha.

(O discurso será publicado na integra, se s. exa. o restituir.)

O sr. Dias Costa (relator): - Limitar-me-hei a umas ligeiras explicações. O illustre deputado o sr. Marianno do Carvalho disse que o additamento que eu tive a honra de propor á camara, foi apresentado em nome de creanças incognitas. Ora, eu tenho a declarar que não costumo ser procurador de creanças incognitas, ainda que tivesse muita honra n'isso, porque os meus principios democratas e liberaes não me fazem distinguir os que têem nome legitimo dos que o não têem.
Apresentei, porém, essa proposta em nome de um principio que julgo o mais conveniente para a admissão na escola naval e não em nome de creanças incognitas.

Devia esta explicação para que não corra sem reparo a affirmação que s. exa. fez de que, approvando a camara este additamento, n'esse dia começaria a sua exautoração. A camara, sr. presidente, não se exautora quando resolve em nome da soberania de que está investida, e quando resolve inspirada nos interesses do paiz.

Limitar-me-ía a esta explicação, se eu não reconhecesse a conveniencia de fundamentar o meu addittamento, o que aliás já tive occasião de fazer; mas para que não corra, sem contestação, a affirmação de que para ser bom official de marinha é necessario ser bacharel formado em mathematica ou cousa parecida, vou dizer a v. exa., não, em virtude de um trabalho meu, mas servindo-me do trabalho official, que as proprias nações maritimas de mais nomeada, não têem na sua organisação de estudos navaes, cousa alguma parecida com aquillo que o illustre deputado o sr. Marianno de Carvalho quer manter para a nossa escola naval. E no entre-

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tanto, os officiaes d'essas nações são distinctissimos, e, infelizmente para nós, as suas marinhas não tem parecença nenhuma com a nossa, quer em numero, quer em qualidade e aperfeiçoamento de navios. Citarei por exemplo a Inglaterra.

Sabe v. exa. o que exige a Inglaterra para a matricula na escola naval, que é, fluctuante, porque está estabelecida a bordo de um navio fundeado no porto de Dartmouth?

Exige-se, em primeiro logar que o alumno tenha doze a treze e meio annos! E porquê? Em virtude de um grande principio, a que é necessario attender na organisação militar naval. É porque a vida a bordo, deve começar-se de creança, e não quando os musculos estão já entorpecidos e quando a cabeça está fatigada com o estado de muitas cousas, que nenhuma relação tem com a vida pratica naval. É por isto que na Inglaterra se faz a admissão dos alumnos na escola naval, com doze a treze e meio annos de idade.

E quaes são as habilitações que se exigem na Inglaterra? Um exame de admissão, que consta de leitura, escripta, arithemetica, algebra, até ás equações do l.º grau, geometria elementar, francez e historia sagrada.

Aqui tem v. exa. quaes são os preparatorios, sobre os quaes versa o exame de admissão á escola naval de Inglaterra!

Depois, passados dois annos de curso, no Britannia, embarcam n'um dos grandes navios da esquadra, onde se conservam quatro ou cinco annos, no posto de guarda marinha (midashpman).

Durante este tempo de embarque, respondem em duas epochas do anno, julho e dezembro, a differentes interrogações; e terminado este tirocinio, são submettidos a tres exames finaes, que não versam, nem sobre economia politica, nem chimica organica, nem solidos de igual resistencia, nem sobre assumptos similhantes.

O exame, do primeiro anno versa sobre manobra, de cujo resultado depende a promoção ao posto de segundo tenente provisorio (active sublientenant).

Em seguida vão frequentar a escola de Greenwich durante seis mezes, sendo então submettidos a um segundo exame. Passam depois a embarcar no Vernan (escola de torpedos), e tres mezes no Exccellent (escola de artilheria), fazendo então o terceiro exame, de que depende a promoção a segundo tenente effectivo.

Estes tres exames versam sobre assumptos exclusivamente da armada. E o mesmo que se faz em Inglaterra, faz-se nos outros paizes. Podia citar a Allemanha, a Austria, Hungria, os Estados Unidos, a França, a Hespanha, a Italia, a Russia, etc. Em nenhuma d'estas nações, se fazem exigencias para a entrada da escola naval, parecidas sequer, com as que se fazem no nosso paiz.

Exige-se sempre muito menos do que os preparatorios, que segundo a minha proposta, serão exigidos aos alumnos da escola naval.

Já vá v. exa. e a camara que eu, ao fazer o additamento, inspirei-me nos bons principios da organisação da instrucção militar, e não em qualquer outra cousa.

Entretanto como não costumo fugir nunca á discussão, nem esquivar-me a soffrer as consequencias da minha proposta, devo acrescentar que essa minha proposta tambem tem um alcance em relação ao ponto de vista em que s. exa. a considerou; aproveita aos filhos de quaesquer cidadãos, e não ao alumno A ou B, assim como tambem aproveita ao serviço da armada, porque d'esta fórma os candidatos á escola naval poderão sair depois d'ella em idade de poderem sujeitar-se ao rude tirocinio de guarda marinha porque, como s. exa. muito bem sabe, visto que se honra em ter um filho na armada, isso representa qualidades de robustez e actividade que nem sempre todos podem ter depois de um longo curso.

Releve-me s. exa. esta explicação; mas o tem em que fez a sua affirmação, deixar-me-ia n'uma posição difficil embora de antemão soubesse pelas immerecidas palavras que me dirigiu, não haver da sua parte a menor intenção de me ser desagradavel.

Peço desculpa ao meu illustre mestre e amigo se porventura maguei s. exa.; não era essa a minha intenção.

Tenho dito.

O sr. Marianno de Carvalho: - Explica que não accusou o sr. relator de proteger meninos incognitos, mas sim que ha de ser esse o resultado do additamento; tanto assim que lá para outubro ou novembro elles se transformarão de incognitos em cognitos.

Quanto á instrucção ministrada em Inglaterra aos officiaes de marinha, deve observar que ali o ensino não é simplesmente pratico, pois que, depois de concluido o tirocinio de embarque, vão completar os estudos nas escolas. Alem d'isso, as condições do official de marinha inglez são muito differentes das dos nossos, porque, ao passo que ha lá officiaes para as differentes especialidades, aqui são para tudo. Não poucos exercem tambem as funcções de governadores no ultramar, e até ás vezes funcções diplomaticas.

Acresce ainda que, exactamente porque a nossa armada é fraca em navios e numero de officiaes, é que estes carecem de ter mais competencia.

(O discurso será publicado na integra guando o orador restituir ao notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - Como ninguem mais pede a palavra, vae ler-se o projecto para se votar.

Leu-se o seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.° Aos officiaes das diversas corporações da armada e do exercito, que, em 31 de janeiro de 1890, exerciam o magisterio na escola naval são garantidos os direitos que lhes pertenciam pela legislação então vigente, salvo no que respeita aos seus vencimentos de exercicio, os quaes ficarão reduzidos á gratificação unica de 600$000 réis annuaes, não podendo esta gratificação ser augmentada por motivo de diuturnidade de serviço.

§ 1.° O tempo decorrido, desde a data citada, até á da presente lei, será considerado como de exercicio ininterrompido do magistererio, unicamente para os effeitos de jubilação.

§ 2.° Emquanto não for reorganisada a escola naval, incumbirá ao lente da antiga 7.ª cadeira, estabelecida pela carta de lei de 27 de setembro de 1887, o serviço de conferencias sobre hygiene naval e colonial, e o da clinica dos alumnos da mesma escola, pela fórma que for regulada em instrucções especiaes determinadas pelo governo, sobre proposta do respectivo conselho escolar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Vae ler-se para se votar o additamento do sr. relator.

Leu-te a seguinte

Proposta de additamento

Proponho que no projecto em discussão seja inserido o seguinte:

Artigo... O curso preparatorio, organisado por decreto de 21 de setembro de 1895, e actualmente exigido para admissão de aspirantes a official da marinha militar no quadro do corpo de alumnos da armada, é substituido, para a mesma admissão, pela approvação na classe de ordinario, nas disciplinas que constituem as cadeiras l.ª e 5.ª, e desenho (1.° anno), da escola polytechnica, ou nas disciplinas equivalentes da universidade de Coimbra, ou da academia polytechnica do Porto.

§ unico. Fica o governo auctorisado a modificar a composição e distribuição das disciplinas professadas nas diversas cadeiras da escola naval, em harmonia com o dis-

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posto no presente artigo e ouvido o respectivo conselho escolar. = F. F. Dias Costa.

Foi approvada.

Leu-se o seguinte:

Artigo 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Foi approvado.

O sr. Ministro da Marinha (Barros Gomes): - Mando para a mesa uma proposta de lei, approvando o contrato feito com a companhia dos telegraphos para a costa oriental de Africa, ácerca do prolongamento da linha até Novo Redondo, a que a mesma companhia está obrigada.

(Leu.)

Vae publicada no fim na sessão a pag. 347.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Augusto José da Cunha): - Mando para a mesa uma proposta de lei para ser convertido em definitivo o contrato provisorio da construcção do caminho de ferro do Valle do Corgo, entre Villa Real e Chaves.

Vae publicada no fim da sessão a pag. 348.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

Discussão do projecto de lei fixando o contingente de recrutas

Leu-se na mesa. É o seguinte

PROJECTO DE LEI N.° 12

Senhores. - À vossa commissão de guerra foi presente a proposto de lei n.° 8-G, fixando em 17:246 recrutas, no anno de 1897, o contingente para o exercito, armada, guardas municipaes e fiscal, com a distribuição indicada na mesma proposta.

A vossa commissão, considerando que o dito contingente foi determinado em harmonia com as necessidades dos serviços a que se destina, e com a legislação em vigor, é de parecer que a proposta de lei n.° 8-G merece a vossa approvação e deve ser convertida no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° O contingente para o exercito, armada, guardas municipaes e fiscal é fixado, no anno de 1897, em 17:245 recrutas, sendo 15:000 destinados ao serviço activo do exercito, 745 á armada, 500 ás guardas municipaes e 1:000 á guarda fiscal.

Art. 2.° O contingente de 1:500 recrutas para as guardas municipaes e fiscal será previamente encorporado no exercito, sendo transferidas para os referidas guardas, até ao numero necessario para preencher aquelle contingente, as praças que se acharem nas condições exigidas para aquelles serviços, preferindo-se as que voluntariamente se offerecerem.

Art. 3.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da commissão de guerra, em 10 de julho de 1897. = Francisco Ravasco - Joaquim H. Veiga = Joaquim Tello = Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla = Francisco Felisberto Dias Costa, relator.

Senhores. - A vossa commissão de fazenda, a quem foi presente o parecer da commissão de guerra sobre a proposta de lei n.° 8-G-, concorda com esse parecer.

Sala das sessões da commissão de fazenda, 12 de julho de 1897. = Marianno de Carvalho = Correia de Barros = Adriano Anthero = Frederico Ramires = J. Frederico Laranjo - João Maria de Alpoim = Francisco Felisberto Dias Costa, relator

N.º 8-G

Artigo 1.° O contingente para o exercito, armada, guardas municipaes e fiscal é fixado no anno de 1897 em 17:245 recrutas, sendo 15:000 destinados ao serviço activo do exercito, 745 á armada, 500 ás guardas municipaes e 1:000 á guarda fiscal.

Art. 2.° O contingente de 1:500 recrutas para as guardas municipaes e fiscal será previamente encorporado no exercito, sendo transferidas para as referidas guardas até ao numero necessario para preencher aquelle contingente, os praças que se acharem nas condições exigidas para aquelles serviços, proferindo-se as que voluntariamente se offerecerem.

Secretaria d'estado dos negocios da guerra, em 6 de julho de 1897. = Francisco Maria da Cunha.

O sr. Presidente: - Está em discussão.

O sr. Dantas Baracho: - Sr. presidente, quando indiquei a v. exa. que me inscrevesse contra, não era no intuito de impugnar aborta e accentuadamente a proposta de lei, cuja discussão inicio. Em questões militares - bem alto o expresso aqui - nunca farei politica, na accepção restricta que esta palavra tem sob o ponto de vista partidario. Os interesses nacionaes, que nós todos temos de zelar, e os proprios da classe a que tenho a honra de pertencer, não se coadunam, nem podem fundamentalmente subsistir no acanhado meio do partidarismo. (Apoiados.)

N'esta ordem de idéas, portanto, limitar-me-hei a chamar a esclarecida, e para mim sempre benevola, attenção do nobre ministro da guerra para um assumpto que se me afigura carecer de correctivo. Refiro-me á elevada percentagem entre os mancebos apurados e os que obtêem baixa pela junta pouco depois de darem ingresso nas fileiras.

Na vigencia da lei anterior, assim succedeu tambem no ultimo anno da sua existencia, e não admira. Todos os caciques, mandões locaes e até as auctoridades administrativas, só entendiam a preceito, no emprego dos mais condemnaveis processos, attinentes a que os contingentes fossem constituidos pelo maior numero possivel de mancebos improprios para o serviço. Mas agora, que esses indignos expedientes estão banidos das operações do recrutamento pelas salutares disposições da nova lei, nem por isso, desculpe-se-me a insistencia, a percentagem a que alludi, deixou de manter-se n'um elevado nivel. Assim, em cavallaria n.° 2, onde se alistaram 259 mancebos do contingente de 1896, 33 eram pouco depois dados por incapazes pela junta. E note v. exa., sr. presidente e a camara, que os soldados de lanceiros são, pela sua estatura, escolhidos entre os mais bellos rapazes de todo o paiz.

Não ha a menor duvida, creio eu, que 33 incapazes em 259 apurados, note-se bem, apurados, representa um numero avultadissimo, cuja correcção futura se está impondo naturalmente. (Apoiados.)

A par d'isto, e como do serviço sanitario militar me estou occupando, permitta-me, sr. presidente, que eu recorde que na sessão anterior chamei a attenção do illustre ministro da marinha para a maneira como foi mesquinhamente dotada, sob o aspecto dos soccorros medicos, a expedição, em preparo, destinada a Moçambique, e cujo effectivo é de cerca de 800 homens. Apenas 2 cirurgiões e l cabo enfermeiro lhe foram destinados! É simplesmente inacreditavel!

Eu quero crer que ao illustre ministro da guerra, que tão elevados dotes do administrador tem manifestado, tanto na metropole como nos provincias ultramarinas, nas variadas e importantes commissões que tem desempenhado, eu quero crer, repito, que a falta que apontei não lhe passou desapercebida e que s. exa. terá reclamado já, do seu collega da marinha, melhor dotação de tão importante serviço. Mas, se ao contrario do que supponho, foram illudidas as minhas previsões, espero que s. exa. procurará ainda remediar a lacuna apontada, tomando em consideração as minhas justas advertencias.

E concluindo n'este ponto as minhas observações, com relação á economia propriamente do projecto, consinta v. exa., sr. presidente, que eu me dirija agora ao nobre

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chefe do gabinete, pedindo-lho os esclarecimentos de que preciso, para poder formar juizo seguro sobre se será ou não insufficiente o contingente de recrutas que se pede na proposta de lei em discussão. E iniciando com s. exa. uma discussão que, pelos importantissimos resultados que póde ter, não convem por principio algum adiar, seja-me permittido render previamente homenagem ao cavalheiroso caracter de s. exa. o significar-lhe mais uma vez o meu profundo respeito. E este alto conceito me merece s. exa., tanto pela sua eminente situação politica, como social, porque s. exa. é na actualidade não só presidente do conselho, chefe de um grande partido monarchico, conselheiro d'estado e tontas outras dignidades que difficil se tornaria só o enumeral-as, mas tambem, para que occultal-o! porque s. exa. é o eleitor mór do reino. (Riso. - Apoiados.) Sem me passar sequer pela mente a idéa de melindrar o illustre chefe do gabinete, a quem, pelo contrario, desejo sempre ser agradavel, revelarei á camara que não falta quem supponha que as eleições são o sport de s. exa. (Riso. - Apoiados.)

Eu não sei positivamente o que ha de verdade em tudo isto; mas o que posso garantir é que, na parte que me respeita, s. exa. canalisou o suffragio por fórma a deixar-me completamente satisfeito. (Hilaridade geral.)

É por isso, seguramente, sr. presidente, que eu me encontro em circumstancias de aqui poder agora bradar: alerta! sr. presidente do conselho.

Alerta está! responder-me-ha, porventura, s. exa., não tendo esquecido a technologia militar com que teve de familiarisar-se no tempo em que se arvorou em sentinella vigilante, durante o seu anterior consulado de 1885 a 1889.

Mas seja-me licito retorquir-lhe quo nunca - não é aventurado assegural-o - se careceu tanto de que s. exa. esteja vigilante. Nem por um momento pôde s. exa. deixar de ter a arma aperrada, e nem pôde largal-a um só instante. O mais que lhe será licito fazer, para descansar um pouco, será passal-a de um para o outro hombro. (Apoiados.)

E sabe v. exa. porque? Por cansa das medidas fazendarias, que, no seu conjuncto, apresentam estes odiosos caracteristicos: emprestimos e alastramento de monopolios, a intervenção estrangeira na administração publica e a alienação de bens do patrimonio nacional. (Muitos apoiados.)

Já se viu, já se presenceou mais triste e desgraçada situação? (Apoiados.) A maneira como todas as classes sociaes se estão pronunciando contra tão tresloucados projectos, mostra bom quanto elles repugnam amassa geral do paiz, (Apoiados.) - d'este nobre paiz que, a despeito de toda a sua resignação, nunca annuirá a que se torne, em realidade, tão deprimente perspectiva. (Vozes: - Muito bem.)

Appello, por tudo o que deixo exposto, para v. exa., se presidente do conselho, e confio em que reconhecendo, conforme todos reconhecem, a gravidade da situação, imporá a sua auctoridade, fazendo com que recolha ao limbo o que de lá nunca devia ter saído. (Apoiados.)

Conscio do estado em que se encontra a nação, teria em vista nobre presidente do conselho fazer uma advertencia, com a proposta de lei que ha poucos dias aqui trouxe, sobre hospitaes de doidos? (Riso. - Apoiados.) A circumstancia de s. exa. a antepor na sua apresentação ás que dizem respeito a questões que tão predilectas lhe são, como as reformas politicas, deixa suppor que essa preferencia seria intencional, teria significação.

Se assim fosse, só haveria a louvar s. exa.; mas, agora me recordo, já no seu anterior consulado s. exa. aqui apresentou outra proposta sobre o mesmo assumpto, e, o que é mais, fel-a converter em lei. Os hospicios de alienados foram effectivamente engrandecidos, e o fallecido dr. Senna, de sympathica memoria, ficou, como especialista na materia, radiante. Eu, porém, passei por mais uma decepção.

A nenhum doido, dos que mais nocivos têem sido ao paiz, foi ali dada moradia. (Apoiados.) O recrutamento para essas casas hospitalares e hospitaleiras continuou a ser feito entre os menos perigosos, entre os que não têem concorrido para conduzir o paiz ao estado depauperado em que se encontra, continuando, a par d'isso, igualmente a serem poupados os de categoria. (Riso.)

Agora naturalmente succederá outro tanto. S. exa. ao que parece, emprega apenas como finta esse expediente. Pois permitta-me que lhe diga que, n'esta conjunctura, devia cair a fundo e a estocada ser de peito ás costas. (Apoiados.)

Mas, sr. presidente, se os recolhimentos de alienados não chegam a ter o destino que seria para desejar, nem por isso se impõem, com menos urgencia, providencias energicas e radicaes (Apoiados.), tendentes a restabelecer a normalidade no nosso viver, para que desappareçam os bem fundados sobresaltos, descrenças e desconfianças, que se nota no sentir geral (Apoiados.) Torna-se indispensavel, sr. presidente do conselho, que v. exa. falle, que v. exa. seja explicito; e, pela minha parte, não serei exigente até ao ponto de pedir o impossivel.

N'estas condições, principiarei por lembrar que no tempo da revolução francesa teve larga circulação uma gravura que representava um cozinheiro, com o seu trajo profissional, cercado de frangos, aos quaes elle, de indole mansa e bonacheirona, se dirigia n'estes termos: «Com que molho querem ser comidos»? (Riso.)

Os frangos, não sabendo, porventura, apreciar devidamente a gentileza do obsequioso cozinheiro, respondiam invariavelmente: «Nós não queremos ser comidos». (Riso.)

Pois eu, sr. presidente, não sou tão intransigente. Resignar-me-hei a ser comido, se a fatalidade assim o ordenar, mas unica e exclusivamente com o molho da sensatez na administração e a moralidade no poder. (Muitos apoiados.) Com o molho de algumas das propostos do fazenda, a que tenho alludido, não e não. (Apoiados.) É muito indigesto. (Apoiados.)

O nobre presidente do conselho pensará tambem como eu, que, seja-me permittida a veleidade, julgo n'esta aspiração representar o paiz? (Apoiados.)

Eu assim o creio para os bons creditos de s. exa. Mas não é bastante esta minha supposição. É imprescindivel, é indispensavel que s. exa. faça ouvir a sua voz auctorisada e que certifique, perante a representação nacional, que não podem ter o seu beneplacito as propostas de fazendo, que tenham no seu conjuncto como caracteristicos: emprestimos e monopolios, a intervenção estrangeira na administração publica e a alienação de bens do nosso magro patrimonio. (Muitos apoiados.)

Vozes: - Muito bem, muito bem,

O sr. Presidente do Conselho (José Luciano de Castro): - O illustre deputado por mais de uma vez se referiu a mim, e sempre com allusões muito agradaveis; todavia quando se referiu á situação financeira do paiz e ás propostas de fazenda apresentadas pelo meu illustre collega o sr. Ressano Garcia, fel-o por modo e em termos taes, que não posso deixar de usar da palavra para protestar, pela maneira mais categorica e solemne, contra as palavras de s. exa. (Muitos apoiados.)

Permitta-me o illustre deputado dizer-lhe que não é assim, nem por esse modo, nem usando de taes termos, que se podem discutir assumptos de tanta gravidade. (Apoiados.)

O governo apresentou as suas propostas; ainda não são leis, são apenas projectos que estão sujeitos á apreciação parlamentar.

O governo acceita na sua discussão, e ainda não disse o contrario, todas as emendas, indicações ou modificações que possam concorrer para melhorar ou suavisar as suas disposições on tornal-as mais acceitaveis.

Onde está, pois, a imposição do governo?!

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Está porventura o illustre deputado habilitado ou já estudou o bastante para dizer, em relação a cada uma d'ellas, quaes as modificações de que essas propostas carecem?

Póde s. exa. dizer conscienciosamente, tendo analysado essas propostas que ellas são uma calamidade e uma desgraça para o paiz?

Póde s. exa. provar o que diz? (Apoiados.)

Durante longos mezes, todos nós temos estudado, no governo, os differentes assumptos d'essas propostas; todos fizemos quanto podemos, todos quantos esforços cabiam na nossa intelligencia e boa vontade para acertar, e vem agora o illustre deputado dizer-nos:

«Isto não presta, é uma dasgraça e uma calamidade para o paiz!!»

Não é assim que se discute, permitta-me s. exa. que lh'o diga.

O governo trazendo as propostas ao parlamento, mostra bem não dispensar a sua collaboração; e quando digo collaboração, não me refiro só á maioria, refiro-me á opposição parlamentar, que mesmo combatendo essas propostas, póde contribuir para as melhorar tanto, como a propria maioria que apoia o governo.

E n'este ponto o governo acceita, sem nenhuma reserva, a cooperação da opposição, não duvidando acceitar quaisquer modificações ou alterações que melhorem as medidas apresentadas, e agradecendo-as até.

E é assim, quando o governo se apresenta na camara, fallando e trazendo o melhor que pôde alcançar, na difficil situação economica era que nos encontrâmos, (Apoiados) que o illustre deputado, homem serio, e um antigo parlamentar de grande auctoridade o recebe por esta fórma!

Francamente, não podia esperar do sr. Baracho tão descarnavel tratamento!

Os elixires do partido a que pertence o illustre deputado, esses já nós conhecemos!

Têem cousa melhor para apresentar?

Não me parece, porque, os alvitres, as reformas, as propostas que fizeram quando governo, as conhecemos nós perfeitamente.

Porventura, nos cinco mezes que nós temos de governo já amadureceram as combinações financeiras do governo transacto por maneira que possam trazer aqui um novo salvatorio, melhor do que tudo quanto propomos?

Bemvindo seja!

Mas trabalhemos todos que a situação é melindrosissima; temos muitas difficuldades a vencer e a maior de todas ellas é o descredito. Para luctar contra ella, para vencel-a e libertar o paiz do estado a que chegou nos mercados estrangeiros, eu não sei, sr. presidente, como dizel-o; mas a verdade é que o esforço de nós todos será apenas sufficiente para isso.

Portanto, o que aconselha o patriotismo, o que suggere o amor das cousas publicas e o que devem procurar todos os partidos sinceramente monarchicos é que discutâmos lealmente, é que, sem parti pris, sem preconceitos partidarios, sem prevenções politicas discutâmos lealmente, sinceramente; e quando todos entendermos que qualquer proposta do governo é defeituosa e má, ponhamol-a de lado; mas quando virmos que alguma proposta e susceptivel de emenda ou carece de alteração, acceitemol-a o melhoremol-a.

Pois não está na consciencia de todos nós que a hora presente é por tal maneira grave, que não devemos prescindir do auxilio de todos?

E é n'esta situação, que o sr. Baracho certamente não desconhece, que s. exa. vem tratar aqui a questão de fazenda, ligeiramente, a correr, a proposito da fixação do contingente, de recrutas?!

E nas circunstancias presentes que o illustre deputado vem lançar sobre as propostas do governo phrases que ferem o nosso decoro, porque s. exa. declarou incompativeis essas propostas com o decoro publico e nacional?

É n'esta occasião que s. exa. vem fazer essas affirmações perante a camara, prevenindo o publico contra as propostas do governo, excitando a opinião contra a sua approvação e prejudicando quasi toda a discussão placida, desassombrada e livre de qualquer intuito politico ou partidario?! (Apoiados.)

Sr. presidente, na ordem de idéas que acabo de indicar, póde qualquer illustre deputado contar com a minha cooperação, não como sentinella vigilante, que não preciso ser, mas como amigo do meu paiz; póde contar com toda a influencia, que resulta da minha posição official, no seio do meu partido, trabalhando na obra de salvação publica. Mas discutam, em vez de lançarem um pregão de descredito sobre as propostas do governo. Não se diga propositadamente que isto é um desfazer de feira; que se trata de alienar os ultimos rostos do paiz, dando assim a entender que nós, os sete homens, que nos sentamos n'estas cadeiras, estamos empenhados em lançar o paiz n'um sorvedouro, de onde não ha forças que o possam levantar.

É isto que eu peço em nome dos interesses da nação. Discutamos seriamente, sem lançar sobre os homens publicos insinuações pessoaes que...

O sr. Baracho: - Eu não lancei nenhumas.

O Orador: - Não lançou nenhumas?! Mas v. exa. disse que isto era um desfazer de feira, e pede-me que seja sentinella vigilante e que esteja álerta. Contra quem? Eu faço inteira justiça ao nobilissimo caracter de s. exa., e sei que nas suas palavras não podia haver intenção offensiva para nenhum dos membros do gabinete; mas lá fóra as paixões partidarias e a critica suspeita dos adversarios das instituições hão de dar da palavras de s. exa. uma interpretação muito diversa d'aquella com que o illustre deputado as proferiu, interpretação que pôde aproveitar a elles contra nós. E por isso que eu lavro sinceramente o meu protesto contra as palavras do illustre deputado. (Apoiados.)

Mais uma vez declaro aos illustres deputados da opposição que o governo está disposto a discutir as propostas que apresentou á camara com um intuito patriotico e de salvação publica,sem repellir nenhuma cooperação, nem rejeitar quaesquer alvitres que pareçam consentaneos ás conveniencias e aos interesses do paiz.

Procedendo assim, não rejeitando systematicamente quaesquer modificações que se façam ás suas propostas, o governo dá, creio eu, a prova mais completa e cabal de que o seu proposito é sincero e não deseja servir senão unica e exclusivamente os interesses publicos. (Apoiados.)

Sr. presidente, com as palavras que acabo de proferir quiz resalvar a situação e o decoro do governo; e quiz tambem aproveitar o ensejo para dizer com lealdade não ao á maioria, mas também é opposição parlamentar, que essas palavras devem ser consideradas como um appello leal á cooperação de todos na obra de salvação publica.

Vozes: - Muito bem.

(S. exa. não revê os seus discursos.)

O sr. Avellar Machado: - Começo por fazer minha a declaração provia apresentada pelo meu velho amigo e camarada o sr. Baracho, de que, nos projectos militares em especial, e em geral em todos os que interessam á economia nacional, nunca fez, nem fará politica.

Estou de accordo com essas declarações que mais de uma vez tenho repetido na camara dos senhores deputados, em diferentes occasiões.

Já que tive a honra de me seguir no uso da palavra, ao sr. presidente do conselho e ministro do reino, e em obediencia ás bons praxes parlamentares, permitta-me v. exa. que eu tome nota e registo devidamente as terminantes declarações de s. exa., perfeitamente sensatas na essencia e cordatas na fórma, lastimando eu apenas que o honrado

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sr. presidente do conselho não tivesse sempre pensado do mesmo modo que hoje pensa.

Se assim fôra, se houvesse mantido sempre a sua orientação actual, não teria s. exa. provocado a justificada animadversão politica de um dos partidos monarchicos que é, pelo menos, tão dedicado aos interesses do paiz e as instituições, como aquelle que mais o seja, incluindo o partido de que s. exa.
é chefe reconhecido (Apoiados.) e não o trataria na urna com uma ferocidade que não está em harmonia com os sentimentos do seu nobre coração. (Riso do lado da maioria. - Muitos apoiados.)

V. exa. riem-se? Se v. exa. fossem candidatos regeneradores pela Povoa de Varzim e Villa do Conde, por Alemquer, por Braga, Fundão, etc., saberiam, por experiencia propria, como os delegados do poder executivo trataram os eleitores do partido a que me honro do pertencer. (Apoiados.) Só desejava que isso tivesse acontecido para seu castigo, e estava vingado. (Apoiados.)

(Interrupção do sr. Joaquim Tello.)

O Orador: - O que quer v. exa. dizer com isso? Falle claro, como é do seu dever, para que todos o percebam. (Apoiados.)

O sr. Joaquim Tello: - V. exa. foi candidato sem opposição.

O sr. Presidente: - O sr. deputado não pôde interromper o orador.

O Orador: - Ora muito obrigado. Então queria v. exa. que ou fosse contratar um candidato para me fazer opposição? (Apoiados.) Queria v. exa. que eu me fosse lançar aos pés do sr. José Luciano pedindo-lhe, por grande obsequio, que maltratasse os meus amigos e orçasse os maiores obstaculos á minha candidatura? (Apoiados.) A tal não chega a rainha ingenuidade, nem a cordial estima que dedico aos meus amigos me permittiriam que eu fosse, desnecessariamente, de motu proprio, mettel-os em trabalhos, sómente para ser agradavel ao sr. Tello (Apoiados.) que, diga-se, sem offensa para s. exa., sempre saiu eleito da copa do chapéu do sr. ministro do reino, como Pallas da cabeça de Jupiter.

Como s. exa. sabe, o sr. conselheiro José Luciano conhece muito bem o districto de Santarem, como conhece perfeitamente o paiz, eleitoralmente faltando, porque sempre se dedicou com particular affecto a este importante ramo politico, e elle poderá dizer ao illustre deputado algarvio, que muito especialmente conhece o circulo de Abrantes, desde longa data (Apoiados.) e que nunca aqui entrei por favor dos governos, fossem elles quaes fossem, (Apoiados.) Fui sempre legalmente eleito, sem favor até dos chefes de partido (Apoiados.) o declaro-o bem alto diante d'esses chefes (Apoiados.) que podem confirmar o que acabo de asseverar. (Apoiados dos srs. José Luciano e João Franco.) Insinuações d'essas que não primam pela correcção, nem pela generosidade, seria a mim um dos ultimos a quem poderiam ser dirigidas, n'esta casa do parlamento. (Apoiados.)

Permitia-me v. exa. que eu não perca mais tempo com a interrupção do illustre deputado, o que novamente registe com prazer a declaração do sr. presidente do conselho, do que, com toda a sinceridade, solicitava a nossa cooperação pratica para o ajudar a tirar o paiz da critica situação em que só encontra e bem assim do que não tinha duvida em pôr de parte as propostas de fazenda que considerassemos desvantajosas e inacceitaveis o que a opinião publica repellisse.

Registo estas declarações, que não me causaram espanto, porque ou não esperava outra cousa do caracter alevantado de s. exa.; mas a verdade nua e crua, que está na consciencia de nós todos, e não obstante o enorme talento do sr. ministro da fazenda, meu illustre amigo e que eu muito respeito e a quem presto a minha homenagem, é que o seu projecto fazendario é um verdadeiro e lastimoso sudario de ruinosos emprestimos. (Muitos apoiados.)

O sr. Laranjo: - V. exa. está fóra da ordem.

O Orador: - Eu não vejo que v. exa. sr. presidente, désse procuração ao sr. Laranjo, para me interromper, e muito menos para me chamar á ordem, de que eu não me afastei. (Apoiados.)

O sr. Laranjo: - Ordem, ordem!

O Orador: - Eu não admitto, nem tolero que v. exa., ou outro qualquer, me chame á ordem, (Apoiados.) manterei com toda a energia, de que sou capaz, o direito que me assiste, como eleito do povo, do pugnar pelos seus mais caros interesses e hei de cumprir esse dever, custe o que custar. (Muitos apoiados.)

O sr. Laranjo: - Mas esse não é o assumpto que se discute.

O sr. Presidente: - O sr. deputado Laranjo não tem a palavra.

O Orador: - Eu não estou, nem nunca estive fóra da ordem, sr. presidente, mas se o estivesse, acataria como me cumpre as palavras de v. exa., porque v. exa. é digno, pelo seu caracter, do respeito e da estima de nós todos. (Apoiados.)

V. exa. foi aleito para esse cargo por nós todos, e pela nossa porte, não nos arrependemos, porque v. exa. tem sabido manter, á devida altura, os debates parlamentares. (Apoiados.)

O sr. Luiz José Dias: - Não é d'isso que se trata agora.

O sr. João Franco: - Já o sr. padre Luiz José Dias ajuda á missa ao sr. Laranjo?
(Riso, ápartes e muitos apoiados.)

O sr. Presidente: - Eu pedia ao sr. deputado para entrar no assumpto.

O Orador: - Sr. presidente, v. exa. sabe, que não só por mim, que sou seu amigo pessoal, mas por todos nós, d'este lado da camara, v. exa. tem sido sempre respeitado (apoiados.) pelas suas qualidades pessoaes, pela sua imparcialidade, pelo seu amor á lei, que tantas vezes tem sido demonstrado. V. exa. tem-se mantido sempre n'uma posição digna e correcta dentro do regimento da camara e é por isso que nós o respeitamos (apoiados) e estamos promptos a dar-lhe toda a força, (apoiados) porque o julgamos incapaz do qualquer atropello da lei. (Muitos apoiados.)

Se me afastei momentaneamente da ordem de considerações para que pedi a palavra, foi pela muita ponderação que me merecem as palavras do sr. presidente do conselho, e para registar as importantes declarações de s. exa. proprias do seu elevado caracter.

Desejarei muito que na pratica s. exa. não só afaste dos bons principios que estabeleceu, porque com isso ganha o governo, ganha a opposição e o que mais interessa, lucra principalmente o paiz (Apoiados). Registada esta declaração eu vou entrar propriamente na discussão do projecto que trata da fixação do contingente para o exercito, para a armada, guarda municipal e fiscal, pedindo a v. exa. me faça a justiça de acreditar que se me afastei do caminho que tinha o proposito de seguir, foi porque me chamaram a esse terreno. Fallo, em geral, sem calor, porque já não estou na idade em que as paixões politicas me podiam facilmente arrastar. Revolto-me, porém, e revoltar-me-hei sempre, quando alguém, seja quem for, pretenda arrogar-se o direito de me cercear as garantias que a carta constitucional e o regimento d'esta casa me concedem.

A proposta de lei de que se trata diz:

«O contingente para o exercito, armada, guardas municipaes e fiscal é fixado no anno de 1897, em 17:245 rerecrutas, sendo 15:000 destinados ao serviço activo do exercito, 745 á armada, 500 ás guardas municipaes, e 1:000 a guarda fiscal.»

Nós já votámos, cumprindo um preceito constitucional, e sob proposta do governo, a n.° 76, a fixação da força

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do exercito para o anno economico de 1897-1898 em 30:000 homens, devendo ser licenciados todos aquelles que, sem prejuizo do serviço, possam ser dispensados.

N'essa occasião perguntei ou ao nobre ministro da guerra, o meu honrado amigo, quantos mil homens julgava s. exa. necessarios para o serviço. S. exa. respondeu-me logo, com toda a franqueza, que tencionava licenciar 9:000, mas que talvez as circumstancias de momento o poderiam obrigar a conservar nos fileiras maior numero de praças: o seu desejo, porém, era que o effectivo se reduzisse a 21:000 homens, isto é, que em media, o numero das praças em serviço durante o anno economico de 1897-1898 não excedesse este numero.

Respondi então a s. exa., ponderando lhe que para se attender ás necessidades do serviço e ás da instrucção, achava muitissimo pequeno o effectivo de 21:000 homens, e affirmei a s. exa. que com menos de 23:000 talvez lhe não fosse possivel attender a essas necessidades, como a experiencia de muitos annos tem demonstrado.

S. exa. não foi longo de concordar com as minhas observações e disse, e muito bem, que nas circumstancias precarias em que se encontra o thesouro, é dever seu e de todos os seus collegas fazer todas as economias possiveis, mas de modo que se não desorganisem os serviços publicos.

S. exa. pede hoje um contingente do 15:000 homens para o exercito; mas isto não está de modo algum, permitta-me s. exa. que lh'o diga, em harmonia com as declarações que s. exa. fez, ao discutir-se a proposta da fixação da força armada.

Para que quer s. exa. um contingente de 15:000, para um effectivo real de 21:000 homens?

Não pôde ser.

No primeiro anno, depois que a actual organisação do exercito entrou em vigor, isto é, no anno economico de 1885-1886, a força armada foi fixada em 30:000 homens e o respectivo contingente em 12:000, sendo tambem auctorisado o governo a licenciar todas as praças que podesse dispensar, sem prejuizo dos serviços, e o numero medio effectivo das praças fui de 21:500; em 1886-1887 em que tambem, como agora estava no poder o partido de s. exa., a força armada foi fixada em 30:000 homens e o contingente respectivo em 12:000 homens, e o mesmo succedeu em todos os annos economicos até 1894, em que a força do exercito foi igualmente fixada em 30:000 homens, e o contingente era 12:000, e bem assim em 1895, por decretos dictatoriaes, que obtiveram em tempo opportuno a sancção parlamentar.

Foi sómente em 1896 que o contingente para o exercito se fixou em 15:000 recrutas.

Foi um contingente excepcional, que nenhuma rasão militar justificaria, reconhecendo-se já na proposta de então o desejo de alcançar dinheiro de remissões, e mais nada.

Em todos os annos que citei foi absolutamente impossivel fazer o serviço e attender ás necessidades da instrucção do exercito com o numero de praças que s. exa. declarou querer conservar nas fileiras, isto é, 21:000 homens.

Pelos documentos existentes no seu ministerio póde s. exa. verificar que o numero medio de praças no effectivo regulou entre 23:000 a 24:500 homens em cada um dos annos a que me referi.

Ora, se já havia difficuldade em fazer passar pelas fileiras um contingente de 12:000 homens, sendo o effectivo da força de 23:000 a 24:000 homens, o que succederá elevando-se o contingente a 15:000 homens, ao mesmo tempo que se reduz a força a 21:000 homens?

Não póde ser.

É para este ponto que chamo a attenção do illustre ministro. Acho este contingente elevadissimo, não só em relação a força que o poder legislativo fixou, sob proposta do governo, mas principalmente em relação á força effectiva que o honrado sr. ministro da guerra declarou querer apenas conservar em armas até 21:000 homens. Não é possivel, n'estas condições, receber e instruir esse numero de recrutas, que mesmo de longe se approxima do numero fixado n'esta proposta de lei.

As praças inutilmente chamadas ao serviço militar são outros tantos braços roubados á lavoura e á industria, justamente quando é tão precaria a situação do paiz e quando a emigração cresce em proporções extraordinarias e anno para anno.

Eu quero que o exercito receba os recrutas que deve e póde receber para lhes ser ministrada a devida instrucção, mas não quero que se peçam mancebos a mais do que o numero necessario, unicamente como fonte de receita para o cofre das remissões.

A proposito permitia-mo v. exa., sr. presidente, que eu aproveite a occasião para chamar a attenção do illustre ministro da guerra sobre a maneira irregular como correu no anno proximo passado o serviço da inspecção de recrutas.

Como disse, ha pouco, o meu illustre collega o sr. Baracho, sómente no regimento que s. exa. tão dignamente commanda, cavallaria n.° 2, em que o contingente de recrutas foi de 259 homens, houve 33 baixas por incapacidade, immediatamente era seguida á entrada no serviço! Veja o illustre ministro o criterio que presidiu a essas inspecções!

Mas, ha mais. Approvados pelas juntas medicas, e apenas entrados no serviço, deram baixa ao hospital militar de Lisboa, e foram julgados absolutamente incapazes mais de 700 praças. Só na 1.ª divisão militar é realmente espantoso!

Mais de 700 recrutas, pouco depois de entrarem nas fileiras do exercito, tiveram baixa por incapazes do serviço militar, porque o seu estado physico lhes não permittia prostal-o.

V. exa. imagina de certo bem o transtorno e inconveniencia d'aqui resultante, sob todos os pontos de vista, assim como a enorme despeza que o estado foi compellido a fazer com os invalidos injustamente approvados pelas juntas militares de saude.

É necessario que a inspecção seja severa, mas justa; e não é justo approvar mancebos sobre que haja a menor duvida ácerca das suas excellentes condições physicas para poderem desempenhar os arduos serviços que d'elles se exigem.

E quer v. exa. avaliar da razzta de invalidos que por esse paiz fóra foram indevidamente julgados aptos para o serviço? Eu lh'o mostro.

Em França, o numero annual das rejeições sobre as approvações regula por 50 por cento; na Allemanha por 52 por cento; e ninguem dirá que a raça teutonica não é uma raça das mais fortes e robustas da Europa.

Passando em claro a Inglaterra, onde o serviço é prestado voluntariamente, vemos que na Hespanha essa percentagem é de 58 por cento, na Russia de 49 por cento, na Italia de 53 por cento, etc. Já v. exa. vê quo é uma deshumanidade que n'um paiz como o nosso essa percentagem andava no ultimo anno por 70 por conto, havendo provincias, como as duas Beiras, em que os homens são, em geral, fracos e de pequena estatura.

Approvar homens que não sejam perfeitamente validos é uma injustiça flagrante, o causa enormes prejuizos e despezas ao estado, sobrecarregando os quarteis generaes, os hospitaes e os regimentos com trabalhos inuteis para a instituição.

Eu sei que o sr. ministro da guerra ha de tomar nota d'estas minhas considerações, e ha de providenciar para que tudo corra como deve correr no ministerio a seu cargo. N'isto mostro o meu respeito por s. exa., e que não

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me cegam as paixões politicas, porque sei fazer justiça a todos.

E dito isto, quero tornar bem manifesto que entre n'este debate, não para tomar tempo á camara, mas por que não tive occasião de discutir o projecto na commissão de guerra, sem que as minhas considerações possam representar menos consideração pelo trabalho do illustre ministro da guerra, que devidamente apreciei.

Resumindo: as duvidas que se formaram no meu espirito são:

1.° Achar o contingente que se pede, elevadissimo e em desproporção com o effectivo da força armada que se fixou, e sobretudo com o effectivo que o nobre ministro declarou querer conservar e manter;

2.° Julgar que é indispensavel recommendar expressa e categoricamente ás juntas de inspecção que se approvem recrutas bem conformados, e sufficientemente fortes e robustos para o serviço militar.

Muitas outras considerações desejaria fazer ainda ao artigo 1.° da proposta de lei em discussão, e sobretudo ao seu artigo 2.° Deixal-os-hei para outra occasião, pois vejo que a hora da sessão está bastante adiantada, que o meu amigo o sr. Baracho ha de ter vontade de responder ao nobre presidente do conselho, e que convem não demorar a votação do projecto para tratarmos de outros assumptos de capital importancia para o paiz.

Tenho dito.

O sr. Ministro da Guerra (Francisco Maria da Cunha): - Sr. presidente, começo por agradecer aos Srs. deputados que acabam de fallar o lisonjeiro conceito que formam de mim e dos meus serviços ao paiz, tanto mais que pelo seu caracter são para formar reputações; sentindo não poder, como membro do governo, agradecer ao sr. Baracho as injustissimas apreciações que fez dos seus actos governativos, tanto mais quanto tenho a consciencia de que não é possivel empregar mais zêlo, mais interesse, mais estudo é mais animo patriotico, para melhorar as condições do paiz, do que o tem feito o governo. Sobre essas apreciações não direi mais, porque já respondeu a ellas o meu illustre chefe, o sr. presidente do conselho, e eu não o poderia fazer melhor.

Disse o sr. Baracho, que talvez eu tivesse de augmentar ainda o contingente de 15:000, porque as medidas do governo provocariam manifestações para reprimir as quaes não chegaria, a força normal do exercito. Descance s. exa.; não receie essas manifestações, por tão acertadas e proficuas tenho eu as medidas do governo. (Apoiados.)

Apresentou s. exa. a estatistica do numero de recrutas alistados no regimento de cavallaria 2 em differentes annos, e nota que no ultimo a percentagem dos mancebos a quem foi dada baixa do serviço foi incomparavelmente maior, o que prova o exagerado rigor das juntas de inspecção e os inconvenientes que de um tal rigor resulta para o serviço e para a fazenda.

Sr. presidente, uma das missões mais difficeis do cirurgião militar é a de apreciar a capacidade ou incapacidade dos mancebos recenseados, parecendo aliás muito facil, desde que ha uma tabella de lesões; mas ha circumstancias que a tabella não prevê, que só um criterio muito apurado póde apreciar; de resto, eu considero tão condemnavel rejeitar um recruta que está nas condições de servir nas fileiras, como admittir o que não esteja: é esta a doutrina que procurarei tornar effectiva.

Ainda se referiu s. exa. a ser mandado só um enfermeiro com a expedição que vae partir para a Africa. Estava effectivamente no mappa da expedição um só enfermeiro, mas já posteriormente me foi pedido pelo ministerio já marinha um outro, não sendo facil mandar mais, porque a respectiva companhia os não póde dispensar, tão reduzido é o seu numero em relação aos serviços para que são destinados.

O sr. deputado e meu amigo o sr. Avellar Machado julga o contingente de 15:000 exagerado, em relação á força de 80:000 homens de que deve constar o exercito em tempo de paz, é á difficuldade de licenciar praças até ao numero de 21:000, para o que no orçamento será fixado vencimento; julga que talvez podesse ser reduzido, não se privando tambem a agricultura e a industria de tão grande numero de braços.

S. exa. sabe que é hoje principio admittido em todos os paizes que exercito permanente nas condições de fazer a guerra, só composto de soldados que tenham passado pela fileira; que o primeiro impulso deve ser dado com soldados feitos. (Apoiados.}

Baseado n'este principio têem sempre sido pedidos nos annos anteriores a 1896 12:000 de contingente; e de certo sendo a força do exercito em pé de guerra de 120:000, os doze contingentes dariam no fim de doze annos 144:000 homens, e abatendo a percentagem das falhas, calculada em 15 por cento no fim d'aquelle praso, como na Allemanha, ou 4 por cento no primeiro anno, 3 por cento no segundo e 2 por cento nos seguintes, como em França; e de 4 por cento annualmente como na Austria, teremos approximadamente o numero de praças fixado para a força do exercito em pé de guerra.

Mas dá-se a circumstancia de que no anno passado se remiram mais de 3:000 recrutas do respectivo contingente, o que o reduzirá a menos de 12;000.

Mais ainda: nos annos anteriores não foi possivel fazer entrar geralmente nas fileiras mais do que metade do numero de mancebos exigido nos contingentes, de modo que se manifesta um desfalque grande na totalidade das pragas instruidas, sendo que actualmente o numero d'estas é de 81:000. O augmento do contingente é tambem destinado indemnisar este desfalque.

Deu-se ha tempo na Belgica um facto que manifesta com que escrupulo se procura tornar effectivo o numero de praças dos contigentes pedidos annualmente. Reconheceu-se que em oito annos successivos, alem dos não comparecentes do contingente de 12:000 homens, houve um desfalque de 11:540 recrutas. O ministro da guerra preoccupou-se com este facto e foi pedir providencias ao parlamento, resolvendo-se que para indemnisação dos primeiros se fizesse um sorteio supplementar entre os inscriptos de cada região, proporcional ao que deram para o contingente geral; e para completar o desfalque por deserções, fallecimentos, reformas, condemnações, etc., fossem acrescentados os contingentes dos oito annos seguintes em uma determinada proporção, ficando constante esse augmento lê ahi por diante, para garantir o contingente de 12:000 homens: foi n'estes principios que me inspirei.

Creio ter respondido ás reflexões do ilustre deputado.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Presidente: - A hora está muito adiantada - não sei se o sr. deputado Baracho quer usar da palavra n'estas condições, ou se prefere ficar com ella reservada.

O sr. Dantas Baracho: - Falta um quarto de hora e eu creio que é sufficiente para o que pretendo dizer.

«Eu não tenho conhecimento das propostas fazendarias; eu fallei precipitada e levianamente.»

N'estes termos se exprimiu o sr. presidente do conselho, a meu respeito; e, se registo o conceito que a s. exa. mereço, não é para corresponder á aggressão com a aggressão, conforme era meu direito, (Muitos apoiados.) mas simplesmente por lhe significar quão alheiado s. exa. se intenteou dos genuinos preceitos parlamentares (Apoiados.), o que denota que toquei na chaga em que devia tocar, com o que muito me lisonjeio (Apoiados.} Demais, a despeito das aggressões de que foi alvo, eu de novo manifesto o meu respeito por s.exa., e tambem o meu reconhecimento pelas amabilidades com que, em varias ouras vezes, s. exa. me tem distinguido, embora n'estas minhas espontaneas declarações o possa affectar na sua modestia,

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Mas prestada mais uma vez a devida homenagem aos dotes de caracter de s. exa., compre-me justificar agora o meu procedimento. Nada mais facil do que isso, sr. presidente. É o proprio sr. presidente do conselho que se encarrega de destruir, de pulverisar as suas mais aceradas e acerbas accusações.

E se não vejamos: se eu não tenho conhecimento das propostas de fazenda e a ellas me referi leviana o precipitadamente, quando instei por que algumas d'ellas fossem pontas do parte, porque é que s. exa. vem declarar, justificando plenamente as minhas accusações, que acceita quaesquer alterações que as possam melhorar, e até a sua rejeição, se reconhece que a opinião as não recebe favoravelmente? (Muitos apoiados.) Pois em presença d'estas importantissimas declarações, que eu muito folgo ter provocado (Apoiados.), e que registo para os devidos effeitos, não só encontra s. exa. de accordo commigo, ou muito proximo d'isso? (Apoiados.) Ninguem, me parece, ousará affirmar o contrario. (Vozes: - Muito bem.)

Quanto a s. exa. assegurar que não conheço as propostas, eu deve dizer-lhe que não costumo occupar-me do que me é estranho, como o tenho provado pelos meus actos na minha já longa carreira parlamentar, e espero mais uma vez comproval-o, quando ellas vieram á discussão. Por este modo collaborarei, como s. exa. deseja, na feitura e elaboração das leis de iniciativa do governo, e não alterarei com isso o roteiro até hoje seguido pela opposição regeneradora, apesar de o illustre presidente do conselho se queixar ha pouco do contrario. (Apoiados).

Todas as propostas de lei, por nós têem sido discutidas serenamente, e ainda na anterior sessão annuimos a que fosse intercalada, na discussão do projecto sobre a escola naval, a do tratado do commercio com o Japão, por o sr. ministro dos estrangeiros ponderar que o interesse publico assim o aconselhava. Se depois, incidindo de novo os debates sobre a escola naval, não houve, findos elles, numero para a votar, agradeça-o s. exa. á sua maioria, que brilhava pela sua ausencia...

O sr. Presidente: - Peço licença para dizer ao illustre deputado que o incidente não pôde tomar o logar de discussão principal.

O Orador: - V. exa. a todos os outros oradores que me antecederam dispensou a amabilidade de os deixar fallar livremente. Para commigo está sendo agora do maior rigorismo, quando eu só procuro justificar-me das accusações que formulou contra mim o nobre presidente do conselho.

Obedecendo a este proposito, seja-me permittido recordar que eu só uma vez interrompi s. exa. Foi quando s. exa. disse que eu fizera insinuações pessoaes. Apressei-me immediatamente a lavrar o meu protesto, que n'este momento renovo, porque não está, nem esteve nunca no meu animo, essa ordem de processos. (Apoiados.) Ataquei e ataco sempre de frente, quando tenho de hostilisar, acceitando todas as responsabilidades, no campo em que m'as queiram pedir. (Apoiado».} Esta tem sido a minha norma de proceder, e ninguem com verdade ousará contestal-o. (Apoiados.)

O sr. Presidente: - Peço desculpa ao illustre deputado; não é meu intento cortar-lhe a palavra. Desejava, porém, que se restringisse, quanto possivel, ao assumpto em discussão.

O Orador: - Outra cousa não faço, sr. presidente, nem mo era possivel fazer, attento o pouco tempo de que disponho para responder ao nobre presidente do conselho, a quem não tenho duvida de assegurar que tão prejudiciaes reputo algumas das medidas de fazenda, que, sendo-me possivel, não vacilaria em fazer obstruccionismo para evitar que fossem approvadas. Creio que prestaria, com isso, um excellente serviço ao paiz. (Apoiados.}

Em 1888, em que pela primeira vez appareceu o projecto do novello dos caminhos de ferro, que se renovou n'esta legislatura, infelizmente, ou usei da palavra cinco sessões seguidas, como manifestação das idéas de que a opposição estava possuida, a fim de evitar que tal projecto tivesse approvação. Então conseguiu-se o que se desejava, e era da maxima utilidade para a nação. (Apoiados.)

Coube-me a honra, permitta-se-me a immodestia, de ter sido ou quem mais concorreu para esse lisonjeiro resultado. (Apoiados.)

Agora, a despeito de haver, com o actual regimento, muito menor margem para o obstruccionismo, a opposição regeneradora está resolvida a empregar todos os meios licitos, ao seu alcance, para que essa e outras propostas não sejam convertidas em leis do estado. (Apoiados.}

E por mais que o illustre presidente do conselho proclamo que a opposição promove a excitação dos partidos, nós continuaremos trilhando pelo caminho patriotico, que a nós proprios traçámos, o que não nos impede de admirar a audaciosa pretenção com que s. exa. nos distribuo um papel, que não nos pertence, que é todo de s. exa. Pois somos nós que excitamos á lucta partidaria, e é s. exa. que se permitte assoalhar que a herança do actual governo foi o descredito? (Apoiados.)

Assim o assegurou ha pouco. (Apoiados.)

Todos nós o ouvimos. (Apoiados.}

E não se lembra s. exa. que o descredito, se de facto existe, foi gerado, amamentado e robustamente se desenvolveu durante a gerencia a que s. exa. presidiu, de 1885 a 1889 (Apoiados.} e que teve por epilogo este dobre de finados - o ultimatum de 11 de janeiro. (Vozes: - Muito bem.)

Se, portanto, um fundador ha do descredito nacional, essa triste celebridade, verdadeiramente funebre, pertence de juro ao partido progressista. (Muitos apoiados.}

O sr. Presidente: - Eu peço que se restrinja ao assumpto.

O Orador: - Eu estou justificando, como supponho ser o meu direito, o partido a que tenho a honra de pertencer, das accusações que lhe dirigiu o sr. conselheiro José Luciano de Castro. (Apoiados.}

Mas tanto desejo tenho em ser agradavel a v. exa., sr. presidente, que poria desde já ponto ás considerações que venho fazendo, se v. exa. assim o entendesse. De outro modo, em breve concluirei tambem, e para isso registarei ainda as palavras proferidas pelo illustre ministro da guerra, que categoricamente declarou não ter receio de que as medidas de fazenda dêem margem a perturbações de ordem publica.

Oxalá que assim seja. O mais seguro, porém, para que tal succeda, é pôr de parte as que mais irritam a opinião.(Apoiados.}

É fóra de duvida que, por maior que seja a força de que se disponha, não o prudente, não e de sabia administração, nem de boa politica, transformar o paiz n'um grande alfobre de descontentes (Apoiados.}, ainda quando, nas questões de ordem publica, todos os monarchicos estejam estreitamente unidos, conforme declarou ha pouco o sr. João Franco, em resposta ao sr. presidente do conselho. (Apoiados.)

Abundando n'esta ordem do principios, e devidamente auctorisado para fallar em nome do meu partido, ratifico a declaração do meu leader, certificando que o governo terá todo o nosso apoio nas questões de ordem publica, e acrescento:

1.° Que a opposição regeneradora não aspira na actualidade ao poder, e só pretende que o governo bem se desempenhe da sua missão. (Apoiados.)

2.° Que ella ha de discutir todas as propostas de fazenda, sendo intransigente perante algumas d'ellas. (Apoiados.)

E posto isto, sr. presidente, v. exa. tem a amabilidade de me dizer a que horas se encerra a sessão?

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O sr. Presidente: - Ás seis horas e meia..

O Orador: - Falta por consequencia apenas um minuto para dar a hora, e eu desejava proferir mais algumas palavrão, muito poucas.

O sr. Presidente: - Devo informar lealmente o sr. deputado de que, pelo artigo 65.°, se não quizer ficar com a palavra reservada, não pôde ir alem da hora.

O Orador: - Em tal caso concluirei, consignando, por ultimo, que julgo ter respondido integralmente a todo o libello accusatorio formulado pelo sr. presidente do conselho contra o meu partido e contra n'um, e que na minha replica creio ter-me mantido com a sinceridade e cortezia que me prezo de sustentar nas discussões em que tomo parte.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador, foi cumprimentado por todos os srs. deputados da opposição regeneradora.}

Vozes: - Votos, votos.

Outras vozes: - Deu a hora.

O sr. Presidente: - A hora ainda não deu. Está exgotada a inscripção. Vae ler-se o projecto n.° 12 para se votar.

Lidas e postos sucessivamente á votação os artigos 1.°, 2.º e 3.º foram approvados.

O sr. Presidente: - Á ord»m ao dia para ámanhã é a continuação da de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas e meia da tarde.

Documentos enviados para a mesa n'esta sessão

Propostas de lei apresentadas pelos srs. ministros da marinha e obras publicas

Proposta de lei n.° 28-A

Senhores. - A lei de 16 de maio de 1885, que auctorisou o governo a converter em contrato definitivo o contrato provisorio, assignado em 9 de julho de 1884, para o estabelecimento de um cabo telegraphico submarino entre Cabo Verde e a costa occidental da Africa, fez a este contrato varias modificações, sendo uma a que obrigava o concessionario a prolongar o cabo submarino para o sul da Africa, servindo, entre outros pontos, Novo Redondo.

Na conformidade d'essa lei foi assignado o contrato de 5 de junho de 1885, que no seu artigo 1.° preceitua a obrigação para o concessionario de estabelecer e explorar um cabo telegraphico submarino, que, partindo de Loanda, sirva Novo Rodondo, Benguella e Mossamedes.

Quando em 1889 se procedeu á collocação de cabo para o sul de Loanda, a companhia que se substituíra ao concessionario primitivo, procurou evitar o cumprimento da clausula de amarração em Novo Redondo, e a despeito do protesto do engenheiro hydrographo encarregado de fiscalisar a collocação do cabo, este não foi ali amarrado, allegando-se difficuldades serias para a sua collocação e conservação.

A companhia propoz depois substituir a amarração em Novo Redondo pela amarração em Quelimane do cabo da costa oriental, mas a sua proposta, por demasiado onerada, não chegou a ser acceita.

Não teve andamento está questão; até que em fim de 1893 subiu ao governo uma representação de varios proprietarios e negociantes da provincia de Angola, pedindo que se desse cumprimento ao contrato com referencia á amarração de cabo em Novo Redondo. Tendo-se instado com a companhia para que cumprisse o contrato, ponderou ella que seriam graves os inconvenientes que resultariam, tanto para o governo portuguez e serviço publico, como para a propria companhia, d'aquella amarração, nas más condições de segurança em que teria de ser levada a effeito pela natureza do fundo do mar nas proximidades d'aquella parte da costa, que apresenta grandes difficuldades para a boa e regalar conservação das communicações telegrapho-submarinas, e propoz fornecer ao governo portuguez o material necessario para ligar por terra Novo Redondo com a estacão de Benguella, pondo assim, não só aquella povoação com as demais do litoral, intermediarias em communicação com o cabo submarino.

Não tendo sido julgada sufficiente a compensação offerecida, e depois de mandado fazer o orçamento da despeza para a construcção de uma linha telegraphica terrestre que servisse Novo Redondo, Egito e Quicombo, chegou-se finalmente a um accordo em virtude do qual a companhia se obrigou a entregar ao governo a quantia de 32:000$000 réis para a construcção d'aquella linha, ficando desobrigada de amarrar o cabo em Novo Redondo.

Da exposição que precede conclue-se que a companhia, encontrando difficuldades serias para a amarração do cabo em Novo Redondo e para a sua conservação n'aquellas paragens, só por estas rasões deixou de cumprir o contrato, mas que a substituição da alludida obrigação se pôde realisar de um modo vantajoso para os interesses da provincia de Angola.

Com uma estação de cabo telegraphico submarino sujeita a repetidas interrupções, Novo Redondo ficaria em peiores condições de que ligada com Benguella por uma linha terrestre, cuja regularidade de serviço pôde ser assegurada; devendo ainda ponderar-se que com esta linha se serve não só aquella povoação, mas a região entre Novo Redondo e Benguella.

Por todas estas considerações confio que merecerá a vossa approvação a proposta de lei que tenho a honra do vos apresentar.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 22 de julho de 1897. = Henrique de Barros Gomes.

Proposta de lei

Artigo 1.° É approvado, para ser convertido em definitivo, o contrato provisorio celebrado em 15 de janeiro de 1897, entre o governo e a «Eaatern and South African Telegraph Company, limited»,. para a modificação da clausula do contrato de 6 de junho de 1885, relativa á amarração em Novo Redondo do cabo telegraphico submarino.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 22 de julho de l891. = Henrique de Barros Gomes.

Aos 15 dias do mez de janeiro de 1897, no gabinete de s. exa. o ministro e secretario d'estado dos negocios da marinha e ultramar, compareci eu João Thaumaturgo Junqueiro, na ausencia do secretario geral d'este ministerio, e ahi, estando presente de uma parte o mesmo exmo. ministro, como primeiro outorgante, e da outra como segundo outorgate Carlos Ferreira dos Santos e Silva, representante da companhia «Eastern and South African Telegraph Company, Limited», especialmente auctorisado para accordar com o governo nos termos d'este contrato, como mostrou por documento em devida fórma que fica archivado n'esta secretaria d'estado; pelos mesmos foi dito na minha presença e das testemunhas ao diante nomeadas, assistindo a este acto o conselheiro Diogo Antonio de Sequeira Pinto, procurador geral, da corôa e fazenda, que, attentas as rasões constantes da correspondencia trocada desde 1885 até hoje, entre o governo e aquella companhia, concordavam no seguinte contrato:

Artigo 1.° A companhia «Eastern and South African. Telegraph Oompany, Limited», obriga-se a entregar no ministerio da marinha e ultramar, á ordem de s. exa. o ministro, a quantia de 32:000$000 réis, destinada á construcção de uma linha telegraphica terrestre entre Ben-

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guella e Novo Redondo, cuja exploração ficará pertencendo ao estado.

Art. 2.° Com a entrega d'esta quantia ficará a companhia desobrigada de servir Novo Redondo com o cabo submarino que do Loanda segue para o sul até Cape Town, e modificado portanto n'esta conformidade o artigo 1.° do contrato de 5 de junho de 1885.

Art. 3.º Cessará para a companhia o direito exclusivo de amarração em Novo Redondo que lhe era garantido pelo artigo 4.° do dito contrato, e bem assim os direitos subsequentes mencionados nos respectivos artigos 5.°, 6.° e 7.°

Art. 4.° Este contrato só terá execução depois de approvado por lei.

E com estas condições e clausulas têem por feito e concluido o dito contrato, ao qual assistiu, como fica declarado o conselheiro Diogo Antonio de Sequeira Pinto, procurador geral da corôa e fazenda, sendo testemunhas presentes Belchior José Machado, chefe de secção da 3.ª repartição da direcção geral do ultramar, e Raul Cordeiro, amanuense da mesma repartição.

E eu, João Thaumaturgo Junqueira, chefe da 6. repartição da direcção geral do ultramar, na ausência do secretario geral do ministerio, em firmeza de tudo e para constar onde convier, fiz escrever, rubriquei e subscrevi o termo presente do contrato, que assignam commigo os mencionados outorgantes e mais pessoas já referidas depois de lhes ser lido. = Jacinto Candido da Silva = Carlos F. dos Santos Silva = Belchior José Machado = Raul Cordeiro == João Thaumaturgo Junqueiro.- Fui presente, S. Pinto.

Estão colladas duas estampilhas de imposto do sêllo da taxa de 100 réis, e uma da taxa de 1$000 réis devidamente inutilisadas.

Está conforme. - Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 21 de julho de 1897. = Francisco Joaquim da Costa e Silva.

Proposta de lei n.° 18-B

Senhores. - Tendo Alberto da Cunha Leão o Antonio Julio Pereira Cabral pedido a concessão de um caminho do ferro de via reduzida, com tracção a vapor, para passageiros e mercadorias, a partir da estação da Regua no caminho de ferro do Douro e seguindo por Villa Real, Villa Pouca de Aguiar proximidades das Pedras Salgadas, Vidago e Chaves até á fronteira, sem encargos directos para o estado, pois não pediam garantia de juro para o capital empregado, nem subsidio para a construcção, entendeu o governo, ouvidas as estações competentes, dever fazer essa concessão nos termos do decreto de l de abril do corrente anno.

Como vereis, essa concessão tem o caracter provisorio visto que nas suas condições, annexas ao referido decreto, se dão regalias que só podem ter valor legal quando sanccionadas pelo poder legislativo.

Consistem ellas principalmente na isenção de pagamento de alguns impostos e contribuições durante prasos determinados e que incidem sobre bases que não existiriam sem a construcção do referido caminho de ferro.

Se em qualquer epocha seria de conveniencia publica obter a construcção de um caminho de ferro n'estas vantajosas condições; na presente conjunctura, em que a falta de trabalho é geral no paiz, e os capitães se retrahem e fogem de emprehendimentos d’esta ordem, afigura-se ao governo que não se deve deixar de prestar todo o auxilio possivel a quem só propõe construir um caminho de ferro, que irá servir uma provincia por ora tão pouco dotada d’este poderoso meio de desenvolvimento agricola e commercial, não exigindo do estado o minimo encargo orçamental.

O acrescimo de trafego que á linha do Douro deverá trazer o caminho de ferro da Regua a Chaves e á fronteira justifica a concessão de uma tarifa especial de transporte n'aquella linha do estado, para todos os materiaes necessarios para a construcção e exploração do novo caminho de ferro.

Como vereis, senhores, pelo exame das condições annexas ao decreto de concessão provisoria, os preceitos n'ellas estabelecidos pouco differem dos existentes em concessões anologas, e as differenças que ha são facilmente justificaveis.

E por isso temos a honra de sudmetter á vossa esclarecida apreciação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.º É o governo auctorisado a tornar definitiva a concessão provisoria feita a Alberto da Cunha Leal e Antonio Julio Pereira Cabral da construcção e exploração de um caminho de ferro da Regna a Chaves e á fronteira, nos termos do decreto de l de abril do corrente anno e das clausulas e condições ao mesmo annexas.

Art. 2.° E na parte que lhe diz respeito revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios das obras publicas, commercio e industria, em 22 de julho de 1897. = José Luciano de Castro = Frederico Ressano Garcia = Augusto José da Cunha.

Tendo-me sido pedida por Alberto da Cunha Leão e Antonio Julio Pereira Cabral a concessão de um caminho de ferro de via reduzida, com tracção a vapor, para passageiros e mercadorias, a partir da estação da Regua no caminho de ferro do Douro e seguindo por Villa Real, Villa Pouca de Aguiar, proximidades das Pedras Salgadas, Vidago e Chaves até á fronteira;

Considerando as grandes vantagens publicas que resultam da construcção d'este caminho de ferro, e attendendo ás considerações expostas pelo conselho superior de obras publicas e minas, em sua consulta de 22 de março findo;

Mas visto que se pede a isenção do impostos:

Hei por bem conceder provisoriamente aos referidos Alberto da Cunha Leão e Antonio Julio Pereira Cabral, ou á companhia que primeiro organisarem, a auctorisação que solicitam para construir e explorar por noventa e nove annos a mencionada linha ferrea nas condições annexas ao presente decreto, e que baixam assignadas pelo ministro e secretario d'estado dos negocios das obras publicas, commercio e industria, devendo esta concessão tornar-se definitiva:

a) Depois de approvada pelo poder legislativo;

b) No caso dos concessionarios, dentro do praso de seis mezes, declararem que acceitam as alterações que o poder legislativo queira introduzir nas clausulas e condições da concessão;

c) No caso de desistencia dentro de um anno, a contar d'esta data, por parte dos concessionarios, das garantias concedidas pelas clausulas n.ºs 44.° e 45.°

O presidente do conselho de ministros, e ministro e secretario d'estado dos negocios do reino, e os ministros e secretarios d'estado dos negocios da fazenda e das obras publicas, commercio e industria, assim o tenham entendido e façam executar. Paço, em l de abril de 1897. = REI. = José Luciano de Castro = Augusto José da Cunha = Frederico Ressano Garcia.

Está conforme. - Segunda repartição da direcção dos serviços de obras publicas, em 20 de julho de 1897. = Pelo chefe da repartição, Joaquim F. de Poças Leitão.

Clausulas e condições annexas ao decreto d'esta data, de concessão provisoria a Alberto da Cunha Leão e Antonio Julio Pereira Cabral, da construcção e exploração de um caminho de ferro da Regua a Chaves e á fronteira

1.ª

A empreza effectuará á sua custa, e por sua conta e risco, sem subsidio do estado, nem garantia de juro do

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SESSÃO N.º 18 DE 22 DE JULHO DE 1897 349

Capital empregado, pelo modo e nos prasos abaixo estipulados:

1.° Os estudos e a construcção do dito caminho de ferro com todas as suas dependencias a partir da estação da Regua no caminho de ferro do Douro e seguindo por Villa Real, Villa Pouca, proximidades das Pedras Salgadas, Vidago e Chaves até a fronteira, assente em leito proprio ou na berma das estradas que com auctorisação do governo possa utilisar, sendo o dito caminho de ferro completo em todas as suas partes, com todas as expropriações, indemnisações a proprietarios, aterros e desaterros, obras de arte, assentamento de vias, estações e officinas de pequena e grande reparação e todos os edificios accessorios, casas de guarda, passagens de nivel, muros de sustentação, muros de vedação ou sobes para separar a via ferrea das propriedades contiguas e em geral as obras de construções previstas ou imprevistas, sem excepção ou distincção que forem necessarias para o completo acabamento d'este caminho de ferro.

§ unico. A palavra «empreza» significa sempre os concessionarios primitivos ou a primeira sociedade que por elles for organisada em conformidade das leis e da auctorisação que lhes for concedida.

2.° O fornecimento, conservação e reparação do material circulante machinas e utensilios para as officinas, plataformas giratorias, reservatorios e apparelhos hydraulicos, guindastes, signaes e em geral todo o material fixo e circulante, designado ou não designado, que for necessario para manter o caminho de ferro em perfeito estado de exploração.

3.° O estabelecimento de uma linha telegraphica ou telephonica ao lado do caminho de ferro em toda a sim extensão e a conservação e a renovação dos materiaes e apparelhos que forem precisos para a conservar em bom estado de serviço.

4.° A collocação de marcos kilometricos depois de terminada a linha e o levantamento do cadastro do caminho de ferro, com a descripção de todas as obras de arte e mais dependencias.

2.ª

Os projectos a apresentar comprehenderão planta geral de traçado (escala l por 5:000), perfil longitudinal (escalas l para 5:000 para os cumprimentos e l para 500 para as, alturas), perfis transverqaes (escala l para 200), plantas parcellares (escala l para 1:000), perfil typo da via (escala l para 60), dimensão e espaçamento das travessas (escala l para 100), typo dos carris (escala l para 50), plantas e alçados de todas as obras, apparelhos e machinas necessarias para a construcção e exploração da linha (escala l para 50 para os comprimentos totaes inferiores a 10 metros e l para 100 ou l para 200 quando esses comprimentos sejam comprehendidos entre 10 e 100 metros ou superior a 100 metros). Os desenhos serão acompanhados de uma memoria descriptiva e justificativa, das diversas peças do projecto incluindo as machinas, carruagens para passageiros e wagons a empregar na exploração da linha.

§ unico. A empreza se lhe convier poderá utilisar os estados que estejam feitos por conta do governo.

3.ª

A empreza apresentará sempre os projectos em duplicado, sendo-lhe depois, de approvado entregue, um dos exemplares devidamente authenticado na direcção dos serviços de obras publicas.

4.ª

Qualquer mudança que no acto da construcção se julgue necessaria, ou conveniente introduzir no projecto, será sujeita pela empreza á approvação do governo.

5.ª

Nenhum trabalho poderá ser iniciado sem que os respectivos projectos tenham sido approvados pelo governo.

6.ª

A largura da via será de l metro entre as faces internas dos carris; a do caminho ao nivel da plataforma e dos carris, a maxima inclinação dos traineis, o minimo raio das curvas, as dimensões das fossas e a inclinação dos taludes, quer em aterro, quer em escavação serão indicados e devidamente justificados pela empreza na memoria descriptiva e justificativa do projecto da linha, dependendo a sua adopção de approvação do governo, mediante parecer do conselho superior de obras publicas e minas.

7.ª

A linha ferrea será construida com o leito e obras de arte para uma só via, á excepção das estações, em que haverá as necessarias vias de resguardo e as de serviço. A entre via, ou distancia entre duas vias, será, pelo menos, de 2 metros entre as faces externas dos carris.

8.ª

As terras para a formação dos aterros serão sempre extrahidas de maneira que se evite a estagnação das aguas, prejudicial á saude publica.

9.ª

Todos os aqueductos, pontes e viaductos serão construidos de pedra, ou ferro, ou tijolo. Só poderão empregar-se outros materiaes em casos particulares, precedendo approvação do governo.

10.ª

As estações serão feitas de pedra ou tijolo. O seu numero e situação serão indicados no projecto.

§ unico. O governo a pedido da empreza, ou dos povos interessados, sendo aquella ouvida, poderá auctorisar o estabelecimento do estações provisorias ou apeadeiros nos pontos em que a sua conveniencia não esteja bem definida, e a sua suppressão quando se mostre que os seus resultados não são convenientes para a exploração. Quando, porém, a pratica de dois annos indicar que devem subsistir será a empreza obrigada a completar a sua construcção definitiva.

11.ª

Os carris e outros elementos constitutivos da via ferrea devem ser de boa qualidade e dos melhores modelos, proprios a preencher o fim do seu destino.

Os carris a empregar serão de aço e o seu peso não poderá ser inferior a 20 kilogrammas por metro corrente; serão fixados pelo systema mais conveniente; segundo os ultimos aperfeiçoamentos e com previa approvação do governo.

12.ª

As travessas a empregar na linha, sendo de madeira, serão creosotadas; sendo metallicas, deverão ser de boa qualidade e dos melhores modelos já experimentados.

13.ª

As machinas locomotivas serão construidas segundo os melhores modelos conhecidos e satisfarão a todas as condições actualmente prescriptas, ou ás que de futuro ò forem, para pôr em circulação as mesmas machinas. As carruagens dos viajantes deverão ser igualmente dos melhores modelos, suspensas sobre molas e guarnecidas de assentos. Havel-as-ha de duas classes, pelo menos, todas serão cobertas, fechadas com vidraças e resguardadas com cortinas. As carruagens deverão preencher todas, alem do que fica dito, as condições prescriptas pelo governo, no interesse da segurança publica. Os wagons de mercadorias e gado, as plataformas e restante material será tudo de boa qualidade e solida construcção.

14.ª

O caminho será fechado por meio de muro, sebes vivas, ou grades de madeira que o separem das propriedades.

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contiguas, com barreiras de serventia, não abrindo para dentro.

§ Unico. A vedação poderá ser dispensada nos pontos em que o governo, a pedido da empreza, e ouvida a fiscalisação, entendo que ella é desnecessario para a segurança do publico e da exploração.

15.ª

A empreza construirá de pedra, gesso ou tijolo os viaductos, pontes, pontões, aqueductos e canos de rega e as passagens superiores, inferiores e de nivel em numero sufficiente e com os dimensões que exigir a sua estabilidade e segurança, o volume das aguas, a largura do caminho de ferro, e a das estradas ordinarias ou caminho a que alguma d’essas obras devem dar passagem.

16.ª

Os cruzamentos da linha ferrea com as estradas de macadam ou caminhos municipaes vicinaes poderão ser de nivel, excepto nos casos em que nos projectos forem designadas passagens superiores ou inferiores.

Nos cruzamentos ou passagens de nivel em que a circulação de vehiculos for consideravel, ou em quaesquer outros que o governo, ouvida a fiscalisação, julgar necessario para o segurança publica, será obrigada a empreza a estabelecer barreiras, conforme os typos approvados pelo governo, havendo em cada uma um guarda encarregado d’este serviço. O angulo formado pelo eixo da via ferrea com o da estrado ou caminho atravessado não poderá ser inferior a 30 graus.

17.ª

Quando o caminho de ferro passar sobre alguma estrada ou caminho publico, a abertura do viaducto será fixada pelo governo, em vista das circunstancias locaes, sem que em caso algum possa ser inferior a 4 metros. Quando o viaducto for em arco, a distancia entre o pavimento da estrada ou caminho e o fecho do arco não será inferior a 5 metros. Se o viaducto for de vigas rectas, esta distancia poderá reduzir-se a 4m,30.

18.ª

Quando o caminho de ferro passar por baixo de uma estrada ou caminho, a largura entre os parapeitos da ponte ou viaducto será fixada pelo governo, em vista das circunstancias locaes, sem que possa ser inferior a 4 metros. Quando o viaducto for em arco, a distancia entre a face superior de carril e a abobada não será inferior a 4m,30. Se o viaducto for de vigas rectas, o minimo da distancia no eixo do caminho de ferro será de 4m,30.

19.ª

Se houver a desviar o traçado de qualquer estrado existente, os declives do novo traçado não poderão exceder os que existiam na estrada ou caminho que for substituido, governo, sob proposta da empreza, poderá alterar esta regra.

20.ª

A largura dos subterraneos será, pelo menos, de 4 metros. A distancia vertical entre o intradorso e a parte superior dos carris não será interior a 4m,30, nem o altura do fecho da abobada ao plano tangente á superficie superior dos carris não será inferior a 5 metros.

21.ª

Nos pontos de encontro das estradas ordinarias com a via ferrea, durante a feitura d'esta, a empreza construirá as precisas obras provisorias para que a circulação não seja interrompida.

A empreza restabelecerá e assegurará á sua custa o curso das aguas, que só tenha suspendido ou modificado em consequencia das obras do caminho de ferro, ou indemnisar o proprietario segundo as leis que lhe forem applicaveis.

23.ª

As acquisições que a empreza tiver que fazer, de terrenos para as obras da linha e suas dependencias, serão reguladas amigavel ou judicialmente, pelas leis em vigor de expropriação por utilidade publica.

24.ª

Quaesquer indemnisações devidas por prejuizos resultantes de trabalhos ou de exploração ficam a cargo da empreza.

25.ª

A linha ferrea deverá ser dividida nas seguintes secções ou trocos:

l.ª Da estação da Regua do caminho de ferro do Douro a Villa Real;

2.ª De Villa Real a Chaves;

3.ª De Chaves á fronteira.

Os prasos para a apresentação dos projectos serão a contar da data do alvará de concessão de seis mezes para a primeira secção e tres annos para a segunda, a contar da data da communicação do ponto de ligação na fronteira, escolhido por accordo entre os governos portuguez e hespanhol, de seis mezes para a terceira secção. Os trabalhos e construcção devem começar no praso de sessenta dias a contar da data do Diario do governo em que for publicada a portaria de approvação do projecto de cada secção, devendo estar concluidos no fim de tres annos a primeira secção, no fim de cinco a segunda e no fim de dois a terceira secção, contados tambem das datas de publicação das portarias de approvação dos projectos.

§ unico. A construcção da terceira secção poderá ser adiada até que em Hespanha se proceda á construcção da linha que com este caminho de ferro venha a ligar.

26.ª

A linha poderá ser aberta á exploração por troços successivos, sendo o primeiro troço correspondente á primeira secção. Não poderá porém ter logar senão com a auctorisação do governo e depois de examinadas por uma commissão de engenheiros.

27.ª

O governo fará fiscalisar por agentes seus e pela fórma que se estabeleça, os estudos, construcção e exploração do caminho de ferro.

28.ª

A empreza sujeitará á approvação do governo as tarifas de passageiros e mercadorias, assim como o regulamento para o serviço de exploração, não podendo fazer-lhes alteração alguma sem nova approvação.

§ unico. No caso de desaccordo vigorarão os preços dos tarifas geraes applicadas nas linhas do Minho e Douro.

29.ª

As alterações nas tarifas depois de approvados pelo governo serão annunciadas, pelo menos com oito dias de antecipação.

§ unico. Todas os fixações ou modificações de horarios ou de condições de serviço, deverão ser approvadas pelo governo, antes de serem annunciados ao publico, pela imprensa, nas estações ou por qualquer outra fórma.

30.ª

A empreza fica obrigada a prestar ao governo os serviços seguintes:

l.ª Transporte em compartimento de 2.ª classe de qualquer comboio de passageiros que a direcção dos serviços telegrapho-postaes designar, das malas de correspondencia publica e dos seus conductores;

2.ª Transporte do material dos correios e telegraphos;

3.ª Transporte dos empregados da direcção dos servi-

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ços das obras publicas, que tiverem a seu cargo a inspecção e fiscalisação de construcção e exploração do caminho de ferro, e dos funccionarios do ministerio das obras publicas que o respectivo ministro designar;

4.ª Licença para a collocação das linhas telegraphicas e telephonicas do governo nos postes ou apoios das linhas telegraphicas ou telephonicas dos caminhos de ferro.

31.ª

Os militares ou marinheiros em serviço, viajando em corpo ou isoladamente, pagarão apenas, por si e suas bagagens, metade dos preços estipulados nas tarifas respectivas.

32.ª

A empreza fica obrigada a pôr á disposição do governo por metade dos preços das tarifas geraes, todos os meios de transportes estabelecidos para a exploração do caminho de ferro, quando elle precisar conduzir tropas ou material de guerra.

33.ª

A empreza fica sujeita:

1.° Aos regulamentos actuaes e aos que o governo publicar para o serviço telegrapho-postal;

2.° Ás leis e regulamentos sanitarios em vigor, tanto no que respeita á execução e conservação das obras, como ao estado das oficinas, estações e dependencias da linha ferrea.

34.ª

A empreza fica sujeita ás leis e regulamentos vigentes, ou que de futuro se promulgarem sobre viação publica, e especificadamente sobre a fiscalisação de construcção e exploração de caminhos de ferro.

35.ª

A empreza deverá conservar, durante todo o praso da concessão, a linha ferrea e suas dependencias com todo o material fixo e circulante, em bom estado de serviço, e no mesmo estado deverá entregar tudo ao governo, findo aquelle praso, fazendo sempre para esse fim á sua custa todas as reparações, tanto ordinarias como extraordinarias.

§ unico. Se, porém, durante o mesmo praso for destruida ou damnificada alguma parte do caminho de ferro, por motivo de guerra, sem culpa da empreza, o governo a indemnisará, pagando-lhe o valor das reparações, depois de avaliadas, em dinheiro ou em titulos de divida publica pelo seu valor no mercado.

36.ª

Logo que tenha expirado o praso da concessão, a empreza entregará ao governo, em bom estado de exploração, o caminho de ferro com todo o seu material fixo e seus edificios e dependencias de qualquer natureza que sejam, sem que para isso tenha direito a receber d'elle indemnisação alguma. Tambem lhe entregará todo o material circulante; mas tanto o valor d'este como o do carvão de pedra e de outros quaesquer provimentos que entregar ao governo ser-lhe-hão pagos segundo a avaliação de louvados.

37.ª

Em qualquer epocha, depois de decorridos trinta e cinco annos da data da concessão, terá o governo a faculdade de resgatar a concessão inteira. Esse resgate consistirá no pagamento de uma annuidade, durante os annos ainda não decorridos de concessão, que será determinada, tomando o rendimento liquido obtido pela empreza durante os sete annos que tiverem precedido aquelle em que a concessão deve effectuar-se, deduzindo os dois annos do menor rendimento, e achando a media dos cinco restantes. Essa annuidade, porém, nunca poderá ser inferior á que for necessaria para amortisar no praso de setenta e cinco annos, e á taxa de 5 por cento, o capital effectivo despendido na construcção, o qual nunca se poderá considerar, superior ao total dos orçamentos dos projectos approvados pelo governo.

38.ª

O uso da linha telegraphica ou telephonica será permittido gratuitamente para os despachos officiaes, e aos particulares mediante uma tabella estabelecida pela empreza de accordo com o governo.

39.ª

Os concessionarios primitivos Alberto da Cunha Leão e Antonio Julio Pereira Cabral, ou a companhia primeiro por elles organisada, não poderio transferir para outra pessoa ou companhia, sem consentimento do governo, os direitos que lhes são conferidos por esta concessão.

40.ª

A empreza, seus agentes, empregados e operarios ficacarão sujeitos, em tudo que disser respeito á construcção e exploração, ás leis e regulamentos de Portugal.

41.ª

O caminho de ferro, seu material fixo o circulante e o da Unha telegraphica ou telephonica, servirão de garantia para o estado da execução das presentes condições.

42.ª

A empreza prestará aos agentes do governo todos os esclarecimentos precisos para elles poderem formular a estatistica da linha e a conta do capital despendido na construcção.

43.ª

Todas as questões que se suscitarem entre o governo e a empreza sobre a execução e interpretação das clausulas d’este contrato serão decididas por arbitros, dos quaes dois serão nomeados pelo governo e dois pela empreza. Para prevenir o caso de empate sobre o objecto em questão, será um quinto arbitro nomeado a aprazimento de ambas as partes. Faltando accordo para esta nomeação será ella deferida ao supremo tribunal de justiça.

44.ª

Concede o governo á empreza:

1.° Isenção, durante o periodo da concessão, de qualquer imposto especial sobre o caminho de ferro;

2.° Isenção do qualquer contribuição geral, districtal, municipal ou parochial nos primeiros vinte e quatro annos da concessão, incluindo-se n'esta isenção a contribuição industrial sobre os vencimentos de pessoal empregado na construcção e exploração do caminho de ferro;

3.° Isenção do pagamento de direitos de importação para todos os materiaes destinados á construcção da linha e para o carvão, machinas e carruagens que forem importados para o serviço da exploração durante os dois primeiros annos depois de aberta á circulação cada uma das secções;

4.° Transporte no caminho de ferro do Douro para todo o material necessario á construcção e exploração da linha por uma tarifa especial, cuja base seja 8 réis por tonelada o kilometro.

45.ª

O governo não cobrará o imposto de transito emquanto o caminho do ferro não estiver aberto á exploração até Chaves, e só então será esse imposto acrescentado aos preços que vigorarem para o transporte de passageiros e mercadorias, ficando a empreza obrigada á cobrança d'esse imposto nas condições que estiverem em vigor nas demais linhas ferreas do paiz.

46.ª

A estação da Regua, no caminho de ferro do Douro, ficará commum ao serviço de exploração das duas linhas e

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em condições identicas ás estabelecidas para a estação de Foz Tua, não lhe sendo exigida indemnisação alguma pelo não da estação da Regua, platafórma e mais dependencias do caminho de ferro do Douro. A empreza fica, porém, obrigada ao pagamento de todas as despezas que resultarem das ampliações ou modificações a fazer na linha do Douro, estação da Regua e mais dependencias, e que forem indispensaveis para a boa exploração das duas linhas.

47.ª

Concede mais o governo á mesma empreza a faculdade de construir todos os ramaes que possam alimentar a circulação da linha ferrea a que se referem estas condições, precedendo o respectivo contrato com o governo, e sem que este lhe dê qualquer subsidio ou garantia differente das concedidas por este contrato.

48.ª

Quando, porém, o governo julgar necessario construir algum d'esses ramaes ou fazer novas concessões de caminhos de ferro nos districtos atravessados pela linha que faz objecto d'este contrato, ou esses caminhos sejam parallelos á mesma linha e a menos de 80 kilometros ou a atravessem ou n'ella venham entroncar, a empreza não pôde, por pretexto algum, impedir os trabalhos precisos para o estabelecimento das mesmas linhas, nem tem direito a indemnisação alguma, sendo-lhe, comtudo, reservado o direito de construir os ramaes nos termos da condição anterior, ou de optar pelas concessões que porventura se façam.

49.ª

A concessão caducará:

1.° Quando sejam excedidos os prasos da condição 25.ª;

2.° Se não começar a exploração dentro no praso de um mez, depois de auctorisada pelo governo;

3.° Se iniciada a exploração, a empreza a interromper por espaço superior a um mez;

4.° Se a empreza não cumprir as outras condições a a que fica obrigada.

50.ª

Nos casos previstos na clausula antecedente, o governo porá em hasta publica e adjudicará, a quem mais offerecer, a exploração do caminho de ferro pelo espaço de tempo que restar da presente concessão, e nas mesmas condições em que esta é feita, quando o julgar conveniente, pertencendo ao arrematante, não só as obras executadas pela empreza, como tambem todo o material fixo e circulante, e perdendo, portanto, a mesma empreza, todo e qualquer direito de propriedade sobre essas obras e material.

51.ª

O preço da arrematação será entregue á empreza, depois de deduzidas quaesquer despezas que o governo tiver feito, incluindo as de fiscalisação.

52.ª

Não havendo adjudicatario, tomará o governo posse das obras e de todos os materiaes, continuando a exploração da linha por conta da empreza, na parte que já estiver aborta ao transito publico; e se, findo o praso de dezoito mezes, a empreza se não mostrar habilitada para continuar a construcção ou exploração, pagando ao mesmo tempo todas as despezas que se tiverem feito, entrará o governo immediatamente na posse definitiva do caminho de ferro e todas as suas dependencias sem indemnisação alguma.

53.ª

Exceptuam-se das disposições das clausulas precedentes os casos de força maior devidamente comprovados, podendo o governo prorogar os prasos marcados se o julgar conveniente.

54.ª

O alvará de concessão definitiva não poderá ser entregue aos concessionarios, sem que elles provem ter depositado na caixa geral de depositos, á ordem do governo, a quantia do 10:000$000 réis em dinheiro, ou o valor correspondente em titulos de divida publica portuguesa, segundo o seu valor no mercado.

§ 1.° O referido deposito vencerá, sendo em dinheiro, o juro que a caixa geral de depositos pague por depositos identicos, e sendo em titulos de divida publica o respectivo juro.

§ 2.° Este deposito servirá de garantia ao cumprimento das obrigações prescriptas por esta concessão, não podendo ser levantado sem que a empreza prove ter feito obras no valor equivalente ao dobro do mesmo deposito, passando então estas obras a servir de caução.

Secretaria d'estado dos negocios das obras publicas, commercio e industria, em l de abril de 1897. = Augusto José da Cunha.

Está coforme. — Segunda repartição da direcção dos serviços de obras publicas, em 20 de julho de 1897. = Pelo chefe da repartição, Joaquim F. Poças Leitão.

Representação

Da academia instrucção popular, pedindo:

1.° Que se dê execução á lei de 2 de agosto de 1888, que declarou nacional o methodo de João de Deus;

2.° Que seja revogada a ordem dada aos visitadores ou inspectores escolares, que mandou retirar das escolas officiaes de Lisboa e Porto o referido methodo;

3.° Que para acabar com o pretexto do que esse methodo não póde ser adoptado officialmente, porque os professores o não conhecem, estes sejam convidados a ir ouvir as explicações gratuitas nos cursos que professor idoneo dá, sob a responsabilidade da familia do auctor;

4.° Que emquanto o governo não tiver nas escolas normaes do paiz professores habilitados a explicar conscienciosamente este methodo, ao professorado das provincias seja abonado subsidio para se habilitar em Lisboa;

5.° Que havendo na Suecia 2:923 escolas ambulantes que têem dado excellentes resultados, e tendo o governo decretado que em Portugal tambem haja o ensino movel poderá utilisar os serviços da associação de escolas moveis pelo methodo João de Deus, com estatutos approvados ha quinze annos, pelo menos, ordenando aos professores das localidades, aonde se realisam os cursos, que vão assistir ás explicações do professor enviado pela associação.

Apresentada pelo sr. presidente da camara, enviada á commissão de instrucção primaria e secundaria e mandada publicar no Diario do governo.

O redactor = S. Rego.

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