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N.º 18

SESSÃO DE 17 DE FEVEREIRO DE 1902

Presidencia do Exmo. Sr. Matheus Teixeira de Azevedo

Secretarios - os Exmos. Srs.

Armando Eduardo da Motta Veiga
José Joaquim Mendes Leal

SUMMARIO

Approvada a acta o lida a correspondencia, tem segunda leitura ura projecto de lei do Sr. Soares Cardoso. - O Sr. Conde de Paçô-Vieiva apresenta o parecer sobro as emendas da lei do sêllo. - O Sr. Motta Prego participa haver desanojado o Sr. Deputado João Arroyo - O Sr. Cayolla pede providencias para evitar o desenvolvimento da epidemia aos gafanhotos no Alto Alemtejo. Responde-lho, promettendo-lh'as, o Sr. Ministro das Obrou Publicas. - O Sr. Fuschini realiza o seu aviso previo sobre as obras do porto de Lisboa, respondendo-lhe o Sr. Ministro das Obras Publicas. - Os Srs. Oliveira Mattos, Reis Torgal, Lima Duque, João Pereira o Almeida Serra requerem esclarecimentos por differentes Ministerios. - Os Srs. Lamare, Joaquim do Sant'Anna e Almeida Dias declaram haver lançado requerimentos na caixa das petições, - Os Srs. Costa Ornellas o Eusebio da Fonseca renovam a iniciativa do projectos do lei. - O Sr. Alberto Botelho apresenta um projecto de lei. - O Sr. Queiroz Ribeiro annuncia um aviso previo ao Sr. Ministro da Justiça. - Os Srs. Matheus do Azevedo (Presidente), Anselmo Vieira e Queiroz Ribeiro apresentam representações.

Na ordem do dia continua a discussão da interpellação do Sr. José do Alpoim sobre o uso que o Governo fez das auctorizações parlamentares, usando da palavra os Srs. Conde do Penha Garcia, Ministro dos Negocios Estrangeiros, Francisco Beirão, Presidente do Conselho e Francisco Machado.

Abertura da sessão - As 3 horas e 1 quarto.

Presentes - 62 Srs. Deputados.

São os seguintes: - Abel Pereira de Andrade, Alberto Allen Pereira de Sequeira Bramão, Alberto Antonio de Moraes Carvalho Sobrinho, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alfredo Cesar Brandão, Alfredo Mendes do Magalhães Ramalho, Alipio Albano Camello, Alvaro de Sousa Rego, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Anselmo Augusto Vieira, Antonio do Almeida Pias, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Barbosa Mendonça, Antonio Bolard da Fonseca, Antonio Centeno, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Maria de Carvalho Almeida Serra, Antonio Rodrigues Nogueira, Augusto Fuschini, Augusto Neves dos Santos Carneiro, Avelino Augusto da Silva Monteiro, Belchior José Machado, Carlos Alberto Soares Cardoso, Carlos de Almeida Pessanha, Carlos Augusto Ferreira, Carlos Malheiros Dias, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Conde de Castro e Solla, Conde de Paçô-Vieira, Domingos Eusebio da Fonseca, Eduardo de Abranches Ferreira da Cunha, Ernesto Nunes da Costa Ornellas, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Henrique Matheus dos Santos, Henrique Vaz de Andrade Basto Ferreira, João Alfredo de Faria, João Carlos de Mello Pereira e Vasconcellos, João Marcellino Arroyo, João de Sousa Tavares, Joaquim Antonio de
Sant'Anna, Joaquim Faustino de Pôças Leitão José Antonio Ferro de Madureira Beça, José Coelho da Motta Prego, José da Cunha Lima, José Joaquim Mendes Leal José Maria de Oliveira Mattos, Julio Augusto Petra Vianna, Julio Ernesto de Lima Duque, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luciano Antonio Pereira da Silva
Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz José Dias, Luiz de Mello Correia Pereira Medella, Manuel Joaquim Fratel, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Marquez de Reriz, Matheus Augusto Ribeiro Sampaio, Matheus Teixeira de Azevedo e Paulo do Barros Pinto Osorio.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Agostinho Lucio e Silva, Alberto Botelho, Alexandre José Sarsfield, Alfredo Augusto José de Albuquerque, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio Roque da Silveira, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Cesar da Rocha Louza, Conde de Penha Garcia, Custodio Miguel de Borja, Fernando Mattozo Santos, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco. Francisco Roberto de Araujo de Magalhães Barros, Frederico dos Santos Martins, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Guilherme Augusto Santa Rita. Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Ignacio José Franco, Jeito Augusto Pereira, João Torreira Craveiro Lopes de Oliveira, José Dias Ferreira, José da Gama Lobo Lamare, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Jeronymo Rodrigues Monteiro, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria de Oliveira Simões, José Maria Pereira de Lima, José Nicolau Raposo Botelho, Julio Maria de Andrade e Sousa, Luiz Fisher Berquó Pôças Falcão, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Somem de Mello da Camara, Ovidio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral e Rodrigo Affonso Pequito.

Não compareceram á sessão os Srs.: - Affonso Xavier Lopes Vieira, Albino Marta de Carvalho Moreira, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Antonio Affonso Maria Vellado Alves Pereira da Fonseca, Antonio Augusto de Sousa e Silva, Antonio José Boavida, Antonio Sergio da Silva e Castro, Antonio de Sousa Pinto de Magalhães, Antonio Tavares Festas, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Arthur Eduardo de Almeida Brandão, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto José da Cunha, Christovam Ayres de Magalhães Sepulveda, Eduardo Burnay, Francisco José Patricio, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Frederico Ressano Garcia, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Joaquim André do Freitas, João Monteiro Vieira de Castro, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim da Cunha Telles e Vasconcellos, Joaquim Pereira Jardim, José Adolpho de Mello e Sousa, José Caetano Robello, José Caetano de Sousa e Lacerda, José Joaquim Dias Gallas, José Mathias Nunes, José de Mattos Sobral Cid, Libanio Antonio Fialho Gomes, Manuel de Sousa Avides, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marianno José da Silva Prezado, Visconde de Mangualde, Visconde de Reguengo (Jorge) e Visconde da Torre.

Acta - Approvada.

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EXPEDIENTE

Officios

Do Ministerio do Reino, remettendo, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Antonio Rodrigues Nogueira, copia das propostas para a adjudicação do Real Theatro de S. Carlos, com o despacho ministerial, e respectiva escriptura á empresa José Paccini.

Para a secretaria.

Do Ministerio da Fazenda, enviando, para ser distribuido pelos Srs. Deputados, 120 exemplares do Orçamente Geral do Estudo para o exercicio de 1902-1903.

Para a secretaria.

Segunda leitura

Projecto de lei

Senhores. - O projecto de lei que tenho a honra de sujeitar ao vosso exame, tem por fim auctorizar que ao desenhador de 2.ª classe do quadro auxiliar de engenheiros de obras publicas, addido ao quadro da Direcção Geral do Serviço de Engenharia e em exercicio na Commissão de Fortificações do Reino, Antonio Baptista Ribeiro seja contado, para o effeito da sua aposentação, o tempo que serviu no exercito e como apontador de obras publicas.

Como vereis pelos documentos que acompanham o requerimento do mencionado funccionario, é de toda a justiça a contagem de tempo que solicita, e que se auctoriza em precedentes succedidos em casos identicos, e por isso tenho a honra de submetter á vossa apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Será contado ao desenhador de 2.ª classe do quadro auxiliar de engenheiros de obras publicas, addido ao quadro da Direcção Geral do Serviço de Engenharia e em exercicio na Commissão das Fortificações do Reino Antonio Baptista Ribeiro, para o effeito da sua aposentação, o tempo que serviu no Exercito e como apontador de obras publicas.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario. = O Deputado, Carlos Alberto Soares Cardoso.

Foi admittido e enviado ás commissões de obras publicas a de, guerra.

O Sr. Conde de Paçô-Vieira: - Por parte da commissão de fazenda mando para a mesa o parecer sobre os emendas apresentadas durante a discussão do projecto do sêllo.

Mandou-se distribuir, por estar já impresso.

O Sr. Motta Prego: - Mando para a mesa a seguinte

Participação

Tenho a honra de participar a V. Exa. e á Camara que, em cumprimento do Regimento, procurei o Sr. Deputado Conselheiro João Arroyo, apresentando-lhe as condolencias pelo fallecimento do Exmo. Sr. Antonio Esteves de Almeida e Costa. = O Deputado, José da Motta Prego.

Para a acta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Cayolla para um negocio urgente.

O Sr. Lourenço Cayolla: - Ha muitas sessões que vem pedindo a palavra, sem que esta lhe chegue, mercê das disposições do Regimento, e só hoje, devido, decerto, á benevolencia do Sr. Presidente, consegue obtê-la. Vae, pois, occupar-se do assumpto de que deseja tratar, o qual, como a Camara verá, é de natureza importante e urgente. Procurará, todavia, corresponder á benevolencia do Sr. Presidente, sendo o mais breve possivel nas suas considerações,

O anno passado, os concelhos do Alto Alemtejo, Campo Maior, Elvas, Marvão, Castello de Vide, Arronches, Niza e Crato, foram invadidos por uma terrivel praga de gafanhotos, vinda dos lados de Hespanha, da provincia de Caceres.

Os lavradores reclamaram instantemente e o Governo procurou, realmente, providenciar para destruir essa praga; infelizmente, porem, a epoca já não era propria, porque os gafanhotos se encontravam no seu periodo vital, e, portanto, os trabalhos de extincção limitaram-se á apanha e a uns ensaios sobre o poder destruidor do empusa acridies.

Os technicos, não tendo nada a fazer, limitaram-se a estudar os territorios em que os gafanhotos haviam depositado as sementes, e, assim, determinaram que só nos concelhos ao norte da Serra de Ossa, Marvão, Niza e Crato, havia perto de 1:000 hectares de posturas.

Os lavradores, ante a perspectiva de uma nova praga, estão alarmadissimos. Os gafanhotos, contra o que era de esperar, começam já a apparecer, pois que tendo feito as posturas em julho, só deviam nascer nos fins de março, e o perigo este anno é muito maior, porque nasceram e desenvolveram-se no proprio territorio, e, sobretudo, porque apparecem mais cedo. O anno passado a invasão só se deu depois das cearas estarem ceifadas.

Na opinião dos technicos é muito mais facil destruir os casulos de que os gafanhotos, e, por consequencia pede ao Sr. Ministro das Obras Publicas que adopte desde já as providencias que forem indispensaveis para que se faça o trabalho da apanha das larvas e o da cata, solicitando o auxilio dos lavradores, que não podem deixar de collaborar com o Governo para que os trabalhos se façam de uma maneira efficaz e todo o perigo desappareça.

Acceitando os calculos dos technicos de que em cada metro quadrado de terreno se podem produzir, em media, vinte e cinco sementes, é de recear, se o mal não for combatido a tempo, que a producção total dos gafanhotos seja de duzentos e cincoenta milhões o que representaria a ruina completa d'aquella nossa provincia.

(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. o restituir).

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Manuel Francisco de Vargas): - Responderei em muito poucas palavras ao assumpto de que se occupou o Sr. Deputado Cayolla, que, realmente, é importante e urgente.

O Governo não tem descurado este assumpto, como S. Ex.a foi o primeiro a reconhecer, dizendo que no anno passado se havia providenciado o mais efficazmente possivel.

Disse S. Exa., e muito bem, que é muito mais facil occorrer aos damnos que os gafanhotos podem fazer na vegetação, destruindo-lhe os ovos, do que matar os insectos, quando elles já estiverem desenvolvidos. O Governo, seguindo os conselhos dos technicos, tambem assim o reconheceu, e, como esclarecimento, devo dizer a S. Exa. que já está lavrado desde o mês de dezembro, faltando-lhe apenas a assignatura de El-Rei, um decreto, providenciando para que só ataque, em occasião opportuna, a praga dos gafanhotos.

Devo ainda dizer que folgo de ver o illustre Deputado Sr. Cayolla estar de acordo com o pensamento do Governo, declarando que para combater a praga dos gafanhotos não basta a acção do Governo, é preciso o auxilio dos lavradores. Essa é uma das disposições que figura no decreto que, dentro de 4 ou 5 dias depois da assignatura, deve ser publicado, se El-Rei se dignar assigná-lo.

É o que tenho a dizer ao illustre Deputado, e que, deserto, o deixará satisfeito. (Muitos apoiados).

Vozes: - Muito bem.

O S. Exa. não reviu).

Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Augusto Fuschini para realizar o seu aviso previo, annunciado na

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sessão de 8 de janeiro ao Sr. Ministro das Obras Publicas, sobre as obras do porto de Lisboa.

O Sr. Augusto Fuschini: - V. Exa. tem a bondade de me dizer quando termina a hora antes da ordem do dia?

O Sr. Presidente: - Ás 4 horas e um quarto.

O Sr. Fuschini: - Decerto o país e a Camara bem se lembram ainda dos acontecimentos graves, Decorridos entre a França e a Turquia, a proposito da construcção dos caes e docas de Constantinopla.

Pois bem; elle, orador, vão occupar-se de um assumpto que julga importantissimo sob o duplo aspecto da politica geral e dos encargos do Thesouro Português: a complexa questão da construcção dos enes o das docas do porto de Lisboa.

No presente discurso limitar-se-ha apenas a apreciar uma face muito restricta e especial da questão, reservando-se trata-la mais tarde desenvolvidamente; para o que possue todos os documentos necessarios.

A fim de que o país o a Camara bem possam apreciar as suas opiniões, dirá que, para elle, orador, este problema é. talvez, depois da questão relativa aos credores externos, com que aliás tem intimas relações, a mais grave difficuldade que impende sobre a administração politica e economica nacional.

Neste ponto, pareço-lhe conveniente fazer uma succinta exposição de factos, que servirá de base para o desenvolmento immediato e futuro do assumpto.

A lei de 16 de julho de 1885 auctorizou o Governo a adjudicar em hasta publica as obras do porto de Lisboa. Como o projecto d'estas obras foi elaborado quasi copia fiel do porto de Antuerpia, que então acabava de ser construido, porto sem semelhança alguma com. o de Lisboa, nem geographica nem commercialmente, disse-o num discurso, pronunciado em 2 de julho de 1885. Cita a data para que qualquer Deputado possa estudar a questão, se o julgar conveniente.

Naquelle tempo todos sabiam que a construcção do porto de Lisboa estava reservada de antemão para o empreiteiro Hersent, o constructor do porto de Antuerpia e de outros portos importantes.

Effectivamente, por contrato do 20 de abril de 1887 foi adjudicada a empreitada ao empreiteiro Hersent por 10:800 contos.

No projecto de obras adjudicado conservaram-se os defeitos do primitivo projecto, entre elles a inutil e dispendiosa doca de fluctuação em Alcantara.

Com varia sorte e muitos incidentes correu esta construcção. E a ella se referem os celebres bonde, com juro garantido, dados com generosidade pelo empreiteiro pour la réussite de l'affaire. D'estes banda, que por aquelle tempo fizeram grande escandalo, existem varias copias photographicas.

Por motivos, que agora não cumpre desenvolver, em 1892 o Ministro das Obras Publicas entendeu dever tomar conta administrativa dos trabalhos, e por isso a construcção correu durante algum tempo por conta do Estado.

O governo de 1893, a que presidiu o sr. Hintze Ribeiro, encontrou-se, pois, com esta difficuldade, alem da questão dos credores externos e da questão da Companhia Real.

A lei de 27 de julho do 1893 auctorisou o Governo a modificar os projectos das obras, reduzindo-as, sem comtudo prejudicar a futura realização dos planos completos, e a fazer novo contrato com o empreiteiro Hersent dentro das seguintes bases:

1.ª Os trabalhos a executar, alem dos realizados, não custariam mais de 2:800 contos;

2.ª Os preços seriam os do anterior contrato sem premio de ouro;

3.ª Todas as obras, descriptas no novo contrato, seriam terminadas no prazo de cinco annos, a contar da data d'esse contrato:

4.ª A exploração do porto poderia ser concedida ao empreiteiro Hersent até mais cinco annos, a contar da data do acabamento das obras, dividindo-se o rendimento liquido entre o Estado e o empreiteiro; sendo para o Estado 30 por cento no primeiro anno, 35 por cento no segundo, 40 por cento no terceiro, 45 por conto no quarto e 50 por cento no quinto e ultimo;

5.ª O Thesouro receberia integralmente o imposto de carga, ou o que o substituisse;

6.ª As tarifas da exploração do porto seriam propostas pelo empreiteiro, e approvadas pelo Governo.

As negociações entre o Ministro das Obras Publicas, então o Dr. Bernardino Machado, e o empreiteiro, começaram pouco depois. Parece que em principios de dezembro de 1893 se estava prestes a chegar a acordo, quando o empreiteiro rompeu abruptamente as negociações.

A queda do Ministro fôra prevista...

O segundo contrato foi feito em 8 de maio de 1894. Este contrato, feito nas bases anteriores, envolveu algumas modificações de importancia, um adeantamento de Fundos (artigo 10.°, § 9.°), e a auctorização do aluguer de terrenos por todo o espaço da concessão (artigo 5.º, § 3.°).

Assim, os periodos de construcção e exploração ficaram fixados pala seguinte forma:

1.° periodo - construcção - de 8 de maio de 1894 a 8 do maio de 1899.

2.º periodo - exploração - de 8 de maio de 1899 a 8 de maio de 1904.

Tambem foram alteradas as condições da participação dos rendimentos liquidos entre o Estado e o empreiteiro.

1.º periodo - construcção. - Rendimento liquido superior a 50 contos de réis, o excesso dividido entre o Estado e o empreiteiro; restituição do Estado, se algum anno for inferior a 50 contos de réis.

2.° periodo - exploração. - A participação indicada na lei de 27 do julho do 1893, já citada, com a mesma limitação anterior, isto é, reembolso da participação ao empreiteiro, se o rendimento liquido for algum anno inferior a 100 coutos de réis. Esta disposição não está na auctorisação.

O contrato estabelece, finalmente, um tribunal arbitral sem recurso, composto de dois peritos nomeados pelo Estado, dois pelo empreiteiro e um quinto de acordo entre as partes, ou nomeado pelo Supremo Tribunal de Justiça, não havendo acordo.

Nestas condições, parece que a questão devia ter ficado resolvida, sem possibilidade de futuras complicações. Nada d'isto aconteceu.

Poucos annos depois, começaram a surgir reclamações e difficuldades, até que em 4 de março de 1901 se lavrou entre o Estado e o empreiteiro um compromisso, convocando o tribunal arbitral e nomeando os seguintes arbitros:

Pelo Estado - Cabral Couceiro e Thomás da Costa, engenheiros do quadro das obras publicas.

Pelo empreiteiro - Emilio Carlier, empreiteiro e inspector geral do obras publicas em França e Francisque Reymond, Senador francês.

De acordo - João José da Silva, juiz da Relação de Lisboa.

Este compromisso estabelece os seguintes principios:

1.° Julgamento por equidade, ex aeguo et bono.

2.º Nomeação, por acordo, de um perito coadjuvante.

3.º Prazo da sentença, tres meses depois de constituido o tribunal.

Este tribunal reuniu em seguida, tendo-lhe sido presentes dez reclamações do empreiteiro Hersent.

Vae expor á Camara a natureza d'estas reclamações e apreciar a sua importancia, não apresentando sobre ellas a sua opinião, porque pendem do juizo arbitral, muito em-

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bora o tribunal se possa considerar suspenso, se não dissolvido.

Reclamações da Empresa Hersent:

1.° Dragagens. - Nas docas e ao longo do caes, para obter a profundidade determinada nos projectos:

Quantidades calculadas nos projectos 881:816m3

Quantidades effectuadas 1.753:854» 110:355m3

872:038» 110:355»

A mais 982:393m3

Na razão de 200 por metro cubico, mais 4,59 por cento para administração, importa em - 209:68$000 réis.

2.° Aterro do caes do Sodré. - A Empresa declarou ao Governo que o muro de defesa d'este aterro era insufficiente e propôs modificações, que o Governo não acceitou.

Quantidades calculadas no projecto 190:980m3

Quantidades effectuadas 367:137»

A mais 177:157»

Na razão de 200 réis por metro cubico, mais 4,59 por cento para administração, importa em 37:058$000 réis.

3.° Plano inclinado de Santos:

Segundo o projecto 18:000$000

Com as modificações approvadas 28:082$321

Differença, comprehendendo 4,59 por cento para administração 10:082$321

4.° Concordancia da eclusa com os muros da doca de Alcantara:

Não previsto no projecto 3:502$653

comprehendendo 4,59 por cento para administração.

5.° Rampa de vasadouro da doca de Santos:

Augmento de dragagens e enrocamentos 15:876$762 réis, comprehendendo 4,59 por cento para administração.

6.° Muro e aterros da alfandega. - Taludes em 1897, na extensão de 225 metros correntes.

Cousa provavel: interposição de uma camada fluida de lodo entre duas mais solidas.

Custo da obra e 4,59 por cento para administração, 220:850$633 réis.

7.° Demoras na approvação dos projectos e nos pagamentos das situações mensaes:

Indemnização por demoras nos projectos 20:000$000

Indemnização por inapplicação de material 45:000$000

Juros por demora de pagamentos 9:066$036

Total 74:066$036

8.° Differenças de cambio e juros. - Por acordo entre o Governo e a Empresa foi adiado o pagamento das situações desde junho de 1898 inclusive, até 15 de janeiro de 1900.

Ora, foi só em 18 de julho de 1900 que o Governo pagou 201:309$376 réis, ficando o apuramento dos Juros e das differenças cambiaes neste período para liquidação final:

Differença na situação de 31 de dezembro de 1900 175:509$184

Juros e differenças cambiaes 46:762$556

222:271$740

9.° Deficits na exploração do porto. - Houve estes deficits nos primeiros tres annos da exploração, começada em 8 de maio de 1894, pelos seguintes motivos:

a) Demoras consideraveis na approvação do regulamento da exploração e das tarifas;

b) Obstaculos levantados ao arrendamento dos terrenos e na execução das obras;

c) Embaraços na exploração dos entrepostos, provenientes de demora na modificação dos serviços aduaneiros, na construcção de edificios para delegações, na entrega á Empresa do caes da alfandega, por onde se faz o maior trafico do porto;

d) Cerceamento dos interesses da Empresa pela gratuidade da armazenagem das mercadorias.

Reclama prorogação do primeiro periodo de exploração, terminando em 8 de maio de 1899, até estarem concluidos os trabalhos do porto e organizados os serviços aduaneiros.

10.° Entrega da metade do deposito de garantia. - A Empresa fez o deposito de 540 contos para o primeiro contrato.

Feito o segundo, que não chega a metade do primeiro para reembolso de metade do deposito e correspondentes juros desde a data do segundo contrato.

Sommam as oito primeiras reclamações 792:969$145 réis em dinheiro.

O valor da prorogação do prazo da exploração não se pode calcular com facilidade; mas deve ser importante. Por esta forma a Empresa Hersent nunca mais sairia de Portugal.

Vae agora historiar os factos occorridos no Tribunal Arbitral, logo nas suas primeiras sessões de julho.

Como era natural o Tribunal occupou-se da primeira reclamação sobre dragagens.

Os peritos do empreiteiro affirmaram que por parte d'este fôra proposta a construcção, a montante dos caes e das docas, de um molhe perpendicular, ou espigão, que no seu entender impediria o assoriamento successivo dos trabalhos e portanto evitaria o augmento das dragagens.

Apresentavam este ponto como questão previa.

Foi-lhes respondido que as questões previas eram das assembléas politicas, que este assumpto podia e devia ser discutido como argumento em defesa dos direitos do empreiteiro, mas não admittido como questão previa. Neste sentido resolveu o Tribunal.

Os peritos do empreiteiro negaram-se a assignar a acta.

Por circumstancias diversas, as sessões do Tribunal foram addiadas, reunindo-se novamente em dezembro passado. O presidente do Tribunal convidou os arbitros de ambas as partes a ver se era possivel chegar a uma conciliação.

Consultado o Governo sobre o assumpto, declarou que se sujeitaria a todas as resoluções do Tribunal, todavia, não se pôde chegar a solucção conciliatoria, não por culpa do Governo Português.

Sendo o Tribunal collectivo era, pois, forçoso resolver por votação.

Aberta a discussão apresentaram um grande numero de questões previas os arbitros do empreiteiro.

Fundando-se no compromisso os peritos do empreiteiro propuseram que fossem convocadas as partes para definirem o que entendiam por julgamento ex acquo et bono.

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Foi-lhes respondido que não era ás partes que cumpria esta definição; mas ao proprio Tribunal, que, tendo no seu seio um imminente e integerrimo juiz, bem conhecia a natureza d'este julgamento.

Fundando-se ainda nos compromissos, os peritos do empreiteiro pediram a nomeação do um perito coadjuvante. Foi-lhes respondido que sendo a maioria composta de engenheiros e conhecendo todos os processos, com vistos, replica e treplica, a nomeação do perito ora inutil e morosa.

Os representantes do empreiteiro declararam então que não podiam continuar a discussão.

É evidente que em todos estes factos transparece o proposito de annullar o principio da arbitragem. Com que fim?

Depois d'estes factos, consta-lhe que o juiz presidente do Tribunal deu a sua demissão ao Governo, declarando-se impossibilitado de dirigir os trabalhos de um Tribunal em taes condições.

Urge, portanto, que o Governo mande constituir immediatamente novo Tribunal o faça respeitar as disposições legaes dos contratos.

Faz esta indicação ao Sr. Ministro das Obras Publicas e não carece de resposta ao seu discurso. Se realmente, não confia muito na política do S. Exa., tem a maxima confiança na honestidade do seu caracter, na rectidão do seu espirito, o na sua bondado que, ás vezes, por excesso, o faz parecer frouxo de energia.

Affirma ao país e á Camara que nenhuma das grandes companhias ou empresas portuguesas resistiria ás leia, ou criaria difficuldades á administração interna da nação, se os governos as obrigarem a cumprir as clausulas dos respectivos contratos. Se a demonstração for pedida fala-ha contrato a contrato.

Ora, é por meio d'estas grandes companhias que só tem introduzido no país o maior elemento estrangeiro que tão funesto tem sido nos ultimos tempos para a dignidade e para os legitimos interesses da nação.

Os governos sabem isto, de quando em quando num movimento hysterico de energia lembram-se de por na fronteira algum elemento, que mais abuso da hospitalidade, intrigando contra a propria existencia do país, que o consente; mas as clientelas venaes d'esses elementos entibiam a força dos governos, a depressão novrotica manifesta-se, e a intriga continua mais ou menos triumphante.

É preciso sem duvida, é util, facilitar a entrada o a permanencia em Portugal, do capital o do trabalho estrangeiros honestos, garantir-lhes a actividade, conceder-lhes iguaes direitos aos nacionaes; mas é tambem necessario expulsar os agentes de negocios duvidosos, que, envergonhando os proprios conterraneos seus, põem em perigo a sua autonomia e perturbam a sua administração, protegida por certos honestyoges nacionaes.

Por isso os costumes publicos e politicos eram antigamente bem mais puros do que o são depois da entrada no país d'estes elementos desorganizadores. A lei de 20 de maio do 1893 não custou ao Thesouro mais do que o valor do papel em que foi escrita; nem veniagas, nem dispendiosas missões ao estrangeiro.

O projecto de convenio Espregueira custaria centenas de contos ao país. Demonstrá-lo-ha publicando o relatorio do sr. Madeira Pinto, acêrca d'estas negociações. Deus sabe o que pastará nquelle que se projecta!

Se, infelizmente, neste momento historico de accentuada decadencia não fosse quasi tudo pequeno e acanhado em Portugal, seria o momento do dizer ao Governo Nacional a phrase solemne e temivel com que o Senado Romano lembrava ao poder executivo os mais graves responsabilidades caveant consules no reipublicac periculum adveniat.

Deve dizê-lo e com magua: mais do que nos governos confia na acção dos ultimos cidadãos portugueses, d'aquelles que farão um derradeiro esforço para não deixar sossobrar a nação num pantano do cobardias e de miserias.

Disse.

(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Manuel Francisco de Vargas): - Duas palavras apenas, não só porque a hora está muito adeantada, senão porque o Sr. Deputado Fuschini disso, e muito bem, que o Governo podia deixar de responder a este aviso previo, por isso que elle representava apenas a forma de que se tinha sorvido para obter a palavra e desenvolver perante a Camará as suas considerações.

Antes, porem, de começar a responder a S. Exa., cumpro-me agradecer-lhe a amabilidade com que me tratou, e que é filha da amizade particular com que ha muito tempo me honra.

O Sr. Deputado Fuschini, ao desenvolver o que S. Exa. chamou aviso previo, tratou da historia antiga do porto do Lisboa e da historia actual. Eu não posso evidentemente occupar-me da historia antiga, porque tudo que se passou desde o projecto de 1885 ata ao contrato de 1887, e a maneira por que elle foi executado, pertence á historia, mesmo porque é do seculo passado.

Referiu-se S. Exa. á renovação do contrato do porto de Lisboa, motivado por haver sido rescindido o contrato de 1892; apresentou as condições em que tinha sido feito, e criticou algumas d'ellas, dizendo que não se continham na lei; mas som de forma alguma desejar ser desprimoroso para S. Exa., devo declarar que não posso pronunciar-me sobre esse ponto porque, quer o contrato esteja feito ou não em harmonia com a lei, o facto é que esta assignado por ambas as partes, e a ambas, portanto, obriga. (Apoiados).

Feito o contrato o começado a pôr-se em execução, disse S. Exa., que para logo haviam começado tambem a divergir na forma de o pôr em execução, Governo e empreiteiros.

Effectivamente assim foi. Surgiram divergencias, que mais e mais se avolumaram em 1897, quando teve logar a queda do muro em frente da Alfandega. Nesse ponto a divergencia entre o Governo e os empreiteiros foi completa.

Destruido o muro, o empreiteiro sustentava que não era obrigado a reconstrui-l...

O Sr. Presidente: - Faltara apenas 5 minutos.

O Orador: - Agradeço a V. Exa. Creio que nesse tempo terminarei as minhas considerações.

O Governo, porem, sustentou o contrario, e, nesta conformidade, depois de feita a reparação, exigiu as quantias abonadas para aquella concessão.

Era 1898 o Governo julgou conveniente tratar de um acordo com o empreiteiro acêrca do pagamento das quantias em divida, que somente vigorou durante o anno de 1898 e 1899. Entretanto, encetaram-se negociações entre o Governo e o empreiteiro no intuito de se chegar a um acordo definitivo acêrca das reclamações que haviam sido feitas pelo empreiteiro, o que o Governo se recusava a acceitar como boas.

Por essa occasião foi prorogado o prazo do acordo financeiro até dezembro de 1899, expirado o qual, e não se havendo chegado a nenhum resultado, o empreiteiro reservou as suas reclamações o formulou outras novas, relativas ao acordo financeiro e aos pagamentos.

E a par d'essas mesmas reclamações, o empreiteiro pedia tambem o recurso para o Tribunal Arbitral; ora, neste ponto, peço licença ao illustre Deputado para esclarecer um ponto, que S. Exa., pelo motivo de o haver tratado muito rapidamente, podaria talvez ficar obscuro para a Camara.

Disse S. Exa., que o Governo tinha, em maio de 1891,

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6 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

assignado um compromisso para a reunião do Tribunal Arbitral.

Mas S. Exa., naturalmente em resultado da rapidez da sua exposição, porque o tempo escasseava, não accrescentou, que esse compromisso havia sido assignado em virtude de um despacho ministerial muito anterior, isto é, de 26 de abril de 1900.

Por consequencia, não foi, e isto não envolve a minima censura, o Governo a que tenho a honra de pertencer quem deferiu o pedido para a reunião do Tribunal Arbitrai. (Muitos apoiados). Isso estava já deferido, e o compromisso não era senão uma consequencia de o empreiteiro haver pedido a reunião do Tribunal, e do Governo lh'a ter concedido.

Como creio que não tenho senão l ou 2 minutos, vou resumir a minha resposta ao facto que pode parecer mais grave nesta questão, e que o illustre Deputado descreveu com demasiada cor escura, referindo-se á tardia demora na realização da reunião do Tribunal Arbitrai, accrescentando que ella parecia propositada, tendo por fim annullar esse Tribunal.

Parece-me que são estas as suas palavras textuaes.

S. Exa. neste ponto é um pouco injusto, e permitta-me dizer-lhe que a sua apreciação, neste ponto, não é exacta.

O Tribunal Arbitral foi composto pelos engenheiros portugueses Srs. Thomás da Costa e Cabral Couceiro, e pelos engenheiros franceses Srs. Emilio Carlier e Francisco Réymond. Mas S. Exa. disse, que havia sido nomeado presidente d'esse Tribunal o Sr. João José da Silva. É um pequeno equivoco de S. Exa.

O primeiro presidente d'esse Tribunal foi o Sr. Dr. Queiroz. Isto é importantissimo.

O Sr. Queiroz, que foi nomeado em setembro de 1900, morreu em novembro ou dezembro d'esse mesmo anno, e, por consequencia, ficou o Tribunal Arbitral sem presidente.

Como S. Exa. sabe, o presidente do Tribunal Arbitral tem de ser nomeado de commum, acordo entre as duas partes, e em ultimo caso pelo Supremo Tribunal de Justiça.

O illustre Deputado e a Camara sabem muito bem, que não é facil acordar na nomeação de um juiz de desempate.

Não admira, pois, que, tanto para o Governo, como para o empreiteiro chegarem ao acordo de acceitarem, como presidente, o Sr. João José da Silva, que foi o nomeado, decorresse algum tempo.

E não admira que o Sr. Conselheiro João José da Silva, que, como S. Exa. disse, é um dos magistrados mais considerados do nosso país e dos mais conscienciosos, (Apoiados) não admira, repito que S. Exa. se quisesse pôr ao facto da questão. Por consequencia, houve demora na reunião do Tribunal, que só teve logar em junho de 1901.

Esta demora é perfeitamente explicada, e mostra, alem d'isso, a boa vontade de que o Tribunal funccionasse e decidisse em breve espaço de tempo.

Em junho de 1901 reuniu o Tribunal.

O que ali se passou não sei, nem posso saber. O illustre Deputado referiu differentes factos, que eu não contesto que sejam verdadeiros; mas as reuniões do Tribunal são secretas, o S. Exa. não os devia saber, como eu os não sei.

O que apenas sei é que o Tribunal pediu, tanto ao Governo como ao empreiteiro, uma prorogação de prazo, e, como nessa occasião estava a entrar o verão - todos sabem que, os estrangeiros no verão, em geral, não trabalham, e só no mês de outubro voltam ás suas occupações - o Tribunal pedia prorogação de prazo até ao dia 31 de dezembro do anno passado. Acordaram as duas partes na prorogação. No meado de dezembro do anno passado, no dia 20 pouco mais ou menos, o Tribunal tornou a pedir, tanto ao Governo como ao empreiteiro, outra prorogação de prazo por mais tres meses. Ainda d'esta vez as duas partes estiveram de acordo e a prorogação foi concedida até ao dia 31 do mês corrente.

Continuo a dizer, o que aliás é a exacta expressão da verdade, que não sei o que se passou no Tribunal Arbitral, porque as suas reuniões são secretas. (Apoiados).

O que sei é que o Sr. Conselheiro João José da Silva...

O Sr. Presidente: - Deu a hora de se passar á ordem do dia.

O Orador: - Desejava dizer mais alguma cousa, ainda que muito rapidamente, como até aqui o tenho feito, limitando-me apenas a tocar ligeiramente nos pontos do discurso do Sr. Fuschini, mas submetto-me á indicação do Sr. Presidente. (Muitos apoiados}.

Vozes: - Muito bem.

(S. Exa. não reviu}.

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia.

Os Srs. Deputados que tiverem papeis para mandar para a mesa podem fazê-lo.

O Sr. Antonio Cabral: - Eu pergunto a V. Exa. se já estão sobre a mesa alguns documentos que pedi pelo Ministerio das Obras Publicas, ácerca da reforma da engenharia civil?

O Sr. Presidente: - Ainda não vieram.

O Sr. Antonio Cabral: - Peço a V. Exa. que inste com o Sr. Ministro das Obras Publicas, para que esses documentos me sejam enviados o mais depressa possivel.

O Sr. Presidente: - Vou instar.

O Sr. Oliveira Mattos: - Mando para a mesa os seguintes
Requerimentos

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, me seja enviada copia do processo da syndicancia mandada instaurar contra o 2.° official das Alfandegas, Pedro Maria Gonçalves de Freitas, quando dirigia os serviços da do Funchal, acompanhada dos termos em que lhe foi dada demissão do logar, e mais tarde a reintegração de que goza. - O Deputado, Oliveira Mattos.

Não me podendo satisfazer a maneira, por nada elucidar, como se pretende responder ao meu requerimento de 28 de janeiro ultimo, renovo o seu conteudo, pedindo resposta exacta, clara e precisa, para, no interesse no país, me poder habilitar a apreciar, como devo, o assumpto em questão.

O requerimento alludido é do teor seguinte:

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, me seja enviada com a possivel brevidade, uma relação nominal de todos os empregados da Fiscalização dos Impostos e seus vencimentos, nomeados desde l de junho de 1900 até hoje. = Oliveira Mattos.

Mandaram-se expedir.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Mando para a mesa o seguinte

Aviso previo

Tenho a honra de participar a V. Exa. que desejo interrogar o Sr. Ministro da Justiça sobre a sua resposta ao meu aviso previo relativo a officiaes de justiça e arbitradores judiciaes. = O Deputado, Queiroz Ribeiro.

Mandou-se expedir.

O Sr. Ernesto Nunes da Costa e Ornellas:- Mando para a mesa uma proposta de renovação de iniciativa do projecto de lei n.° 7-E, de 1901, que concede meia reforma, como se tivesse quatro annos de serviço, ao pharmaceutico do quadro de saude do ultramar, Silverio Marques Couceiro.

Ficou para segunda leitura.

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SESSÃO N.º 18 DE 17 DE FEVEREIRO DE 1902 7

O Sr. Domingos da Fonseca: - Mando para a mesa uma proposta do renovação do iniciativa do projecto de lei n.° 88, de 1901, que mantem ao conductor de 1.ª classe do quadro de obras publicas do ultramar, Antonio Heitor, unicamente depois de aposentado, os vencimentos que percebia antes do decreto com força de lei de 20 de agosto de 1892.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. Alberto Botelho: - Mando para a mesa um projecto de lei que tem por fim equiparar aos segundos sargentos, os artifices do exercito, para effeitos de vencimentos, tanto na readmissão como na reforma.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. Reis Torgal: - Mando para a mesa o seguinte

Reguerimento

Requeiro que seja enviado á illustre commissão de fazenda o requerimento documentado de D. Maria Rosa Estifique Rodrigues, apresentado a esta Camara no anno passado e que se acha archivado. - Reis Torgal.

Mandou-se expedir.

O Sr. Lima Duque: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio da Guerra, me seja enviada uma nota especificando as quantias, pagas pelo fundo das remissões de recrutas com o serviço do recenseamento militar nos annos de 1900-1901, no continente do reino. = Lima Duque.

Mandou-se expedir.

O Sr. João Augusto Pereira: - Mando para & mesa os seguintes

Requerimentos

Requeiro que, pelo Ministerio do Reino, seja enviado, com urgencia, a esta Camara, o seguinte:

1.º Copia de toda a correspondencia telegraphica trocada entre o governador civil do Funchal e o Presidencia do Conselho de Ministros ou o Ministerio do Reino, desde 28 de agosto de 1901 a 2 de fevereiro do corrente anno, incluindo-se a correspondencia telegraphica cifrada, acompanhada da respectiva cifra;

2.° Quaesquer informações enviadas ao Ministerio do Reino ou Presidencia do Conselho de Ministros, relativas á ordem publica no districto do Funchal, no periodo comprehendido entre 28 de agosto e 31 de dezembro de 1901;

3.° Copia da informação enviada pelo governador civil do Funchal ao Ministerio do Reino, e que servia do fundamento para adiar a eleição da junta geral e das camaras municipaes naquelle districto;

4.° Relação de todos os autos ou investigações levantadas no commissariado de policia do Funchal o administrações do concelho naquelle districto por effeito de propaganda, ultrages ou offensas contra o Augusto Chefe do Estado, no periodo que decorre de 28 de agosto a 31 de dezembro de 1901, indicando-se a data em que foram levantados e qual o destino que tiveram, bem como os nomes dos individuos contra os quaes esses autos tenham sido levantados;

5.° Copia dos moções votadas por quaesquer camaras municipaes da Madeira, e enviadas ao governador civil do districto, relativamente á ida da força armada para as assembléas dos respectivos concelhos, durante a eleição dos Deputados em outubro ultimo;

6.° Que sejam com urgencia enviados tambem a esta Camara os dois processos existentes no Ministerio do Reino e levantados na comarca de Santa Cruz, contra o administrador do mesmo concelho, Luiz Pereira de Menezes â Agrella, processos que não tiverem seguimento por ter sido denegada a indispensavel licença, bem como a informação de governador civil do districto que fundamentou essa denegação. - O Deputado, João Augusto Pereira.

Requeiro que, pelo Ministerio da Justiça, seja enviada com urgencia a esta Camara o seguinte:

1.° Relação dos autos ou investigações enviados pelo commissario de policia do Funchal e administrações dos concelhos dos mesmos districtos, aos delegados do procurador regio nas comarcas da Madeira e que tenham por fim aparar responsabilidades por effeito de propaganda, ultrages ou offensas ao Augusto Chefe do Estado, ou alterações de ordem publica, isto no periodo que decorre de 28 de agosto a 31 de dezembro de 1901, indicando-se a data em que tenha havido promoção do Ministerio Publico e despacho do pronuncia e os nomes dos pronunciados ou pronunciado;

2.° Copia da participação ou informação dada pelo governador civil do Funchal contra o juiz de direito o delegado da comarca de Santa Cruz, bachareis José de Barros e Sousa e José Maria Malheiro, pedindo que fossem syndicados aquelles dois magistrados, bem como o escrivão da mesma comarca, Arsenio Alvares de Freitas. = João Augusto Pereira.

Requeiro que, pelo Ministerio da Guerra, seja enviado com urgencia a esta Camara o seguinte:

1.° Relação das diligencias fornecidas pelo regimento de infantaria n.° 27, por occasião da eleição geral dos Deputados em outubro ultimo, indicando-se a data em que as forças sairam do quartel, dia de regresso e localidades onde prestaram serviço;

2.° Relação identica relativa a eleição da junta geral e camaras municipaes em janeiro do corrente anno, devendo sor enviado o relatorio apresentado pelos commandantes das diligencias que estacionaram no Estreito de Camara de Lobos, Agua de Pena e Machico. = João Augusto Pereira.

Requeiro que, pelo Ministerio da Marinha, sejam enviados, com urgencia a esta Camara os seguintes documentos:

1.° Nota das forças desembarcadas do cruzador Adamastor em outubro de 1901, para coadjuvarem a auctoridade administrativa durante a eleição dos Deputados, indicando-se as localidades onde prestaram serviço, numero de dias de duração do mesmo e numero de praças que compunha cada diligencia o patente do respectivo commandante;

2.° Copia do relatorio do commandante do mesmo cruzador na parte que especifica a natureza dos serviços que o navio desempenhou na Madeira, durante o tempo em que lá estacionou;

3.° Copia de quaesquer instrucções fornecidas ao commandante do mesmo cruzador no tocante á natureza da commissão a desempenhar no Funchal e suas relações com a auctoridade superior do districto. = 0 Deputado, João Augusto Pereira.

Mandaram-se expedir.

O Sr. Almeida Dias: - Mando para a mesa a seguinte

Participação

Participo a V. Exa. e á Camara que lancei na caixa das petições um requerimento do Sr. José Marcellino Carvalho, alferes do corpo de almoxarifes, no qual pede a modificação ao artigo l.° da lei de 12 de junho de 1901, de forma a que os praticos das armas chamadas especiaes sejam em tudo equiparados aos praticos das armas geraes. = O Deputado, Almeida Dias.

Para a acta.

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8 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O Sr. Joaquim Sant'Anna: - Mando para a mesa a seguinte

Declaração

Declaro que deitei na caixa das petições um requerimento do capellão de 3.ª classe da reserva, em serviço no Hospital dos Invalidos Militares em Runa, no qual pede que seja considerado capellão do exercito effectivo, visto ter sido approvado no concurso respectivo em 1896, estar exercendo o logar de capellão naquelle Hospital e ter-lhe sido vedado, por exceder a idade apenas em alguns meses, o ser admittido ao ultimo concurso. = Joaquim de Sant'Anna.

Para a acta.

O Sr. Lobo Lamare: - Mando para a mesa a seguinte

Declaração

Declaro que mandei deitar na caixa das petições um requerimento em que o alferes de infantaria, José Maria da Gama Lobo, pede que, para os effeitos da promoção por diuturnidade, lhe sejam contados os tres annos do curso da Escola Polytechnica que por lei lhe foram exigidos para a matricula na Escola do Exercito. = José da Gama Lobo Lamare.

Para a acta.

O Sr. Almeida Serra: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio da Marinha, seja enviado a esta Camara o processo original, ou uma copia do concurso ultimo que se abriu para nomeação de um capellão da armada. = O Deputado, Antonio Maria de Carvalho de Almeida Serra.

Mandou-se expedir.

ORDEM DO DIA

Continuação da interpellação do Sr. José de Alpoim, sobre o uso que o Governo fez das auctorizações parlamentares.

O Sr. Conde de Penha Garcia: - Sr. Presidente: vou reatar o fio das considerações que na ultima sessão, pelo adeantado da hora e pela benevolencia da Camara, tive que interromper.

Estava eu, tendo a honra de responder a S. Exa. o Sr. Ministro das Obras Publicas, fazendo ligeiras considerações sobre a forma como S. Exa. tinha pretendido defender os seus actos, relativos ás reformas, publicadas em virtude dos auctorizações parlamentares, que dizem respeito ao regulamento das bolsas do commercio, criação dos commissarios regios e outras cousas igualmente famosas.

Sr. Presidente: tinha eu notado com grande surpresa que o Governo, que tem usado e abusado do systema de defesa dos precedentes, tinha agora inventado um systema novo, e dos quasi precedentes.

Mas, tão infeliz foi o Sr. Ministro das Obras Publicas, na escolha dos quasi precedentes com que se queria escudar, que foi justamente invocar um documento da responsabilidade do partido progressista, que provava, é certo, que tinha sido nomeado um commissario regio, mas que provava tambem que tinha sido nomeado sem ordenado de especie alguma.

Veja V. Exa. para que servem os precedentes!

Copiam ou dizem copiar quando a cousa é má, mas não sabem imitar quando se trata de uma cousa útil ou razoavel. O Sr. Ministro das Obras Publicas quis-se acobertar com o precedente do partido progressista ter já nomeado um commissario regio, mas para poder invocar tal argumento devia ter deixado de estipendiar aquelles que S. Exa. nomeou.

Hoje o país está perfeitamente elucidado sobre esta questão dos commissarios regios, sabe o que vale a sua criação, sabe que lhes ha de pagar e soube até, embora com bastante difficuldade, a quem tem que pagar. (Apoiados).

Agora, Sr. Presidente, entrando propriamente no assumpto que me propus tratar, vou, tão rapidamente quanto me for possivel para não cansar a attenção da Camara e para não abusar da sua benevolencia, examinar a reforma da organização da Secretaria dos Estrangeiros.

Pretendo provar que o Sr. Ministro dos Estrangeiros, ao publicar a reforma, por duas maneiras usou mal das auctorizações parlamentares. Em primeiro logar usou mal, orientando a sua reforma em principios absolutamente contrarios, áquillo que tinha sido o criterio das reformas anteriores; em segundo logar, usou mal, porque, contra a expressa determinação das auctorizações que lhe tinham sido concedidas, a sua reforma trouxe, ha de trazer fatalmente, augmento de despesa. (Apoiados).

Basta ler o relatorio que precede a reforma da organização dos serviços do Ministerio dos Negocios Estrangeiros, para se comprehender quão differente é esta reorganização das duas anteriores, a de 1891 e a de 1897.

O relatorio da organização de 1891 é profuso em esclarecimentos sobre as razões justificativas da reforma, e dá como criterio superior que presidiu á sua elaboração, primeiro, a diminuição do despesas, que tão necessaria é na situação afflictiva em que se encontra o país; segundo, a necessidade de regulamentar disposições diversas que tinham vindo incrustar-se na organização primitiva de 1869.

Encontramos a mesma justificação na reforma de 1897: relatorio, abundante em esclarecimentos e documentos para provar a diminuição de despesas e a necessidade de melhorar serviços.

A reforma de 1891 produziu reducção immediata de desposas na importancia de 63:000$000 réis, e a reforma de 1897 na importancia de 11:000$000 réis.

A reforma presente não produz, segundo a propria declaração do Sr. Ministro, economia alguma no presente e de futuro só nos podemos alegrar com a economia longinqua de 1:500$000 réis!

Em poucas palavras vou demonstrar o meu primeiro asserto de que S. Exa. o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros fôra menos feliz na organização da sua reforma, porque tinha contrariado o espirito das reformas anteriores, e querendo melhorar os serviços, ficou muito longe d'aquillo que pretendia ou desejava fazer.

Devo dizer a V. Exa. que me defrontei com graves difficuldades para a apreciação da reforma do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros.

Falta-me a chave do enigma, a lista da collocação do pessoal que ha mais de quinze ou vinte dias pedi a V. Exa. e que ainda me não foi enviada.

Parece-me que uma lista que pouco mais pode conter de oitenta nomes, é cousa facil de elaborar. (Apoiados).

Não quero entrar nas razões que podem ter levado o Sr. Ministro a não fornecer os documentos pedidos, mas constato o facto para que o publico e o país, que nos escutam, tirem d'elle as consequencias. (Apoiados).

Interrogando alguem sobre o criterio que poderia ter presidido á presente reorganização de serviços da Secretaria dos Negocios Estrangeiros foi-me respondido, que, pelos vistos, a reforma deve ser das que vulgarmente se chamam de sobrescripto, e de sobrescripto com estampilha e tudo.

O Sr. Antonio Cabral: - É uma carta registada.

O Orador: - Eu, que não sou, de natureza, malicioso, não percebi, mas o que posso dizer, em todo o caso, é que se vê claramente que esta reforma se não é de sobrescripto é pelo menos uma reforma á posteriori. (Apoiados}.

Não se fez a reforma para reorganizar certos e deter-

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SESSÃO N.° 18 DE 17 DE FEVEREIRO DE 1902 9

minados serviços, mas sim para collocar e deslocar determinados funccionarios, com facilidade o em completa liberdade de acção. É o que se deprehenda do diferentes artigos d'este decreto.

O que pode valer essa liberdade de acção hão do dizê-lo os actos do Sr. Ministro, porque só por elles se pode ver o uso que S. Exa. faz d'estas larguissimos faculdades que se deu a si proprio.

Mas o que devo dizer, desde já ó que S. Exa. faz taboa raza, e entende que não são necessarias condições absolutamente nenhumas para a primeira collocação ou promoção: não exige concurso nem exige o tirocinio legal, e isto é importantissimo, porque pode representar um jubileu para os funccionarios, que S. Exa. pode collocar indistintamente nos serviços consulares o nos serviços diplomaticos como convier a S. Exa.

Se só não trata de jubileu, como é claro, então na mente do illustre Ministro existe a pretenção de reorganizar de vez os nossos serviços diplomaticos e consulares e de fazer uma collocação do pessoal aproveitando do tal modo as aptidões dos funccionarios sob as suas ordens, que naturalmente esta reforma será a ultima, tão grande perfeição com ella se attingirá.

No relatorio confessa S. Exa. modestamente, que a reforma não visa a grandes fins; ha entretanto uma cousa que S. Exa. consegue e que vale muito: é a unificação de serviços na reorganização da secretaria, e é esta, creio eu, a varinha de condão que ha de trazer a falada economia de 1:500$000 réis.

Mas essa unificação já existia na reforma da 1897 cujo artigo 102.° dava a faculdade de transferir os funccionarios da secretaria para o Corpo Diplomatico o Consular.

Que estranho valor tem então isso que só diz ser o maior merito da nova organização?

Que vantagens advirão, portanto, de englobar tudo num quadro sem attender ás competencias de cada um?

Na reforma de 1897 o Ministro tinha todos as facilidades para aproveitar nos serviços diplomaticos ou consulares aquelles empregados da secretaria que demonstrassem excepcional competencia. Agora, porem, parece que todos demonstraram essa competencia excepcional visto que todos os empregados da secretaria passaram a fazer parte do Corpo Diplomatico e do Corpo Consular o até sem necessidade do concurso, porque alguns haverá que do simples amanuenses, sem darem especiaes provas de aptidão, passarão para logares de segundos secretarios e para consules de 2.ª classe, sem concurso.

Por isso continuo a não perceber esta necessidade de unificação que S. Exa. tanto apregoa.

Uma innovação, e poucas contém, do resto, esta reforma
é a da criação de togares de consules addidos commerciaes.

Já pela reforma anterior alguma cousa havia com intuitos semelhantes e essa alguma cousa era o artigo 68.°, que auctorizava o Ministro a conceder a agentes commerciaes, indicados e estipendiados pelas associações commerciaes, agricolas e industriaes ou pelas companhias privilegiadas, a qualidade de agentes officiaes para promoverem no estrangeiro os nossos interesses commerciaes, industriaes o agricolas, mas sem que o Governo subsidiasse, de modo algum, esses agentes.

Agora, porem, vamos ter addidos especiaes encarregados d'este serviço ou melhor, apenas de uma parte d'elle, e realmente não comprehendo a vantagem d'esta medida, a não ser a de augmentar a despesa e satisfazer a clientela.

Veja V. Exa., Sr. Presidenta, quantos addidos se poderão nomear! É uma porta aberta para futuras nomeações e tudo isto se ha do pagar, porque os addidos commerciaes teem uma gratificação especial de 1:000$000 réis alem dos seus ordenados proprios. (Apoiados). A lei é até um tanto confusa neste ponto, porque fala simplesmente em ordenados sem dizer quaes elles sejam.

Não sei tambem se estes legares serão desempenhados pelos proprios consules, titulares dos consulados já existentes, ou por consules nomeados ad hoc como se faz em outros paises e como é natural que seja quando se trata de fomentar e fazer propaganda de interesses commerciaes num e outro ponto e é portanto inconveniente a estabilidade do funccionario a quem incumbe esse serviço.

Finalmente, a fusão do Gabinete com a Repartição Central, representa a outra das pequenas innovações da reforma do Sr. Ministro dos Estrangeiros, o não terei duvida em a applaudir com uma restrição.

Sob o ponto do vista do organização de serviços, foi bom; mas quer-me parecer que para conseguir essa melhoria de serviço se augmentou o numero de empregados, e é esse o lado triste d'esta reforma. (Apoiados).

O tempo foge e eu não devo causar a attenção da Camara, o por isso não quero entrar, como ora desejo meu, em mais minucioso exame de outros pontos. Não deixarei, porem, passar sem reparo algumas inovações tão simples que o relatorio nem as menciona e que no entanto me parecem capitães, o para os quaes chamo a attenção da amara; refiro-me á criação de novas legações!

A reforma de 1891 o a reforma de 1897 inspiraram-se na necessidade indispensavel de se reduzirem as despesas publicas tanto quanto possivel. Nestes termos julgou-se conveniente que o país reduzisse a sua representação diplomatica aonde fosse dispensavel e substituivel pela simples representação consular. Eu por mim entendo que este criterio é excellente e que o mais conveniente é ter o país menos representantes diplomaticos, mas mais bem remunerados. Pois o cuidado doo legisladores de 1891 e 1897 era reduzir essa despesa supprimindo legações o consulados foi inutilizado e destruido por este Governo; primeiro por um acto do Sr. Arroyo que criou a legação de Stockholmo, e agora por um acto do Sr. Mattozo que criou mais tres, em Berne, Constantinopla e em Tanger.

No anno passado insurgi-me contra a inutil criação da legação em Stockholmo, porque a julgava dispensavel o augmentava a despesa publica. Os meus argumentos calaram tanto no animo do Governo que este anno cria ministros legações novas!

Se as considerações que vou fazer hão de trazer a criação do mais nove ou dez, ou então calo-me.

(Ápartes).

Demais repare V. Exa., Sr. Presidente, que de nada serviu a experiencia anteriormente adquirida para nortear o Sr. Ministro dos Estrangeiros na sua obra. Criou S. Exa. uma legação consular cm Tanger, sem se lembrar que a reforma de 1897 extinguira as legações consulares, não só por trazerem augmento de dispesa, mas ainda pela experiencia ter demonstrado que pouco proveito d'ellas se tirava.

As regras de boa administração das reformas de 1891 o 1897 foram postas de lado.

Tudo hoje está alterado o modificado, e dir-se-ha que quando isto só faz, o só assim se justificaria, é porque se tem a consciencia de que a economia nacional e a situação financeira do país tom melhorado consideravelmente?
(Apoiados).

Eu já tive occasião de mostrar, com a eloquencia dos numeros, qual é a verdadeira situação das finanças publicas e qual o tristissimo caminho para onde nos impellem fatalmente os desvarios do quem governa. Nada ha peor do que a subordinação financeira, uma verdadeira escravidão que equivale quasi á perda da autonomia; pois é por esse caminho que nós, infelizmente, vamos andando a passos agigantados. (Apoiados).

Ainda em poucas palavras farei algumas considerações sobre outro ponto da reforma, e que me parece representar uma injustiça para uma classe que tantos serviços tem

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10 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

prestado ao país, isto sem querer dizer que o país não deve serviços relevantes aos nossos diplomatas, em cujo numero se contam intelligencias das mais formosas, e caracteres dos mais sympathicos; mas o que é certo, é que o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros na sua reforma feriu e aggravou sensivelmente a classe consular, e eu vou dizer a razão porque. É ferir e aggravar a classe consular supprimir consulados na Europa, que eram no pensamento da lei, a recompensa destinada áquelles que gastam a sua saúue gerindo os consulados do Extremo Oriente e os da America e da Africa. (Apoiados).

É ferir e aggravar a classe consular, cortar-lhe o quadro, que era de 26 consules pela reforma de 1897, reduzindo-o a 25.

Ora, eu devo dizer, em amor da verdade, que a reducção do quadro será o aggravo minimo, porque estou quasi certo de que o Governo que tanto beneficia o país criando novos logares, usará largamente da nomeação de consules supranumerarios, aproveitando a criação dos addidos commerciaes, etc.

Mas o que é certo, é que o quadro consular nem por isso deixou de ser diminuido num consul.

Ainda pelo artigo 77.° da nova reforma se collocaram os consules em situação inferior áquella que tinham na reforma de 1897.

Por esta reforma os consules de carreira podiam, em determinadas condições, quando tivessem dez annos de serviços, ser promovidos a Ministros de 2.ª classe; agora é-lhes cortada essa garantia; só os consules de 1.ª classe, que na reforma actual são apenas 5, podem gozar d'esta regalia.

E esta injustiça é talvez aggravada, porque não sei se mesmo áquelles consules, que tinham direitos adquiridos, pela reforma anterior, a poderem ser promovidos nos termos do artigo 77.°, os perdem agora pelo facto de serem classificados consules de 2.ª classe, pela actual reforma.

A hora vae adeantada, e eu sou forçado a terminar por aqui as minhas considerações, pelo que respeita propriamente á organização de serviços, e entrar na segunda parte do fito que me propus, demonstrando a V. Exa. com a eloquencia singela dos algarismos, que S. Exa. o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros usou mal das auctorizações parlamentares e augmentou consideravelmente as despesas publicas, quando as devia diminuir. (Apoiados).

Sr. Presidente: varios argumentos podem ser apresentados para mostrar os augmentos de despesa que a reforma cuidadosamente occulta.

A primeira vista a reforma parece innocente a tal respeito.

O que na verdade despertou mais a minha attenção, foi o rigor com que a despesa era exactamente igual ao que era na antiga organização, e por isso perguntei a mim proprio, como augmentando-se o quadro, augmentando-se as despesas para representação das legações, a despesa não era augmentada.

Como seria isso possivel?

Eu reconheço ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros uma vasta competencia, mas esta repetição do milagre dos peixes, não podia ser. (Apoiados).

A nova reforma trás um augmento de 10 empregados no quadro para serviço do respectivo Ministerio.

Bem sei que 10 é um numero muito modesto, mas note V. Exa. que o quadro é apenas de 80.

Isto representa mais de 14 por cento de augmento no numero total dos empregados.

Bastava, puis, este augmento para se ter a certeza de que se augmentava realmente a despesa publica, pois que a estes empregados é necessario pagar-lhes.

Como é possivel, pois, não augmentar as despesas, nomeando empregados novos?

Nada escapou ao cuidado do Sr. Ministro dss Negocios Estrangeiros na sua ancia reformadora.

Até o pessoal menor necessitou ser augmentado!

Para a regular organização do Ministerio dos Negocios Estrangeiros o que era mais urgente era augmentar esse quadro com mais um continuo e um servente!

Como a Camara vê, estes factos são pequenos, mas são significativos do criterio que presidiu a esta reforma, e tambem ás outras reformas, que o Governo fez no uso das auctorizações. (Apoiados).

Eu creio que S. Exa. ha de pagar aos addidos commerciaes, e o augmento das despesas das legações, e aos novos empregados.

S. Exa. ha de pagar todos estes augmentos de despesa, e, no entretanto, a despesa mantem-se estacionaria no respectivo diploma.

Mas ha mais.

Nesta reforma figuram as legações de Constantinopla e de Berne e, no entretanto, nas tabellas não ha verbas para ellas.

Uma VOZ: — São honorarios.

O Orador: — Bem sei que S. Exa. o Ministro dos Negocios Estrangeiros, ou quem quer que seja que me responda, me vae dizer a este proposito: nas tabellas não está, logo não se ha de pagar.

Oh! Sr. Presidente, não tivesse eu já tanta experiencia d'estes trues parlamentares!

No anno passado, quando eu discutia a criação da legação de Stockholmo, pretendi demonstrar que essa criação augmentava as despesas publicas.

Respondeu-me serena e tranquilamente, com aquelle ar faceto que lhe é peculiar, o Sr. João Arroyo, dizendo-me: «Está S. Exa. enganado. Tranquillise-se. Os seus calculos estão errados».

Perguntei eu: pois nem ao menos a despesa para renda de casa deverá ser mettida em linha de conta? Respondeu S. Exa.: «Não, senhor. Tome a Camara nota da minha declaração. Não se encontra lá a verba para renda de casa da legação de Stockholmo, não se ha de pagar».

Aqui está a tabella que acompanha a reforma que estou discutindo.

A despesa para renda de casa da legação de Stockholmo não se havia de pagar, mas já cá está inseripta. Agora sim, é que se ha de pagar!

O mesmo provavelmente ha de acontecer com as despesas das novas legações, que não estão nem nestas tabellas, nem no Orçamento. (Apoiados).

É pouco o tempo de que disponho e não desejo cansar a attenção da Camara, por isso não insistirei sobre este ponto e passarei a reforçar a demonstração da minha these, de que esta reforma traz comsigo augmento de despesa, com argumentos que não são meus. Agora vou apresentar argumentos de maior quilate.

Argumentam o Sr. Ministro da Fazenda com o Sr. Ministro dos Estrangeiros.

Entre S. Exas. será decidida a questão.

Com effeito, no quadro justificativo que acompanha esta reforma, para provar que não houve augmento de despesa, o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros chegou á conclusão de que não houve, porque os despesas importam em 243:86$000 réis.

Nas tabellas de receita e despesa, apresentadas por S. Exa. o Sr. Ministro da Fazenda nesta Camara, affirma S. Exa. que as mesmas despesas hão de custar ao pais 248:021$000 réis. A dífferença é de 4:940$000 réis.

Isto é inquestionavelmente augmento de despesa, no dizer do Sr. Ministro da Fazenda.

Ora eu não quero, Deus me livre, ser fautor de uma intriga ministerial; por maneira nenhuma. S. Exas. estão em desacordo e eu tambem não quero desgostar nem o Sr. Ministro da Fazenda, nem o Sr. Ministro dos Estrangeiros, preferindo a opinião de um á do outro.

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Mas quem é que devemos acreditar? Parece-me que o melhor é não acreditarmos nem um, num outro. (Apoiados). E vou dizer a V. Exa. porque.

Ainda, por um terceiro processo, ou posso demonstrar que a reforma que se está discutindo ha de trazer fatalmente augmento de despesa.

As despesas ordinarias, previstas pela reforma de 1897, montavam a 222:444$000 réis, as despesas ordinarias, previstas pela reforma que estou examinando, montam a réis 242:084$000; a diferença é do cêrca de 20:000$000 réis!...

Este ha de ser fatalmente o minimo augmento da despesa. E vou dizer a V. Exa. que ainda ha do ser mais!...

O Sr. Ministro dos Estrangeiros fazendo a sua reforma, tornou definitivo o que ora provisorio: o regime provisorio havia de produzir no fim de corto tempo determinada economia, mas S. Exa., dando larga sangria nesse capitulo, augmentou a despesa ordinaria em mais de réis 20:000$000! De forma que, calculando o augmento de despesa em mais de 20:000$000 réis, não ando afastado da verdade, sem incluir as despesas com as duas novas legações que não figuram nas tabellas.

É impossivel avaliar, com toda a nitidez e precisão, o augmento que trará esta reforma. Vejo que ha certas verbas de despesa que voem minguadas no Orçamento actual. Quando se discutir o Orçamento, hei do perguntar a razão por que foram minguadas! Forque ou hei de demonstrar que essas verbas são inferiores ás necessidades actuaes e assim mostrarei como se consegue encobrir que o augmento real dos encargos da reforma é superior a 20:000$000 réis!

Aqui tem V. Exa., Sr. Presidente, mais uma prova de que o Governo, no uso das auctorizações parlamentares, obedeceu a um criterio especial, criterio que não foi o de beneficiar o país, com a diminuição das desposas, o que tão necessario era, mas sim o de abrir porta larga para que á farta podesse satisfazer a necessidade da sua clientella politica ! (Apoiados).

Sr. Presidente: digo isto com desassombro, como costumo dizer todas as cousas.

Sabe V. Exa. que eu, pelo meu caracter e temperamento, não costumo nunca servir-mo do trues, que a discussão parlamentar permitte e auctoriza, o assacar ao Governo cousas do que não esteja realmente convencido e de que não possa fazer a demonstração. Quando for publicada no Diario do Governo a lista, não ao da collocação do pessoal a que se refere esta reforma, mas do pessoal da fiscalização do imposto e de tantos novos serviços criados pelo Governo, então, com o conhecimento das pessoas nomeadas, verá a Camara e o publico apreciará, se está ou não feita a demonstração de que as auctorizações pedidas pelo Governo á Camara, e que lhe foram concedidas no intuito de se diminuirem as desposas publicas, foram aproveitadas com este criterio, ou com o criterio mesquinho dos interesses politico-partidarios. (Apoiados).

Sr. Presidente: é tempo de terminar, e não o quero fazer sem appellar para a consciencia do Governo.

Interrogue o Governo a sua consciencia a sós, examine bem os actos que praticou em virtude das auctorizações parlamentares e não no-lo venha dizer a nós, mas, no fôro intimo da sua consciencia, que diga a si proprio se realmente este era o caminho sensato o honesto, que o Governo tinha a tomar, para corresponder á missão gravissima que no momento actual teem que desempenhar os Governos d'este país. (Apoiados).

Disso um poeta lyrico, dos mais delicados e dos mais profundos, o immortal Carapoamôr, o seguinte numa quadra:

La consciencia á los culpados Castiga tan pronto y bien Que hay muy pocos que no estéen Dentro de su pecho abarcados.

Sr. Presidente: se o Governo tivesse consciencia, o país teria, pelo menos, a triste, mas consoladora satisfação de ter a certeza, que o Governo a estas horas já estava enforcado; moralmente falando, já se vê! (Apoiados).

Tenho - dito.

Vozes: — Muito bem.

(O orador foi muito cumprimentado pelos seus amigos politicos).

A moção foi admittida.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Mattozo Santos): — Sr. Presidente: apressei-me a pedir a palavra para responder ao illustre Deputado que acaba de falar, o Sr. Conde do Penha Garcia, não porque partilho da opinião que S. Exa. aqui manifestou, de que os Deputados da maioria não teem a mesma liberdade do defender o Governo, que aos illustres Deputados de opposição é dada para o atacar; mas sobretudo por conhecer que é obrigação imperiosa de um Governo, tratando-se do auctorizações que lhe foram concedidas, ser o Ministro que d'ellas usou quem as defenda. (Muitos apoiados)

Essas auctorizações são actos publicos do Governo, pertencem ao país e á Camara; e por isso, tanto direito assiste aos Deputados que fazem opposição criticá-las, desapprovando-as, como aquelles que concordam com as opiniões do Governo, apreciá-las, approvando-as.

Não posso, portanto, partilhar da opinião de que qualquer Sr. Deputado, que entenda dever sobre este assumpto das auctorizações apoiar o Governo, não as discutir. (Apoiados).

Mas não desejo que se supponha que me acoberto por detrás de divergencias do opinião para declinar a minha responsabilidade. Uso, por isso, da palavra, respondendo ao illustre Deputado, por quem tenho a mesma consideração, que por qualquer outro membro d’esta Camara; e com tanto mais prazer o faço quanto é certo que a isso sou levado gostosamente por um motivo de sympathia, que mais tarde explicarei.

Vou, agora, entrar na apreciação das considerações feitas, por S, Exa., acêrca do uso que fiz da auctorização na reforma do Ministerio dos Negocios Estrangeiros, e começo já, declarando que não posso, ainda que o quisesse, discutir a moção apresentada pelo illustre Deputado.

A moção do S. Exa. é a historia, por assim dizer, da nossa evolução economica e financeira desde 1890. O que ali está é da responsabilidade de Varias gerencias e diferentes feições politicas. (Apoiados).

A unica cousa que d'essa moção se poderá concluir, vera a ser que, ou o que S. Exa. nos apresenta é um erro contumaz, proprio do todos os homens que se teem sentado nestas cadeiras, o que não posso acreditar, ou é a fatalidade das cousas a que não podemos fugir.

Não tenho, por isso, que discutir a moção do illustre Deputado; a Camara o fará, só quiser.

Simplesmente me limito a ver, se realmente o convite, que S. Exa. fez no ultimo considerando da sua moção, foi ou não comprehendido o seguida pelo Governo.

Disse S. Exa. que conderanava o uso que fiz das auctorizações, tanto no que diz respeito aos principios, como ás bases de que lancei mão para fazer uma reforma, de onde resultará, segundo affirma S. Exa., aggravamento de despesas.

Sr. Presidente: posso affirmar a V. Exa. e á Camara, que não foi pelo prurido de reformar, que usei das auctorizações concedidas ao Governo para remodelar os serviços do Ministerio dos Negocios Estrangeiros.

Poderia até dizer que o fiz pelos mesmos motivos que se apontam no relatorio de 1897 para justificar a alteração effectuada na reforma de 1891. (Muitos apoiados).

Como tenho de referir-me á organização de 1897, permitta-me V. Exa. que antes eu abra um parenthese, para explicar as phrases que ha pouco proferi, ao referir-me á

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sympathia natural que, como disse, me prende ao illustre Deputado o Sr. Conde de Punha, Garcia.

Quem assignou a reforma do 1897 era um vulto sympathico da nossa historia politica, o a estima pessoal que lhe tributava, e as saudosas recordações que conservo do seu convivio, impõe-me a obrigação de declarar peremptoriamente, que nas afirmações que vou fazer, não desejo, de leve que seja, ferir a sua memoria, que respeito e venero; estou, absolutamente convencido de que o illustre Deputado, o Sr. Conde do Penha Garcia, me acompanha, tambem, no sentimento que expresso.

Fechado o parenthese, para que o que vou dizer não possa de forma alguma ser considerado como censura, que era incapaz do fazer a quem já não é d'este mundo, ainda que não fosse um amigo meu, vou tocar levemente nos motivos que me levaram a divergir da reforma de 1897. Tinham-se enxertado nella algumas disposições, acceitaveis aliás, mas que não deixam de ser inuteis, e que faziam com que o serviço fosse naturalmente perturbado, passando facilmente, — meras concessões, — a poderem ser invocadas como direitos adquiridos. (Muitos apoiados).

Quando tratar de explicar, que não lia de facto, nem podia haver, accrescimo de despesa, referir-me-hei então mais detida e particularmente a este ponto, visto como o meu desejo, agora, é acompanhar o Sr. Conde de Penha Garcia, somente pelo que respeita ao pensamento da reforma. Este pensamento transparece e evidencia-se, por maneira clara e positiva, no relatorio; é a unificação de quadros, conservando-se, todavia, distinctos os dois serviços do legação e secretaria. Unifica-se o quadro diplomatico e tambem o consular. Quer na secretaria, quer nas legações, o quadro é um só. (Apoiados).

Isto não vem destruir a ordem no serviço, pelo que diz respeito ás aptidões; pelo contrario, parece-me que completa a eduação dos empregados. No convivio da chancelaria, elles trazem para a secretaria o conhecimento do modo como se hão de manter as relações.

Se o funccionario sae da secretaria para as chancellarias, vae conhecendo já os assumptos que por lá passaram, sabendo como se trataram, as relações que ha com as outras chancellarias, e por esta forma se completa, naturalmente, a educação interna da secretaria com a educação externa, quer das legações, quer dos consulados.

D'este modo, a educação do funccionario torna-se completa e não fica esterilizada á carteira, conhecendo simplesmente o protocollo, e nada sabendo de negocios.

É evidente que, com esta unificação de quadros, ainda se obvía a outro inconveniente, e que é justamente um ponto, que a reforma anterior havia deixado um pouco vago dando pessimos resultados, não só pelo que respeita á economia que se pudesse fazer, mas tambem no tocante á administração dos dinheiros publicos.

Ha condições que, neste serviço mais do que em algum outro, impõem ao Ministro a passagem dos funccionarios á disponibilidade, que não nascem muitas vezes nem da qualidade dos funccionarios nem de menos confiança que o Ministro nelles deposite; são condições exteriores, que muitas vezes determinam essa mudança de situação.

O que acontecia no quadro diplomatico é que o funccionario que tivesse de passar para a disponibilidade ahi ficava, e não era facil substitui-lo. Não podia vir para a secretaria, nem d'esta tirar-se outro para o substituir, porque dava logar a promoções.

Hoje o funccionario que tem de passar para a disponibilidade, facto devido a circumstancias que S. Exa. muito bem conhece, vae para a secretaria desempenhar ao suas funcções, saindo um outro para o substituir, resultando d'esta forma haver simplesmente uma troca de funccionarios.

Aqui tem V. Exa. como a unificação dos quadros dá maior aptidão aos funccionarios, evitando a disponibilidade.

Fica, é certo, o Ministro com plena liberdade de acção, mas deve-o ficar, para poder á sua vontade escolher, na secretaria ou nos postos diplomaticos, o funccionario mais apto para o desempenho de uma determinada commissão.

E, neste serviço especial da diplomacia, a escolha tem enorme importancia; por isso mesmo é que se foz mister, que o quadro esteja unificado e não contenha individuos que o acaso trouxe para a carreira diplomatica, como podia trazê-los para a carreira da secretaria.

Diz-se que eu acabei com a garantia da promoção dada ao pessoal do quadro.

Isso não é assim, e, se não, basta ler o artigo 33.° da reforma.

É certo que eu dispensei o concurso, mas exigi o que bem pode suppri-lo.

Esses empregados já deram provas de competencia no diploma do curso superior que apresentam, e julgo-os, por isso, dispensados do concurso. (Apoiados).

Parece-me que isto não é uma innovação. Quando se trata de reorganizar um quadro, é natural nomear para os primeiros logares individuos, que tenham mostrado competencia para os exercer, e por isso os fui buscar onde elles haviam revelado já essa competencia. (Apoiados).

Foi mesmo para isso que se estabeleceu o artigo 132.º

Nos antigos concursos houve provas tão boas que mereceram classificações distinctas.

Havia, pois, de ir inutilizar, por uma reforma, esses concursos?

Isso seria uma grande injustiça; representaria nada mais, nada menos, do que tirar direitos a quem já os possuia.

Era, pois, de toda a razão, e justíssimo, dar valor aos concursos anteriormente feitos.

Referiu-se tambem S. Ex.a á criação de addidos commerciaes, de onde resulta, affirma o illustre Deputado, augmento de despesa.

Ora, o relatorio — e eu não desejo cansar a Camara com uma leitura fastidiosa — diz de maneira precisa, que, para esses logares, serão escolhido, os consules, que já tiverem provado os seus bons serviços, tendo portanto largo conhecimento não só dos negocios, como do modo por que elles são tratados; e diz-se, ainda, que esses consules serão nomeados addidos commerciaes, no país onde funccionarem. Accrescenta, por fim, o mesmo relatorio, ser isto uma experiencia que se vae fazer.

Diz agora, o illustre deputado, que era inutil, porque nós já tinhamos agentes commerciaes particulares. Mas, Sr. Presidente, esses agentes commerciaes são conservados da mesma maneira.

Accrescenta S. Exa.: «com que elementos podem elles contar, de representação official, se a seu lado, junto a elles, não estiver um funccionario, que lhes possa dar a força de que careçam, o auxilio de que necessitem?»

Ora, o addido commercial de legação tem, evidentemente, em sua mão, o concentrar acções mais ou menos dispersas, mais ou menos espalhadas, o que o agente commercial, nomeado por particulares, não pode ter. (Apoiados).

Não descreverei, agora, á Camará o que me inspirou esta idéa dos addidos commerciaes. Pouco interesse isso tem; mas o que eu vi foi que estes addidos podiam ter uma grande vantagem.

Toda a Camara conhece, certamente melhor do que eu, a lucta que se trava, hoje, no mundo commercial (Muitos apoiados) pelo que respeita á concorrencia; luta que chega a fazer não esquecer, absolutamente, nenhum dos meios, desde o mais legitimo, até ao mais illegitimo. (Muitos apoiados).

Ninguem desconhece a celebre invenção sobre marcas de fabricação e producção.

E seja-me licito citar um facto, que nos respeita, independentemente de outros, e que é: a lealdade, a serie-

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dade, a energia com que a França tem procedido, sempre que se trata de perseguir a contrafacção de marcas.

Todos nós sabemos o que se passou com uma casa portuguesa, estabelecida na Madeira, em uma questão de vinhos. Era uma casa forte, que, evidentemente dispunha de muitos mais elementos do que as suas congeneres, tendo, portanto, uma grande superioridade commercial, e que, assim, podia ir a França, reclamar perante as estações officiaes, saber os tramites que havia de seguir, etc., para poder garantir a sua marca.

Ora, até hoje, em grande numero de centros commerciaes, não havia consules de carreira; as legações não tinham essa attribuição.

Não tinham, portanto, ninguem que os defendesse e os protegesse junto das auctoridades locaes, principalmente com o saber dos tramites da legislação local. (Apoiados).

Aqui está a idéa que me levou á criação dos addidos commerciaes.

Era principalmente uma razão do protecção ao nosso commercio; era a idéa de se poder methodizar, generalizar a expansão d'esse mesmo commercio, estabelecendo lá fora uma forma do se conhecerem as nossas producções, dirigindo-se os cônsules por maneira, que se não entrechocassem os seus esforços, destruindo um o que outro fizesse. (Apoiados).

É uma tentativa? É.

Tive o pensamento de a estabelecer, mas só como tentativa? Não ha duvida.

Portanto, por onde deve ella começar? Por Londres, onde certamente o nome do consul que ali está se impõe ao respeito de todos. Por Paris, onde o nome do consul que hei de nomear, o Sr. Séguier, é uma garantia, porque todos sabem os importantes serviços que tem prestado. (Apoiados).

Mas quando os hei de eu nomear?

Quando do capitulo transitorio do orçamento tiver verba para lhes pagar. (Muitos apoiados).

Com isto creio ter respondido á segunda parto do discurso do illustre Deputado.

Pelo que diz respeito ao Orçamento, não ha conflicto algum entre os Ministros da Fazenda e o dos Estrangeiros. (Riso. - Apoiados).

Conhecem-se; sabem o que vale cada um (Riso. - Ápartes).

Emfim, conhecem-se muito bem: devem-se mutuo respeito. Relativamente às suas qualidades moraes, consideram-se como incapazes de um acto que não só possa chamar digno, e pelo que respeita ás intellectuaes não teem consideração alguma um pelo outro.

De maneira que, nestas condições, já vê S. Exa que é difficil elles chegarem a um acordo; julgam-se um ou outro tão tacanhos que não se entendem, e quando succeda entender-se, parece que, realmente, se não entenderam nunca. (Riso)-

Isto com respeito a haver conflicto entro elles. Mas não ha, socegue S. Exa., porque, neste caso, não havia motivo para isso.

Como ás vezes acontece, e muitas vezes até, mesmo duas cousas, sem grande valor cada uma d'ellas em si, chegam juntas, a possui-lo.

Toda a gente conhece a parabola bíblica das varas. Agora acontece o mesmo.

Cada um de per si nada vale, os dois juntos algum valor representam.

Mas explicada a razão da criação dos addidos commerciaes, desejo ainda, referir-me a um outro ponto, a que o Sr. Condo de Penha Garcia alludiu ha pouco: ás condições de passagem para a disponibilidade.

Essas condições, como a Camara, certamente, muito bem sabe, e S. Exa. tambem, podem ser quatro: impedimento do consul; não poder tomar conta da missão para que fora nomeado; haver acceitado outro cargo; e ainda por conveniencia de uma relação. Nas tres primeiras hypotheses não ha remuneração alguma para o funccionario; no que respeita, porem, á quarta, tem do se lhe pagar, consoante uma relação estabelecida na lei, relativamente aos seus vencimentos.

Ora, a Camara comprehende quão vaga é esta phrase: - conveniencia de serviço; e quantos, á sombra d'essas - conveniencias -, (Muitos apoiados) - não obstante, certamente, as magnificas intenções da reforma do Sr. Barres Gomes, - só haviam introduzido, desde então para cá, na santa disponibilidade, sobrecarregando, sempre indevidamente, o Thesouro. (Muitos apoiados).

Foi exactamente a esto estado de cousas que, diga-se a verdade, não devia continuar, que eu procurei attender com a actual reforma, facilitando a possibilidade de poderem os funccionarios consulares transitar.

Diminui o numero dos consulados; eram 26 e reduzi-os a 25; quero dizer, reduzi-os ao que estava anteriormente estabelecido, porque não precisava de mais.

Criei cinco consulta de 1." classe o cinco de 2.ª, porque não comprehendia o que era um consul official, e outro que o não era; e a Camara não ignora a importancia e significação que, lá fora, teem as designações, em categoria diplomatica. (Apoiados).

Deixo de insistir neste ponto, a que logo terei que alludir em resposta a uma observação do Sr. Conde de Penha Garcia.

Diz S. Exa. que eu os prejudiquei ainda mais, impedindo-os de poderem transitar de um para outro quadro; porque o quadro diplomatico, sendo mais largo, dava maior expansão aos consules.

Então, não entendo ou o que diz o artigo 77.°.

Era que cortei eu a carreira consular? Não deixo, do mesmo modo, como até aqui, transitar para a carreira diplomatica? Fiz isto, de facto, unicamente para proteger os consules, porque entendo, que as duas carreiras são absolutamente distinctas, e que na lei não só deve permittir a confusão; sendo certo que, não desejando prejudicar ninguem, deixei ficar a possibilidade de transitar, porque via nesta carreira a vantagem do conhecimentos.

Mas fixe-se bem, que a separação do quadro consular é indispensavel para a boa ordem a regular organização dos serviços: o consul deve considerar-se como agente economico e não politico (Apoiados); o diplomata não se deve considerar como agente economico, mas tão somente agente politico, A confusão produz effeitos perniciosissimos. (Muitos apoiados).

E d'ahi nasceu naturalmente, o pensamento de não augmentar as despesas, criando novas legações, mas estabelecer este principio de reforma regularizando o serviço. Eu não criei tres novas legações, legalizei uma, a de Constantinopla, que vem desde 1844, e que só em 1890 foi transformada em legação, visto que ali tínhamos representação. Veiu a reforma do 1807, e d'esta vez ainda não foi nomeado representante. Encontrei pois, em Constantinopla representação virtual, porque o funccionario não estava nomeado. Mas a legação existia. (Apoiados).

Criei a legação de Tanger, é certo. Transformei o consulado em uma legação; não era, com certeza, para no momento presente tratar de assumptos commerciaes; mas pode ser que no futuro o seja, se já o não é, porque temos ali um grande numero de compatriotas, sobretudo, do Algarve, que vão até Laracha exercer o seu mister como pescadores; d'ahi a necessidade de termos quem os protegesse da maneira mais efficaz, tendo uma representação que pudesse hombrear com u rosto da diplomacia ali existente. E amanhã, a esses interesses, que me parece que já não são pequenos, podem juntar-se outros de ordem politica superior, como S. Exa. muito bem deve comprehender. (Muitos apoiados).

E a situação de um consul junto do corpo diplomatico,

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embora seja encarregado de negocios, não tem a mesma força o prestigio que a categoria diplomatica. (Apoiados}. Portanto, a não ser em Tanger esta simples transformação, não houve criação absolutamente alguma.

Mantive as legações que existiam, e mantive-as pela razão que acabo de expor á Camara; estas legações, porem, não custam sommas importantes e não teem verba inscripta nas tabellas. (Apoiados).

É certo que esta reforma distingue-se um pouco da reforma de 1897, segundo o que o illustre Deputado Sr. Conde de Ponha Garcia disse. Pela reforma de 1897 conseguia-se haver ministros seria legações, agora ha legações sem ministros.

Qual d'ellas é mais economica? (Muitos apoiados). Emquanto nós não tivermos necessidade de representação diplomatica naquellas legações, não mandamos para lá os diplomatas como chefes de missão; mas se amanhã se manifestar essa necessidade, lá está criada a legação e não precisamos solicitar o beneplacito regio, podemo-nos fazer ou não representar, conforme for conveniente aos nossos interesses politicos; e, quando qualquer legação tiver de ser preenchida, a respectiva proposta de lei ha de vir ao Parlamento, para que elle a approve e sanccione. (Muitos apoiados).

Quanto á segunda parto do discurso feito pelo Sr. Conde de Penha Garcia não posso responder senão com uma simples declaração.

As cousas são o que são; os numeros que aqui estão representam as despesas que tenho de fazer, e de que necessito. Emquanto s. Exa. me não mostrar que esses numeros não correspondem ao quadro e são superiores ás exigencias dos serviços, não tenho outra cousa a dizer. N5o preciso mais do que aqui está. Está em discrepancia com o que lá se escreveu? Está, mas eu vou dizer á Gamara em que consiste a discrepancia.

Pela resolução da Conferencia de Haya, de 29 de julho de 1899, eu tenho que conservar no Orçamento a verba de 962$500 réis para pagamento das despesas do Tribunal Arbitral. Pois essa verba lá está inscripta no Orçamento; apesar d'isso o orçamento do Ministerio dos Estrangeiros só apresenta uma differença de 315$830 réis, isto é, ainda com economia no Ministerio, porque supprimi uma despesa de 600$000 réis. (Muitos apoiados).

É pouco, mas é alguma cousa num Ministerio que tem tido reducções de 77:000$000 réis, de 50:000$000 réis e cuja despesa anda por 400:000$000 réis. E o mais que se pode fazer para não prejudicar a decência dos serviços e não tornar inexequivel esta reforma, como muitos estadistas confessam que aconteceu á reforma de 1892, que foi impossivel pôr em execução.

Portanto, creio ter respondido a todas as considerações feitas pelo illustre Deputado, e ao terminar as minhas considerações, paraphrasearei uma phrase de S. Exa.

O Governo não abriu de par em par as portas do Thesouro para fazer esbanjamentos. Parece me ter mostrado, pelo contrario, que fechei algumas portas da anterior reforma do Ministerio dos Negocios Estrangeiros, com o fim do fazer o que todos nós desejamos, que é minorar quanto possivel a crise que atravessamos, mas que é bem menor do que já foi. (Muitos apoiados).

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem.
(O orador foi muito cumprimentado).
(S. Exa. não reviu).

O Sr. Francisco Beirão: — Sr. Presidente: julgava que o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros em logar de nos vir dar a grata noticia de que a crise já foi maior e que na sua reforma se tinha limitado a fechar as portas a abusos que se podiam dar, teria mandado para a mesa simplesmente a nota das nomeações, que S. Exa. fez, em virtude d'essa mesma reforma e que, aliás, já foi pedida nesta Camara.

S. Exa., a esse respeito, porem, não disse nem uma palavra, não mandou nem uma linha!

Creio que as potencias estrangeiras já sabem quem são os nossos representantes diplomaticos, mas o publico e a Camara não sabem quem são esses representantes que S. Exa. nomeou.

Limito-me só a accentuar claramente que sendo pedida, ia já bastante tempo, nesta Camara, a nota d'essas nomeações pelo illustre Deputado o Sr. Conde de Penha Garcia, ainda até hoje essa nota não appareceu.

E agora o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros nem uma palavra disse a esse respeito.

Eu pedi sobretudo a palavra para fazer um pedido ao Sr. Presidente do Conselho como chefe do Governo, pedido a que S. Exa. corresponderá, já não direi com amabilidade, mas com aquella deferencia de que S. Exa. disse usar sempre para com os representantes da nação. S. Exa. responderá pois, espero, ás perguntas que vou formular pela forma mais simples, e tanto mais quanto ellas importam cm grande parte a justificação do Governo, se é que elle pode ter justificação.

O Sr. Presidente do Conselho disse aqui em sessão do l do corrente o seguinte:

«Elle, orador, fazendo a synthese de todas as medidas promulgadas pelos differentes Ministerios prova em face de documentos incontestaveis que longe de trazerem essas reformas augmento de despesas, dentro de cada Ministerio, pelo contrario, determinam notaveis economias».

Nossa occasião, um illustre Deputado d'este lado da Camara pediu que esses documentos fossem publicados e S. Exa. promptamente respondeu:

«Não só esses, mas todos os que quiserem».

Posteriormente, em sessão de 5 do corrente, o Sr. Deputado Antonio Cabral apresentou uma moção convidando o Governo a publicar a conta minuciosa e justificada d'essas allegadas economias; e a Camara, em sessão de 14 tambem do corrente, resolveu que fossem publicados os documentos que o Sr. Presidente do Conselho mandou para a mesa.

Isto posto, S. Exa. mandou documentos que se referem unicamente a algumas reformas pelo Ministerio do Reino e pelo Ministerio da Fazenda, e como outros Ministros tambem usaram das auctorizações, venho pedir a S. Exa. que complete esses documentos mandando para a Camara o balanço feito por todos os Ministerios para sabermos se o resultado final é ou não o de notaveis economias.

Eu não acceito a doutrina do Sr. Presidente do Conselho de que as economias devam ser determinadas apenas pelo resultado final de cada um ou de todos os Ministerios; não é essa a minha opinião; sem embargo, porem, colloco-me nesse terreno. S. Exa. diz que é do conjunto de todas as reformas que devem resultar notaveis economias; pois appresente os documentos de onde resultam essas economias. Eu sei ou pelo menos presumo que se me ha de responder com a materia de uma moção que está para se votar, e por virtude da qual o apuramento das economias ou do augmento das despesas resultante das reformas, se ha de aferir pelo Orçamento; mas eu, até hoje ainda não recebi essa grandiosa peça de litteratura, e peço a V. Exa., Sr. Presidente, que não dê para ordem do dia a discussão do Orçamento, sem haver o tempo suficiente para o estudar. (Apoiados). Alem d'isso, porem, é mais facil para defesa do Governo, que, sem nos embrenharemos nessa selva de algarismos, se nos mande uma nota dizendo: a despesa actual é esta e a economia é de tanto; mas com relação a todos os Ministerios, e não só com relação aos Ministerios do Reino e Fazenda.

Cousa singular! Parece que o Orçamento não servirá de muito em vista de uma nota que acompanha um dos documentos mandados para a mesa. Quer V. Exa. saber

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o que diz essa nota com relação aos alferes privativos da Guarda Fiscal? Dia que uma verba (Augmento da despesa de 10:800$000 réis) deve ser incluido no parecer da commissão por só não ter contado com ella no Orçamento!

Diz-se assim como cousa insignificante: — Mando-se lá isso para o parecer, porque não está no Orçamento!

Fará que serve o Orçamento pois?

O meu primeiro pedido é muito simples e concreto: É que o Sr. Presidente do Conselho, diga se está prompto a completar a sua informação com o balanço de todas as reformas.

O outro pedido que faço é o seguinte: Sei, o não ha duvida, de que foram criados lagares novos em virtude das auctorizações parlamentares, mas sempre pergunto: É exacta ou não esta affirmação?

Terceira pergunta: Peço a S. Exa. que me diga qual o numero dos empregados novos nomeados até á data de hoje, e que não fossem nem empregados addidos nem extraordinarios. Eu não peço nomes, peço simplesmente o numero. Não sei se o Sr. Presidente do Conselho tem de memoria esse numero; se o não tem, mande uma nota, sem a qual, nós não podemos fazer juizo seguro do uso que o Governo faz das auctorizações.

Colloco-me precisamente no mesmo terreno que o Sr. Presidente do Conselho se collocou, pretendendo provar que do conjunto das reformas dos Ministerios resultam economias, mas não posso formar o meu juizo, porque só tenho documentos relativos aos Ministerios do Reino e Fazenda, e faltam-me os que dizem respeito aos outros Ministerios.

Estes já sito bons, Sr. Presidente do Conselho, muito bons, magnificos; já provam só por si augmento de despesa, mas precisamos saber o que fizeram os outros Srs. Ministros. Quaes foram as notaveis economias que S. Exa. fizeram? Não seja egoista, Sr. Presidente do Conselho, complete os documentos. Pois V. Exa. só é que havia de fazer notavel» economias! Deixe que os seus collegas provem que as fizeram tambem.

Depois diga-me se houve ou não criação do lagares novos, e, por ultimo, qual foi o numero de empregados, que não eram nem addidos nem extraordinarios, nomeados para esses lagares.

Tenho concluido. Espero a resposta do Sr. Presidente do Conselho. (Apoiados).

Vozes: — Muito bem.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro): — Sr. Presidente: o discurso do illustre Deputado o Sr. Beirão, sem offensa o digo, porque S. Exa. muito bem conhece não só a amabilidade pessoal que me merece, roas a deferencia que tenho por todos os representantes do Parlamento, deferencia a que nunca falto (Apoiados), fez-me lembrar aquelle dizer inglês — much ado about nothing, — muitas palavras com a apparencia de um ataque violento, uma accusação fulminante, e no fim... absolutamente nada. (Muitos e repetidos apoiados).

Vozes: — Essa agora!

O Orador: — Ora vão os illustres Deputados ver, se eu tenho ou não razão no que digo. Desfiemos as perguntas do illustre Deputado.

Em cada uma d'ellas formulou S. Exa., pelo menos, uma accusação, quando não fez duas ou tres. Disse S. Exa. que eu mandei para a mesa, apenas, uns documentos relativos aos Ministerios do Reino e da Fazenda.

Primeira accusação: Porque não mandei os dos Outros Ministerios? Pela simples razão de não terem sido necessarios. (Apoiados). Os documentos que enviei foram os suscitados pela natureza do debate. Quem fez a interpellação? Fui eu? Não, foi o Sr. Deputado José de Alpoim, que me atacou; eu defendi-me. Atacou-me por forma que para me defender tive que justificar-me com os documentos de despesa relativos aos Ministerios do Reino e da Fazenda. (Apoiados). Foi com esses documentos, postos á disposição da Camara, que demonstrei não ter havido augmento de desposa na sua totalidade e no seu balanço; mas, pelo contrario, antes havia economia. (Muitos apoiados).

Quando ha dias o illustre Deputado o Sr. Beirão, leader da minoria progressista, julgou que mo collocava em um aperto extraordinario, numa difficuldade invencivel, ou ainda em situação de que seria difficil sair, apresentando o requerimento que mandou para a mesa, e que a Camara entendeu dever rejeitar, — e isso é com a Camara, porque eu não tenho a honra de ser membro d'esta casa do Parlamento, — quando S. Exa. julgou, repito, que me collocava em um apertadissimo circulo de, ferro, requerendo para que fossem para a mesa os documentos a que me referira, ou deixei que a Camara resolvesse, como era do seu alvedrio, absoluta iniciativa e resolução, e finda a votação mandei, espontaneamente, por iniciativa minha, sem o requerimento do illustre Deputado, e sem as perguntas que me fez, os documentos, que S. Exa. desejava. (Muitos apoiados).

Mandei, o que disse que mandava, enviei os documentos que me pediram, e os que pus á disposição da opposição. Fiz o que promotti, mais ainda do que os illustres Deputados me pediram, e, francamente, não posso ir mais longe. (Apoiados).

Aqui está, pois, como a accusação contida na primeira pergunta de S. Exa. — «Porque não mandei os documentos de todos os Ministerios»? — cae absolutamente pela base. (Muitos apoiados).

Note V. Exa. e note a Camara: não os mandei porque ninguem m'os pediu.

Quanto á segunda pergunta, envolve ella um pedido,— o do se enviar, por parte do Governo, o balanço de todas as reformas publicadas, no uso das auctorizações concedidas pela lei do Orçamento.

Mas o illustre Deputado, como distincto parlamentar que é, previu muito bem qual a resposta que adviria da sua pergunta. Facilmente ella se descobre. Esse balanço está no Orçamento.

(Apoiados).

Pois o que é o Orçamento?

É o confronto das receitas e das despesas, o como o Orçamento que a Camara muito brevemente vae discutir e votar não é senão o do anuo futuro, para a dotação de medidas já adoptadas, evidentemente, ou esse confronto é inexacto, ou no Orçamento ha de estar o resultado de todas as despesas. (Apoiados).

Portanto o balanço está no Orçamento; e o que os illustres Deputados pedem não faz senão atrasar os trabalhos parlamentares.

Que melhor balanço, pois, querem S. Exa.? Que melhor exame podem S. Exa. exigir?

Uma VOZ da esquerda: — Ainda nem sequer o vimos...

O Orador; — Sr. Presidente: V. Exa. faz-me a fineza de informar se o Orçamento já foi distribuido?

O Sr. Presidente: — O Orçamento foi distribuido por todos os Srs. Deputados hoje; mas como S. Exa. declararam que só o desejavam receber em casa deve ter-lhes eido enviado já.

Vozes da esquerda: — Hoje?

O Sr. Presidente: — Hoje.

O Orador: — Isso é feito hoje, mas se os illustres Deputados quiserem o tal balanço, com certeza se não podo realizar nem hoje nem amanhã. (Muitos e repetidos apoiados).

Quando o Sr. Beirão chegar a sua casa, só quiser fazer o exame das reformas publicadas, encontra sobre a sua carteira esse balanço já feito.

O Sr. Francisco Beirão: — Fico inteirado. O Sr. Presidente do Conselho não manda os documentos.

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O Orador: — Não lho envio os documentos? Mando-lhe todos os documentos que o illustre Deputado quiser.

Note-se, o que o illustre Deputado quer, é um balanço do todas as reformas publicadas no uso das auctorizações parlamentares. Esse balanço, digo-lhe, está no Orçamento.

Mas do duas, uma...

O Sr. Beirão: — V. Exa. dá-me licença?

Eu peço esses documentos a que V. Exa. se referiu.

São estas as suas proprias palavras: «Prova-se em face de documentos incontestaveis, que as reformas longe de trazerem um augmento de despesa dentro do cada Ministerio, trazem economia».

O Sr. Oliveira Mattos pediu que esses documentos fossem publicados no Diario do Governo. V. Exa. respondeu: «Não só esses mas todos quantos quiser».

O Orador: — Eu digo ao illustre Deputado uma cousa: é que não triumphe antes de tempo. Ouça. .. e triumphe depois. (Riso). (Muitos e repetidos apoiados).

O illustre Deputado refere-se a um discurso meu, que toda a Camara ouviu, e que portanto tem o testemunho de todas as pessoas que me escutaram.

Nessas palavras quaes foram os documentos a que me referi? Foram os documentos relativos aos Ministerios da Fazenda e Estrangeiros.

Apresentei-os? Já. Estão na mesa? Sim. Publicados? Tambem.

Então o que mais querem? (Muitos apoiados).

Fora. d'isso vem hoje o illustre Deputado, e pede documentos não só relativos a esses dois Ministerios, mas concernente a todos os Ministerios, para se apreciar qual o resultado das reformas publicadas.

Respondo ao illustre Deputado: tudo está no Orçamento. Diz S. Exa. que não se contenta com o Orçamento.

Mas ha mais.

O illustre Deputado, alem de tudo isto, e não lhe quero fazer a injuria de ensinar o Padre Nosso ao vigario, encontra nas notas preliminares dos relatorios ministeriaes, Ministerio por Ministerio, o balanço effectivo de todas as reformas feitas.

Se S. Exa. quiser ler essas notas lá encontra tudo.

Eu sou largo e latitudinario em tudo quanto me seja pedido pela opposição.

O illustre Deputado faz uma cousa: tendo sobre a sua carteira o Orçamento Geral do Estado dá-se ao incommodo de ler, e depois do ter lido as notas a que me refiro, se vir que ahi não estão todos os esclarecimentos e informações precisas, vem á Camara, requer, e manda-se-lhe tudo, que lhe parecer faltar.

Que mais querem V. Exa.?

Pelo que diz respeito á terceira pergunta — numero dos empregados novos nomeados até agora - é facilima a minha resposta.

S. Exa. de certo não imagina, que tenho de memoria o numero dos empregados que hajam sido nomeados; como decerto, se perguntarem, neste momento, a S. Exa., que fez parte do Ministerio passado, qual foi o numero dos empregados que o illustre Deputado o os seus collegas nomearam durante a sua gerencia, o não sabe tambem, nem eu estranho isso. Ainda mais, se appellar para a sua memoria, e lhe perguntar quantos foram nomeados nos ultimos tres dias do seu Ministerio, o que é mais recente ainda, talvez o não saiba, e eu tambem não estranho.

Mas o illustre Deputado deve saber uma cousa: é que os despachos feitos estão publicados no Diario do Governo! Pode, pois, S. Exa. dar-se ao trabalho de compulsar o Diario. (Apoiados).

(Interrupção que não se ouviu distinctamente).

Pois já tambem o Diario do Governo lhes não serve!... Todos os despachos feitos estão no Diario do Governo; evidentemente os despachos para produzirem effeito são ali publicados, (Muitos apoiados).

Uma VOZ: — Tardaram a apparecer.
O Orador: - Mas appareceram e hão de apparecer mais ainda.

Os illustres Deputados appellaram para mim, pedindo informações e não houve documento que eu não fornecesse promptamente; mas os illustres Deputados sabem mais que não é só mandar documentos, é tambem responder por elles. (Muitos apoiados).

O illustre Deputado sabe muito bem, que quando incidentemente me pediram os documentos relativos aos commissarios regios, não me contentei só em, de um dia para o outro, os trazer aqui; vim ao Parlamento e disse «se V. Exa. querem já discutir o assumpto, estou prompto para isso». (Muitos e repetidos apoiados).

Posto isto, o illustre Deputado, feita que seja uma analyse minuciosa, se tudo que desejar não estiver perfeitamente bem especificado, procurarei, tanto quanto puder, por minha parte, e dos meus collegas, attender o seu pedido de esclarecimentos complementares.

Em relação ao numero de empregados, no Diario do Governo vê quantos foram; e se quiser discutir, discutirei, um por um, porque evidentemente tem a responsabilidade do Governo.

Por consequencia a respeito das nomeações...

O Sr. Francisco Beirão: — Não peço a nota dos empregados que foram nomeados; peço a V. Exa. que mande o numero dos empregados que foram nomeados até á data de hoje, embora a sua nomeação não esteja no Diario do Governo.

O Orador: — Já respondo ao illustre Deputado: as nomeações de empregados para surtir effeito publicam-se no Diario do Governo (Muitos apoiados), e no Diario tem por consequencia as suas nomeações; mas se ainda assim o illustre Deputado não ficar satisfeito, faz uma cousa, que é conforme com o Regimento da Camara: em vez de me fazer o pedido directamente, o illustre Deputado faz um requerimento, pedindo os esclarecimentos que entender pelos Ministerios respectivos, e posso desde já affirmar-lhe, que estou prompto sempre, e prompto tanto quanto puder, em recommendar aos meus collegas, que não demorem a remessa dos documentos: teem tudo, absolutamente tudo que quiserem de nós; dispostos á discussão, a informações e a esclarecimentos sobre todas as questões que queiram levantar. (Muitos apoiados).

Já vê o illustre Deputado que posso concluir como comecei: «Muchado about nothing», uma tormenta num copo de agua, muitas perguntas, accusações violentas, mas no fundo absolutamente nada. (Muitos e repetidos apoiados).

Vozes: — Muito bem.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Francisco José Machado: — Sr. Presidente: eu peço a V. Exa. e peço á Camara que me digam se alguma vez viram uma caçoada parecida com esta. (Apoiados).

Sr. Presidente: eu peço a V. Exa. e á Cornara que ponderem bem na resposta que deu um homem das responsabilidades do Sr. Presidente do Conselho ás perguntas serias, dignas e categoricas, que formulou o meu illustre amigo o Sr. Conselheiro Francisco Beirão.

O que pediu este illustre Deputado? Pediu que o Sr. Presidente do Conselho mandasse para a mesa, como prometteu, todos os documentos pelos quaes se possa conhecer qual o numero de empregados que foram nomeados em virtude das reformas feitas no uso das auctorizações parlamentares, o qual a despesa que essas reformas originaram.

O Sr. Presidente do Conselho prometteu que mandaria todos os documentos que lhe pedissem, mas o que é facto é quo só mandou alguns, apenas, que se referiam a reformas feitas pelo Ministerio do Reino e Fazenda.

O que responde agora o Sr. Hintze Ribeiro? Que se quisermos saber qual a despesa que se fez com as refor-

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mas vamos ler o Orçamento, e se quisermos sabor qual o numero de empregados vamos ler os Diarios da Governo.

Sr. Presidente: isto não se diz, isto não se faz, porque é caçoar com a Camara. (Apoiados).

Eu não lh'o consinto.

Por factos que não teem parecença com esto, um De putado da maioria e dos de maior prestigio, chamou ao meu illustre chefe o Sr. Conselheiro José Luciano de Castro presidente carnavalesco!

Que classificação tem este procedimento? O que devia eu chamar ao Sr. Hintze Ribeiro?

Não o digo por decoro da Camara; quero manter-me na linha do correcção em que costumo conservar-me; poderei ser violento na maneira de expor as minhas considerações, mas os palavras hão de traduzir a correcção que me prezo de ter neste logar.

A Camara que forme o seu juizo.

Para que servem então as declarações que o Sr. Presidente do Conselho nos está constentemente a fazer do que nunca falta á sua palavra?

Sou Deputado desde 1887, como V. Exa., Sr. Presidente. Somos Deputados do mesmo tempo; tenho assistido a debates acalorados e dos mais violentos, mas nunca vi que a perguntas serias e dignas se respondesse como respondeu o Sr. Presidente do Conselho (Apoiados), troçando com a Camara, o que é improprio seja de quem for o muito mais de um homem com as responsabilidades do Sr. Hintze Ribeiro.

A maioria deve estar abysmada da desfaçatez e falta de respeito para com o Parlamento (Apoiados); a maioria deve estar convencida que não pode apoiar um Governo nestas condições. (Apoiados).

Tem de lhe dar o seu voto, mas na sua consciencia ha de dizer que este Ministerio não é digno de estar naquelle logar. (Apoiados).

Sr. Presidente: que os Ministros enganem o pais, vá; que o Sr. Presidente do Conselho mande enganar os eleitores de aldeia para lhes arrancar os votos, vá ainda, porque elles lh'o toleram; mas querer enganar-nos a nós, que sabemos o que elle faz, pois estamos no centro dos acontecimentos, isso é de mais e excede as raias do que se podia prever.

O Sr. Presidente do Conselho manda-nos para o Orçamento e para os Diarios do Governo, para nós, sabermos o que nelle se passa e o que tem S. Exa. feito; isso é uma verdadeira caçoada (Apoiados), como eu vou mostrar em duas palavras, com dados que tenho aqui.

Eu não quero exaltar-me, mas realmente o sangue ferve-me nas veias pela pouca seriedade com que vejo tratar questões d'esta natureza, que são muito serias e muito graves, porque absorvem muitas centenas do contos de réis ao país.

Manda-nos S. Exa. para o Orçamento? Para que serve este documento?

A Camara vae ver.

O Orçamento para o anno economico de 1888-1889 diz que o deficit é de 116:714$246. Quer V. Exa. ver qual foi o deficit real d'aquelle anno, segundo as contas do gerencia que depois foram apuradas? Foi de 11.997:798$703 réis.

Veja V. Exa. que fé pode merecer o Orçamento!

Dizia-se no Orçamento que o deficit era de 116:000$000 réis, vão-se ás contas da gerencia e apurou-se um deficit de 11:000 e tantos contos; perto do 12:000!

Pois isto é serio, Sr. Presidente; mandarem-nos para o Orçamento, para ura labyrinto d'aquella ordem ?

(O Sr. Presidente agita a campainha).

V. Exa. não toque a campainha, porque eu não disse uma unica palavra inconveniente.

Só se a minha voz forte e aã respostas esmagadoras que estou dando ao Sr. Presidente do Conselho incommodam a V. Exa. e ao Governo. ;

O Sr. João Arroyo: - A que anno pertence esse deficit?

O Orador: — Esse deficit pertence ao anno de 1888-1889.

O Sr. Arroyo: — Ah!

O Orador: — Quer V. Exa. dizer que estava o partido progressista no poder; mas eu já vou aos Orçamentos de V. Exa.

Isto quer dizer que o Governo manda fazer os Orçamentos para enganar o país.

E manda-nos então para um documento d'esta ordem, falso, o é por documentos assim que nós havemos de avaliar o procedimento do Governo?

O que é facto, é que o Sr. Presidente do Conselho prometteu mandar a esta Camara os documentos de que carecessemos, e não os manda.

E diz muito emphaticamente S. Exa. que nunca falta á sua palavra, e falta. (Apoiados).

O que é certo, é que o Sr. Presidente do Conselho nos offereceu os documentos que quizessermos e agora nega-se a mandar estes documentos.

Este é que é o facto em toda a sua nudez.

Não tenho o intuito de proferir qualquer palavra que possa melindrar seja quem for, mas estou no meu direito de tirar as conclusões das palavras que ouvi o chefe do Governo proferir em resposta ao pedido simples, claro e categorico, do meu illustro amigo o Sr. Conselheiro Beirão.

O Sr. Presidente do Conselho disse-nos que nunca tinha faltado á sua palavra, Acredito em S. Exa.; mas o que é preciso é que S. Exa. honre essas declarações, trazendo aqui os documentos. (Apoiados).

Quero mostrar a Camara até que ponto chega o arrojo de S. Exa., para não empregar outro termo.

Para que serve o Orçamento?

O Orçamento é um diploma para enganar os papalvos.

O Orçamento de 1888 a 1889 já mostrei o que era.

O do 1889 a 1890 apresentava um deficit de réis 68:346$770.

Sabe V. Exa. qual foi o deficit d'este Orçamento? Perto de 15.000:000$000 réis: 14.924:301$302 réis.

No Orçamento de 1896-1897, diz-se que haviamos ter um soldo de 270:903$280 réis.

Quer a Camara ver em que se transformou este saldo?

Num deficit de 6.804:821$700 réis!

Para que serve então estudar documentos d'esta ordem?

Amanhã mostrarei que em todos os annos succedeu cousa parecida.

Se aqui se não diz a verdade, para que nos manda o Sr. Presidente do Conselho ver um documento falso, para por elle sabermos o que S. Exa. tem feito?

E não quer a Camara que eu taxe de caçoada a resposta de S. Exa. (Apoiados.)

Bem sei que S. Exa. não se importam com o Parlamento; estamos fartos de saber isso; mas quando o Parlamento está aborto, é para os Srs. Ministros virem aqui dar conta dos seus actos e do modo como administram os dinheiros do pais. (Apoiados).

Disse S. Exa. que no Diario do Governo vêem as nomeações do pessoal. Isto não se ouve a sangue frio, Sr. Presidente. (Apoiados).

Prezo-me de ser delicado e creia V. Exa. que se não fosse a prudencia dos meus amigos, que estão constantemente a dominar os impetos do meu temperamento, que tende a explodir pelo que vejo e ouço, não podia aqui continuar. Faço um grande esforço para me conter, Sr. Presidente.

Não admitto que um homem na posição do Sr. Presidente do Conselho venha aqui mentir ao país.

Vozes: — Ordem, ordem.

O Orador: — Estou na ordem.

Digo só a verdade.

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18 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O Sr. Carlos Ferrreira: — A presidencia é que pode chamar á ordem.

O Sr. Presidente: — Peço ao illustre Deputado que use da outras expressões.

O Orador: — Eu explico as minhas phrases. Faço a vontade a V. Exa. pela amizade que lhe dedico.

O Sr. Presidente do Conselho faltou á verdade ao país.

S. Exa. mandou-nos ver o Diario do Governo para sabermos quaes os empregados que foram nomeados.

O país sabe que S. Exa. tem vergonha de publicar as nomeações no Diario do Governo. (Apoiados).

Ha muitos empregados que teem sido mandados tomar posse dos seus logares por ordens secretas.

Estilo já a funccionar e a receber, mas as suas nomeações ainda não vieram no Diario do Governo.

Por amor de Deus não provoquem a nossa paciencia!

Eu tenho muita deferencia pessoal pelos Srs. Ministros; mas, como cidadão e como Deputado da Nação, custa-me a ouvir estes absurdos.

Toda a gente sabe que no Diario do Governo não vêem publicados os nomes dos muitos empregados que teem sido nomeados até agora para os logares criados, e não vêem, porque os Srs. Ministros querem furtar ao país e á Camara o conhecimento d'estes factos. Eu mostrarei amanhã, porque hoje não posso, o que são os Orçamentos.

Um anno houve em que indicavam uma economia de 184:000$000 réis, e nesse anno, houve um deficit de 6.000:000$000 réis. É curioso mandarem-nos para o Orçamento ! Para que? O que é que lá se apura?

A meu ver, e na consciência de toda a gente que não está acorrentada pelos favores que tem recebido, desde que o Sr. Hintze Ribeiro entrou para o Ministerio, ainda não fez outra cousa senão tratar da sua clientela e dos seus amigos. Eu peço á Camara que me diga, em todos os actos do Governo, qual é o que tem trazido beneficios para o paia. (Apoiados).

Nestes decretos, nestas reformas, o Sr. Ministro do Reino está em contradicção comsigo mesmo. Tenho aqui, para mostrar amanhã, documentos que S. Exa. diz uma cousa quando está na opposição, e faz outra quando está no poder. Assim é que se é um estadista?

Ia eu dizendo, que nenhuma das medidas do Governo teem sido tomadas com o intuito de beneficiar o pais; eu pergunto: Se ha algum decreto do Governo que desenvolvesse a riqueza publica, que promovesse o fomento agricola, o desenvolvimento industrial e commercial, a navegação do cabotagem, a navegação do longo curso, que nos leva a marinha mercante estrangeira o melhor de 4.000:000$000 réis por anno, etc., etc.

Está na consciencia de todos nós que as reformas foram todas feitas unicamente para arranjar vagas para servir os amigos. (Apoiados).

Esta é que é a questão. O Sr. Hintze Ribeiro é um parlamentar distincto, mas a verdade acima de tudo, e não pode esconder isto que é claro como a luz do sol. Não pode destruir o convencimento em que todos estão do que as reformas foram unicamente feitas para servir a sua clientela politica.

Se V. Exa. me dá licença, Sr. Presidente, eu continuo amanhã o meu discurso.

O Sr. Presidente: — Falta ainda algum tempo para dar a hora, por isso vou consultar a Camara a esse respeito.

(Consultada a Camara, respondeu affirmativamente).

O Sr. Deputado foi muito cumprimentado por guasi todos os Srs. Deputados da minoria.

O Sr. Presidente: — Fica V. Exa. com a palavra reservada para a primeira sessão.

Amanhã ha sessão de manhã, sendo a segunda chamada ás onze horas.

Peço aos Srs. Deputados que estejam presentes a esta hora.

A ordem do dia é a mesma que havia sido dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas e doze minutos da tarde.

Documentos enviados para a mesa nesta sessão

Representações

Dos cidadãos residentes em Braga, pedindo uma lei que determine recolher na Igreja dos Jeronymos, da freguesia de Santa Maria de Belém, os restos mortaes do Visconde de Almeida Garrott.

Apresentada pelo Sr. Presidente da Camara, e enviada á commissão de administração publica.

Dos professores officiaes da villa de Ponte do Lima pedindo que no artigo 39.° da reforma de instrucção primaria se faça uma alteração tendente a melhorar a sua situação.

Apresentada pelo Sr. Deputado Queiroz Ribeiro, enviada á commissão de instrucção primaria é secundaria, e mandada publicar no Diario do Governo.

Da liga naval portuguesa, pedindo o restabelecimento da navegação nacional a vapor para o Brasil.

Apresentada pelo Sr. Deputado Anselmo Vieira, e mandada publicar no Diario do Governo.

Justificações de faltas

Declaro a V. Exa. e á Camara que tenho faltado ás sessões desde 20 de janeiro por motivo justificado. = Avelino Monteiro.

Declaro a V. Exa. e á Camara que tenho faltado ás sessões da Camara por motivo justificado. = José da Cunha Lima.

Participo a V. Exa. que faltei ás ultimas sessões d'esta Camara por motivo de saude. = José J. Mendes Leal.

Para a acta.

O redactor interino = Albano da Cunha.

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