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N.° 19.

SESSÃO DE 24 DE JANEIRO.

1854.

PRESIDENCIA DO SR. SILVA SANCHES.

Chamada — Presentes 83 srs. deputados.

Abertura — Ao meio dia e um quarto.

Acta — Approvada.

Entraram durante a sessão os srs. deputados Archer, Antonio Emilio, Lousada, Arrobas, Fontes Pereira de Mello, Castro Guedes, Dias e Sousa, Maya (Carlos), Conde de Saldanha, Cunha Pessoa. Jeremias, Francisco Damazio, João Damazio, Pessanha (João), Honorato Ferreira e Julio Pimentel.

Faltaram com causa justificada os srs. Affonso Botelho, Vasconcellos e Sá, Castro e Abreu, Mello e Carvalho, Corrêa Caldeira, Macedo Pinto, Gomes Pereira, Lage, Pitta, Brayner, Saraiva de Carvalho, Bazilio Alberto, Francisco de Almeida, Maya (Francisco), Silva Pereira (Frederico), Palma, Soares de Azevedo. João Nuno, Celestino Soares, Pessanha (José), Pestana, Baldy, Faria de Carvalho, Ribeiro de Almeida, Silva Vieira, Moniz, Passos, Placido de

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Abreu, Moraes Soares, Nogueira Soares, Tinto da França, e Northon.

Faltaram sem causa os srs. Adrião Acacio, Alves Martins, Sousa Pereira, Calheiros, Themudo, Pinto Basto (Eugenio), Bivar, Teixeira Sampaio, Ferreira de Castro, José Guedes, Passos (Manoel) e Visconde de Castro Silva.

CORRESPONDENCIA.

Declarações: — 1.ª Do sr. presidente Silva Sanches, participando que o sr. Corrêa Caldeira não compareceu á sessão de hontem, nem póde assistir á de hoje, nem talvez possa concorrer a algumas das subsequentes, porque o seu máo estado de saude lho não permitte. — Inteirada.

2.ª Do sr. Pinto de Almeida, mandada hontem para a mesa, participando que o sr. Gomes Corrêa não podia comparecer á sessão, e talvez a mais algumas, por se achar doente. — Inteirada.

Officios: — 1.° Do sr. Ribeiro de Almeida, participando que, por doente, não pôde comparecer á sessão de hontem, não póde comparecer á de hoje, e talvez a mais algumas. — Inteirada.

2.° Do sr. Saraiva de Carvalho, participando que por incommodo de saude não póde comparecer á sessão de hoje. — Inteirada.

3.° Um officio do ministerio das obras publicas, acompanhando a synopse das consultas que o concelho de obras publicas e minas tem dirigido áquelle ministerio sobre os diversos objectos submettidos á sua approvação, satisfazendo assim ao que lhe foi pedido por esta camara. — Para a secretaria.

Uma representação da camara municipal de Condeixa pedindo providencias que melhorem o estado da barra e porto da Figueira. — Á commissão de legislação, ouvida a de administração publica.

Expediente a que se deu destino pela mesa.

Requerimento: — Requeiro que pela secretaria de estado dos negocios da fazenda seja remettida com urgencia a esta camara, a informação da importancia do consumo do sabão no reino e ilhas nos annos de 1851 e 1852, bem como a importancia do consumo do tabaco na Madeira e Açôres nos mesmos annos; e podendo ser, a importancia do consumo dos dictos generos no anno de 1853.

Sala das sessões, 23 de janeiro de 1854. — O deputado, Carlos Bento da Silva.

Foi remettido ao governo.

Requerimento: — Tendo vagado o logar de guarda do deposito das roupas do hospital da Estrella, por fallecimento do empregado que o servia; requeiro que pelo ministerio competente se declare, se este logar já foi provido, e o nome do agraciado, bem como se pertencia a alguma classe dos empregados addidos, ou se de novo foi admittido ao serviço publico; e neste caso se declare o motivo porque se alterou o preceito da lei que manda provêr as vacaturas em empregados das classes dos addidos.

Sala das Côrtes, 23 de janeiro de 1854 = O deputado, Barão de Almeirim.

Foi remettido ao governo.

Requerimento: — Requeiro, que pelo ministerio dos negocios do reino sejam remettidos por cópias a esta camara quaesquer representações, que os conselhos dos professores de qualquer estabelecimento de instrucção publica sob este ministerio, ou os seus directores, ou o conselho superior de instrucção, tenham dirigido directamente, ou em seus relatorios annuaes nos ultimos tres annos passados, a respeito dos denominados — Perdoes de actos — E que sejam igualmente remettidos por cópias a esta camara os decretos dos perdões de actos aos alumnos dos estabelecimentos de instrucção superior e secundaria, expedidos nos mencionados annos.

Camara dos srs. deputados, 21 de janeiro de 1854. = Guilherme Antonio Dias Pegado.

Foi remettido ao governo.

O sr. Santos Monteiro: — Apresentei ha dias um projecto de lei, que foi remettido á illustre commissão de legislação, relativo ao contracto entre o estado e os emprezarios das obras da barra da Figueira. Não está lá ha muito tempo, é verdade, nem ha motivo, absolutamente nenhum, para arguir a illustre commissão de demora; mas permitta-se-me que eu lhe lembre hoje o projecto, e lh'o vá lembrando continuadamente, para vêr se uma vez chegamos ao fim deste negocio, que eu não quero qualificar.

Tenho noticias da Figueira, que vem tambem em alguns jornaes de Coimbra, pelas quaes consta que no dia, 19 se perderam cinco navios na barrada Figueira. É esta a vantagem que aquelle commercio está tirando todos os dias com a prompta e fiel execução do contracto, — como ainda hoje vi escripto em letra redonda. Espero que a illustre commissão de legislação dê o parecer que intender ácerca do projecto, e que o traga á camara, para de uma vez para sempre se conhecer de que parte está a razão — se é da parte dos povos de duas provincias, que reclamam todos os dias, ou se é de parte de um emprezario, que ainda hoje nega a veracidade de um documento, apresentado nesta casa por um deputado da nação portugueza.

Na occasião de eu apresentar o projecto fiz referencia a um facto de que não estava ainda certo, mas hoje sei que é verdadeiro, e para que venha mais esse documento á camara, mando este requerimento para a mesa. (Leu)

Eu sei que o governo ainda não lhe deferiu, mas tambem não indeferiu esta pretenção, mas desejo que venham á camara estes esclarecimentos para mostrar até que ponto chega a ambição, de certo modo desculpavel, porque lh'a toleram, dos emprezarios terem até hoje recebido mais de 114 contos de réis, deixando-se fazer as obras necessarias na barra e porto da Figueira!

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Mando para a mesa o seguinte requerimento. (Leu)

(Continuando) Faço este requerimento, sr. presidente, porque agora as graças, as mercês, e as commissões são dadas ás escondidas; ninguem tem conhecimento dellas: e para eu saber quaes são os srs. deputados que tem recebido do governo commissões subsidiadas, postos, graças ou merces, faço este requerimento; e vindo esta lista, a commissão de verificação de poderes examinará, se estes srs. deputados, pelo decreto eleitoral, podem continuar a exercer este logar tendo recebido esses postos e commissões subsidiadas.

Como tenho a palavra, aproveito a occasião de estar presente o sr. ministro da fazenda, para lhe dirigir duas perguntas; a primeira é: a razão porque o sr. ministro da fazenda, e o governo por consequencia não tem mandado proceder á nomeação cios vo-

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gaes, que devem constituir a junta do credito publico? A junta do credito publico, hoje, está funccionando com tres vogaes, dois dos quaes estão quasi sempre doentes de cama. No anno passado o meu illustre amigo o sr. Corrêa Caldeira, chamando a attenção do sr. ministro sobre esta falta de nomearão, respondeu então o sr. ministro da fazenda, que tinha de apresentar uma proposta, pela qual era alterado o censo. Este projecto de lei foi apresentado, e passou, por consequencia não me parece que o sr. ministro hoje possa allegar motivo algum, pelo qual deva continuar a sobreestar na nomeação de vogaes que devem compôr a junta do credito publico; e se os ha, desejo ser informado de quaes são.

Tambem aproveito a palavra para dizer ao sr. ministro, que recebi hoje pelo correio cartas de Guimarães, nas quaes varios individuos se queixam da venda, a que se vai proceder em Guimarães, dos fóros que pertenciam ao Reguengo daquella villa, dizendo que não devem os foreiros ser desapossados da sua propriedade. Portanto, peço tambem ao sr. ministro da fazenda que veja o que ha a respeito dos fóros do Reguengo de Guimarães.

O sr. Ministro da fazenda (Fontes Pereira de Mello): — A nomeação dos vogaes para a junta do credito publico ainda se não fez, porque ainda se não publicou a carta de lei, em virtude da qual se póde fazer aquella nomeação; apenas se publicar, que será quanto antes, o governo ha de proceder em conformidade da lei. Em quanto ao que o illustre deputado disse em relação aos fóros de Guimarães, tomarei as informações necessarias para proceder como fôr de justiça.

Aproveito esta occasião, para pedir á camara a auctorisação necessaria, para que os srs. deputados José Maria do Cazal Ribeiro, e Julio Maximo de Oliveira -Pimentel, possam accumular, querendo, as funcções de deputados, com as de vogaes da commissão permanente das pautas, porque esta commissão não póde funccionar sem estes dois cavalheiros. A camara já no anno passado fez esta concessão; creio que não terá duvida em continuar a faze-la; e para esse fim mando para a mesa a seguinte

Proposta: — O governo pede á camara dos srs. deputados auctorisação para que os srs. José Maria do Cazal Ribeiro, e Julio Maximo de Oliveira Pimentel, possam accumular, querendo, as funcções de deputados com as de vogaes da commissão permanente das pautas.

Sala da camara dos srs. deputados, em 23 de janeiro de 1854. = Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello.

Foi approvado sem discussão.

O sr. Fonseca Moniz: — Mando para a mesa uma representação dos habitantes da freguezia de S. Christovão de Rio-máo, hoje incorporada no concelho de Villa do Conde, na qual fazem vêr a conveniencia de ser annexada ao concelho da Povoa de Varzim. Peço a v. ex.ª que lhe dê o destino conveniente.

O sr. Lobo d'Avila: — A commissão de obras publicas encarregou-me de pedir á camara que o sr. Cezar de Vasconcellos faça parte daquella commissão para a coadjuvar nos seus trabalhos.

O sr. Cesar de Vasconcellos: — Sr. presidente, no anno passado houve sete membros na commissão d'obras publicas: houve trabalhos importantes, que foram commettidos ao exame d'esta commissão, e creio que a camara ficou satisfeita com os seus trabalhos, pelo menos não ficaram demorados na commissão nenhuns dos que a camara lhe commetteu. Neste anno está formada a commissão, com o mesmo numero de sete membros que tinha no anno passado; e estou convencido de que é um luxo da illustre commissão exigir mais um membro, e um membro que pouco auxilio lhe póde dar.

A camara, nomeando as suas commissões por escrutinio, expressa os desejos que tem em que vá este ou aquelle individuo, para esta ou aquella commissão; e se a camara procedeu já á nomeação dessas commissões por escrutinio, parece-me que é pôr a camara em uma especie de coacção, quando um deputado pede um membro para fazer parte de uma commissão. Demais ha um melindre que todos temos, quando um deputado se levanta e pede um dos seus collegas para fazer parte de uma commissão qualquer, em votar por esse pedido, ainda que estejamos convencidos de que elle não é o mais competente para essa commissão? Eu confesso francamente que tenho sempre votado por esses pedidos por deferencia para com os meus collegas, o que não faria se a votação fosse por escrutinio. Intendo, pois, que a camara obrará muito bem, se não approvar o pedido do meu illustre amigo, por quem tenho muita deferencia, assim como por todos os membros da commissão de obras publicas; e não o deve approvar, por isso que a esta commissão não falta nenhum membro; e se a camara intendesse que ella devia compor-se em logar de sete, de 8 ou 9 membros, teria tomado uma resolução a este respeito antes de proceder á sua eleição, como succedeu a respeito de outras.

O sr. Silva. Pereira (José): — Sr. presidente, o melindre que apresenta o meu nobre amigo e collega o sr. Cezar, podia proceder, se não houvesse circumstancias que o attenuam, e que eu vou mostrar á camara.

Quando se nomearam as commissões nesta casa, estava o nobre deputado ausente, e havia mezes que vogava a idéa de que elle não vinha á camara. Foi por isso sem duvida que deixou de ser nomeado para esta e para outras commissões, em que póde prestar eminentes serviços. (Apoiados) Resta agora aos deputados seus collegas dar-lhe a satisfação devida; e eu pela minha parte intendo que não deve ser só nomeado para a commisão actual de obras publicas, mas para outras mais (Apoiados)

O sr. Lobo de Avila: — Sr. presidente, eu respeito muito as considerações apresentadas pelo sr. Cezar, mas attendo mais á sua capacidade para o desempenho do logar que occupa nesta camara.

Eu entro nesta discussão com alguma reluctancia, e por isso direi muito, poucas palavras. Estou convencido de que toda a camara confia em que s. ex.ª prestará nesta commissão os serviços que costuma prestar ao seu paiz; e a camara toda tem de certo a consciencia de que s. ex.ª desempenhará esta commissão com muito zelo e intelligencia; (Apoiados) parece-me que o nobre deputado não poderá prescindir de fazer parte della, porque não ha de querer contrariar a opinião da camara.

O sr. Cezar de Vasconcellos: — Sr. presidente, eu sinto que a camara se occupe alguns momentos desta questão. Pedi a palavra unicamente para dizer ao sr. Silva Pereira que se honre algum individuo, que se

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persuadiu que eu não vinha para a camara não tendo mandado communicação de doente, fez-me uma grande injustiça, por que seria a primeira vez, desde 1835, que aqui tenho assento que eu trocaria um serviço qualquer pelo da camara dos deputados.

Por tanto só pedi a palavra para fazer esta declaração, e para dizer que, se o nobre deputado fez tambem este juiso, fez-me uma grande injustiça.

O sr. José Estevão: — Sr. presidente, eu entendo, que os melindres do illustre deputado e meu amigo não póde justificar por modo nenhum nem o direito nem o juiso da camara, e parece-me de direito que ella attenda á proposta da commissão das obras publicas, que pede o sr. Cezar para membro da commissão. Não ha consideração alguma que possa invalidar este direito. Por tanto, como a resolução da camara não invalida tambem o direito do illustre deputado ir ou não ir á commissão, vem tambem d'ahi o seu juiso. Ao sr. deputado fica livre o acceitar ou não acceitar.

Eu, sr. presidente, nesta nomeação, sou altamente interessado, porque entrando o nobre deputado para a commissão, cêdo a minha figura de presidente na mesma commissão, que é a primeira vez que represento. (Riso) Nunca fui presidente em cousa alguma, e não tenho pouco empenho em que o sr. Cezar tomasse este logar, que julgo em parte superior á Minha capacidade. Pelo menos eu voto que o sr. Cezar vá para a commissão de obras publicas, porque nós mesmo não sabemos fazer obras publicas, sem aquelle presidente, e sem estar debaixo da sua direcção.

O sr. Pinto de Almeida: — Sr. presidente, eu fui prevenido ha pouco pelo meu nobre amigo o sr. Cunha no objecto para que pedi a palavra; porque o meu fim era chamar a attenção do nobre ministro da fazenda sobre os fóros no Reguengo de Guimarães.

Tenho hoje visto algumas cartas que fallam desta venda, e tenho aqui um jornal que se publica no Minho, e que traz um artigo em que se diz que no dia 19 foram aquelles fóros á praça; que os foreiros protestaram, por estarem persuadidos que esses fóros foram abolidos pelo decreto de 13 de agosto.

O sr. Cunha já fallou neste objecto, de que eu tambem dou conhecimento á camara; e espero que o sr. ministro da fazenda prestára a sua attenção a este objecto.

Aproveito tambem esta occasião para lembrar a v. ex.ª que tenho ha tempos uma interpellação pendente sobre o estado da desgraçada barra da Figueira; não sei se ao sr. ministro das obras publicas já se fez a communicação desta interpellação. Se se tiver feito, pedia a v. ex.ª houvesse de marcar dia para ella se verificar, por isso que ha mais de um mez que a annunciei.

O sr. Ministro das obras publicas (Fontes Pereira de Mello): — Sr. presidente, eu estou prompto a responder á interpellação do nobre deputado, quando v. ex.ª julgar conveniente; o que desejo só é que v. ex.ª tenha a bondade de me prevenir de vespera, para poder trazer os documentos necessarios para responder, como desejo, ao illustre deputado.

O sr. Ministro dos negocios do reino (Fonseca Magalhães): — Sr. presidente, pedi a palavra unicamente para ter a honra de declarar a v. ex.ª e á camara, que o governo renova a iniciativa sobre o projecto que apresentou em 19 de junho de 1852 a respeito de instrucção primaria; e para esse fim mando para a mesa a necessaria proposta.

O sr. Pegado: — Mando para mesa o seguinte requerimento. (Leu).

O sr. Cyrillo Machado Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Villa do Conde, em que faz algumas ponderações a respeito de inconveniencias sobre o arredondamento das novas comarcas. Peço a v. ex.ª que queira dar-lhe o destino competente.

O sr. José Estevão: — Mando para a mesa um requerimento, que lerá pela mesa o competente andamento. Agora, se v. ex.ª me désse a palavra, usava, della para fazer umas simples pergunta ao sr. ministro do reino.

O sr. Presidente: — Tem a palavra.

O sr. José Estevão: — Na sessão passada fiz eu aqui uns requerimentos, que o governo se comprometteu a satisfazer, e por isso eu queria ser informado, se o governo mandou proceder a uma estatistica das causas intentadas por contrabando dos generos do contracto do tabaco. Se mandou proceder a estatistica dos terrenos incultos, designando quaes os que pertencem a vinculos, quaes os allodiaes. E desejo saber tambem, se se tomaram algumas medidas no ministerio do reino para se estabelecerem as Creches.

O sr. Ministro do reino (Fonseca Magalhães): — Pela parte que me diz respeito, tenho tomado algumas providencias, principalmente depois da nomeação do novo provedor para a Casa-Pia de Lisboa, para se formar um estabelecimento, que sirva de modêlo ás chamadas Creches. Sua Magestade a Rainha, que Deus haja, declarou ao governo que desejava ser a protectora desses estabelecimentos; e mandou formular uns estatutos, com o fim de estabelecer-se uma Creche, que Sua Magestade queria que fosse a Creche modêlo, e da qual a Mesma Augusta Senhora havia de ser a protectora. Este intuito desgraçadamente mallogrou-se; em consequencia do que a nada mais se procedeu aqui na capital; mas tenho dado instrucções aos governadores civis, manifestando o desejo do governo, para que se effectuem taes estabelecimentos, e espero que ao menos nas capitaes dos districtos, venham a estabelecer-se algumas ainda este anno.

ORDEM DO DIA.

Continuação da discussão na generalidade do projecto n.° 3.

O sr. Carlos Bento: — (Este discurso irá no fim da presente sessão):

O sr. Ministro das obras publicas (Fontes Pereira de Mello): — Sr. presidente, vejo-me um pouco embaraçado para responder ao complicadissimo discurso do sr. deputado, que abrangeu, por occasião da discussão de um projecto, que é restricto a auctorisar um emprestimo para as estradas do Minho, as mais complicadas questões de administração publica e principalmente a questão da fazenda publica. O espirituoso discurso do illustre deputado, proferido hontem 6 hoje nesta casa, contém asserções importantes e graves sobre um grande numero de objectos, a que é necessario sem duvida responder. Mas o que o illustre deputado deixou intacto, incolume, sem lhe

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tocar, foi o projecto que está em discussão! O illustre deputado discutiu os caminhos de ferro de leste e do norte; discutiu a circular que eu mandei para fazer as estradas; discutiu o deficit, discutiu tudo, menos o projecto das estradas do Minho! O illustre deputado não tractou de discutir, qual é o encargo quedem o thesouro com este projecto; não o disse, nem qual e o interesse que tem os mutuantes, nem se o contracto e util ou prejudicial; tudo discutiu o nobre deputado, menos o projecto. Os talentos superiores ás vezes desvairam assim, e, não querendo pairar sobre o objecto de que se tracta, elevam-se a questões mais grandiosas, e deixam muitas vezes um assumpto, que reputam pequeno, mas que aliàs é a base e o thema da discussão. Foi o que fez o illustre deputado; e não creia a camara, nem o nobre deputado que eu digo isto sem a convicção profunda da minha asserção, porque ninguem faz mais justiça aos talentos do illustre deputado, do que eu. Estou costumado a respeita-los ha muito tempo; sou seu amigo, e o illustre deputado creio que me paga da mesma fórma; mas em finanças, administração e credito, dissente da minha opinião; e vejo-me obrigado por consequencia a procurar quanto couber nas minhas forças, refutar os argumentos do illustre deputado, que poderiam pelo seu talento e pela amenidade do seu estylo, fazer alguma influencia nos animos dos meus collegas desta camara.

Sr. presidente, o illustre deputado diz que dissente profundamente do systema de administração de fazenda, adoptado por este ministerio, e por consequencia pelo ministro respectivo. O illustre deputado dissente deste systema, porque julga que o governo tem contrariado (penso eu) as indicações mais obvias para a manutenção do credito publico. O illustre deputado que reputa e reputa bem o credito publico, como um elemento indispensavel para a prosperidade das nações, combate e combate, creio que por hypothese, o governo nas questões de fazenda. E velha já esta accusação da parte do nobre deputado; não póde por tanto ser nova a minha resposta. Mas agora, mais do que nunca, eu tenho razões a apresentar á camara e ao nobre deputado, para justificar o meu procedimento, e desfazer as suas considerações. A camara ha de permittir que tambem eu me affaste do objecto que se discute, porque tenho necessidade de responder a um illustre orador, que igualmente se affastou do objecto da discussão.

O governo, sr. presidente, teve necessidade, pelas circumstancias em que se achou collocado, de tomar certas medidas importantes e graves, violentas mesmo, se quizerem, para alguem, a fim de conseguir estabelecer a harmonia entre a receita e despeza do estado, e attenuar o deficit, que era o cancro mais -cruel, que roía o coração do paiz. Ainda me lembro, sr. presidente, do tempo em que eu, sentado naquellas cadeiras, (indicando o centro esquerdo) tinha ao meu lado o illustre deputado que todos os dias combatia o governo por não pagar pontualmente. O illustre deputado quer que o governo pague os serviços; quer que se não reduzam os juros da divida consolidada; quer (queria então, e creio que ainda o quererá hoje) que se não lancem impostos. Na presença de um deficit consideravel, como nós tinhamos, luctando com grandes difficuldades dentro e fóra do paiz; (O sr. Carlos Bento: — Peço a palavra) luctando com uma divida consideravel dos servidores do estado, e com uma divida enorme dos juros da divida fundada interna e externa, o governo anterior á situação actual, via-se n'uma situação difficil; e no entretanto, o illustre deputado não poupava esse governo um só dia, porque elle não satisfazia pontualmente ás despezas e encargos publicos, e porque elle apresentava um deficit consideravel. Então, era o deficit uma consideração que era preciso destruir por todos os modos; então, era o deficit o que arruinava as nações que desgraçadamente o tinham; era o deficit um mal que roía as entranhas do paiz: hoje, porém, que o deficit é muito menos consideravel do que o era então, caso que o illustre deputado não queira admittir que é nenhum; hoje, que o governo tem empregado os meios que lhe tem sido possiveis para satisfazer pontualmente ao serviço publico, e não só ao serviço publico, mas tambem aos encargos da divida fundada dentro e fóra do paiz, ainda o illustre deputado julga motivo para fazer accusações ao governo, porque não tem empregado outros meios (não sei que meios) para resolver a questão financeira! O illustre deputado accusa o governo por elle não usar do credito! Pois o governo não quer usar do credito?! Não disse eu que o governo tinha lançado mão de todas as medidas extraordinarias, que julgou convenientes para ver se o podia obter? Não disse eu que o governo não achava credito? Que não tinha podido obter o credito de outra maneira, para se conseguirem os fins que o illustre deputado deseja? Não sabe o illustre deputado que as circumstancias em que nos temos achado, tem difficultado o restabelecimento deste grande bem?

Ora, sr. presidente, eu na verdade tenho pena que o illustre deputado, que conhece esta questão perfeitamente, que foi meu amigo politico em outro tempo, e já mesmo no tempo de eu ser ministro; o illustre deputado, que quando se tomavam estas medidas, se assentou nos conselhos onde ellas se deliberavam, e finalmente, que escreveu nestas medidas, e que colaborava comigo, sinto, digo, que o illustre deputado e ja aquelle que venha aqui lançar-me a luva, por aquillo mesmo em que elle compromettia a sua opinião nesse tempo (O sr. Carlos Bento: — Ora!) Ora! É assumpto em que eu não hei de consentir nunca que o illustre deputado me lance a luva impunemente. O illustre deputado póde combater o decreto de 18 de agosto; póde combater o decreto de 30 de setembro; mas o que eu não heide consentir, e que o illustre deputado venha em pleno parlamento combater o decreto de 3 de dezembro, para o qual o illustre deputado concorreu.

Estas accusações, sr. presidente, não valem nada; e não seria eu que as trouxesse á discussão...

O sr. Carlos Bento: — Nem isso é a discussão.

O Orador: — Tambem não era a discussão do projecto o que o illustre deputado esteve fazendo, desde que começou a fallar até que acabou; (Apoiados) não era a discussão o dizer que o decreto de 3 de dezembro foi feito com precipitação, e que não se consideraram as cousas, como o deviam ter sido; que neste decreto figurou uma verba de 3:500 contos, quando eram 2:500 e tanto; que se não tenham procurado todos os esclarecimentos; e que isto era um erro da parte do governo, porque elle devia saber a quanto montavam os encargos da divida fluctuante dos empregados publicos, etc.. Tudo isto não vinha para a discussão do projecto, e no entretanto o il-

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lustre deputado fallou em tudo isto! Será erro da parte do governo, como o illustre deputado disse; mas esse erro abona a consciencia do governo, e mostra que elle não queria enganar o publico nem a camara; esse erro mostra que o governo não queria figurar uma despeza maior do que ella na realidade era. Mas se o governo tivesse o intento de querer illudir o deficit, para produzir menor impressão no paiz, o governo de certo não tinha apresentado uma cifra de 3:500 contos.

E, sr. presidente, o que é que se fez para se escrever esta cifra? Lançou-se mão dos documentos que havia: o governo lançou mão de todos os meios que tinha ao seu alcance, para ver a quanto montava a divida fluctuante dos empregados publicos, e se os seus calculos foram exagerados, é porque elle não teve outros documentos por onde podesse calcular melhor a exactidão desta cifra. O governo examinou quaes eram as verbas que estavam em divida nesse tempo, e por ellas fez o seu calculo. Aconteceu porem que, desde tempos muito antigos, não tinha havido uma grande regularidade em um ou outro ministerio a respeito dos pagamentos, porque se tinham pago mezes differentes, a diversos individuos, e por isso, quando se fez a reunião de todos os elementos no ministerio da fazenda, lançou-se a cargo da junta do credito publico uma somma maior, do que aquella que na verdade era. Mas pergunto, que inconvenientes vieram daqui para o thesouro? Por ventura tem de se pagar mais do que aquillo que se deve pagar? Tem de se pagar esse excedente? Não. Agora, sr. presidente, que já expirou segunda vez o praso dentro do qual deviam vir os portadores daquelles titulos, é que o governo póde dizer qual é a cifra, ou qual é o encargo que deve pezar sobre a junta do credito publico; mas então, com exactidão, não o podia dizer.

Mas, sr. presidente, o illustre deputado viu no projecto que se discute uma grande prova de desconfiança do governo. Quereis saber qual ella é? É o deposito que o governo ha de fazer de inscripções para garantia do emprestimo, e é a passagem directa do producto do imposto dos 15 por cento, que se arrecadar nos cofres dos exactores da fazenda publica nos districtos do Porto, Braga e Vianna para o cofre da companhia. E diz o illustre deputado com muito espirito e com muita graça — em outros tempos eram as companhias que faziam os depositos; agora é o governo que deposita. — Eu pergunto ao illustre deputado, quando era esse tempo feliz em que as companhias as faziam os depositos? Pergunto ao illustre deputado quaes eram essas companhias, em que tempos, em que paizes e em que circumstancias se fez isso? Pensa o illustre deputado que a companhia de que se tracta, é uma companhia de obras publicas? Pena que ella arremata e dirige as obras das estradas? Dar-se-ha caso que o illustre deputado não lêsse o projecto, e por isso o não discutiu? (O sr. Carlos Bento: — Talvez.) Eu não digo isto para fazer injuria ao illustre deputado: não quero fazer-lhe injuria alguma, mas parece-me que se o illustre deputado lê-se o projecto, havia de vêr que a companhia não dirige, não fiscalisa, nem contracta obras publicas; a companhia empresta sómente o dinheiro para o governo emprehender a feitura destas estradas, ou por sua conta, ou por conta de outra companhia, mas sem dependencia da companhia. A companhia, sr. presidente, é uma companhia mutuante, que empresta dinheiro sobre penhores; o emprestimo sobre penhores e por ventura alguma cousa que deshonre o governo? É alguma novidade no paiz? Não se tem emprestado dinheiro sobre penhores? Ignora o sr. deputado que isto se tenha feito, e julga que é esta a primeira vez que se fazem destes contractos? Não ignora, decerto. O illustre deputado sabe-o melhor do que eu. Pois não sabe o nobre deputado que os emprestimos de 1835, feitos pelo banco ao governo, foram garantidos por inscripções, e que outros são garantidos por lettras sobre as alfandegas, e por operações de thesouraria, e até pelos impostos do subsidio litterario e do real d'agoa, e mesmo por penhores que são independentes do governo, como são as rendas dos contractos reaes? E ninguem ainda se lembrou de accusar o governo que tem feito esses emprestimos, senão o illustre deputado, como se a realisação de dinheiro sobre penhores fosse neste paiz uma cousa inteiramente nova.

Mas diz-se, sr. presidente, que a entrada directamente do producto dos 15 por cento que fôr arrecadado pelos exactores da fazenda publica naquelles districtos a que me referi, para os cofres da companhia, é uma prova de desconfiança. Eu traduzirei, porém, de outro modo este ponto, e direi que é uma garantia que o governo dá para fiel execução do seu pensamento. Se o illustre deputado quer chamar a esta garantia uma prova de desconfiança, chame muito embora; mas saiba a camara, e o sr. deputado, que fui eu n'uma reunião com alguns capitalistas do Porto (isto que digo é verdade; o que aqui disser, ha-de-se saber no Porto; e eu não quero que se diga lá que não fallei verdade ao parlamento) fui eu, digo, que propuz que aquellas sommas saissem dos cofres dos exactores da fazenda publica para os cofres da companhia.

Mas dirá o illustre deputado que por este modo nem eu tenho confiança em mim. Confesso que não desconfio nem de mim, nem dos outros; mas no momento em que se tem levantado, com mais ou menos razão, desconfiança de que o governo procura apropriar-se de fundos especiaes que entram no thesouro publico, a fim de o» applicar ás despezas publicas, intendo que era mais uma prova da sinceridade do procedimento do governo, e que era mais uma justificação insuspeita de que o governo não tinha similhante intenção, indicando elle mesmo que o producto dos, quinze por cento entrasse directamente dos cofres dos valores da fazenda, para os cofres da companhia. O que perde com isto o governo? Nada. É alguma novidade? Não. Não pense o illustre deputado que ha aqui alguma novidade, porque isto que se fez agora, tem-se feito em tempo de outras administrações.

Sr. presidente, a instituição da junta de credito publico, que é uma instituição que ainda ninguem combateu, não recebe ella as sommas dos exactores da fazenda publica, sem entrarem no thesouro? E é isto desconfiança do governo? Não de certo; e o illustre deputado já tem prestado o seu apoio a administrações que tem feito o mesmo; e a fallar a verdade não julguei que merecesse censura uma cousa que foi feita por aprazimento de todos. E não é só isto. O illustre deputado sabe, que os rendimentos do fundo especial de amortisação, que não é uma medida deste governo, passavam directamente dos

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exactores da fazenda publica para o banco, como mandava a lei; porque o decreto de 19 de novembro o determina, o determina expressamente. E tudo isto é desconfiança do governo? Pode-se lançar um stygma sobre uma administração por fazer aquillo que muitas outras tem feito? Oh! sr. presidente. E preciso que a paixão allucine completamente o illustre deputado, para que vendia ao parlamento censurar aquillo que outros tem feito em casos analogos.

Ainda me lembra outro exemplo. A associação commercial do Porto fez uma casa ou um palacio; esta casa ou este palacio, quero dizer, os fundos para ella, foi feito pelo producto do imposto que entrava directamente da alfandega, e não passavam pelas mãos do governo. Portanto, sr. presidente, agora fazer se o mesmo que se tem feito em circumstancias similhantes.

Uma das coisas que penso que mortifica o illustre deputado, e que só por isso me faz pena, é a accumulação que eu tenho da pasta das obras publicas com a pasta da fazenda. É a accusação velha. Já no anno passado se fallou do pezadello, que o ministro tinha com estas duas pastas. O illustre deputado diz, que não quer a quéda do governo, mas pede a desaccumulação da pasta do ministerio das obras publicas. Pois, sr. presidente, se disto póde resultar algum mal, é para mim, porque tenho muito trabalho; e penso que o illustre deputado sabe que por isso não tiro proveito de qualidade alguma, e por tanto não me demorarei em o declarar.

Mas o nobre deputado não é competente para avaliar a conveniencia que ha nesta accumulação, porque o illustre deputado é opposição; e a avaliação dessa conveniencia pertence ao governo, e áquelles que nos apoiam, e não áquelles que nos combatem; e podia o nobre deputado estar dez annos, e mais (se fosse possivel que este ministerio durasse tanto tempo) a pedir a desaccumulação destas pastas, na certeza de quere o governo não intendesse que nisso havia alguma conveniencia, decerto não attenderia o nobre deputado. Pois, por ventura, ignora o illustre deputado que em Portugal, e fóra de Portugal tem-se accumulado, muitas vezes, pastas e muito importantes, e que ha nisso muitas vezes uma grande conveniencia politica? O governo póde intender mal sobre a conveniencia desta accumulação; mas o governo, e aquelles que o apoiam, é que são os juizes dessa conveniencia.

Eu tambem fui visitar as obras publicas no districto do Norte, roubando para esse fim o tempo a outras cousas, e a que se referiu o illustre deputado; examinei a estrada de Braga, que o nobre deputado fulminou hontem...

O sr. José Estevão: — Está bem boa.

O Orador: — Não sei se o illustre deputado o diz por ironia...

O sr. José Estevão: — Não, senhor; está bem boa.

O Orador: — Fui observa-la, e fui até em tempo muito invernoso...

O sr. Carlos Bento: — Ainda a não vi.

O Orador: — Não a viu; ora aqui está como peccam as reflexões do illustre deputado! O illustre deputado falla contra um objecto de que não tem conhecimento, e eis a razão por que os argumentos de s. s.ª não têem força; e eu sinto isto pela sim pessoa, porque o estimo muito. O illustre deputado tem ouvido cousas bonitas e outras feias a seu respeito, a meu respeito, e a respeito de todos nós. Eu faço justiça ao illustre deputado de que não vem repetir ao parlamento o que se diz lá fóra, e Deus nos livre que venha repetir aqui o que vê. Lá por fóra ouvem-se muitos disparates, muitas injustiças, muitas calumnias, e ouvem-se muitas outras cousas; e seria falta de criterio, e ao nobre deputado não lhe falta, para vir contar ao parlamento boatos, e boatos que podem ser desmentidos pelos individuos das localidades, como aquelles que aqui se acham. Posso dizer ao illustre deputado, por inspecção ocular, (e alguem haverá na camara que póde dizer o mesmo) que a estrada de Braga está construida segundo as condições de arte; e essas obras de arte, que existem naquella estrada, não fazem vergonha do modo por que foram desempenhados, e não sirva de argumento ao illustre deputado o ter caído o viaducto do Arnoso; não tire daqui argumento, para dizer que a estrada estava mal construida, porque isto tem acontecido muitas vezes no nosso paiz, e tem acontecido lá fóra, onde os homens da arte e os engenheiros são homens peritos. Tem acontecido aos primeiros engenheiros da Europa, e até houve um que morreu, senão me engano, de desgosto; foi o celebre engenheiro Navier, que fez a ponte pensil sobre o Senna, e nem por isso perdeu a sua reputação, porque aquelles que lhe succederam, não deixaram de lhe tributar os devidos louvores pelo seu elevado merecimento. Lá está o viaducto de Barantin, na linha de Rouen ao Havre, que caíu, e que era construido por um engenheiro de primeira ordem. Isto são fatalidades que occorrem, sobre tudo nas épocas em que as chuvas se precipitam em torrentes, como tem succedido desgraçadamente no nosso paiz durante este anno; e não admira que uma obra de arte, feita de pouco tempo, tenha cedido, ou mesmo alluido. Mas não se póde tirar daqui conclusão de que a estrada de Braga não esteja bem construida, e de que Os seus trabalhos não são feitos com todo o esmero e proficiencia que elles merecem.

O illustre deputado estabeleceu como um dos pontos capitaes, a que quer que eu responda precisamente, se se faz ou não o caminho de ferro de Lisboa ao Porto,

Sr. presidente, o illustre deputado é o proprio que confessa, que dissentimos profundamente em systemas de administração; que o nosso systema é differente; e portanto não admira que eu nesta parte dissinta do illustre deputado, assim como não concordo com o illustre deputado, quando disse que não julgava possivel fazer-se este caminho de ferro; porque julgo que as difficuldades para se levar a effeito se vão desvanecendo, e se hão de remover de todo; e que é preferivel a construcção do caminho de ferro á construcção da estrada para o Porto. Se eu visse que se determinava ámanhã que se construisse a estrada do Porto, eu concluia immediatamente que a idéa do caminho de ferro do Norte tinha sido adiada definitivamente.

O sr. Carlos Bento: — Ao contrario.

O Orador: — Ao contrario! Peço licença para declarar que não intendo. Pois imagina o illustre deputado, que da construcção da estrada do Porto se ha de seguir a conclusão immediata de outras vias de communicação? Eu intendo que os povos, desde o momento em que tivessem gasto uma somma consideravel com a construcção de unia entrada, e que

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depois della feita se lhe dissesse que havia de gastar outra somma para outra estrada, com a mesma directriz, — não estariam desse accôrdo. Isto não podia ser.

É possivel que eu me engane, que attribua ao caminho de ferro do norte maravilhas e qualidades que elle não póde ter; mas ou eu estou profundamente illudido a este respeito, ou o caminho de ferro do norte construido, transforma de tal sorte as circumstancias economicas do nosso paiz, que o ha de tornar desconhecido a nós mesmos.

O sr. Carlos Bento: — Depois, estou de accôrdo.

O Orador: — Não me recordo que este caminho de ferro lenha antes. O que se segue e que estamos na phaze do antes, para termos a phaze do depois, e do sobre. Sr. presidente, nós o que estamos é a pouca, dos, acanhados e amesquinhados na presença das difficuldades, dos estorvos e dos transtornos por que temos passado. Se nós tivessemos hoje em Portugal, que Deos nos livre, um cataclysmo tal como o de 1755, e que houvesse um homem que mandasse fazer taes e taes obras, declaravam-no doudo immediatamente. Espanta-nos que seja possivel um caminho de ferro; atterra-nos esta idea. Pois nós, indignos mortaes, somos por ventura dignos de ter um caminho de ferro, que custa tantos mil contos!! Quinze mil contos, disse o illustre deputado, que elle ha de custar. Não sei como não calculou mais á larga. (O sr. Carlos Bento: — Calculei pelo de leve) Pelo de leve, não, porque o illustre deputado deve saber, por isso que calcula, qual o numero de kilometros que ha daqui ao Porto, e deduzir depois o numero de kilometros até onde vai encontrar-se o caminho de ferro de leste. Logo deveria saber que o caminho de ferro do norte deveria custar menos alguns milhares de contos de réis do que o nobre deputado indicou. Mas ainda para o calculo não bastava isso; era preciso suppor que o caminho de ferro do norte iria construir-se com as mesmas condições que o caminho de ferro de leste; era preciso suppor que as mesmas condições se deviam estabelecer para o caminho de ferro, que mais tarde nos deveria ligar com o resto do mundo. Ainda mais era preciso suppor que o caminho de ferro do norte deveria ter desde logo mais de uma via, porque tambem o primeiro caminho de ferro era contractado com duas vias; seria preciso suppor que tinhamos tambem de pagar a aprendisagem, porque, como já disse em outra occasião, tambem temos a pagar aprendisagem na construcção do tronco commum deste caminho de ferro; tambem isso se paga, e é por essa razão que em toda a parte os primeiros caminhos de ferro que se construem, são mais caros; os outros são mais baratos. (O sr. Carlos Bento: — Mas ainda não ha o primeiro; assim era ao mesmo tempo) O Orador: — Não é; peço perdão; e eu convido o illustre deputado a dar um passeio até onde se estão fazendo os caminhos de ferro, para ver que effectivamente, sem que estejam muito desenvolvidas algumas obras, ha já comtudo alguma cousa feita; ha por consequencia uma differença entre o caminho do norte, de que ainda não ha nada; e entre nada e alguma cousa, ha uma distancia immensuravel.

Sr. presidente, o nobre deputado tremia (diz elle, e que não é de tremer) tremia se acaso tivesse de sanccionar uma medida, pela qual fossem mobilisados 15 mil contos de réis no caminho de ferro do norte. (O sr. Carlos Bento: — Capitaes do paiz).

O Orador: — Mas peço perdão; capitaes do paiz não podem lá ir pela propria declaração do nobre deputado, que os excluiu; por que o nobre deputado, não quer companhias que vão aprender, quer companhias que já tenham construido caminhos de ferro, como se uma companhia nacional que emprestasse os seus capitaes para a construcção de caminhos de ferro, devesse ser rejeitada, só pelo simples facto de não ter ainda empregado os seus capitaes nestas obras, devendo aliàs preferir-se uma outra de fóra, que embora não offerecesse melhores garantias, já tivesse feito caminhos de ferro! O nobre deputado excluiu pois os capitaes do paiz, por consequencia não póde dar-se essa hypothese, mas quando se désse, pergunto eu — que inconveniente haveria em mobilisar os capitaes do paiz para a construcção de caminhos de ferro, de que o proprio paiz tiraria immensas vantagens, tiraria immensos recursos todos os dias, todas as horas, e a todos os instantes. (Apoiados) Se o illustre deputado tremia de que podessem mobilisar-se 15 mil contos de réis, para empregar em caminho de ferro, eu declaro que me alegrava desde o momento em que apparecesse neste paiz uma companhia respeitavel, que quizesse mobilisar essa somma n'um caminho de ferro. Estou persuadido que, se nisto podesse haver algum inconveniente, esse era mais que compensado pelas vantagens enormes que todo o paiz tirava, debaixo do ponto de vista economico desta instituição. Alegrava-me eu portanto com isso, especialmente se podesse contribuir com os meus collegas, para que se podesse emprehender uma obra de tanta magnitude e importancia.

Mas, sr. presidente, o nobre deputado trouxe para a discussão uma pobre circular, que eu escrevi, determinando que se fizessem as obras das estradas com o maior desenvolvimento possivel até ao fim de janeiro e não novembro e dezembro) applicando para isso as sommas que dentro dos limites do orçamento o governo estava auctorisado para applicar áquellas estradas. O nobre deputado, que é inimigo das dictaduras (e eu tambem o sou) sem que comtudo tenha deixado de approvar algumas.

O sr. Carlos Bento: — Tenho peccado.

O Orador: — Tem, tem; e muito. O nobre deputado, digo, que é inimigo hoje das dictaduras, como queria que o governo procedesse? Havia de esperar mais dois ou tres mezes para que se reunisse o parlamento, sem tractar de mais nada, tendo o dinheiro prompto e não lhe dando a applicação que devia, e para que tinha auctorisação legal? Havia de esperar, para ver se o parlamento queria as mesmas estradas, que tinha votado no anno anterior? — Note o illustre deputado — não eram estradas novas que se mandavam fazer. Queria o illustre deputado que o governo, com o dinheiro prompto em caixa, esperasse para perguntar ao parlamento — vós quereis as mesmas estradas, que votastes o anno passado? — Vós quereis que se empreguem estas sommas, agora que tenho mais dinheiro, na construcção das estradas do reino? — Se fosse o contrario; se o parlamento tivesse votado uma somma muito grande para a construcção das estradas do reino, e depois, por circumstancias, essas sommas se tivessem reduzido consideravelmente, nesse caso ainda eu achava alguma razão ao nobre deputado, porque podia ser que o parlamento quizesse dar auctorisação ao governo para applicar essa somma menor áquellas es-

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tradas, que julgasse mais instantes, para satisfazer as necessidades publicas; mas neste caso em que estamos, é differente. Havia mais dinheiro, não era menos; e como havia o parlamento denegar-se a votar aquillo que já tinha votado, anteriormente? Era um absurdo suppo-lo. Por consequencia o governo fez o que podia fazer, porque para isso estava auctorisado legalmente,

O nobre deputado, que é tão amigo da immobilisação de capitaes, permitta-me que eu e os meus collegas não queiramos immobilisar um capital, que tem de ser applicado para onde o applica, porque dependa de um voto parlamentar. Por consequencia não me parece que possa proceder a objecção do nobre deputado no caso de que se tracta,

«Mas foi com grande precipitação, que se determinou que se fizessem aquellas estradas» Essa precipitação não se deve attribuir ao governo; dirige-se ás cortes, se a houve, porque as côrtes é que votaram, e nem votaram a minha proposta, porque a alteraram, e alteraram as estradas. Se houvesse precipitação, a culpa não era minha; mas creio que a não houve, porque eu assisti a algumas conferencias na commissão de obras publicam desta casa durante a sessão passada, e eu vi os bons desejos de toda a commissão, em que se approvasse o projecto que por ella foi apresentado. Por tanto não foi o desejo de favorecer esta ou aquella localidade; foi o desejo que a commissão teve de acudir aos diversos pontos do reino, porque a necessidade de vias de communicação é muito reclamada em toda a parte. Mas diz o illustre deputado — «o governo não andou providentemente nestas cousas; podia evitar estes inconvenientes; podia ter vindo propôr á camara uma distribuição em mais larga escala; suppondo que havia de ter á sua disposição uma somma mais forte do que se julgava; e a qual devia tractar de a obter antes da época em que a realisou. Porque não mandou o governo em janeiro um commissario lá fóra, para contractar um emprestimo, em logar de o mandar em junho?!» — Direi ao illustre deputado que é este um ponto sobre o qual, só o governo póde ser juiz; com tudo é para admirar, que tendo o nobre deputado estygmatisado os fundamentos do decreto de 18 de dezembro de 1858, que tendo fulminado, nessa occasião assim como agora, tanto o credito publico, como o decreto de 3 de dezembro, que está fóra da discussão e do debate, é para admirar, digo, que venha agora censurar-me por não ter mandado, em, janeiro, um commissario para negociar na praça de Londres um emprestimo, isto quando ainda no anno passado o illustre deputado fulminou o credito publico e as prescripções deste decreto!! O governo poderia ter feito aquillo, que o nobre deputado deseja que tivesse feito; mas teria commettido um grave erro; e se o illustre deputado me censurasse hoje, pelo erro que poderia ter commettido nessa occasião, então não tinha agora a resposta satisfactoria para lhe dar, de que a inopportunidade daquella occasião não permittia que se procurasse um emprestimo na praça de Londres, ou em outra qualquer praça. O governo tractou de contractar um emprestimo, quando intendeu que era conveniente fazel-o, quando julgou que podia tirar algum partido e resultado. Apesar de todas as difficuldades e tropeços que o illustre deputado pressagiou ha muito tempo, e que eu não posso negar até certo ponto, que se tem dado nos mercados estrangeiros; apesar dás difficuldades que se encontraram nesses mercados, em consequencia dai questão do Oriente, a respeito da qual nós não podemos tirar uma salva-guarda, por isso que tendo nós de procurar os mercados de França e Londres infallivelmente tinhamos de soffrer indirectamente, em consequencia, desses dous paizes não se poderem desprender da influencia perniciosa, que operava no credito publico, o que havia de affastar a operação do governo; apesar de tudo isto o governo pôde contractar numa praça, onde não estava habituado a contractar; contractou na praça de París Aquella praça admittiu os fundos invertidos; o nobre deputado sabia isto, mas como a sua missão é accusar o governo, apesar de saber esta circumstancia, não julgou proprio confessa-la, sendo aliàs agradavel para o seu paiz. Em fim cada um tem a sua missão neste mundo; o nobre deputado tem uma missão opposicionista; empenha-se em combater o governo, ainda que já foi ministerial. Reconheço que é um campeão denodado e valente, e honra sem duvida combater com um tal inimigo politico; implacavel sim, mas forte e superior a ponto, que honra os seus adversarios.

O nobre deputado, fez ainda outra censura ao governo. Diz o nobre deputado — o governo veiu propôr um projecto para a construcção das estradas no Minho não se lembrando o que aconteceu, n'outra época, com a feitura dessas estradas, não obstante ter-se feito nessa occasião um emprestimo monarchico. Permitta-me o nobre deputado que lho diga, que este segundo emprestimo é tão monarchico como o primeiro; porque foi precisamente n'um dia memoravel, dia do nome de uma augusta personagem, no qual o governo recebeu a communicação de se ter feito este emprestimo; foi justamente para commemorar esse dia que se fez esta communicação ao governo. Portanto já se vê que este emprestimo é monarchissimo; e ainda mesmo qualquer que fosse a fonte e a origem donde elle nascesse, isto era indifferente, e nada tinha, com a applicação dos fundos; por consequencia por este lado póde o nobre deputado ficar com o seu espirito socegado e tranquillo.

Disse tambem o nobre deputado, que o governo, no anno passado, tinha commettido um grave erro, despresando um contracto que tinha feito, do que resultou não ter podido obter o emprestimo que esperava. Começo por negar o principio sobre o qual o nobre deputado assentou a sua argumentação, porque tal contracto não houve.....

O sr. Carlos Bento: — Houve uma proposta.

O Orador: — Proposta houve, mas não contracto, o que faz muita differença, É verdade que houve uma proposta neste sentido foi negocio tractado com a audiencia dos interessados; e por aquella proposta os signatarios della não se compromettiam senão a procurarem o meio de se poder levantar um emprestimo. Aquelles cavalheiros não haviam tomado sobre si outra alguma responsabilidade; e por consequencia já se vê que elles não faltaram ao que se comprometteram. Eu, que estive nas provincias do norte, fui testimunha da maneira, como aquelles cavalheiros procuram obter sommas na conformidade do que se tinham obrigado para com o governo; porém não as puderam conseguir naquella occasião; depois mais tarde puderam consegui-las debaixo de outra fórma. Portanto não cuide o illustre deputado que se des-

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presou algum contracto; nada disto aconteceu, porque não houve contracto algum a similhante respeito. Presentemente lha certo furor de se chamar, contracto a tudo quanto ha, para se suppôr que o governo os calca aos pés (é a expressão favorita) para depois achar-se nisto fim pretexto — para se accusar o governo.

Parece-me que o illustre deputado tambem censurou o governo pela falta, que encontrava no projecto, de communicações para Guimarães...

O sr. Carlos Bento: — Eu nada disse a este respeito.

O Orador: — Então enganei-me: parece-me que fallou a respeito da companhia Viação Portuense.

O sr. Carlos Bento: — Eu pedia explicações.

O Orador: — São muito simples. A companhia Viação Portuense contractou a construcção das estradas de Braga e de Guimarães; quanto á de Braga tem satisfeito ao seu compromisso, porque a tem executado, e effectivamente como o nobre deputado sabe, têem transitado já desde muito tempo diligencias nessa mesma estrada; quanto á de Guimarães suscitou-se uma duvida sobre qual devia ser a directriz que devia seguir. Havia cavalheiros pertencentes áquella companhia, e da cidade do Porto, que queriam que a estrada seguisse pela serra de Santa Catharina, indo directamente do Porto a Guimarães, por onde já estava construida em parte desde 1847: outros queriam que a estrada partisse do Porto pelo valle de Negrellos; outros queriam que a estrada partisse do Porto até Villa-nova de Famalicão, e que desta villa se ramificasse para a Falperra e Guimarães. A companhia Viação Portuense tem pedido ao governo a solução deste negocio, e o governo, como o que deseja principalmente é que se faça uma estrada para Guimarães, e se reputa, como se reputa a propria companhia, obrigado a desempenhar este encargo, tem procurado saber qual seria a directriz, determinada a qual seria mais facil para a companhia reunir os capitaes necessarios para se levar a effeito. É por esta dúvida, é por esta hesitação, que por ora não tem prejudicado consideravelmente os trabalhos, porque a companhia apenas tem tido as sommas necessarias á sua disposição para completar a estrada de Braga, que não se tem começado já a construir a estrada de Guimarães. O governo ha de resolver quanto antes essa duvida, como julgar mais conveniente aos interesses da viação naquella provincia, e em todo o caso a companhia Viação Portuense está restrictamente obrigada, em conformidade do que o governo resolver, a fazer a estrada por onde fôr. — Fica assim satisfeita a observação apresentada pelo sr. deputado Carlos Bento. (Brevissima pausa).

Ora, sr. presidente, eu estava passando em revista as observações feitas pelo illustre deputado, para saber se me faltava alguma cousa a dizer.. — Falta-me muito, porque o illustre deputado divagou muito; é eu mesmo não posso acompanhal-o nas suas observações. O illustre deputado deseja saber se o governo já recebeu algumas sommas do emprestimo Chabrol contractado em França, as que recebeu, onde existem, e em que as empregou; creio eu que é isto. Responderei em poucas palavras ao illustre deputado. O governo recebeu toda a primeira serie; essa primeira serie existe em ser, parte ainda em Londres á disposição do governo, já se sabe no banco de Inglaterra; parte em Lisboa em deposito, e não a tem applicado para cousa nenhuma, porque como não tinha lei que auctorisasse a applicação daquella somma, veiu ao parlamento buscar essa auctorisação, e espera obte-la dentro em pouco, para poder dar-lhe destino. Quando as côrtes votarem a proposta de lei que eu tive a honra, de apresentar por parte do governo, ficarei habilitado para poder dar destino ás sommas provenientes do emprestimo contraído em França com a casa Chabrol, em conformidade da proposta que eu hei de trazer tambem á camara, propondo-lhe o modo por que eu intendo que se deve distribuir pelas differentes estradas do reino, e que a mesma camara ha de votar como julgar mais conveniente.

Julgo ter respondido á maior parte, senão a todos, os argumentos apresentados pelo illustre deputado, e se acaso fôr necessario, ainda tornarei a pedir a palavra para redarguir ás suas observações. (Vozes. — Muito bem! Muito bem)

O sr. José Estevão: — Sr. presidente, eu não quero gosar do sobre. Fallar sobre falla toda a gente; eu fallo sobre a favor do projecto. (Riso) Isto é uma especie que ainda não está prevenida, porque fallar pro ou contra sem fallar sobre, é cousa que nem o espirito do illustre auctor da proposta do sobre poderá comprehender.

Eu, sr. presidente, vejo com satisfação que a attenção e as forças parlamentares na sessão deste anno se empregam, trazendo o governo a responder sobre assumptos restrictos e immediatos de administração publica; tornando assim os debates mais proficuos e a responsabilidade do governo mais grave e mais seria; e para dar um exemplo de que não abandono este primeiro dever de deputado, principio por fazer ao sr. ministro das obras publicas uma pergunta, que eu reputo muito substanciosa, e que me parece que deve preceder todas as indicações a respeito da nova administração das obras publicas. Intende o sr. ministro das obras publicas que sendo o ministerio das obras publicas uma creação nova, ella a respeito da contabilidade publica póde realisar todas as indicações do systema representativo, satisfazendo por aquelle ministerio a contabilidade dos exercicios, de maneira que a sancção parlamentar possa ser dada no tempo conveniente a todas as despezas feitas por aquelle ministerio? É uma interrogação á qual espero que s. ex.ª responda. (O sr. Ministro das obras publica: Agora?) Agora, ou quando fôr, porque eu deporei o meu voto por todos os modos contra essa nova creação, de nella não se podér realisar a contabilidade publica, segundo as practicas e o rigor que se usar neste systema. Eu previno a resposta, não só previno a resposta, sei qual é a resposta; não porque a tivesse concertado com s. ex.ª

O sr. Ministro das obras publicas: — V. ex.ª dá licença?

O Orador: — Pois não.

O sr. Ministro das obras publicas: — Devo dizer ao illustre deputado que no ministerio das obras publicas tenho procurado empregar todos os meios ao meu alcance, para que a contabilidade publica se execute e desempenhe com a regularidade que é propria e exigida pela natureza daquelles trabalhos; tenho á frente daquella repartição um homem, que reputo intelligente, e o paiz tambem, que, por consequencia, me dá as garantias sufficientes de que ha de desempenhar dignamente as ordens do governo. Por

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tanto, sr. presidente, espero que o ministerio das obras publicas nessa parte ha de satisfazer ás indicações do illustre deputado, que são tambem as minhas e os desejos do governo necessariamente, na certeza de que se eu me convencesse de que elle deixava de satisfazer esse fim, eu seria o primeiro a alterar, a modificar quaesquer disposições, que aliàs tivesse tomado, ou a tomar outras novas que fossem necessarias para elle satisfazer esse fim.

O Orador: — Eu me explico agora em tom mais profundo. As repartições antigas estão habituadas a não dar contas. (O sr. Ministro das obras publicas: — Se me dá ainda licença....) Eu não contesto os esforços que o sr. ministro tem feito neste ramo de administração, (O sr. Ministro das obras publicas: — Não são esforços, são factos) os progressos mesmo que temos feito; mas em vinte annos de systema parlamentar, não approvámos ainda contas, dando-lhes essa sancção parlamentar, que se usa em toda a parte. Ora digo eu, que quando uma repartição se cria de novo, é preciso dirigi-la bem logo de principio, e não a deixar caír no desleixo e desmazelo que as suas companheiras tinham desde muito tempo.

Eu insisto neste ponto, não só porque e um ponto de moralidade publica, uma necessidade indispensavel; não digo para restabelecer o credito, mas para não fazer recaír pela opinião publica qualquer suspeita ou responsabilidade ás differentes pessoas deste ministerio; mas para a execução de um dever nosso, de um preceito constitucional, e para exemplo para todos os ministerios, é preciso que de uma vez se dêem contas de tudo.

O sr. Ministro da fazenda (Fontes Pereira de Mello): — É só para dizer ao illustre deputado e á camara, que eu no anno passado na época competente apresentei a conta do ministerio da fazenda a meu cargo, precisamente dentro do limite marcado no acto addicional estou certo que neste anno, dentro do mesmo limite, apresentarei a conta geral do estado, e a conta da gerencia do corrente, e a de exercicio, na conformidade da lei.

O sr. José Estevão: — De todos os ministerios?

O sr. Ministro da fazenda: — A conta da gerencia dos dois ministerios a meu cargo, a do das obras publicas não a apresentei no anno passado pelos motivos que a todos são obvios.

O sr. José Estevão: — É a conta de exercicio no tempo conveniente?

O sr. Ministro da fazenda: — Sim, senhor.

O sr. José Estevão: — Eu não faço estas reclamações, para esperar factos; é para provocar declarações, e essas declarações equivalem a factos.

Eu quasi que devia sentar-me, e não dizer nada sobre o objecto em discussão; mas sempre farei pequenas considerações a este respeito.

Sr. presidente, nós discutimos um projecto, que tracta das estradas do Minho. Eu intendo que o projecto deve ser approvado, porque todas as condições que elle encerra são vantajosas, porque elle exprime um desejo sincero da praça do Porto em ajudar, não direi, só este governo, mas todos os governos constitucionaes, a promover os melhoramentos do paiz, porque elle deve ser exemplo de modêlo de muitos outros emprestimos que, sobre as mesmas bases, se devem fazer para o resto do paiz.

Sr. presidente, ha uma parte do territorio portuguez, que não sei como se ha de haver quanto a communicações, e é preciso realmente que da parte dos poderes publicos haja uma declaração sobre se merece a sua sollicitude, ou se deve ír procurar os meios para o seu melhoramento em algum paiz estranho.

Quando chego á praça do Porto encontro capitalistas tão enthusiasmados pela abertura de estradas, consentem mesmo que se façam caminhos de ferro em todos os pontos que nos ligue pelo norte com a Hespanha. Se me apresento na praça de Lisboa — falla-se logo em estradas do sul, em caminhos de ferro que nos liguem ao paiz visinho, porque desde logo as transacções entre Lisboa e o paiz visinho serão em grande escalla; o numero dos viajantes que virão a Lisboa será grande; emfim, Lisboa será o porto mais espaçoso; havemos de ser o emporio do commercio, e por estas considerações pede-se o caminho de ferro, que nos ligue pelo sul ao paiz visinho. Mas o meio do reino para onde ha de ir?... Para Hespanha? Ninguem quer ligar com ella essas nossas provincias centraes. Deu-se o sul não sei a quem, o norte tambem não sei a quem; e o centro a quem se dará?.... As nossas provincias centraes estão perfeitamente abandonadas, e comtudo são as mais importantes pelos seus immensos productos, e pela sua grande população; mas carecem de que se abram grandes arterias de viação para poderem entrar na agitação commercial, e para obter isto devemos empregar todos os esforços.

Sr. presidente, falla-se na estrada de Lisboa ao Porto — Nós não ignoramos o estado em que se acha esta estrada; quasi todos nós a temos transitado, e realmente ir obrigar o paiz a dispender 400 contos para fazer algumas obras nesta estrada, parece-me que é uma exigencia sem fundamento plausivel.

Nesses trabalhos que se pertende que se façam, quer seguir-se a directriz da estrada actual? Como? Se é uma estrada que não serve para fazer por ella transito algum; que não serve para fazer communicações com outras povoações, que não serve senão para communicações officiaes entre Lisboa e Porto? O seu traçado, não ha engenheiro algum que o possa explicar; nesse traçado evitaram-se todas as populações importantes, escolheu-se o terreno mais arido e mais deserto. A estrada está intransitavel, não offerece vantagem com relação á communicação com muitas povoações importantes, mas não obstante tudo isto, em quanto houver uma só pedra naquella estrada ha de haver um certo engodo para refazer aquella estrada, que não merece que se gaste com ella 700 contos, que tanto seria preciso para a pôr um pouco melhor que está actualmente. Eu quero uma estrada que sirva para tudo, que sirva para tirar do centro da Beira as immensas producções que lá jazem sem valor.

Sr. presidente, eu encontrei ha pouco uma vara de porcos, que hia de Castello Branco para vender no Porto, traziam dezenove guias de Castello Branco e tinham andado dezenove legoas, e já nessa direcção tinham vindo tres ou quatro varas e todas ellas davam tres ou quatro mil cabeças, que se tinham comprado no sitio onde tinham sido produzidas a 12 mil réis, e o especulador esperava vendê-las a cinco moedas a quarenta legoas de distancia. Todo o fornecimento do gado em Lisboa é feito quatro mezes pela provincia do Alemtejo, quatro mezes pela provincia da Beira e quatro mezes pela provincia do

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Minho. Cada manada de bois leva dezeseis dias para chegar a Lisboa. (Uma voz: — E chegam magros.) Não comem nada, porque segundo a frase dos que os conduzem, vivem do cebo. Quando se compram bois, diminuia-se logo em cada um uma arroba daquillo em que se orçou, porque é o que se calcula que diminue cada rez até aqui. Ora em Lisboa gastam-se pelo menos cem bois por semana; calculem quantos lucros póde trazer a via ferrea só neste artigo. Encontrei uma vez um carro com panellas de ferro para a feira da Golegã, vindo do Porto, e trazia creio que -vinte dias de jornada! Ora em havendo (caminho de ferro, hão de vir por esse caminho as panellas, os bois, o bourgeois, o fidalgo e murta gente, que até agora anda a pé, e que nunca levantará os pés do chão, se não houver caminho de ferro, porque entre nós a classe cuja fortuna a habilita a usar de qualquer meio de transporte, e pouco numerosa. Eu fui do Porto a Braga na diligencia e mais o meu amigo o sr. Mendes Leite, em todo o dia andaram vinte e seis pessoas pela estrada de Braga na diligencia, e nós encontramos mais de quatro mil pessoas a pé, e destas, quinhentas viriam no caminho de ferro, se o houvesse, mas nunca hão de ir na diligencia.

Hontem tocou-se aqui na questão das subsistencias, e por esta occasião, eu pediria ao sr. ministro do commercio, que fizesse publicar no jornal official, se a empreza o deixar fazer, semanalmente, ao menos de quinze em quinze dias, uma nota dos preços porque nas diversas provincias estão todos os generos de producção agricola... (O sr. Ministro das obras publicas: — Está-se publicando) Está-se publicando semanalmente no Diario do Governo? (O sr. Ministro das obras publicas: — Sim, senhor) Das diversas provincias? (O sr. Ministro das obras publicas: — Sim, senhor, comparada com a medida de Lisboa) Não sabia; é uma bella indicação, que póde produzir grandes resultados, porque eu estou persuadido que a desproporção entre os preços, no mesmo artigo, nas diversas provincias é immensa, é immensissima. Por exemplo, no centro da Beira ha cereaes por um preço diminutissimo; mesmo ao pé de Coimbra tem metade do preço que tem a quatro ou cinco legoas de distancia; basta qualquer differença topografica, para encarecer extraordinariamente os preços, e quando houver caminho de ferro para o Alemtéjo não sei como o meu amigo o sr. Barão de Almeirim se ha de haver, porque se o preço do trigo hoje é de seis tostões, e elle diz que é muito barato; se houvesse caminho de ferro seria de quatrocentos réis, que é pouco mais ou menos o preço por que está o trigo no Alemtéjo.

Sr. presidente, eu intendo que o caminho de ferro de Lisboa ao Porto póde ser uma obra para que não tenhamos capitaes; mas é uma obra para que nós lemos braços, e eu realmente sinto vêr um apêgo excessivo a querer fazer entre nós todas as obras publicas pelo modo por que se fazem nos outros paizes. Nós não lemos capitaes, e se os ternos applicam-se pouco para este emprego, e não hão de applicar-se, em quanto não tiverem um criterio incontrastavel de que lhes é vantajoso este emprego; quero dizer, em quanto as acções de uma companhia de viação não sejam cotadas no mercado por um preço superior a quaesquer outras acções. Mas temos braços, e não sei se a camara receberá com hesitação a idéa de empregar o exercito nestes trabalhos. Ora, a fallar a verdade nós mão vamos á guerra do Oriente; de certo não vamos.... (Murmurios) é uma opinião; vejo que a camara não está disposta para a discutir, mas ou hei de obriga-la a discuti-la porque a hei de discutir com -ella. Não me citem (Respondendo a um áparte que não se percebeu) opiniões de generaes; aquelles que suppõem que se corrompe o exercito, que se lhe diminue a obediencia, fazendo largar as armas para pegar na enxada, podem estar cheios de preoccupações muito honrosas, mas tem uma opinião contraria aos interesses do seu paiz, e á vocação dos proprios soldados, porque os nossos soldados não são senão lavradores armados, e a maior parte do tempo são lavradores. Se quizerem, eu não terei duvida em propôr e conceder um certo augmento no exercito, por exemplo, de mais 2:000 homens, com a condição de ter um certo numero de individuos sempre empregados em obras publicas. A questão não a posso tractar agora, mas offereço-me a tracta-la com todas as pessoas que forem adversarias desta opinião.

No caminho de ferro de Lisboa ao Porto, pelo menos entre Coimbra e Porto, pela abundancia da população, facilmente se podiam fazer aterros, e depois seria facil encontrar uma companhia, que se encarregasse das obras de arte e da exploração do caminho de ferro, porque eu temo bem, que se esperarmos per todos esses meios de credito, não tenhamos estrada nem caminho de ferro. O que eu sei, sr. presidente, é que ha um certo enthusiasmo pela estrada de Lisboa ao Porto, um enthusiasmo de máo espirito positivamente, porque não podendo, agarram-se enthusiasticamente ao bom, para terem o gosto de evitar o melhor, porque a idéa de se fazer, depois de uma estrada, um caminho de ferro, é realmente uma idéa, que com difficuldade se ha de acreditar sincera. Se nós tivessemos uma estrada, por má que fosse, eram tantos os encomios, tanta a nossa chança interna, tanto o nosso orgulho, que desafiariamos todos os povos da terra para terem uma estrada melhor que a nossa; mas se tractarmos de um caminho de ferro, julga-se isso uma grande utopia, e um grande desperdicio em que não devem dispender 5 réis.

Eu não posso deixar de fazer algumas observações sobre a estrada de Braga, e de pedir ao sr. ministro, não como sollicitador por parte da companhia, mas unicamente como sollicitador officioso, que resolva com larguesa e promptidão as reclamações pendentes da parte daquella companhia, porque eu hei de fazer todo o possivel para que obtenha o seu fim, menos consentir que qualquer corporação dê leis ao governo do estado (Apoiados) e queira metter pé nas secretarias.

Mas, sr. presidente, a estrada de Braga é a melhor que nós temos; e a fallar a verdade, um portuguez que fôr reconhecer o estado do seu paiz, não deve ter duvida em declarar, que nunca viu, nem conheceu cousa melhor, do que aquella estrada, porque é melhor do que a estrada de Cintra, por onde passa toda a côrte, por onde passam todos os ministros. E quanto tem custado a estrada de Cintra? Quatrocentos ou quinhentos contos de réis. Eu prefiro a viação á gloria de todos os bons lisboetas, e á de todos os janotas politicos e não politicos. É mais facil transitar a estrada do Porto a Braga, do que ir em Braga á praça desta cidade, porque as ruas da ci-

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dade são pessimas, e não ha senão Rio-maior que se lhe possa comparar. Mas no Porto mesmo, não se podendo ir á Foz, não se podendo passar para Villa nova, prefere-se a estrada de Braga: não digo, que seja a melhor que haja, tem muitos declives; o serviço dos cantoneiros é mal feito, mas comtudo é a melhor estrada do reino; e em quanto ao viaducto que caíu, não tenham medo que aconteça outra desgraça igual.

Eu, sr. presidente, estimo que o sr. ministro dos negocios da fazenda renovasse as suas declarações a favor do caminho de ferro do norte: nesta via nos encontramos, e nesta via nos abraçamos, e em quanto eu não perder as esperanças do caminho de ferro do norte, que é uma cousa que todos os homens devem apreciar, afim de termos os meios de melhor viação, eu não posso deixar de votar por tudo para que esse fim se consiga, porque tenho desejos de andar por elle.

Eu, sr. presidente, desejo summamente que esta questão, que eu supponho altamente vital do paiz, seja separada de todas estas considerações e malquerenças pessoaes, e que o meu nome mesmo, que nada tem com isso, seja raspado de cima de todos esses escriptos e esforços, para adquirir a valiosa cooperação de um illustre deputado desta casa, que é talvez o unico que se não tem unido a esta instituição, que é aliàs vivo pensamento de todas as classes; que não e minha, é o grito unisono das provincias; e depois de ter a sancção de todos os lados desta camara, depois de ter o voto significativo do sr. Avila, e do meu amigo o sr. Passos (Manoel) não lhe resta, para ter acceitação geral, senão o unico voto, que eu reputo de mais utilidade, e que em fim não perco a esperança de ter ganho, pelo menos se houver o caminho de ferro; espero vê-lo renunciar á estrada entre Lisboa e Porto, transportando-se por elle, e confio que a primeira jornada lhe será agradavel.

O sr. Carlos Bento: — Sr. presidente, o illustre ministro, na sua attenciosa, tão politica e tão amavel replica, disse, que eu não tinha talvez visto bem as condições deste contracto: que pelo menos, tendo fallado em tudo, abstive-me cuidadosamente de fallar no contracto. Ora eu peço perdão a s. ex.ª para lhe dizer, que eu, fallando na generalidade do projecto, procurando fazer reflectir na generalidade cada uma das disposições do projecto em particular, sem que dahi se podesse inferir, que eu era completamente alheio a cada uma das suas disposições, parece-me que tinha tido o cuidado de formar a synthese daquella parte dessas disposições.

Sr. Presidente, eu disse que o projecto manifestava um pensamento de desconfiança; disse tambem que esse pensamento de desconfiança era infelizmente para a nossa situação economica uma garantia do bem publico. Disse tambem que esse pensamento não tinha a época dos ministros, que occupam o poder; disse que a época de desconfiança era uma época muito antiga. No entretanto, sr. presidente, não podia deixar de ser justo, quanto as necessidades do meu coração o exigiam, e disse-o em minha convicção — que os actos do sr. ministro da fazenda, longe de contribuirem para restabelecer o credito no paiz, o tem peiorado. Esta é a verdade.

O illustre ministro da fazenda tem um empenho decidido em me tornar solidario na publicação do decreto de 3 de dezembro; mas o que é verdade, é que o decreto de 3 de dezembro nem é do sr. ministro da fazenda, que o referendou, nem é meu. (O sr. Ministro da fazenda: — De quem é; diga, envergonhe-me). Não é de v. ex.ª, sabe-o muito bem; não é de nenhum de nós, sabe muito bem de quem é. É verdade que o illustre ministro achou-se abraços com grandes difficuldades; é verdade que o illustre ministro póde dizer, que não eram justos aquelles que não apreciassem essas difficuldades, e o decreto de 3 de dezembro foi um modo de saír dellas; mas pergunto eu — o decreto de 3 de dezembro foi só para pagar aos empregados publicos? Não de certo: pagou a divida fluctuante, e viu-se uma cousa nova em todo o mundo, viu-se que com os juros da divida consolidada se pagou o capital da divida fluctuante! Eis-aqui está porque eu não fui partidista do decreto de 3 de dezembro, senão quando intendi, que uma vez effectuada a condição onerosa, delle se devia satisfazer a compensação decretada. Se o illustre ministro tivesse melhor memoria, havia de lembrar-se de que eu disse muitas vezes, que não me parecia que Portugal podesse deixar de realisar a sua receita, de fazer cessar a divida fluctuante, quando todas as outras nações empregavam meios para a sua realisação. Tenho muito presentes estas considerações, que em occasião opportuna eu fiz ao illustre ministro da fazenda, assim como disse tambem, que não nos devia assustar, além dos justos limites, que Portugal tivesse uma divida fluctuante. Pois, sr. presidente, a existencia de uma divida fluctuante deve aterrar um ministro qualquer, a ponto de tomar medidas extraordinarias? Pois o Brasil com uma receita de 30 mil contos, não teve ha pouco uma divida fluctuante n'um quinto da sua receita? A Hespanha com uma receita de 200 milhões, não tem uma divida fluctuante de um terço do seu rendimento? A França tem 500 milhões de divida fluctuante, um terço da sua receita. O Piemonte tem deficit, e no entretanto, o conde de Cabourg não propoz medida nenhuma extraordinaria. A Belgica tem deficit, mas a Belgica não propoz medidas extraordinarias de offensa ao credito, para saír deste estado. Então se todas as nações, mais ou menos, têem divida fluctuante, se se não assustam com elle, qual é o motivo porque nós nos devemos assustar, a ponto de lançarmos mão de medidas extraordinarias e violentas?!

O illustre ministro da fazenda, quando me quer dar a solidariedade do decreto de 3 de dezembro, pára e não tira todas as consequencias. Pois pergunto eu, o decreto de 3 de dezembro não está já rejeitado pelo decreto de 18 de dezembro? Pois um, não é a negação do outro? Pois que! Sr. presidente, será possivel que estes dois decretos estejam em perfeita harmonia? Será possivel que as condições de um, não sejam a morte do outro? O sr. ministro disse-nos aqui em julho de 1852 — hei de pagar as obrigações contrahidas; não se assuste a camara, tenho meios para as pagar; — e depois assusta-se a camara, assusta-se o paiz e assusta-se o sr. ministro, e as obrigações contrahidas não se pagam sem uma nova medida que renega a primeira! Pois não haverá nisto uma contradicção formal e expressa? Diz o illustre ministro — mas são leis do estado que já passaram. — É verdade que são leis do estado; mas o exame da marcha governativa passou nunca? Não é elle do direito da historia? A historia não póde fallar destes decretos? Pois a politica não o póde tambem fazer?

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O illustre ministro, que está tão certo da excellencia destas medidas, deve provocar a sua discussão, e não dizer — são leis do estado, que já passaram. — Pois por serem leis do estado, não posso eu fallar nellas? Por serem leis do estado não podem até ser revogadas? Não tenho eu direito de vir aqui propor a sua revogação, se intender que ellas são prejudiciaes aos interesses do meu paiz?

Sr. presidente, o illustre ministro disse-nos mais — pois não se havia de extinguir o deficit? Pois havia de estar hoje em contradicção com as minhas opiniões antigas? Sendo deputado da opposição não vim aqui pedir que matassemos o deficit? — Peço perdão ao illustre ministro para lhe dizer, que tenho um adversario muito forte para oppôr a s. ex.ª: este adversario é o proprio sr. ministro. O nobre ministro disse-nos aqui alto e bom som — não me assusta um deficit de perto de 200 contos, e era indigno de ser ministro, se tivesse medo de um deficit desta importancia. — Depois este mesmo deficit horrorisava o sr. ministro a ponto tal, que teve de mudar de opinião, mutilando até os juros da divida fundada interna e externa, para assim tornar menos assustador aquillo de que s. ex.ª dizia envergonhar-se, se tivesse medo. O illustre ministro que em 1852 nesta camara, quando a opposição lhe dizia — que classificasse os papeis de credito, respondia tão alto — não posso classificar papeis; em nome do governo rejeito essa classificação. Pouco depois commetteu uma gravissima injustiça na classificação dos papeis, injustiça que não póde attribuir-se, senão a informações inexactas, que o illustre ministro tinha. O sr. ministro achou inscripções de 4 e 3 por cento; ás de 4 por cento, mata-lhe a esperança de receberem em dia sem deducção, e além disso reduz-lhe o capital 20 por cento, e ás inscripções de 3 por cento deixa-as como estavam, e o resultado foi que as inscripções de 3 por cento, que d'antes valiam menos 1 ou 2 que as de 4 por cento, passaram a valer mais 10 por cento, do que ellas. De maneira que os estrangeiros que lerem os nossos preços correntes não intenderão por que os nossos 3 por cento valem mais do que os 4, e se lho explicarem, ainda menos o ficarão intendendo.

Mas diz-se — os membros que formam a administração actual, acham-se n'uma situação especial. — Ora eu tenho visto desde 1851 sairem muitos ministros, que se achavam na administração, e não vi que dahi se seguisse cataclysmo nenhum para a causa publica. Eu vi que depois da administração de 1851, sairam o sr. marquez de Loulé, o sr. Pestana e o sr. Soure, e não vi que houvesse alteração na marcha regular e natural das cousas. Vi depois saír do ministerio um collega do sr. ministro da fazenda, uma notabilidade deste paiz, o sr. Seabra, e não só o vi saír do ministerio, mas tambem o não vejo nesta camara, e observo que a situação continuou do mesmo modo: não julgo pois que uma situação dependa de um homem conservar duas pastas. E neste ponto, respondendo ao sr. ministro, dir-lhe-hei que na occasião em que peço a separação das duas pastas, peço administração, e o sr. ministro responde-me em nome da politica: era a reflexão que eu tinha feito. Pois o illustre ministro diz — o trabalho tenho-o eu (!) — Isto é uma resposta que abona o desejo que o sr. ministro tem de ser util ao seu paiz, mas não é uma resposta que me possa satisfazer, não tem nada de serio.

O illustre ministro tem tido sempre junto á pasta da fazenda, uma outra pasta: isto não tem impossibilidade, mas eu julgo que o illustre ministro não tem tempo para pensar: o pensar leva muito tempo, e para se considerar um objecto debaixo de todas as suas faces, é preciso tempo: para isto é que não ha ainda caminhos de ferro; para a intelligencia humana ainda os não ha. Na minha opinião o illustre ministro não tem tempo para pensar, nem tempo para occorrer a todas as necessidades dos seus vastissimos ministerios. E não creio que esta declaração prejudique em nada a situação politica deste paiz, porque á testa delle está uma augusta personagem que dá todas as garantias de querer o bem deste paiz, e quando os povos têem a felicidade de ter no alto do throno uma pessoa que dá tantas garantias, podem descançar mais, e pedir ordem em nome da administração, mesmo quando se lhe quer impôr confusão em nome da politica.

Sr. presidente, o illustre ministro da fazenda, respondendo a uma alteração que eu tinha notado, quanto á fixação da divida em 1851, aos empregados publicos, disse — veja-se a boa fé do governo..... o governo não occultou cousa alguma á camara, mas peço perdão: o illustre ministro mudou a questão inteiramente do terreno donde deve ser considerada. A que vem aqui a boa fé do illustre ministro? Nunca a puz, nem a porei em duvida. O argumento é outro: o illustre ministro intendeu que os encargos que pesavam sobre o estado em uma certa época eram taes que reclamavam a adopção de uma medida violenta. Este é que é o argumento em toda a sua extensão; é o ponto em que insisto. O illustre ministro reconhece hoje que não tinha todas as informações, ou essas informações não eram instructivas na occasião em que se lançava mão, de uma medida tão violenta.

É verdade ter eu feito opposição ao ministerio passado por não pagar em dia aos funccionarios do estado, de accordo; porque julgo a necessidade do pagamento em dia uma conveniencia para o estado; mas, sr. presidente, devo fazer outra declaração, e é, que merece os maiores elogios aquelle que com o emprego dos meios mais faceis, consegue satisfazer as necessidades do paiz de outra fórma, invocando o dito de um grande homem — a civilisação é a economia da força, por consequencia — todo o ministro que para satisfazer um fim qualquer impuzer menos encargos, é o que satisfaz melhor ás necessidades da administração.

A administração passada, que eu combati em quanto tive uma cadeira nesta camara, não pagava em dia; é verdade que ultimamente estava quasi pagando de trinta em trinta dias, mas isso não era bastante, por que andavam atrasados doze ou treze mezes os empregados publicos, e as classes inactivas muito mais. Mas se o ministerio passado quizesse adoptar os meios de receita de que lançou mão o sr. ministro da fazenda, tinha mais meios de pagar em dia. Se o ministerio passado se apoderasse de 500 contos, que estavam para amortisar as notas, e os applicasse ás despezas correntes; se pegasse n'uma parte do que o contracto do tabaco havia de pagar, e a applicasse ás despezas correntes, se lançasse mão de parte do fundo especial de amortisação para satisfazer ás despezas correntes, a situação seria muito diversa, e não fazia favor de pagar em dia.

Ora, sr. presidente, o que é verdade é que o sr.

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ministro recebeu a pasta da fazenda em circumstancias peiores, do que o cavalheiro que -exercitava o logar de ministro da fazenda na administração passada; sou o primeiro a declaral-o, porque devo ser justo, e se o não sou mais, é porque não posso sêl-o em favor do sr. ministro, sem offensa da razão.

O illustre ministro da fazenda leve a bondade de responder a alguns argumentos empregados por mim, mas é claro, e natural, que quando entramos numa discussão, e difficil convencer reciprocamente, isto é experiencia de todos os tempos, e eu pela minha parte, declaro que me não dou por convencido, como o illustre ministro da mesma fórma intenderá que não está convencido. Mas o illustre ministro, aproveitando alguns pontos tais fracos das minhas observações, foi ahi principalmente belicoso, porque ao illustre ministro não lhe falta a habilidade necessaria, para tirar todo o partido do menor descuido, da menor distracção dos seus adversarios. Tenham cuidado os illustres adversarios do nobre ministro, porquês, ex.ª deixa os pontos mais importantes, e faz mais carnificina onde encontra os seus inimigos mais fracos. Mas não vale a pena de victoriosamente tractar a questão, quando se tracta do deposito de uma companhia, que eu presta, ou de uma companhia que administra obras publicas. O illustre ministro tem completamente razão, porque a companhia que fizer obras publicas, deposita como garantia do contracto uma certa quantia; e uma companhia que empresta está numa posição differente. Direi pois ao illustre ministro em resposta, que não queria igualar as companhias; mas o que é verdade, e que tem havido companhias que emprestam e não pedem depositos. Em bem pouco tempo que a Turquia, sem instituições representativas, e sem muita outra cousa, fez um emprestimo na Europa mais vantajoso que o emprestimo de Chabrol, e não houve hypotheca, sendo o emprestimo a seis por cento. E outras muitas nações, que não estão em muito boas circumstancias, tem conseguido emprestimos sem garantia. O illustre ministro sube, melhor do que eu, que este modo de levantar dinheiro, não é o modo seguido em outras nações.

Sr. presidente, a respeito da estrada de Lisboa ao Porto e do Porto a Guimarães, o sr. ministro da fazenda deu uma explicação com a qual e dezejava satisfazer-me mais do que me foi possivel satisfazer. O illustre ministro diz que tem havido demora, e effectivamente a tem havido, na conclusão deste negocio. Eu intendo que esta demora em cousas similhantes prejudica sempre. Eu intendo que quando a empreza põe qualquer duvida, seria muito para desejar, que essa duvida fosse rapidamente decidida, porque todos sabem que entre nós é uma grande desgraça em todos os que tractam com o governo, a demora, a procrastinação da solução das suas reclamações, e é essa uma situação desgraçada, e situação que eu desejava ver desapparecer. A respeito da estrada de Lisboa ao Porto, eu desejo fazer uma observação. Eu ouço fallar geralmente na simultaniedade da construcção de uns poucos de caminhos de ferro no paiz. Ora pergunto: temos capitaes para isso? Temos o pessoal technico indispensavel? Temos os operarios necessarios? Eu creio que não. Seria este o unico paiz no qual a multiplicidade dos caminhos de ferro terá trazido crises e crises terriveis? Não nos lembramos nós do que aconteceu em Inglaterra em 1837? Pois a Inglaterra póde dizer-se que experimentava falla de capitaes? Pois verdade que a multiplicidade de construcções de Caminhos de ferro produziu naquelle paiz uma crise temivel.

Sr. presidente, eu intendo que a construcção de uma estrada não prejudica em nada a construcção dos caminhos de ferro. O illustre deputado que acabou de fallar, suppoz que era o nome de um deputado, ou que podia ser para alguem, o objecto da difficuldade para se construir o caminho de ferro do Porto a Lisboa. Sobre esse ponto o sobre deputado foi altamente injusto. Eu intendo que é muito mesquinho, em objectos desta natureza, a sympathia ou antipathia para qualquer homem se decidir, principalmente quando se tracta de um objecto de utilidade publica.

O nobre ministro da fazenda teve á bondade de entrar nas vantagens resultantes de um meio de communicação aperfeiçoada. Ora eu neste ponto faço côro com o illustre ministro, e lisonjeio-me de ir de accôrdo com o illustre ministro. Mas, sr. presidente, eu duvido das vantagens de uma communicação aperfeiçoada; porque, note-se bem uma cousa os individuos compram os objectos, segundo as suas possibilidades; nas nações pobres e pequenas talvez não possamos comprar a rapidez pelo mesmo preço que as outras nações a lêem comprado; nós não podemos pagar a rapidez pelo mesmo preço que as outras nações a têem pago. Mas essa -não é a questão; a questão é da construcção de caminhos de ferro. Quatro jornalistas juntaram-se, e decidiram que o caminho de ferro é necessario — muito bem —; mas quantos capitalistas se ajuntaram para mobilisar os seus capitaes para esse fim? Qual a somma recebida para esse caminho? Não ha nenhuma. Onde está o plano, onde está o traçado, que é das emprezas, e que é dos capitaes? Reuni o numero sufficiente de assignaturas que me de a garantia da feitura neste caminho, e então eu me convencerei de que é um negocio serio; mas em quanto irão houver senão a assignatura destes quatro cavalheiros que escrevem artigos de fundo nos jornaes, e eu tambem tenho sido jornalista e por isso sei que, geralmente, os que escrevemos artigos de fundo, temos muito poucos fundos; sei que o capital social ide uma empreza commercial conta muito pouco, em quanto não tiver outros fundos senão o estylo e a […] dos redactores de jornaes. Eu não me envergonho de declarar que a minha assignatura não significa grande fundo, e por isso não faz grande falta.

Sr. presidente, eu desejava, sinceramente o digo, vêr mais representado o capital nestas emprezas; o illustre deputado, que fallou ha pouco, elle mesmo declarou quaes as opiniões dos differentes Capitalistas dos diversos pontos do reino — uns querem estradas em geral, outros preferem as estradas dirigindo aos pontos mais proximos da actividade commercial.

O que concluo daqui, é que ainda se não póde fazer, a designação precisa das obras que primeiramente devem emprehender se.

Ora, eu não nego a importancia da idéa: eu sei que a illustração representa um papel importante na sociedade; sei que toda a vez que o talento tomar uma direcção qualquer, mais tarde essa idéa ha de amadurecer o realisar-se; mas em quanto ha esse intervallo, em quanto essa demora existe, não havemos de ir no Porto, sem passarmos pelo incommodo que soffreu o illustre deputado, testimunhando essa de-

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mora incalculavel na marcha do gado suino e bovino? Pois em quanto não formos rapidamente, havemos estar sujeitos a não darmos um passo nesta estrada, sem nos atolarmos? Pois o nobre deputado não sabe que o paiz está em tal situação, que é preciso um roteiro para o poder transitar? A uma legoa do Porto vi um cidadão que se ia sumindo n'um atoleiro — espectaculo inteiramente novo neste paiz! Repentinamente faltou-lhe o terreno debaixo dos pés!

Pedia ao illustre ministro, que fosse mais benevolo para com um adversario politico que combate as suas medidas; e tanto mais mereço desculpa, quanto é regular o fallar-se na generalidade de um projecto sobre obras publicas; discussão sobre objectos desta natureza nunca se perde; e por isso, repito, peço ao sr. ministro que não seja tão rigoroso para com os seus adversarios politicos; se combali o projecto, é porque não me conformo com o pensamento que elle representa, e não para fazer opposição ás pessoas dos srs. ministros.

Em conclusão direi, que os srs. ministros actuaes tem, contribuido alguma cousa para este estado irregular de cousas. É esta a minha convicção,

O sr. Presidente: — Como deu a hora, a ordem do dia para ámanhã é a continuação da de hoje, e mais o projecto n.° 54. Está levantada a sessão. — Eram mais de quatro horas da tarde.

O REDACTOR

José de Castro Freire de Macedo

Discurso do sr. deputado Carlos Bento da Silva, que deveria entrar na 2.ª col. da pag. 137.

O sr. Carlos Bento: — Sr. presidente, se eu não tivesse pedido á camara o obsequio de me reservar a palavra para hoje, de certo não usava della, porque o meu máu estado de saude não me permitte fazer longos discursos. Isto que acabo de dizer, não é um preparo oratorio, e a verdade.

A discussão da resposta ao discurso da corôa, que é ordinariamente o thema para a avaliação em geral de todos os actos politicos de uma administração, passou nesta camara com a maior rapidez possivel. Já a camara vê que aquelles que pódem divergir do governo em alguns pontos de administração, não se aproveitaram desta occasião, para lhe roubar o tempo; julgaram-se muito satisfeitos com que a camara aproveitasse o precioso tempo das suas sessões. Mas quando se tracta da generalidade de um projecto de obras publicas, de certo é a occasião opportuna para fazer algumas considerações, que não se podem julgar alheias a um tão importante assumpto. Estou persuadido de ha muito, que o estabelecimento de obras publicas numa escala de alguma importancia, não póde ter logar n'um paiz onde o credito publico se não achar estabelecido de uma maneira soffrivel. Todos sabem que os obstaculos suscitados á lei da formação dos capitaes, impedem que as fôrças productivas de um paiz se possam desenvolver; todos sabem que a livre e segura acção dos capitaes applicada ao desenvolvimento das fôrças productivas de um paiz, é um grande recurso para se estabelecer o credito publico. O credito publico e uma instituição modernissima; ainda não deu todos os resultados de que é susceptivel dar; póde dizer-se que está ainda no seu principio; e estando ainda em principio, são já brilhantes e magestosos os resultados que apresenta. Póde dizer-se, que a civilisação das nações mais adiantadas que a nossa, é consequencia dessa instituição tão vantajosa.

Não se diga que o respeito ao credito publico é uma circumstancia, que só se verifica naquellas nações, que effectivamente podem consagrar meios para a satisfação de seus encargos. O credito publico em França, que é verdade não data de ha muitos annos, póde-se reputar que nasceu em épocas calamitosas para a mesma França: data de 1814, 1815, e 1830; é nas occasiões de crise, e de faculdades, que se póde provar o vehemente desejo e a forte convicção de não faltar á satisfação dos encargos publicos. Nações pequenas, mas grandes pela sua illustração e feitos gloriosos, não recuam nas occasiões criticas. Vemos, por exemplo, a Hollanda, uma nação apenas com tres milhões de habitantes, em 1841, apertada com um deficit successivo, e esmagada pelo pagamento de juros superiores á metade dos seus rendimentos, não desanimar, e tractar de estabelecer o credito na occasião mais critica. E assim que se explica como um povo pequeno luctando com tantas difficuldades, pôde ser grande, causando admiração ás nações mais poderosas do que elle.

O facto que no nosso paiz existe de se faltar a compromissos, não é de um governo, é de muitos governos; não é de uma época, é de muitas épocas, ou para melhor dizer, é de uma successão de épocas. E qual é a causa? Digamol-a nesta occasião a mais opportuna para o dizer. Na falta do augusto Chefe do Estado, representada por um profundo sentimento de saudade, na occasião em que este acontecimento não teve outro effeito, senão deixar a mais viva saudade a um povo reconhecedor das virtudes do augusto Chefe do Estado, diga-se = que nós todos temos errado, que as administrações anteriores têem trazido inconvenientes e difficuldades para as que se lhes tem seguido, e que este continuo expediente de salvação publica tem compromettido bastante a prosperidade publica = temo-nos salvo a miudo; eis-aqui a explicação das nossas desgraças! Todos nós temos entrado em revoluções; todos nós estamos em situação de não podermos arguir os nossos adversarios; por isso todos nós devemos aproveitar esta occasião para reconhecermos que a salvação de um paiz raras vezes póde nascer de uma revolução. Um revolucionario disse = as revoluções são essencialmente negativas; servem para destruir, e não para edificar; deixam campos nivellados para monumentos materiaes como se fez em França.

Um historiador francez disse = as revoluções não deixaram outro monumento entre nós senão um campo nivellado; deixaram o campo de Marte. = Em verdade este continuo emprego de meios de salvação publica, tem atrazado muito q estado da nossa civilisação: é como se explica o motivo por que outros povos estão mais adiantados. Talvez este simples facto, a falta de revoluções, explique o motivo por que ou,

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tras nações estão mais adiantadas do que a nossa; principalmente se attendermos a que em Inglaterra ha 200 annos que não ha revoluções, e nos Estados Unidos ha 60; a Belgica ha 20 annos que não tem uma revolução; o Brazil ha tambem 20 annos; e se attendermos a tudo isto, devemos concluir, que este facto — a falta de revoluções — verificado em nações tão diversas, mostra o motivo, porque ellas estão mais adiantadas do que a nossa. Mas as revoluções não são só aquellas que teem logar nas praças publicas, não são só essas exaggerações, felizmente entre nós acompanhadas só de mais ou menos vivas e iluminações; tambem ha revoluções nos governos — são as dictaduras.

Todos têem feito dictadura, é verdade; ninguem póde aggredir os seus adversarios, com violencia, de serem dictadores; mas todos se podem recordar com sentimento, que as dictaduras têem produzido muito pouco. Não é por falta de dictaduras e de dictadores, que nós não estamos organisados em muitos ramos de administração publica. Todos os dias se falla em medidas de dictadura, que organisem a fazenda; todos os dias os documentos officiaes dizem que vamos tractar da organisação financeira; e realmente esta constante necessidade de organisação, que tanto amiúdo nos preoccupa, para a adopção de expedientes arriscados, e um dos elementos mais desorganizadores que podemos ter.

O illustre ministro da fazenda, encarregado da -pasta das obras publicas, pôde conseguir a formação de um contracto páre a feitura das estradas do Minho; neste contracto, como hontem tive a honra de dizer a esta assemblea, acham-se tornadas precauções, que em circumstancias ordinarias não podiam deixar de ser compromettedoras da dignidade do governo; infelizmente, na situação em que nos achamos, essa desconfiança dos actos governativos é quasi a unica garantia que se póde dar: e sinto dize-lo; não o digo acintosamente; mas esta é a minha profunda convicção.

O illustre ministro da fazenda tem variado o estabelecimento do seu systema financeiro; tem alterado as suas opiniões neste ponto; e, a dizer a verdade, tem-mas alterado, sem que circumstancias extraordinarias justificassem muito essa mudança. Todos nós vimos nesta camara, em julho de 1852, o meu nobre amigo o illustre ministro da fazenda dizer-nos clara e positivamente, que com o decreto de 3 de dezembro de 1851 elle se compromettia a fazer face ás despezas, a pagar em dia e a não precisar de nenhum recurso extraordinario. A camara, que então existia, não acceitou o plano do illustre ministro; a camara que então existia fez mais reagiu contra o plano do illustre ministro, porque suppunha os encargos da medida proposta superiores á facilidade da satisfação delles pelos meios do governo; insistiu tenazmente na sua opinião; e houve mais alguma cousa, houve a dissolução daquella camara por não ler acceitado a proposta do illustre ministro. Seis mezes depois s. ex.ª alterou completamente o seu projecto, e tornou inexplicavel a dissolução daquella camara; porque, sr. presidente, se o illustre ministro intendia que devia modificar as suas opiniões, era, quando aquella camara estava reunida, a occasião mais opportuna; aquella que mais se prestava a isso, aquella que justificava uma modificação, quanto a esse plano: — mas não succedeu assim; o illustre ministro, em julho de 1852, intendia que podia fazer face ás obrigações que tinha contrahido em 3 de dezembro de 1851, e em 18 de dezembro de 1852 intendeu que era impossivel satisfazer a esses encargos!

E o que resulta daqui, a respeito de quaesquer contractos celebrados pelo estado? Resulta que effectivamente não ha grandes garantias da execução desses contractos. Pois se n'um estado ordinario, sem uma revolução, sem peste, sem a questão do Oriente (que hoje vem prejudicar muito as questões occidentaes, e que infelizmente, apesar da salvaguarda que tinhamos tomado de sermos a nação mais occidental da Europa; ainda assim, parece-me, que as questões do Oriente prejudicam as nossas do Occidente) se nessa época a que me refiro, em que não havia nenhuma destas questões, nenhum daquelles revezes que auctorisam uma modificação completa no systema financeiro, essa modificação teve logar, perdoe-me o meu nobre amigo o illustre ministro, acho que essa modificação tão radical, tão completa e tão desacompanhada de circumstancias que a justificassem, é, como digo, a circunstancia importante que faz com que os contractos de obras publicas não possam deixar de se revestir destas provas de desconfiança.

E foi por isso que eu disse, que o illustre ministro das obras publicas se achava prejudicado por alguns dos actos do illustre ministro da fazenda; é neste sentido que eu avancei esta asserção, e neste sentido; = Os erros do ministro da fazenda tem tornado impossiveis os acertos do illustre ministro das obras publicas = Ninguem diria que é a mesma pessoa, pelo muito que se tem prejudicado!

Sr. presidente, para um systema completo de obras publicas faltam não só os meios pecuniarios, mas tambem falta o pessoal. Eu vejo que um habil engenheiro desta camara, que tem feito estradas boas e baratas, se tem queixado, ou pelo menos alguns periodicos em seu nome, de não ter pessoal sufficiente para o ajudar; de lhe fallarem ajudantes; o pessoal technico que temos, parece-me que não corresponde a um grande systema de obras publicas em larga escala, pelo menos para as obras que actualmente existem; essa difficuldade tem-se feito sentir. Qual era a consequencia a tirar de uma similhante situação? Era empregar, todos os nossos meios, todos os nossos esforços para adoptar um bom systema, um systema de preferencia de algumas obras publicas; a preferencia é indispensavel, é preciso haver uma escolha. Não podemos fazer face a todas as necessidades da viação ao mesmo tempo; é preciso escolher, e parece-me que neste ponto tambem se não póde dizer, que a necessaria reflexão tenha presidido á escolha daquellas estradas, que effectivamente devem desde já occupar a attenção do governo.

Na sessão passada esta camara, na presença da insufficiencia dos meios notados para fazer face a todas as despezas de algumas obras da exigencia das localidades, disseminou de tal fórma o magro orçamento votado para as estradas, que pouca utilidade publica se poderia tirar das sommas que nós applicámos para a formação ou para o melhoramento dellas, nos diversos pontos do reino. E o que succedeu depois? Succedeu depois, que o illustre ministro das obras publicas pôde conseguir fazer um emprestimo em França para a feitura em larga escala das estradas; e eu vi que o illustre ministro em uma circular dirigida aos directores de obras publicas no paiz lhes

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dizia o seguinte: = em dois mezes devem-se gastar as sommas destinadas para um anno. = Ora, sr. presidente, uma recommendação desta natureza é uma daquellas que os governos podem ter a certeza de ser satisfeita; a recommendação de se gastar dentro de dois mezes o que estava votado para um anno, parece-me que todos os ministerios se podem lisonjear de Ser obedecidos neste, ponto. Mas o que nascia daqui, sr. presidente? Uma má situação. Como e que esta camara tinha votado a formação de differentes obras no paiz? Tinha-as votado, quando os meios eram insufficientes, quando não podia contar senão com 200 contos para a formação das estradas, isto é, o systema estabelecido por esta camara tinha tido por base a insufficiencia dos meios; e permitta-me o illustre ministro das obras publicas que lhe diga, que o systema não podia ser o mesmo desde que s. ex.ª tinha á sua disposição meios sufficientes para alargar a escala da construcção das estradas. Pareceu-me ver desde logo um vicio consideravel nesta formação completa das estradas. A camara não tinha dado senão muito pouco dinheiro, e com esse pouco dinheiro tinha estabelecido o systema de fazer as obras indispensaveis, e de fazer mais alguma cousa, de satisfazer como era indispensavel, ás exigencias das diversas localidades; mas desde que o illustre ministro tinha mais dinheiro, desde que tinha os meios sufficientes para estabelecer um systema de communicações mais perfeito, como e que o illustre ministro quereria que prevalecesse ainda um systema que não tinha sido adoptado senão pela insufficiencia de meios? Mas dirá s. ex.ª: «E porque eu não pude obter meios senão depois de fechada a camara, e foi assim que de alguma fórma, sem offender a legalidade, eu pude occorrer ao desejo de com brevidade se fazerem algumas obras.» Ora eu peço licença ao illustre ministro das obras publicas para lhe dizer que se s. ex.ª intendeu que era necessario contrahir um emprestimo, porque a somma annualmente votada para as estradas era insignificante; digo, que o conhecimento dessa insufficiencia era um facto que sabia ha muito tempo, que sabia em janeiro, quando as camaras se abriram; e se o sr. Ministro mandou esse cavalheiro ou commissario tractar de um emprestimo em julho ou agosto, quando as camaras já pouco tempo podiam durar, a dizer a verdade, parece que não tinha desde o principio attendido a uma necessidade, que conhecia, que devia ver desde janeiro.

Desde então era possivel vêr que 200 contos não era uma somma sufficiente para poder fazer face as necessidades do paiz, quanto ao objecto estradas: nem 200 contos tem sido, se attendermos aos documentos publicados pelo governo, porque por elles vê-se que se tem recebido uma somma que não perfaz a quantia orçada. Essa quantia, pois, era insufficiente, e sendo insufficiente, era facil vêr desde janeiro a necessidade de levantar fundos: se se mandasse tractar deste negocio logo em janeiro, não era isto realmente revelar a idéa que o sr. ministro tinha, de que a camara votasse um bom systema de communicações?.... Parece-me; que sim. Mas, sr. presidente, ha ainda outra circumstancia. Além de se determinar que em dois mezes se gastassem as sommas que estavam designadas para um anno, mandou-se fazer isto nos dois peores mezes, novembro e dezembro, que de certo são os peiores mezes para trabalhos desta natureza; é o peor tempo, já pela estação invernosa, e já pela duração dos dias, e emfim por mil outras circumstancias, que escusado é apontar. Ainda mais. Disse-se: = em dois mezes gaste-se a somma que estava applicada para um anno, e ao mesmo tempo ordenou-se ao conselho das obras publicas = que fizesse planos de obras publicas, designando até as bases em que elles deviam ser fundados, bases algumas das quaes eu acho muito razoaveis. Mas pergunto eu, esses planos que se disse ao conselho de obras publicas que apresentasse, haviam de conter um systema conforme ao systema votado pela camara, ou havia de ser differente? Se era o mesmo para que convidar o conselho a formar planos e darem-se-lhe novas bases? Se era differente, para que mandar applicar em dois mezes para trabalhos de estradas uma certa somma, que se considera inutil, porque a base para trabalhos publicos havia de ser differente da que apresentou á camara a sua commissão de obras publicas? Parece-me que este negocio de obras publicas tinha sido decidido muito debaixo das inspirações de momento.

Eu creio, sr. presidente, porque nesse ponto, e a respeito disso pedi esclarecimentos ao governo, que ainda não foi possivel chegarem a esta camara, eu creio, digo que effectivamente não teve logar este emprego dos 200 contos nos dois mezes do inverno; se se tivesse feito tal emprego, haviam de provir tristes resultados dahi; havia de provir a universalidade dos atoleiros! Se acaso os trabalhos se activassem de maneira, que em todos os pontos fossem na escala que o sr. ministro das obras publicas tinha indicado, nós não tinhamos ganho nada; estou persuadido que perdiamos muito. Ha o exemplo de algumas estradas, onde ás vezes, para apparentar alguma actividade, se tinha adoptado atacar ao mesmo tempo differentes pontos; mas a experiencia mostra que é pessimo systema este.

Sr. presidente, ainda sobre obras publicas: o illustre ministro applicou para a formação de um meio de communicação sommas importantes, sommas do rendimento do estado; fallo da applicação do fundo especial de amortisação. Este fundo era para ser applicado á feitura de um caminho de ferro. Não desejo nesta occasião tractar da questão do emprego que se deu a esse fundo, ou ás sommas delle provenientes, mas intendo que esta camara deve escolher uma occasião para tractar de negocio, tão importante, como este é: não exponho o que tem tido logar a respeito do caminho de ferro, chamado de leste; mas não posso deixar de fazer algumas reflexões que tem intima ligação com este objecto.

Eu sinto muito que inspirações de bons dezejos impacientes e irreflectidos tenham prejudicado consideravelmente esta questão. Ainda estou persuadido, sr. presidente, que infelizmente se affastou da conclusão deste caminho de ferro a unica companhia, que o podia fazer; não porque esta companhia se affastasse acintosamente, mas muitas vezes estas criticas, criticas severas, e muitas vezes severissimas, que póde apresentar a opposição por falta de se ter levado a effeito nina empreza determinada, faz com que os ministros não tenham a coragem necessaria para affrontar essas mesmas censuras declarando a tempo que foram enganados.

Sr. presidente, o illustre ministro das obras publicas não tinha informações necessarias a respeito das diversas companhias que chegaram ao concurso, ainda mesmo com relação áquellas que não eram formadas no paiz?.. O illustre ministro não sabe que

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era facil conhecer a significação dos nomes dos concorrentes? Parece-me que sim. A significação desses nomes dava a possibilidade de que aceitando-os a obra de que elles se encarregassem, seria levada á conclusão. Póde dizer-se que a possibilidade de acceitar uma companhia está da parte daquelles, que se sujeitam ás condições do programma, que se publicou. Mas pergunto eu: — e verificou-se effectivamente isso a respeito do caminho de ferro a que me referi?... Parece-me que não. — Digo mais, que uma companhia que dera mais garantias que a actual, de levar á execução esta obra, foi posta de lado, e com isto não quero desacreditar a actual companhia ou desacreditar uma companhia qualquer.

Havia uma companhia que já tinha feito caminhos de ferro n'outros paizes; e deu-se preferencia a uma companhia, que ainda não tinha feito caminho de ferro algum. Eu intendo que a nação que principia, não póde, nem deve principiar com principiantes a grande vantagem é encetar estes trabalhos com companhias que já tenham feito caminhos de ferro em outros pontos. Uma dessas companhias se apresentou com informações competentes de um agente do governo, que lhe não póde merecer a menor desconfiança. Realmente parece-me que essa companhia devia ser attendida para formar a companhia dos caminhos de ferro de Portugal. Mas diz-se — essa companhia não tinha feito o deposito; não fez o deposito de dinheiro pelo modo que estava designado no programma, como garantia de que ella havia cumprir o contracto; e por isso a adjudicação do contracto fez-se áquella companhia, que preencheu as condições do contracto. — Mas, pergunto eu agora — houve ou não tambem falta de preenchimento das condições por parte dessa companhia, a quem o contracto foi adjudicado? — Parece-me que sim. Parece-me que foi mais de uma vez, mesmo a respeito da condição do deposito; e digo que me parece que faltou mais de uma vez ás respectivas indicações, a considerar isto pelas repetidas prorogações de praso, que o governo lhe concedeu para o preenchimento de certas formalidades. Neste caso houve mais de uma occasião para poder suspender o que se havia feito, e não adjudicar o contracto a essa companhia, e sim da-lo á outra. Este ponto é importante, tanto mais, quando o governo para adjudicar a uma companhia a formação de um caminho de ferro, teve de entrar com sommas consideraveis; teve de ser accionista, e talvez o começo desses trabalhos, e mesmo a conclusão delles, se tiver logar, seja devida ao auxilio que se lhe tem prestado da parte do governo.

Mesmo com a feitura deste caminho de ferro póde acontecer que n'um certo sitio venhamos a ter uma duplicação de communicações, quando faltam communicações as mais simples em todos os outros pontos do reino.

Devo por esta occasião lembrar á camara, que um illustre deputado daquelle lado (o esquerdo) apresentou á camara um projecto para a construcção de um caminho de ferro de Lisboa ao Porto; intendo que esse projecto indicava, para a formação do caminho, meios inconvenientes; mas havia tres idéas altamente sérias na apresentação desse projecto. Primeira idéa séria — a vinda de um engenheiro estrangeiro, que era necessario para convidar os capitalistas estrangeiros a entrarem nesta empreza. — Segunda idéa séria — que o commercio interno tem muita mais importancia que o commercio externo é esta uma circumstancia que a economia politica indica, e que a estatistica demonstra. Terceira idéa séria — que o caminho principie onde acaba uma excellente communicação aquatica. — Esta ultima idéa é altamente sensata, mas não foi attendida na formação do caminho de ferro de leste, de maneira que, mesmo quando se consiga a construcção da primeira secção desse caminho, vamos ter uma communicação para Santarem, para onde já a temos excellente, e de Santarem por diante continuamos no mesmo estado de atraso, isto é, em vez de termos vinte legoas de boa communicação, vamos ter dez legoas de communicação duplicada, e esta circumstancia dá-me a idéa de que ainda neste ponto não presidiu ás nossas obras publicas o pensamento que intendo que devia estar mais em harmonia com as nossas necessidades.

Sr. presidente, a explicação da rapidez de feitura de vias de communicação existe no estado da perfeição do credito dos paizes onde essa communicação tem logar. Eu oiço constantemente dizer, que as nossas estradas não passam de estradas no papel, e, sem ser antithese, eu diria que o nosso fim devia ser conseguir lançar papel nas estradas. É esta a explicação da facilidade e importancia das communicações nos Estados Unidos.

Nos Estados Unidos abunda a multiplicidade de bancos, e tambem a multiplicidade de papeis em circulação, e sem isso não sei que se podesse ter chegado ao estado de desenvolvimento que alli ha. Entre nós a situação economica não é muito lisongeira sobre esse ponto, e eu confesso que é com a maior tristeza possivel que vejo tractar-se no Porto, se ha de acabar o banco commercial, ou continuar; confesso que isto me causa um sentimento de tristeza. Eu bem sei que uma instituição desta ordem póde ser substituida por outra; mas esta idéa dos directores de um estabelecimento commercial tractarem de saber, se esse estabelecimento ha-de continuar ou não, é realmente para mim uma idéa, que me infunde tristeza, e que mostra que o estado da nossa actividade commercial e a nossa situação economica não são as melhores possivel.

Sr. presidente, mais outro facto ainda, que prova que a nossa situação economica não é a mais vantajosa. O banco do Porto, tendo mais de 1:000 contos em deposito, tem uma porção de notas insignificantissima na circulação. A circulação das notas do banco de Portugal no mez passado não passava de 240 contos, note-se bem, tendo mil e tantos contos em deposito. Segundo a publicação feita no Diario do Governo hoje a circulação das notas do banco de Portugal já sóbe a 500 contos, e já isso é resultado de se fallarem acordo entre o governo e o banco, e de se intender que a hostilidade entre o governo e aquelle estabelecimento monetario se procura terminar; basta só esta circumstancia, para melhorar a situação de um estabelecimento de credito, e isto fará tambem reflectir na séria responsabilidade de promover ou ter promovido conflictos desta natureza.

Eu já disse, sr. presidente, que este projecto, com quanto seja um projecto de desconfiança, com quanto seja de bastante vantagem para os emprezarios, no entretanto não se póde deixar de reconhecer que foi feito com desejos de ser util a este paiz. Mas, sr. presidente, chegámos a uma situação, em que é necessario que o governo dê penhores em qualquer em-

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prestimo que se tracte de fazer; não basta já a palavra do ministro, mão basta já a moralidade do governo para tornar boas as condições de um contracto, é preciso mais alguma cousa, são precisos penhores! E digo eu, que se por acaso nós o lha mios para uma situação bem recente veremos que assim mesmo ha o quer que seja de facil de contentar, exigindo-se estes penhores, porque nós temos visto medidas violentas annullando o valor dos titulos de divida publica, de maneira que não se póde dizer que seja grande usura exigir esses titulos como penhor de contractos sobre obras publicas. Ainda assim este contracto significa bons desejos e patriotismo.

Mas antes de terminar eu desejaria que o sr. ministro das obras publicas me declarasse, se s. ex.ª tem já o traçado estabelecido para a formação destas estradas; se tem já fixado as bases para a construcção das outras estradas nos diversos pontos do paiz; o sobre tudo se tem tenção de applicar as sommas excedentes para o melhoramento da estrada de Lisboa ao Porto; porque, sr. presidente, o que é verdade é, que para a estrada de Lisboa a Badajoz, estrada a respeito da qual ha já contractada a primeira secção de uma linha ferrea, votou a camara na sessão passada 50 contos, ao mesmo passo que para a estrada de Lisboa ao Porto, a respeito da qual não havia ainda a formação de nenhuma companhia nem um meio de communicação mais aperfeiçoado, não votou senão 10 contos. Por outro lado ha mais algum argumento ainda, para que o sr. ministro dispense toda a sua attenção para o melhoramento da estrada de Lisboa ao Porto.

Eu vi que s. ex.ª mandou vir um engenheiro de Inglaterra para o estudo das duas secções do caminho de ferro de Santarem á fronteira de Hespanha, e não que o illustre ministro incumbisse ainda a nenhum engenheiro um traçado para o caminho de feno de Lisboa ao Porto; quero dizer, houve uma commissão de engenheiros nacionaes encarregada de alguns trabalhos, que a dizer a verdade, não podem formar base para um estudo; creio que foi um exame feito a cavallo, um destes exames que não podem de maneira alguma servir de base para uma licitação, para se esperar que se forme uma companhia: por isso, digo, desejava que o illustre ministro me désse a certeza de que quanto antes se ía proceder aos trabalhos para a formação da estrada de Lisboa ao Porto.

Desejara tambem que s. ex.ª me informasse, se effectivamente ha já recebida uma parte do emprestimo feito em França, e da applicação que tenciona dar-lhe por esta occasião, sr. presidente, eu direi que ainda que o sr. ministro das obras publicas me possa dizer que de alguma maneira ha contradicção no que affirmo, quanto á falta de credito e á acquisição de meios para a formação das estradas, direi a s. ex.ª que neste ponto os contractos parciaes não têem uma importancia, que destrua o effeito de vermes fechados os mercados de praças importantes para a circulação das obrigações das companhias, base indispensavel para que os capitaes estrangeiros das nações que os possuem em maior gráu, possam fazer face ás construcções dessa ordem. E além de que nós mais tarde examinaremos as condições de um contracto de mais alta importancia, e veremos que esse contracto é estabelecido em bases diversas das deste contracto, bases que não significam senão que nesta empresa se não podem dar todas as garantias ao cumprimento dos encargos que se tomam, sem que se modifiquem as precauções para garantia dessas construcções. Além de que eu intendo que o contracto não está em discussão, mas no entretanto não posso deixar de dizer que me satisfaz esta condição do contracto, de que o governo não póde dispôr das sommas que os mutuantes applicam ao pagamento das folhas; do contrario podia o illustre ministro das obras publicas e fazenda applica-las, segundo as circumstancias que se apresentassem, ao pagamento dos funccionarios do estado; porque é uma difficuldade, n'um apuro qualquer, o illustre ministro, tendo em sua mão uma somma, de certo a applicaria para esse fim, come já tem feito.

E eu, sr. presidente, supponho que o nosso orçamento é um orçamento um pouco apopletico, ao mesmo tempo que ha empregados que não recebem o que deviam receber: é um orçamento importante, em relação ás nossas circumstancias, mas para que se não tem creado ao mesmo tempo a receita necessaria para as despezas; porque esta é que é a situação anomala, em que nos achamos; tem-se creado estabelecimentos que importam despezas consideraveis, e não se tem creado logo os meios de receita ordinaria para elles; e é assim que o ministerio se tem visto obrigado a applicar para as despezas publicas fundos que não podiam constituir senão uma receita extraordinaria, facto que eu não vejo que seja razoavel.

Sr. presidente, eu tenho cançado a attenção da camara: tenho-me cançado a mim proprio; no entanto fiz algumas considerações para mostrar a minha opinião a respeito de obras publicas, e o meu systema de fazenda. Peço desculpa á camara da maneira como expuz as minhas idéas, e por não ter todo o tempo sufficiente para as apresentar em melhor ordem: entretanto a minha opinião é esta; intendo que temos andado com summa precipitação na adopção dos meios que temos empregado para obras publicas, e que temos votado meios insufficientes para a realisação dessas obras; e n'uma palavra, sr. presidente, que a nossa situação sobre obras publicas, não é a melhor possivel. Intendo que o sr. ministro da fazenda e obras publicas nos fazia um grande serviço, apresentando quanto antes o seu relatorio sobre obras publicas. Tenho emittido a minha opinião, declarando que voto pela generalidade do projecto em discussão.

VOL. I — JANEIRO — 1854.

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