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SESSÃO DE 30 DE JANEIRO DE 1878

Presidencia do exmo. sr. Joaquim Gonçalves Mamede

Secretarios - os srs

Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos

Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto

SUMMARIO

Apresentação de requerimentos e declarações de voto — Apresenta-se o novo ministerio, e o sr. presidente do conselho entre outras observações declara que a liberdade, a tolerancia politica e a paz publica serão a triplice aspiração do governo. — O sr. ministro da justiça, respondendo ao sr. Osorio de Vasconcellos, declara que ha de forcejar para que o mais breve possivel se realise a installação do registo civil. — Fallaram, explicando a sua posição na camara com referencia ao novo governo, os srs. Carlos Testa, Anselmo Braamcamp, Pinheiro Chagas, Osorio de Vasconcellos, Dias Ferreira e visconde da Arriaga.

Presentes á chamada 86 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs.: Adriano Sampaio, Osorio de Vasconcellos, Rocha Peixoto (Alfredo), Braamcamp, Teixeira de Vasconcellos, Cardoso Avelino, Antunes Guerreiro, A. J. d'Avila, A. J. Boavida, A. J. de Seixas, A. J. Teixeira, Cunha Belem, Carrilho, Telles de Vasconcellos, Ferreira de Mesquita, Augusto Godinho, Sousa Lobo, Neves Carneiro, Zeferino Rodrigues, Barão de Ferreira dos Santos, Carlos Testa, Conde de Bertiandos, Conde da Foz, Custodio José Vieira, Forjaz de Sampaio, Eduardo Tavares, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Cardoso de Albuquerque, Pinheiro Osorio, Mouta e Vasconcellos, Francisco Costa, Pinto Bessa, Van-Zeller, Guilherme de Abreu, Paula Medeiros, Palma, Illidio do Valle, Jayme Moniz, Jeronymo Pimentel, Ferreira Braga, J. M. de Magalhães, Ribeiro dos Santos, Vasco Leão, Gonçalves Mamede, J. J. Alves, Matos Correia, Correia de Oliveira, Dias Ferreira, Pereira da Costa, Guilherme Pacheco, Figueiredo de Faria, Namorado, José Luciano, Ferreira Freire, Moraes Rego, Pereira Rodrigues, J. M. dos Santos, Pinto Basto, Julio de Vilhena, Sampaio e Mello, Luiz de Lencastre, Luiz de Campos, Camara Leme, Bivar, Freitas Branco, Faria e Mello, Manuel d'Assumpção, Pires de Lima, Mello e Simas, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Cunha Monteiro, Miguel Coutinho (D.), Pedro Correia, Pedro Franco, Pedro Jacome, Placido de Abreu, Visconde da Arriaga, Visconde da Azarujinha, Visconde de Carregoso, Visconde de Guedes Teixeira, Visconde de Moreira de Rey, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram á sessão — Os srs. Agostinho da Rocha, Alberto Garrido, Pereira de Miranda, Arrobas, Mello Gouveia, Vieira da Mota, Conde da Graciosa, Francisco Mendes, J. Perdigão, Barros e Cunha, Cardoso Klerck, José de Mello Gouveia, Nogueira, Mexia Salema, Rocha Peixoto (Manuel), Alvos Passos, Mariano de Carvalho, Pedro Roberto, Julio Ferraz, Ricardo de Mello, Visconde de Sieuve de Menezes.

Abertura — ás duas horas e um quarto da tarde.

Acta — approvada.

EXPEDIENTE

Officios

1.ª Da presidencia do conselho de ministros, participando a exoneração do ministerio presidido pelo conselheiro d'estado marquez d'Avila e de Bolama, em virtude do que pelo mesmo conselheiro marquez d'Avila foi representado a El-Rei, e a nomeação do ministerio presidido pelo conselheiro d'estado Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello.

Inteirada.

2.° Da camara dos dignos pares do reino, declarando que aquella camara adoptou a proposição de lei que reorganisa a secretaria da escola polytechnica de Lisboa, a qual convertida em decreto das côrtes geraes foi submettida á sancção real em 26 de janeiro.

Foi mandado archicar.

Declarações

Mando para a mesa as seguintes declarações:

1.ª Declaro que por motivo de doença não compareci a tres sessões.

2.ª Declaro que por igual motivo não pude fazer parte da commissão que foi ao paço da Ajuda apresentar a El-Rei a resposta ao discurso da corôa.

3.ª Declaro que se estivesse presente na sessão de sabbado 26 do corrente teria rejeitado a moção que foi votada. = Conde de Bertiandos.

4.ª Declaro que no sabbado, por motivo justificado, me ausentei antes de terminar a sessão; mas se estivesse presente na occasião da votação teria rejeitado a moção de censura ao governo apresentada pelo illustre deputado o sr. José Dias Ferreira. = O deputado, Visconde de Villa Nova da Rainha.

5.ª Declaro a v. ex.ª e á camara que por motivo justificado não pude comparecer nas anteriores sessões. = Figueiredo de Faria.

O sr. Visconde de Villa Nova da Rainha: — No sabbado tive que ausentar-me da camara por motivo justificado; por isso mando para a mesa uma declaração de que se estivesse presente na occasião da votação, teria rejeitado a moção de censura ao governo apresentada pelo sr. deputado José Dias Ferreira.

O sr. Conde de Bertiandos: — Mando para a mesa algumas declarações que passo a ler. (Leu.)

O sr. Figueiredo de Faria: — Mando para a mesa uma declaração de que por motivo justificado não tenho podido assistir ás sessões.

O sr. Mouta e Vasconcellos: — Mando para a mesa uns requerimentos de alguns officiaes do regimento de infanteria n.º 12, pedindo augmento de vencimento.

Associo-me ás considerações que já têem sido feitas aqui por alguns srs. deputados em assumpto identico.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): — Sr. presidente, tendo o meu nobre amigo, o sr. marquez d'Avila e de Bolama, representado a El-Rei que existia conflicto entre o ministerio a que s. ex.ª dignamente presidia e a camara dos senhores deputados da nação portugueza, o mesmo augusto senhor houve por bem encarregar-me de formar outro ministerio, exonerando aquelle das altas funcções que exercia.

Honrado com a confiança do soberano, e contando com o apoio parlamentar, tenho a honra de apresentar hoje á camara o gabinete que se acha presente, recentemente formado.

Creio que posso dispensar-me de apresentar um programma politico.

Os ministros, que commigo fazem parte da nova administração, têem todos uma longa carreira publica; e, á excepção da minha pessoa, são todos conhecidos do paiz pelos seus talentos, pelas suas capacidades nos negocios publicos e pelos seus serviços. (Muitos apoiados.)

Direi sómente que a liberdade, a tolerancia politica e a paz publica serão a triplice aspiração d'este ministerio, que empregará todos os seus esforços e envidará todas as suas faculdades para o conseguir e manter.

Na esphera, porém, da administração propriamente dita, ha problemas importantes a resolver; e o governo, de ac-

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cordo com os representantes da nação e auxiliado com as suas luzes e sabedoria, ha de empenhar-se, quanto poder, para chegar a este resultado.

Nós continuaremos o que outros ministerios desde muito tempo têem feito.

Procuraremos levantar successivamente o nivel intellectual e material do paiz; pela instrucção publica, emquanto ao nivel intellectual, procurando derramal-a, quanto possivel, por todos os cidadãos; e quanto ao nivel material pelos melhoramentos publicos, pelas vias de communicação e tudo que tenda a elevar o nosso paiz á altura das nações mais adiantadas da Europa. Não podemos fazer tudo, nem ninguem póde presumir isso. Seria loucura indical o e propol-o, e seria tambem loucura esperal-o.

Havemos de fazer o que for possivel e compativel com os nossos recursos e com os recursos do paiz; e de certo tudo que se tentasse alem d'esses recursos seria uma imprudencia censuravel.

Ha, porém, uma questão que domina todas as outras, uma questão que tem valor por si mesma, mas que prende a attenção de todos os homens publicos, e em geral do paiz, pelo que se reflecte em todas as outras questões da publica administração. É a questão de fazenda.

Para a questão de fazenda o governo ha de chamar a attenção das camaras legislativas, o empenhar-se, não digo em resolvel-a, porque é uma phrase já desacreditada e banal que se repete, muitas vezes sem que nunca se chegue a realisar, mas empenhar se em caminhar successivamente para o equilibrio entre a receita e a despeza do estado, e para o melhoramento das nossas condições economicas e financeiras; pois estou convencido de que um paiz que tivesse só a sua receita e despeza equilibradas, mas que lhe faltassem as condições de vitalidade e progresso, seria um paiz estacionario. (Muitos apoiados.)

Por consequencia, n'esta parte ainda sigo as tradições do partido a que tenho a honra de pertencer, que tem tido sempre coma norma e tem sustentado constantemente n'esta casa, que um dos meios mais efficazes para melhorar as condições financeiras do paiz é desenvolver a sua riqueza e a sua capacidade collectavel, collocando-o á altura das nações civilisadas. (Apoiados.)

Se em algum tempo ou em alguma occasião podesse ter havido duvidas a este respeito, creio que os factos têem demonstrado de uma maneira authentica e indestructivel que este systema tem produzido os seus naturaes resultados. (Apoiados.)

Temos visto, e eu não quero arrogar-me nem o privilegio da invenção, nem o merito da execução, porque n'isto não ha invenção, que todos os partidos e todos os governos, mais ou menos, conforme têem podido, têem procurado entrar n'este caminho desde 1851 para cá; e eu não venho n'esta occasião dizer o contrario. (Apoiados.)

É preciso, pois, continuar a promover os melhoramentos publicos; mas é necessario que promovamos esses melhoramentos, não com paixões desordenadas, nem com frenesis desmedidos, nem tambem concentrando-nos nos recursos acanhados de que porventura se possa dispor de momento.

E não querendo por este motivo aventar cousa alguma, creio que é conveniente não exagerar em caso algum, e muito menos n'um assumpto que prende immediatamente. com os altos interesses publicos.

Por isso aquelles que dizem que estamos em uma situação cór de rosa, enganam-se, assim como os que disserem que estamos á beira de um abysmo. Nem uma cousa nem outra é verdadeira.

Direi de passagem que mesmo pelo relatorio que ultimamente foi apresentado á camara pelo ministerio que me precedeu, relatorio pelo qual eu dou os meus emboras ao ministro que o assignou e que honra aquelle cavalheiro, mesmo por esse relatorio se reconhece que a situação da fazenda está longe de ser assustadora; mas ainda assim precisâmos augmentar a receita publica, fazer as nossas despezas com economia, (Apoiados.) e crear recursos para que a riqueza publica se desenvolva sem augmentar os tributos, a fim de que por este modo se possa equilibrar a receita com a despeza.

Estes são os principios que têem presidido sempre á escola politica a que me honro de pertencer. (Muitos apoiados.), e são igualmente estes principios que hão de presidir ás medidas que forem submetidas á apreciação do parlamento, incluindo as modificações que o governo tiver de fazer nas propostas que foram apresentadas pelo ministerio que nos precedeu, se porventura merecerem a nossa annuencia.

Ha outro assumpto que merece tambem a especial attenção do governo; e é o que diz respeito ao melhoramento do exercito e ao seu armamento, ao desenvolvimento das suas forças em circumstancias dadas e á continuação da construcção das fortificações do paiz. Hoje que todos os poderes publicos se preoccupam com a questão da defeza nacional, é tambem conveniente que um paiz como o nosso, que tem a felicidade de estar em paz com todas as potencias, procure melhorar as condições da sua defeza.

N'esse sentido já os meus illustres antecessores, e especialmente o da pasta da guerra, apresentaram propostas. Com parto d'ellas concordo plenamente, a outras apresentarei modificações e discutil-as-hei nas commissões. Mas em todo o caso devo declarar que tenho o maior empenho em que sejam convertidas em lei algumas disposições que tendam a assegurar a melhor organisação da força publica, o seu melhor armamento, a construcção das novas fortificações e outros meios de defeza do paiz. (Vozes: — Muito bem.)

Estas são as simples observações que n'este momento posso e devo apresentar á camara, e de certo ella não exige mais de um ministerio que tem apenas poucas horas de existencia. (Apoiados.) Por consequencia limito-me ao que acabo de dizer, e estou prompto a responder a quaesquer perguntas, que queiram dirigir-me, e aos outros membros do gabinete.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Carlos Testa: — Sr. presidente, os applausos com que a camara acaba de receber as declarações do nobre presidente do conselho, são de certo testemunho seguro de quanto elle é bem vindo, e os seus collegas, no seio do parlamento, como membros do poder executivo.

Pela minha parte declaro a v. ex.ª que ratifico a minha opinião e o meu modo de sentir a este respeito, e que applaudo inteiramente tudo quanto acaba de dizer o illustre presidente do conselho, e que tendo na nova situação plena confiança, lhe presto a minha dedicação franca e leal. (Vozes: — Muito bem.)

Sou levado a fazer esta declaração, não porque supponha que alguem podesse suspeitar das minhas opiniões, mas unicamente por um sentimento de melindre que a isso me obriga, devido a ter eu na ultima votação, que deu logar á retirada do gabinete anterior, votado contra a moção que foi causa da mudança politica que acaba de ter logar.

Direi, pois, a v. ex.ª que, quando fui chamado a dar o meu voto sobre a moção apresentada pelo illustre deputado o sr. Dias Ferreira, votei pela rejeição, por isso que tendo eu pedido a palavra contra a moção quando se discutira, e não me tendo ella cabido a tempo para explicar os motivos que a isso me levavam, eu entendi que assim não podia plausivelmente approval-a; entendi que a dignidade pessoal estava acima de quaesquer considerações politicas, e por isso rejeitei a moção.

Pareceu-me que a declaração que então fiz, do que com o meu voto contrario eu tinha principalmente em vista rejeitar as rasões em que a moção se fundava; julguei então, dizia eu, e creio ainda, que essa minha declaração seria bastante para convencer aquelles, cuja politica tenho

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seguido, de que eu não queria faltar á lealdade politica que lhes devo. (Apoiados.)

Mas, se não bastasse a minha declaração feita n'aquelle momento, e motivada, repito, pela circumstancia de não ter podido explicar o meu voto, parece-me que bastaria para o justificar o facto da formação do actual gabinete. Por aquella occasião eu declarei que votaria pela moção do sr. Thomás Ribeiro, e que rejeitaria a moção do sr. Dias Ferreira; e na verdade vejo no actual gabinete personificada a approvação da moção do sr. Thomás Ribeiro, e a rejeição, ao menos pelo lado moral, da moção do sr. Dias Ferreira.

Effectivamente, na discussão que houve da moção do sr. Dias Ferreira, baseava-se principalmente s. ex.ª em que de todos os actos do governo passado, os que, principalmente o tinham preoccupado, eram aquelles que se referiam a certos factos que o sr. Thomás Ribeiro classificou de menos importancia; emquanto que o illustre auctor d’aquella moção não considerou como devendo preoccupal-o questões muito mais importantes, e que, o sr. Thomás Ribeiro tinha bem designado na sua moção, tal como era a construcção do caminho de ferro da Beira, Alta.

Eu sou partidario acerrimo e decidido da construcção do caminho de ferro da Beira Alta, e sou partidario da sua construcção, não tanto como deputado por um circulo da, Beira Alta, como por outra rasão de interesse mais vasto; como portuguez e como membro de uma, camara, que já por duas vezes votou a construcção d'aquelle caminho de ferro e por duas vozes declarou na resposta ao discurso da corôa, que a construcção do caminho de ferro da Beira Alta era uma necessidade impreterivel e inadiavel. Por consequencia, vendo eu que faz parte do ministerio actual o sr. Thomás Ribeiro, que classificava como uma das primeiras necessidades a attender a construcção do caminho de ferro da Beira Alta, e que baseava a sua moção contra o ministerio transacto na circumstancia de este descurar a construcção d'esse caminho para dar a preferencia a outro menos importante, rasão tinha eu para me dedicar lealmente ao actual gabinete, em cuja composição vejo os individuos que me dão melhor garantia de que terão execução as idéas e principios que me guiaram no apoio que dei á sua administração na epocha anterior.

Certamente, vejo no poder homens distinctos e notaveis pelos serviços que têem prestado á causa publica, homens experimentados em todos os ramos da administração a seu cargo. Se o sr. Thomás Ribeiro é novo no poder, os seus talentos e longa pratica do serviço publico são garantia de que elle se elevará á altura da sua nova posição. (Apoiados.)

Dou-lhe os parabens, e dal-os-hei ao paiz, como já os dei a mim mesmo, por ver s. ex.ª sentado n'aquellas cadeiras. Os recursos do seu reconhecido talento são garantia de que s. ex.ª saberá desempenhar cabalmente a sua missão n'um logar que já tem igualmente sido occupado por outros homens, não só eminentes pelos seu saber e pelos seus serviços, como tambem notaveis litteratos e distinctos poetas.

Mas se s. ex.ª carecesse de appellar para exemplos proficuos que o houvessem de dirigir na sua actual posição, encontral-os-ía na judiciosa gerencia do seu antecessor o exmo. sr. Mello Gouveia, cavalheiro que se tornou de certo benemerito na sua administração, na qual já seguira a marcha administrativa do seu illustre antecessor o sr. Andrade Corvo.

Tendo feito estas declarações, peço desculpa á camara de ter para ellas chamado por alguns momentos a sua attenção; mas entendi que as devia fazer conscienciosamente, para mostrar, a minha lealdade, sem deixar de apresentar as rasões que me levavam a votar pela moção do sr. Thomás Ribeiro, e folgo de ver que as idéas de s. ex.ª fossem aquellas que predominaram, achando-se personificadas na constituição do novo gabinete. (Apoiados.)

O sr. Braamcamp: — Sr. presidente, não venho responder ao illustre presidente do conselho, não pretendo levantar discussão sobre a organisação do actual gabinete; porém acatando, como devo, as prerogativas do poder moderador, não posso deixar de declarar, em meu nome e em nome dos meus amigos politicos, que entendemos que a solução dada á crise que se suscitou entre o governo e a maioria, d'esta camara foi pouco conforme comas indicações e principios constitucionaes e com os interesses do paiz. (Apoiados.)

Fazendo esta declaração só me cumpre acrescentar, em meu nome e, dos meus amigos politicos que têem assento na camara, que havemos, como sempre tem sido nosso empenho, determinar o nosso procedimento n'esta casa pelo que as verdadeiras conveniencias do paiz nos aconselharem.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Pinheiro Chagas: — Atravessâmos um periodo obscuro, em que, realmente, já não sei o que é constitucional, e o que deixa, de o ser.

Entra um ministerio no poder allegando que tem por si a confiança da maioria parlamentar, isto é incontestavelmente, legitimamente constitucional. Mas as maiorias que têem força, para levar ao governo os homens que as representam, devem ter força tambem para os conservar. E se a entrada do governo nos conselhos da corôa póde considerar-se perfeitamente constitucional, não me parece que se possa considerar igualmente constitucional a sua saída do poder o anno passado. (Apoiados.) Se o governo entra hoje elevado pela confiança da maioria, e considera por conseguinte a sua situação perfeitamente regular, é claro que caiu o anno passado porque, tinha perdido a confiança da mesma maioria. (Apoiados.)

As explicações de cançasso ou de doença nada valem e nada justificam. Os partidos não adoecem, os partidos não morrem. (Apoiados.) As situações politicas não estão dependentes da saude dos homens. (Apoiados) A situação politica pertencia ao partido regenerador; os illustres deputados da maioria d'esta casa tinham obrigação absoluta de não abandonar o poder.

Mas não procedendo assim, a maioria praticou uma sophismação constitucional, segundo a phrase do sr. Dias Ferreira, uma viciação do systema representativo d'onde provêem todas as consequencias que estamos agora presenciando (Apoiados.)

Quando uma maioria tem a facilidade de ter confiança em toda a gente, quando a maioria da camara, como uma celebre imperatriz romana, cançada, mas não saciada do poder, recorre a todos os estratagemas para o conservar, quando está prompta a dar o seu voto politico a todos aquelles que lh'o pedem e até aquelles que lh'o não pedem, essa maioria, póde ser composta, como é composta a maioria d'esta casa, de cavalheiros perfeitamente dignos e illustrados, mas não está á altura dos deveres graves e serios que o systema representativo impõe ás maiorias parlamentares. (Muitos apoiados.)

E não se diga que o ministerio do sr. marquez d'Avila não tinha uma physionomia politica perfeitamente accentuada. Peço licença á camara para lhe recordar as palavras que pronunciou aqui ha, poucos dias, o sr. Dias Ferreira. S. ex.ª fez sentir que não é necessario que um grupo politico esteja accordando a cada instante os echos parlamentares com diatribes contra o governo para esse grupo se conservar em opposição, reclamou para si o direito de ser considerado como estando em opposição ao ministerio Avila desde o primeiro dia, só porque declarou que reservava o seu voto politico.

No systema representativo as formas tem uma importancia supprema; as questões politicas têem uma segnificação que se não póde postergar.

Ora o sr. marquez d'Avila tinha votado contra o ministerio regenerador n'uma questão politica; por conseguinte, tinha-se collocado perfeitamente em opposição á maioria

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ministerial; apesar d’isso a maioria respondeu ao voto de desconfiança do sr. marquez d'Avila com um voto de confiança; aggredido violentamente pelo sr. Barros e Cunha, na sessão de 6 de março, veiu evangelicamente offerecer-lhe a face esquerda (Apoiados.)

Este procedimento é a derogação de todas as formulas constitucionaes, é uma viciação do systema parlamentar, cuja reparação é quasi verdadeiramente impossivel. (Apoiados.) Que garantia offerece ao paiz uma maioria que ainda o anno passado, depois de recusar a discussão da proposta de uma commissão de inquerito (Apoiados.), veiu logo em seguida levar ao poder um governo que votou esse inquerito? Não (juiz a commissão, e foi-lhe abrir em seguida as portas das secretarias, porque o ministerio do sr. marquez d’Avila foi uma verdadeira commissão do inquerito. Esse inquerito logo começou. A votação da maioria na ultima sessão veiu-lhe pôr termo; mas não veiu a tempo de evitar que se tivesse rasgado o véu que encobria os mysterios da construcção da penitenciaria. (Apoiados.)

Uma situação politica deve caír com as idéas que advoga; uma situação politica não se compõe simplesmente do ministerio que a representa no poder e de um grupo do deputados que o apoiam, mas significa um conjuncto de idéas espalhadas no paiz, o que não é licito sacrificar. (Apoiados.)

Mas a maioria tem estado ha dois annos a fazer politica sem se importar nada com o que pensa o paiz; tem feito politica byzantina, e não politica parlamentar. (Sussurro.)

Vozes: — Falle, falle.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Não ha nada que estranha. Estou de accordo com o illustre deputado.

O Orador: — A maioria d'esta casa tem feito politica independente completamente do paiz; tem feito politica sem curar da opinião publica; politica por sua conta. Não tem feito politica, tem feito prestidigitação.

Estava no ministerio o sr. Fontes; a maioria cobrio com o chapéu a banqueta ministerial, e em seguida levantou o chapéu e appareceu o sr. marquez d’Avila; surpreza do paiz. Tornou, a cobrir a banqueta com o chapéu, e levantando-o novamente, apparece outra vez o sr. Fontes (riso); nova surpreza do paiz, que se limita a ver o espectaculo e a pagar a entrada.

Em presença da entrada d'este ministerio no poder, entrada, que significa pura e simplesmente uma completa restauração, (Apoiados.) em presença, da entrada d'este ministerio nem eu, nem os meus amigos podemos deixar de lhe recusar o nosso voto politico (Apoiados.}

Mesmo na formação do gabinete, depois da sophismação e completa, viciação do systema representativo a que alludi, (Apoiados.) mesmo n’essa formação nem sequer foram respeitadas as indicações parlamentares da votação da maioria. (Apoiados.)

A votação da camara na sessão de sabbado simplificava, não uma restauração da situação caída no anno passado, mas uma situação nova, (Apoiados.) e essa situação nova era caracterisada pelo nome do sr. Dias Ferreira; (Apoiados.) mas o sr. Dias Ferreira, não só não é quem dirige a situação, mas nem sequer está sentado nas cadeiras do poder.

Perante a situação nova que o sr. Dias Ferreira tinha direito de crear, reservariamos nós o nosso voto, e conservar-nos-íamos em espectativa benevola, emquanto essa situação não manifestasse quaes os principios que representava; perante uma restauração contraria a todos os principios parlamentares, eu, pelo menos, não posso fazer mais do que recusar desde já o meu voto politico ao gabinete.

E a restauração é tão completa que o partido regenerador nem ao menos teve a bondade de renovar o seu pessoal.

Quem vemos de novo no ministerio é apenas o sr. Thomás Ribeiro.

Permitta-me v. ex.ª, e permitta-me a camara que eu me abstraia por um momento da minha situação politica, para manifestar apenas os meus sentimentos de homem.

Eu congratulo-me profundamente por ver nos conselhos da corôa tão nobre e tão elevada intelligencia (Apoiados.), por ver no poder um homem que honra o parlamento com a sua eloquencia, que honrou a litteratura portugueza com a sua brilhante inspiração (Apoiados.), e com o seu honrado caracter o governo a que se associa. (Apoiados.)

Se nós nos encontrarmos, como é natural, face a face nestas pugnas parlamentares, creia s. ex.ª que não hei de esquecei nunca a amisade que nos une, nem a admiração profunda que professo pelos seus talentos.

Mas a entrada do sr. Thomás Ribeiro no poder acabado ser classificada por um illustre deputado da maioria como representando um certo numero de idéas, que a maioria classificou de reaccionarias, e eu peço desde já ao governo que me diga se effectivamente essa entrada tem essa significação. (Apoiados.)

E é s. ex.ª, repito, o unico vulto novo que se encontra nas cadeiras do ministerio.

O nobre presidente do conselho de ministros, parlamentar distincto, eloquentissimo orador, estadista que conquistou no parlamento as suas esporas de oiro, tem pelas indicações parlamentares, permitta-me s. ex.ª que lh'o diga, o mais completo desprezo quando se trata de formar ministerio. (Apoiados.)

Com este ministerio regenerador não acontece o que acontece sempre em todos os paizes constitucionaes e liberaes. Quem vae para o governo não são aquelles que lutam aqui constantemente a favor das suas idéas; os ministros não saem das cadeiras parlamentares, saem dos salões do sr. Fontes. (Apoiados.)

Nada tenho com a organisação interna do partido regenerador. Estas palavras significam apenas que a consequencia da ultima organisação ministerial é que nem mesmo nas questões de administração podemos esperar novas soluções das importantes questões, pendentes.

São os mesmos homens, cujas idéas e cujos actos o paiz já conhece.

Eu tenho por todos elles, pelos seus talentos e alias faculdades, a mais elevada consideração.

Mas a entrada do sr. Fontes Pereira de Mello para ministro da guerra, apesar dos seus talentos, apesar do seu valor pessoal, que eu não lhe contesto e que pelo contrario aprecio altamente, significa mais uma vez o dispendio quasi inutil, (Apoiados.) a resistencia, obstinada a todas as idéas de sciencia moderna, ácerca da defeza nacional. (Apoiados.)

Não sei se s. ex.ª na, sua viagem recente á Allemanha aprendeu lá, que os paizes não se defendem já, com os velhos exercitos filhos do recrutamento, mas com as nações armadas. Era bom o terreno para estudar os novos principios da arte militar. S. ex.ª tem o intento de defender o paiz, mas os methodos verdadeiros téem-nos desprezado sempre nos ministerios passados!

Emquanto á outra questão, a da fazenda, não vejo diante de mim senão um ministerio que representa na theoria e na pratica o abuso constante do credito como base essencial da organisação financeira, e a restauração das velhas theorias, e que não promette ao paiz uma administração mais brilhante do que a que caiu em março de 1877.

Mas eu não venho aqui prever os actos do ministerio e declarar-me desde já contrario a elles; declaro até, que lhe darei o meu voto em questões administrativas, se entender que as medidas que apresentar são favoraveis ao paiz. Mas o motivo principal, porque recuso o meu voto politico ao ministerio, é porque entendo que situações caídas só o paiz as póde restaurar.

Entendo que, ou a situação passada saíu tendo ainda a confiança do paiz, e n'esse caso faltou a maioria aos seus deveres abandonando o poder, ou o ministerio caiu por sentir que lhe estava faltando essa confiança do paiz; e onde

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estão os symptomas de um reviramento qualquer de opinião, onde é que se manifestou a opinião do paiz, para trazer de novo ás cadeiras do poder a situação caída em março do anno passado? Retemperou-se por acaso nas fontes vivas do suffragio popular? Não. O unico syimptoma, a unica explicação que encontro da entrada do sr. Fontes no poder, está nas prophecias benevolas de alguns jornaes do vizinho reino, e o motto consagrado d'esta restauração é o mientras vaelve, cujas desinencias castelhanas não exprimem, nem podem nunca exprimir sentimentos portuguezes. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Levanto-me principalmente para responder a umas observações pouco benevolas que o illustre deputado acaba de fazer, mas que pela sua natureza implicam a minha responsabilidade, e portanto não podia eu deixar passar silencioso.

Accusou-me o illustre deputado de ter feito uma restauração, sem acceitar as indicações parlamentares, e accusou-me, sobretudo, não de ter entrado no ministerio, mas de ter saído d'elle. Notavel circumstancia! Nova, inteiramente nova nos fastos parlamentares!

A opposição, declarando-se desde logo opposição, accusa o governo, não porque entrou, mas porque saíu. (Riso.) E, se não accusa o governo, accusa a maioria parlamentar, e a injustiça então é mais flagrante.

Se alguem é responsavel, se alguem tem culpa do facto da saída do ministerio em março do anno passado, sou eu e os meus collegas.

A maioria parlamentar foi inteiramente estranha a isso, e houve muito quem me censurasse por ella ter sido estranha.

Ora, eu que não tenho a honra de ser membro d'esta casa, eu que não sou a maioria parlamentar, protesto, em nome do direito, em nome da justiça, e em nome da verdade, contra as asserções do illustre deputado, e tomo para mim toda a responsabilidade.

Pois é responsavel a maioria parlamentar, porque eu adoeci e porque adoeceu o meu illustre collega o sr. ministro da fazenda?

É responsavel a maioria parlamentar, porque nós, em virtude d'esta circumstancia, que aos nobres deputados póde parecer indifferente, mas que para nós é grave e importante, fomos depor nas mãos do soberano as pastas que nos tinha confiado?

De certo que não. (Muitos apoiados.)

Qual é portanto o erro, qual é portanto a culpa, qual é a falta que commetteu a maioria parlamentar?

Nenhuma.

Queria o sr. deputado que depois de termos largado o poder, se nos désse um voto de confiança?

Não é costume dal-o aos ministerios demittidos.

Que havia de fazer?

Convenceu-se que tinhamos tido rasão, ou talvez se não convencesse d'isso.

Não discuto esse ponto, só digo que a maioria parlamentar, apoiando o sr. marquez d'Avila e de Bolama, que presidia ao ministerio que então se collocou á frente dos negocios publicos, em seguida aquelle a que tive a honra de presidir, julgou ver n'elle a continuação da mesma politica. (Muitos apoiados.)

Esta é que é a verdade, e creio que interpreto devidamente a opinião da maioria, quando digo que esta é a rasão do seu procedimento. (Muitos apoiados.)

Ora a maioria póde ter-se enganado, póde ter reconhecido mais tarde o seu erro, mas o que é certo é que a maioria não fica enfeudada a este ministerio, nem a nenhum: carece de liberdade de acção e de voto; póde apoiar o governo que quizer, e retirar-lhe a sua confiança quando julgar conveniente. Estes é que são os principios, isto é que é liberdade. (Apoiados.)

As maiorias, repito, não estão enfeudadas aos governos, e não se podia vir accusar uma maioria, porque apoiava o sr. marquez d'Avila e de Bolama o anno passado, e lhe negou este anno o seu apoio.

Onde está a theoria parlamentar que indica que, porque uma maioria apoia um governo um dia, o ha de apoiar no dia seguinte, embora tenha havido actos d'essa administração com que se não conforma?!

Sem pretender defender a maioria que não precisa da minha defeza, eu pelo apoio que me deu, pelo apoio que me dá, e pela rasão politica que me une com ella, tomo a liberdade de levantar a minha voz para protestar contra as palavras do sr. Pinheiro Chagas.

Mas disse o illustre deputado: «Não foi chamado o sr. Dias Ferreira!»

S. ex.ª, que foi o auctor da moção, está presente, e toda a gente sabe hoje que o sr. Dias Ferreira foi convidado para ser ministro.

S. ex.ª, por motivos alheios ás situações parlamentares e politicas do paiz, não pôde acceitar este convite, e não preciso dizer mais nada a este respeito: digo só que cumpri o preceito parlamentar. (Muitos apoiados.)

Não me importam as rasões, os fundamentos e o espirito da moção: cada um póde entendel-a como quizer, mas o que é certo é que as moções votam-se pelo que dizem, e não pelos fundamentos com que se defendem.

Não sei quaes os fundamentos com que o illustre deputado justificou a sua moção, mas o que digo sómente é que não vi n'este procedimento senão a votação de uma moção de desconfiança politica, apresentada por um illustre deputado que é um ornamento d'esta casa. (Muitos apoiados.) Por consequencia, o meu dever, a minha obrigação como encarregado de formar nova administração, era convidar aquelle cavalheiro a fazer parte do gabinete, e por isso não se póde dizer que desattendi os principios parlamentares o que desattendi a maioria que tinha votado essa moção.

Peço ao illustre deputado que seja mais justo; e a elle, que sobretudo me conhece de perto, que já me deu o seu voto n'esta casa, ligando-se á mesma politica (Muitos apoiados), a elle peço que seja o ultimo a lançar a luva ás faces d'este partido; peço-lhe que seja o ultimo, em nome das boas relações politicas que tivemos, e da graúdo consideração que tenho pelo seu talento e pelo seu merito litterario.

Creio portanto que tenho respondido á parte mais importante do discurso do illustre deputado.

Não desejo azedar a questão, nem irritar o debate, o meu objecto não é esse; mas não podia ficar silencioso diante de uma accusação que vinha directamente á minha pessoa, e que por consequencia precisava esclarecer.

Agora só duas palavras a respeito do que disse o illustre deputado e meu amigo o sr. Anselmo Braamcamp.

Não pude perceber bem as rapidas observações que s. ex.ª fez; e se declarando inconstitucional a solução da crise, se tinha referido a algum poder estranho aquelles que se acham representados n'esta casa; o que declaro só é que a minha opinião, manifestada por muitas vezes no seio do parlamento, tem sido sempre de que os governos são os unicos repousaveis pelos actos do poder moderador (Apoiados.), e que, portanto, a irresponsabilidade do poder moderador póde ser uma verdade, uma vez que haja diante d'elle a responsabilidade ministerial.

Eu tomo toda a responsabilidade para mim, e só para mim, da solução da crise, e se acaso se entende que essa solução foi inconstitucional, peço ao sr. Braamcamp que me diga porque, e eu farei a diligencia para responder ás observações de s. ex.ª

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(S. ex.ª não revê os seus discursos.)

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Não pediria a palavra se não fosse impellido a isso pela minha posição isolada de todos os partidos n'esta casa.

Desprendido, como disse, de todos os partidos pertenço

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simplesmente á grande escola liberal, na qual estão alistados todos os que prezam a democracia.

Vou fazer declarações muito singelas; vou quasi repetir as palavras que tive a honra de proferir quando ha onze mezes o sr. marquez d'Avila se apresentou na camara á frente do ministerio que acaba de dar a sua demissão perante a censura parlamentar de que foi victima, á qual me associei.

Acabo de ouvir a voz eloquente do sr. Pinheiro Chagas, á qual respondeu com igual eloquencia o nobre presidente do conselho; acabo tambem de ouvir a declaração do sr. Anselmo Braamcamp em nome do partido progressista, e todavia não posso conformar-me absolutamente com as apreciações d'estes cavalheiros.

Não discuto aqui a saída do sr. Pontes do ministerio, no anno passado. Esse facto já pertence á historia. (Apoiados.) Esse facto está inscripto nos annaes parlamentares; esse facto foi discutido aqui na occasião opportuna. (Apoiados.)

O que para nós tem importancia é a saída do sr. marquez d'Avila e de Bolama, para nós, que temos responsabilidades elevadas, para nós, que somos contemplados pelo paiz, para nós, que devemos envidar todos os nossos esforços a fim de traduzir em factos todas as aspirações uteis, legitimas e rasoaveis da nação, para nós, que alguma cousa mais temos a fazer do que embrenhar-nos em disquisições bysantinas, que já hoje nada significam.

Discutâmos pois a vida do sr. Avila; discutâmos a entrada do sr. Fontes; temos esse direito. Mas eu não o acceito agora, e direi a v. ex.ª porque.

Eu votei a moção de censura apresentada pelo illustre deputado o sr. Dias Ferreira, sem me importar saber quem é que havia de succeder ao sr. marquez d'Avila e de Bolama; votei-a, porque entendia que correspondia assim a um dever de consciencia; votei-a, porque julguei que a existencia do governo do sr. marquez d'Avila e de Bolama era um verdadeiro perigo para o paiz. (Apoiados.)

Bem me importava a mim quem havia de succeder a s. ex.ª! O que eu queria era ver desapparecer o governo que eu entendia que infelicitava o paiz. (Apoiados.)

Cumprido este dever, é obrigação minha, é obrigação de todos os homens n'esta casa aguardar o procedimento do ministerio, ver a marcha politica que elle segue, e depois ponderar pelos seus actos o nosso apoio ou a nossa censura. (Apoiados.) Não me aprazem as suspeições antecipadas, porque acima de tudo colloco a justiça..

As maiorias, disse o sr. Fontes, e disse muito bem, não podem enfeudar-se aos governos. As maiorias, para cumprirem os seus deveres, é necessario que tenham liberdade para pensar, para discutir e para resolver. O papel das maiorias não é arrastarem uma vida ingloria, não é acorrentarem-se ao carro triumphal que leva Cesar e os seus destinos.

O sr. marquez d'Avila desmereceu a confiança da maioria; a maioria manifestou-lh'a e o chefe do estado optou pela maioria, nada mais constitucional. (Apoiados.)

Eu de mim prezo acima de tudo a minha liberdade de acção e quero as situações claras, e é por isso que vou formular com a maxima franqueza, com a candura que me vae n'alma, algumas perguntas ao governo.

Eu pergunto ao governo, ou por outra, digo com toda a franqueza ao governo, porque nem quero fazer perguntas, exprimo apenas as minhas idéas; digo com toda a franqueza ao governo que na minha opinião é obrigação sua entrar resolutamente no caminho das grandes conquistas que assignalam o seculo XIX.

É necessario levantar este paiz ao nivel das nações mais adiantadas, pelos melhoramentos moraes, isto é, pela effusão ampla e completa da luz, que é a unica força que póde combater a treva; pelos melhoramentos materiaes, que são elementos essenciaes do progresso; pelas reformas politicas, que são o fiel do equilibrio social.

Quando as instituições politicas de um paiz não estão de accordo com o ver e crer do seculo, quando n'esse paiz haja aspirações legitimas e uteis que não encontram moldo nos pactos sociaes, é necessario alargar os codigos politicos, por modo que no seu ambito possam entrar harmonicamente todas as energias da nação. (Apoiados.)

E é por isso que eu ha seis annos punha o meu nome, e com elle a minha responsabilidade, na reforma da carta que foi aqui apresentada pelo partido reformista; e é por isso tambem que eu agora, e mais do que nunca, porque seis annos no seculo do vapor e da electricidade correspondem a uma grande massa de trabalho e de progresso; é por isso que eu ainda entendo que é chegado o momento de realisar a reforma da carta.

Eu acredito na perfectibilidade como uma lei fatal e impreterivel, não só nas sociedades, mas tambem nos homens. Negar esta lei, é cerrar os olhos á luz, é desconhecer os passos agigantados com que a humanidade todos os dias assignala o seu caminhar constante. Eu acredito portanto na perfectibilidade moral do homem.

E se não fosse ella, então este ministerio seria a restauração da situação anterior, de todos os actos então praticados que mereceram as minhas censuras, que hoje se repetissem, porque se repetiriam esses actos, cairiamos n'um circulo vicioso; o que hontem condemnei, condemno-o hoje; condemnal-o-hei ámanhã.

Mas se no ministerio, como eu acredito, houver a tendencia e o desejo de perfectibilidade, se elle conhecendo os seus erros antigos, tratar de os evitar, é claro que não lhe pouparei os louvores, como lhe não pouparia os vituperios, dada a hypothese contraria.

O illustre presidente do conselho referiu-se principalmente a duas questões maximas, a duas questões importantissimas, a duas questões que estão concitando a attenção detida de todos os homens publicos, não só de Portugal mas de todos os paizes. Uma d’essas questões é a eternamente denominada questão de fazenda, que ainda hoje está á espera de uma solução radical, se porventura na historia da humanidade ha soluções radicaes e completas para qualquer assumpto. E ainda n'isto se vê a lei de continuidade. As questões vão-se resolvendo a pouco e pouco. A questão de fazenda de hoje não é a questão de fazenda de ha quatro ou cinco annos, como não é a que ha de ser d'aqui a sete ou oito annos. (Apoiados.)

Em abono d’isto eu citarei uma notavel phrase do illustre estadista inglez o sr. Gladstone. Este illustre liberal, depois de saír da ultima administração, collocou-se resolutamente á frente do partido politico denominado radical. O sr. Gladstone foi logo acoimado pelo partido conservador de attentar contra a familia, contra a ordem, contra a sociedade, contra todas as idéas justas que são o fundamento da sociedade.

Dirigiram-se contra Gladstone exactamente as mesmas accusações que o sr. marquez d’Avila nos vibrou aqui quando nos chamou communistas. O sr. Gladstone sorriu-se e respondeu: a utopia de hontem é a verdade de hoje, a utopia de hoje será a verdade de ámanhã; os radicaes de hontem são os conservadores de hoje, como os radicaes de hoje serão os conservadores de ámanhã. (Vozes: — Muito bem.)

E que n'este mundo tudo está ligado pela lei da continuidade no espaço e no tempo; tudo é causa e effeito. Já o grande Pascal dizia que através da historia tout se tien.

A questão de fazenda portanto deve ser resolvida com relação ás actuaes circumstancias, e é esse o dever do governo.

A questão da reforma das instituições militares tambem está exigindo todos os esforços e toda a energia para a resolver com brevidade. N'este ponto direi ao sr. presidente do conselho que nós não podemos resolver a questão da organisação militar sem decretar o serviço pessoal obrigatorio, como disse o nosso illustrado collega o sr. Pinheiro

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Chagas. Esta maravilhosa e fecunda idéa do serviço militar obrigatorio está hoje em execução não só em todas as grandes nações da Europa, á excepção da Inglaterra, mas tambem nos paizes de segunda ordem. Creio que a unica nação que se tem recusado ao serviço obrigatorio é a Belgica, cuja neutralidade está reconhecida pelo tratado.

Na Hollanda ainda não existe tambem o serviço obrigatorio, mas a esta idéa já quatro ou cinco ministros da guerra têem sido sacrificados. Na Hespanha ainda imperam os quintos e nós temos o recrutamento. Portanto, o serviço pessoal obrigatorio é urgentissimo que se traduza em factos. Se é preciso que se organise um verdadeiro exercito; se é preciso que os cidadãos portuguezes vão assentar praça e praticar na vida soldadesca, e portanto exercitarem-se para estarem aptos e promptos para a defeza da patria quando corra risco, creia o nobre ministro que só se alcançará com o serviço pessoal obrigatorio.

Passemos porém a outras considerações. A nossa lei eleitoral carece de reforma. (Apoiados.)

Devo dizer a v. ex.ª e á camara, como já o disse no seio da commissão a que tenho a honra de pertencer, e como o disse n'uma conversação particular ao nobre presidente do conselho da situação transacta, o sr. marquez d'Avila e de Bolama, que approvo os principios consignados na proposta de lei que está submettida ao exame e deliberação d'esta camara, porque o sr. marquez d'Avila e de Bolama não fez senão consignar n'essa sua proposta de reforma, da lei eleitoral os principios que tinham sido approvados na commissão e que eu havia defendido. (Apoiados.) Portanto eu approvo em principio aquella reforma. Mas agora pergunto: será possivel que o actual ministerio, onde vejo o meu dilectissimo amigo o sr. Thomás Ribeiro, a quem congratulo, congratulando o paiz, porque o sr. ministro da marinha symbolisa um elevadissimo caracter, (Apoiados.) um coração generoso (Apoiados), um caracter aberto a todas as nobres aspirações, que levantam a humanidade (Apoiados.); e s. ex.ª que foi relator da commissão de reforma eleitoral sobre que de accordo com a maioria se approvaram os principios consignados n'aquella proposta do lei; pergunto, será possivel que o governo que, actualmente se senta nas cadeiras do poder, queira renegar estas idéas recusando o seu assentimento á proposta de reforma da lei eleitoral? Não quero acredital-o. Os deveres de coherencia são muito fortes, e por isso espero que esta reforma se realisará. Mas é necessario mais. Eu peço não só a reforma da lei eleitoral, mas tambem a construcção do caminho de ferro da Beira Alta (Apoiados); e ainda n'este intuito invoco em meu auxilio os srs. Thomás Ribeiro e Lourenço de Carvalho. (Apoiados.)

A construcção do caminho de ferro da Beira Alta é exigida pelos interesses publicos (Apoiados); satisfaz a uma aspiração justa d'este paiz (Apoiados), e é uma necessidade impreterivel da civilisação. (Apoiados.)

É preciso começar a construcção dos caminhos de ferro das Beiras, que são as arterias por onde se engorgila o sangue do paiz, e por consequencia é necessario attentar seriamente neste problema que tacitamente está mais que resolvido.

A linha ferrea da Beira Alta está estudada por modo tal que seria já ridiculo, que alguem se lembrasse de pedir tempo para novo estudo. (Apoiados.)

Outra questão ha que será conveniente resolver, tal é a instituição do registo civil. (Apoiados.)

Nós temos o codigo civil que muitas vezes tem sido apresentado como um dos brazões do partido regenerador, e se o registo civil não existe é porque, está dependente de um regulamento. Escuso de defender a necessidade e a utilidade do registro civil (Apoiados.) só digo que a não existencia d'elle é uma vergonha para o paiz. (Apoiados.)

Muitos outros pontos eu podia citar, mas as minhas idéas são conhecidas. Nunca as sophismei, nunca as encobri, nunca as calei, sempre que é opportuno apresento-a sem toda a evidencia e verdade. Para mim os homens são os instrumentos executivos da idéa.

V. ex.ª e a camara sabem que não faço politica de pessoas, faço politica de idéas e de convicções. (Apoiados.)

Comprehendo perfeitamente que quando um homem politico está alistado em um partido, tem muitas vezes de fazer calar a voz da consciencia, nos casos em que não ha uma opposição absoluta entre a consciencia individual e a partidaria. Eu não sou partidario; sou simplesmente democrata e a minha benevolencia depende do modo por que as minhas idéas forem acceitas e realisadas.

Portanto todas as vezes que o governo actual se approximar e traduzir em factos não só as idéas que acabo de expender, senão tambem outras que são conhecidas, creia o governo que não só o louvarei, como lhe prestarei sincero e leal apoio; mas se porventura o governo estiver em opposição ás minhas idéas e deixar de as traduzir em factos, se se afastar d'ellas, creia que não lhe pouparei a censura, nem deixarei de o combater na liça parlamentar, na imprensa, no comicio, em toda a parte onde se trave a luta legal. Não dou apoios incondicionaes, sirvo idéas e não sirvo homens. Quero o progresso e a liberdade, que são os fundamentos da democracia.

Se o ministerio trilhar a boa vereda, conte com o meu auxilio ou pelo menos com a minha boa vontade, senão, não.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Ministro da Justiça. (Barjona de Freitas): — Direi algumas palavras em resposta ao illustre deputado e meu amigo o sr. Osorio de Vasconcellos, que acaba de fallar, e lisonjeia-me a esperança de ver quebrada uma certa separação em que se achava o illustre deputado de todos os partidos.

Diz s. ex.ª que todo aquelle governo que tender a realisar as suas aspirações ha de merecer a sua confiança.

O governo espera que uma parte d'ellas serão satisfeitas, e assim poderemos contar com o voto do sr. deputado n'esta casa.

S. ex.ª referiu-se ao registo civil. Devo dizer que nestas cadeiras sentado e interrogado por um deputado da opposição, ha um anno ou anno e meio, respondi que não tinha duvida alguma em tratar de estudar uma proposta para a installação definitiva do registo civil que está consignado no nosso codigo civil. E, eu não costumo faltar aos meus compromissos em qualquer parte e sobre qualquer assumpto que seja. Por consequencia, não tem o governo repugnancia alguma á installação do registo civil. E isto não implica cousa alguma com o registo ecclesiastico. São duas cousas differentes.

A sociedade ecclesiastica precisa ter o seu registo ecclesiastico e a sociedade civil precisa ter tambem o seu registo civil.

Não tenho pois duvida alguma em declarar ao illustre deputado, por parte do governo, que hei de forcejar para que no praso o mais breve possivel se realise e generalise a creação do registo civil, trazendo á camara as propostas que para esse fim forem necessarias.

N'este ponto, portanto, parece-me que satisfaço mais uma tendencia e que serão satisfeitas as aspirações do illustre deputado.

S. ex.ª fallou tambem na reforma da lei eleitoral. Nem o illustre deputado, nem ninguem ignora que já n'uma outra occasião, apresentando aqui este governo uma proposta para a reforma da carta, tinha consignado n'essa proposta o principio de alargamento do suffragio popular, creio que vem exactamente formulado na proposta de lei apresentada a esta camara pelo ministerio transacto, e este alargamento ía até admittir que votassem todos os que soubessem ler e escrever, e fossem chefes de familia.

Portanto devia haver o producto de dois factores — o da capacidade e o do interesse da causa social. O da capacidade estava representado pelo elemento da instrucção e o

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do interesse da causa social estava representado pelo maior numero de eleitores.

Este principio, como s. ex.ª acaba de dizer, é aquelle que prevaleceu no seio da commissão eleitoral.

O illustre deputado não ignora que essa commissão era na sua grande maioria composta de membros que fazem parte da maioria d'esta camara. Portanto as idéas do governo não são suspeitas n'esta parte, e não terá duvida em tomar mesmo por base a proposta que foi apresentada pelo ministerio anterior.

Creio tambem, e estou auctorisado a dizel-o por parte do governo e em especial por parte do meu collega o sr. ministro das obras publicas, que não póde haver duvida sobre a construcção do caminho de ferro da Beira Alta, nem sobre os meios ou fórma por que ha de ser construido. O caminho de ferro da Beira Alta era uma parte do programma do governo, e nós não podemos parar com os melhoramentos materiaes.

Portanto, creio que ha mais que uma tendencia da parte do governo quanto á construcção de um tal caminho; ha boa vontade e intenções sinceras de realisar os desejos do illustre deputado, e nós desde já contâmos com o seu apoio.

(S. ex.ª não revê os seus discursos.)

O sr. Dias Ferreira: — Não é meu intuito soltar uma phrase ou uma palavra que por qualquer circumstancia vá melindrar a situação passada. As minhas questões com os gabinetes terminam quando elles depositam as pastas nas mãos do soberano.

Eu não contava que se levantasse a mais pequena duvida sobre a constitucionalidade do gabinete, porque poucas vezes as manifestações parlamentares terão sido tão significativas, como foi a da camara dos senhores deputados, votando por 69 votos contra 19 uma moção de desconfiança politica ao governo anterior. (Apoiados.)

Escusado é tambem declarar que esses 69 votos pertencem quasi todos ao partido regenerador, de que é chefe o sr. Fontes.

Se eu não tivesse tido a convicção profunda de que o governo está constituido em harmonia com as indicações parlamentares, e de que na sua formação foram acatadas as verdadeiras praxes constitucionaes, seria o primeiro a reclamar contra a infracção dos principios politicos.

E sem pretender de modo algum esclarecer a assembléa sobre questões de direito publico, sempre devo declarar que, comquanto seja liberrima a prerogativa da corôa, não póde preterir as boas praxes constitucionaes em nome da faculdade de acção que lhe é conferida na carta.

A prerogativa da corôa é liberrima na nomeação e demissão dos ministros; mas se for nomeado um gabinete que não tenha por si o apoio parlamentar e o favor da opinião publica, offendem-se os principios e os interesses publicos, e o corpo legislativo não póde ser indifferente ao abuso de um direito, apesar de reconhecido na constituição fundamental esse direito.

Mas a responsabilidade da formação de um gabinete contra as praxes constitucionaes recáe unicamente sobre os homens que se prestaram a ser ministros simplesmente pela investidura real.

Essa responsabilidade não vae mais longe, fica exclusivamente no gabinete e nos parlamentos, se o apoiarem. (Apoiados.)

Não se póde sustentar outra doutrina em frente dos principios constitucionaes, e sem offensa dos verdadeiros interesses do paiz. É a minha opinião e a de todos os homens liberaes. (Muitos apoiados.)

O meu illustre collega o sr. Pinheiro Chagas, a cujos talentos presto a mais profunda homenagem, e que me dispensa sempre provas da maior consideração, tanto n'esta casa como na imprensa, diz que o ministerio é uma restauração, argumento de que muitos se servem contra a nova situação.

Sr. presidente, se acaso a restauração na organisação dos ministerios fosse um crime politico, á queda dos ministerios devia quasi sempre seguir-se a do parlamento, e esta doutrina é impossivel. As camaras podem negar a sua confiança a um e mais gabinetes. A camara electiva tem quatro annos de duração, marcados na lei fundamental do estado, e apenas findam as suas funcções antes de decorrido este periodo quando circumstancias excepcionaes reclamam a intervenção do poder moderador, sempre debaixo da responsabilidade dos ministros. Os governos não têem, nem podem ter, pelos principios constitucionaes, tempo fixo de duração, e não vivem senão emquanto merecem a confiança dos parlamentos. (Muitos apoiados.)

Mas, em todo o caso, se os seis ministros que representam a restauração manifestaram perante o parlamento o perante o paiz, que nos onze mezes que estiveram afastados das cadeiras ministeriaes, perderam o elevado talento com que a Providencia os dotou, a experiencia que adquiriram na gerencia dos negocios publicos e o patriotismo de que sempre deram provas no exercicio das suas funcções, cá estamos nós para lhes tomar contas. (Muitos apoiados.) E se o unico ministro que entra de novo no poder com essa má companhia (Riso.) se perverter, tambem cá estamos nós para derribar mais um ministerio. (Riso.)

Sr. presidente, eu aprecio o gabinete pelo seu passado, e se porventura o seu passado não justificasse o apoio que vou dar-lhe, não eram de certo as declarações que s. ex.ªs fizeram que os abonavam no meu conceito. (Muitos apoiados.)

Os programmas raras vezes deixam de ser bons.

Sr. presidente, com respeito a uma circumstancia que me é pessoal, eu não praticaria um acto de verdadeira justiça e cortezia se julgasse necessario confirmar com o meu testemunho as palavras do nobre presidente do conselho, tão proprias do seu leal e honrado caracter. (Muitos apoiados.) Devo apenas declarar á assembléa que o sr. Fontes me dispensou favores e considerações muito superiores aos meus merecimentos pessoaes e á minha posição politica, o que eu lhe agradeço; e sinto que circumstancias inteiramente alheias á politica me impedissem absolutamente de tomar um logar no gabinete presidido por s. ex.ª

Vozes: — É verdade. Muito bem, muito bem.

O sr. Visconde da Arriaga: — Pedi a palavra quando o sr. Braamcamp estranhava a maneira por que foi constituido o gabinete, julgando-a inconstitucional.

Não tencionava dizer cousa alguma sobre este assumpto; mas tendo uma opinião inteiramente contraria á do illustre deputado, v. ex.ª e a camara hão de permittir que diga algumas palavras.

Estou n'esta casa ha vinte e quatro annos. Fui dissolvido nove vezes.

Os conflictos entre o parlamento e o governo eram sempre resolvidos a favor do governo e contra o parlamento; agora quando vejo que o poder moderador sancciona e homologa a sentença que o parlamento deu no sabbado por uma votação de 69 votos contra 19, em logar de me entristecer, consolo-me por ver o governo parlamentar perfeitamente constituido e respeitado, como me ensinaram na universidade, e como aprendi n'esta casa de mestres como Casal Ribeiro, José Estevão, Mártens Ferrão, Passos Manuel e outros homens illustres e liberaes, que affirmavam que o governo parlamentar é o governo do paiz com o rei e do rei com o paiz. (Apoiados.)

Por consequencia se até aqui os conflictos entre o parlamento e o governo eram sempre decididos contra o parlamento, e este sempre condemnado á guilhotina, agora quando vejo o poder moderador homologar a sentença do parlamento e resolver o conflicto a seu favor, longe de me entristecer congratulo-me e felicito-me. (Apoiados.)

É assim que têem pensado os homens mais liberaes d'este paiz, aconselhando a resolução das crises n'este sentido. Lembro-me de que um dos homens mais notaveis e um ornamento da tribuna parlamentar, Passos Manuel,

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muitas vezes disse: «eu fui o primeiro que respeitei o principio parlamentar!» Effectivamente assim foi. Em 1837 Passos Manuel apresentou ao congresso constituinte, composto na sua quasi totalidade de setembristas, homens da sua politica e parcialidade, por isso que havia apenas um ou dois deputados cartistas, uma proposta ácerca dos sub-secretarios d'estado; essa proposta foi discutida durante muitos dias e a final foi rejeitada; depois Passos Manuel não foi pedir ao poder moderador a disso lução do parlamento, pediu-lhe a demissão do ministerio, respeitando o principio parlamentar, que elle adorava.

Quando vejo, pois, que a corôa se associa aos eleitos do povo e resolve o conflicto parlamentar sanccionando a sentença do parlamento, firmada por uma grande maioria, entendo que devemos felicitar-nos e congratular-nos por este resultado, e oxalá que o poder moderador seja inspirado sempre dos mesmos sentimentos, e que se ámanhã o governo não tiver maioria n'esta casa, use da sua prerogativa do mesmo modo demittindo o ministerio, dando sempre rasão aos eleitos do povo. (Apoiados.)

Não quero alongar mais esta discussão. Direi apenas que vejo symptomas de uma boa era, vejo que se vae estabelecendo e radicando o principio do governo do paiz com o rei e do rei com o paiz.

Ainda ha pouco tempo vimos toda a Europa liberal insurgida contra o procedimento do presidente da republica franceza, porque queria governar com os ministros e não com o parlamento; toda a Europa liberal se pronunciou contra isto, e muitos dos illustres deputados da opposição, não digo aqui, mas pela imprensa, protestavam contra o proceder de Mac-Mahon querendo governar com os ministros e não com o parlamento, e logo que se submetteu e governou com o parlamento, a França tranquillisou, por ver respeitado o governo parlamentar, que é o governo da França pela França, e agora tudo são elogios.

Quando nós vemos que o poder moderador no nosso paiz se associa aos eleitos do povo, não nos devemos entristecer, devemos congratular-nos por este acontecimento, por vermos o governo do povo com o rei, e o governo do rei com o povo começar a estabelecer-se franca e rasgadamente no nosso paiz (Apoiados.)

Tenho dito.

O sr. Presidente: Peço aos srs. deputados que foram nomeados para varias commissões, que tenham a bondade de se constituir. Ámanhã ha trabalhos em commissões.

A ordem do dia para sexta feira é a que estava dada para hoje, e alem d'isso a apresentação de pareceres.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

Rectificação

Na sessão de 26 de janeiro, pag. 265, col. 1.ª, a nota que se encontra no logar onde devia entrar o discurso do sr. ministro da fazenda, Mello Gouveia, deve ser substituida pela seguinte: «O orador não foi ouvido na mesa dos tachygraphos, não só porque fallou com voz enfraquecida pela doença, mas porque muitos srs. deputados o acercavam a fim de o escutarem, collocando-se entre elle e os tachygraphos e impedindo assim que estes o pudessem ouvir.»

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