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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

uma grande quantidade de negros, e que não era possivel resistir de fórma nenhuma.

A força retirou para dentro do lanchão que a tinha conduzido; mas como as aguas haviam descido, o lanchão, com o peso que recebeu, encalhou e ficou impossibilitado de navegar.

Então de bordo do lanchão em que estava o governador fez-se um tiro com uma peça ou com um rodizio, e isso foi bastante para que os negros se retirassem um pouco. E começaram a saltar para o lanchão os fugitivos, alguns dos quaes caíram ao mar.

Mas, na occasião em que se disparou o tiro, a peça ou porque estivesse mal collocada ou mal segura, arrombou a borda do navio e caiu ao mar. Ficou por consequencia o governador privado de fazer fogo.

N'esta occasião deu-se o gravissimo desastre, de que eu sinto ter de dar conta á camara.

Não sei pormenores, não sei como isso se passou, sei que poucos escaparam n'este conflicto, sei que o governador da Guiné voltou para Cacheu, d'onde fez esta participação ao governador geral de Cabo Verde; sei tambem que immediatamente o governador geral de Cabo Verde tomou todas as precauções que podia tomar, mandando immediatamente saír a canhoneira Rio Lima, que estava á sua disposição. N'essa canhoneira mandou uma porção de soldados do batalhão de caçadores n.º 1, e mandou ao secretario do governo levantar uma syndicancia sobre estes acontecimentos.

Eu tinha mandado dizer ao governador que preparasse toda a força disponivel do batalhão de caçadores n.º 1 que está em Cabo Verde, deixando ali a força que fosse necessaria para a policia. Elle mandou-me dizer n'um telegramma que hontem recebi, que não era preciso por ora força mais nenhuma.

Eu tinha-lhe annunciado a partida da corveta Duque da Terceira, e elle mandou-me dizer que mandasse armamento; foi effectivamente uma porção de armamento na corveta; e o governo está contratando um navio mercante para levar o resto. Já foram umas duzentas espingardas com as munições correspondentes.

A corveta saíu com destino para Guiné, lá já está a canhoneira Rio Lima, como já disse, deve estar tambem a canhoneira Tamega e approximadamente trezentas praças de Bissau.

Estão-se tomando todas as precauções. O governo está com desejo de comprar um pequeno vapor que possa fazer o serviço nos esteiros baixos da Guiné.

Estão ali dois escaleres a vapor, que podem fazer o serviço de reboque, quando seja preciso, e dentro em pouco espero que as armas e mais petrechos de guerra possam chegar áquellas paragens.

O governo está tratando de organisar o quarto batalhão do ultramar, a fim de se mandar para a Guiné a força necessaria para se tirar um desforço completo do desastre que soffremos, e do qual não sei, por ora, quem é o culpado, desastre que lamento não só como ministro, mas como portuguez.

Aguardo as informações que ha de mandar-me o syndicante, e espero poder mostrar á camara de quem foi a culpa e a imprudencia, se a houve, e que a camara me auxilie a remediar o mal, que é a nossa primeira obrigação.

Nas instrucções que mandei para Cabo Verde, fiz ver a necessidade de que o governador geral fosse á Guiné, levando comsigo o pessoal de obras publicas, a fim de levantar fortificações e collocar a nossa defeza n'aquella localidade em estado de podermos tirar a satisfação que devemos tirar, e de nos collocar para o futuro em melhores circumstancias.

Se os illustres deputados me perguntarem mais alguma cousa, responderei como souber, mas são estas as informações que posso dar á camara.

O sr. Mariano de Carvalho: — Eu perguntei ha pouco se o sr. ministro da marinha se tinha dado já por habilitado para responder á interpellação que ha dias lhe annunciei com respeito á concessão de terrenos na Zambezia, ao capitão Joaquim Carlos Paiva de Andrade.

O sr. Ministro da Marinha: — Não tenho vindo já responder a essa interpellação, porque estou remettendo para a camara muitos documentos que varios srs. deputados têem pedido a esse respeito.

O sr. Mariano de Carvalho: — Desejava saber se s. ex.ª está prompto a vir responder á interpellação.

O sr. Ministro da Marinha: — Quando o sr. deputado quizer, e até onde eu podér, responderei.

O sr. Emygdio Navarro: — Foi triste a resposta do sr. ministro das obras publicas, e ainda mais triste a do sr. ministro da marinha.

O sr. ministro das obras publicas, diante de um facto que o proprio governo acaba de classificar do desastre, apresenta-se na camara e diz que nada sabe. O governo, que tem obrigação de informar o parlamento ácerca dos factos que, com justa rasão, preoccupam as attenções publicas, e que provocam a anciedade do paiz, que aqui representamos, em assumpto de tanta responsabilidade como são os acontecimentos da Guiné, diz que não dá informações, porque as não tem!

O que aconteceu na Guiné não é apenas um grande desastre. Vê-se que foi tambem uma vergonha nacional. Foi a nossa bandeira enlameada, duzentas vidas perdidas, uma povoação florescente arrasada, e o commercio paralysado n'aquellas paragens!

E o sr. ministro das obras publicas, representando o governo, diz que nada sabe!

Se se tratasse de uma trica eleitoral, o conselho de ministros ter-se-ía reunido immediatamente, e o sr. ministro das obras publicas estaria de certo habilitado para dizer alguma cousa! (Apoiados.)

Mas a resposta do sr. ministro da marinha foi ainda mais triste. S. ex.ª appareceu agora, porque o mandaram chamar, quando devia estar presente á abertura da sessão para espontaneamente dar explicações sobre este melindroso assumpto. Se os negocios publicos fossem tratados na devida altura, não seria necessario que um deputado pedisse noticias ao governo ácerca de factos tão graves occorridos no ultramar, e seria elle o primeiro que viria dal-as.

Em vez d'isso, o sr. ministro confessou que desde hontem recebêra as informações que acaba de referir, e em logar de as trazer ao parlamento guardou-as na sua algibeira, parecendo que nem dellas deu conhecimento aos seus collegas!

Quando me disseram que o sr. ministro da marinha estava na outra camara, julguei que algum negocio grave reclamava ali a sua presença; porém, perguntando, sube que se tratava de eleger commissões. Para o sr. ministro da marinha é menos importante o vir a esta camara dar explicações ácerca dos desastres acontecidos no ultramar, em dominios da corôa portugueza, cuja bandeira foi arrastada pelo gentio, do que assistir á eleição de commissões na camara dos pares! (Apoiados.)

N'estes assumptos não ha politica partidaria. Estes assumptos importam a todos os partidos, porque interessam essencialmente a nação, que nos abrange a todos nós. A anciedade publica pedia que o governo dissesse francamente e espontaneamente á camara, qual a importancia e a verdade dos factos occorridos e quaes as providencias que se tinham tomado. Não devia o governo esperar que os deputados exigissem a sua presença para vir dizer o que sobre tal assumpto sabia e tinha feito.

Desejo que, em objectos d'esta gravidade, os srs. ministros sejam mais diligentes em dar ao parlamento as informações a que elle tem direito, e que não se esqueçam de occupar os seus logares, que é ali, n'aquellas cadeiras.

O sr. Ministro da Marinha: — Por muito humilde

Sessão de 28 de janeiro de 1879