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SESSÃO DE 30 DE JANEIRO DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de uivar Gomes da Costa

Secretarios - os exmos. srs.

Francisco Augusto Florido de Monta e Vasconcellos
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

Dá-se conhecimento de quatro officios de diversos ministerios. - Têem segundas leituras e são admittidas duas propostas para renovarão de iniciativa de projectos de lei. - Mandam para a mesa representações os srs. Reis Torgal, visconde de Rio Sado, José Luciano, Mariano de Carvalho e Correia de Barros. -Apresentam requerimentos de interesse publico os srs. Albino Montenegro e Consiglieri Pedroso, e requerimentos de interesse particular os srs. Searnichia, Reis Torgal, José Frederico e Azevedo Castello Branco. - Justificações de faltas dos srs. Soares Mascarenhas, Ferreira Freire, Correia Barata, Pedro Guedes, visconde de Rio Sado e Ferrão de Castello Branco. - O sr. presidente pede que sejam restituidos pelos srs. deputados quaesquer documentos que tenham recebido do ministerio da justiça, logo que delles não careçam. - Renovam a iniciativa de projectos de lei os srs. Bernardino Machado e Barbosa Centeno. - Apresenta um projecto de lei o sr. Bernardino Machado. - O sr. Mariano de Carvalho pede providencias contra a epidemia de typhos que tem grassado no Sabugueiro. - O sr. José Luciano de Castro por tres vezes usa da palavra pedindo explicações ao governo sobre os boatos de crise ministerial; no mesmo sentido falla o sr. Emygdio Navarro, respondendo a ambos o sr. ministro da fazenda.

Na ordem do dia declara desistir da palavra o sr. Luiz Jardim, que a tinha pedido contra o projecto de resposta ao discurso da corôa. - Usa d'ella a favor o sr. Amorim Novaes, que apresenta e sustenta largamente uma moção de confiança ao governo. - Dessite da palavra o sr. Vicente Pinheiro, seguindo-se a fallar contra o projecto o sr. Dias Ferreira, a quem responde o sr. ministro da fazenda.

Abertura - Ás duas horas e meia da tarde.

Presentes á chamada - 63 srs. deputados.

São os seguintes: - Adriano Cavalheiro, Lopes Vieira, Agostinho Fevereiro, Garcia de Lima, Albino Montenegro, A. da Rocha Peixoto, Silva Cardoso, Pereira Côrte Real, A. J. da Fonseca, Cunha Bellem, Moraes Machado, António Centeno, Sousa Pavão, Almeida Pinheiro, A. Hintze Ribeiro, Pereira Leite, Avelino Calixto, Barão de Ramalho, Bernardino Machado, Sanches de Castro, Lobo d'Avila, Conde de Thomar, E. Coelho, Emygdio Navarro, Firmino Lopes, Correia Barata, Mouta e Vasconcellos, Francisco de Campos, Mártens Ferrão, Guilherme de Abreu, Matos de Mendia, Baima de Bastos, Augusto Teixeira, Searnichia, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, João Arroyo, Ferrão de Castello Branco, Sousa Machado. Ponces de Carvalho, Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Coelho de Carvalho, Simões Ferreira, Amorim Novaes, Azevedo Castello Branco, José Borges, José Frederico, Oliveira Peixoto, Pinto de Mascarenhas, Bivar, Reis Torgal, Luiz Dias, Luiz Jardim, Luiz Osorio, M. da Rocha Peixoto, Manuel de Medeiros, Miguel Tudella, Gonçalves de Freitas, Sebastião Centeno, Dantas Baracho, Vicente Pinheiro, Visconde de Alentem, Visconde de Ariz, Visconde de Balsemão, Visconde das Laranjeiras Visconde do Rio Sado e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs. : - Agostinho Lucio, Alfredo Barjona de Freitas, Sousa e Silva, António Candido, Garcia Lobo, A. J. d'Avila, Lopes Navarro, Pereira Borges, Fontes Ganhado, Jalles, Carrilho, Santos Viegas, Pinto de Magalhães, Seguier, Urbano de Castro, Augusto Poppe, Ferreira de Mesquita, Neves Carneiro, Caetano de Carvalho, Conde de Villa Real, Cypriano Jardim, Ribeiro Cabral, Sousa Pinto Basto, Goes Pinto, E. Hintze Ribeiro, Estevão de Oliveira, Fernando Geraldes, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Francisco Beirão, Castro Côrte Real, Wanzeller, Frederico Arouca, Barroa Gomes, Sant'Anna e Vasconcellos, Silveira da Mota, J. A. Pinto, J. A. Valente. Melicio, J. Alves Matheus, Teixeira de Sampaio, Correia de Barros, Ferreira de Almeida, Dias Ferreira, Elias Garcia, Laranjo, Lobo Lamare, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, José Luciano, Ferreira Freire, Luiz de Lencastre, Manuel d'Assumpção, Aralla e Costa, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Mariano de Carvalho, Martinho Montenegro, Miguel Dantas, Pedro de Carvalho, Santos Diniz, Pedro Roberto, Rodrigo Pequito, Tito de Carvalho e Visconde de Reguengos.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Moraes Carvalho, Anselmo Braamcamp, Antonio Ennes, A. M. Pedroso, Augusto Barjona de Freitas, Fuschini, Costa Pinto, Ferreira Braga, Teixeira de Vasconcellos, Ribeiro dos Santos, J. A. Neves, Avellar Machado, J. M. dos Santos, Simões Dias, Lopo Vaz, Luiz Ferreira, Correia de Oliveira, M. P. Guedes, Guimarães Camões, Pedro Correia, Pedro Franco e Pereira Bastos.

Acta. - Approvada sem reclamação.

EXPEDIENTE

Officios

1.º Do ministerio do reino, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Marçal Pacheco, copia do officio em que o bacharel Eduardo Segurado, solicitou a sua exoneração do cargo de governador civil de Lisboa.

Enviado á secretaria.

2.º Do ministerio da justiça, pedindo que sejam devolvidos áquelle ministerio, logo que possam ser dispensados, os documentos que têem sido pedidos por alguns srs. deputados, a fim de lhes ser dado o seguimento que posteriormente as circumstancias indicarem em conformidade das leis, ou serem archivados na repartição a que pertencerem.

Inteirada.

3.º Do ministerio da marinha, participando que o processo relativo á eleição de um deputado pelo circulo n.° 144 (2.° da provincia de Moçambique), remettido por este ministerio á secretaria do reino, não continha mais peça alguma.

Enviado á commissão de verificação de poderes

4.° Do ministerio da fazenda, remettendo o mappa da contratos de valor ou preço superior a 500$000 réis, realisados por áquelle ministerio desde 25 de outubro de 1883 até hoje.

Enviado á commissão de fazenda.

Propostas para renovação de iniciativa de projectos de lei

1.ª Renovo a iniciativa do projecto de lei n.º 15-M, de 1883, tornando extensiva a Frederico Augusto da Silva Gomes a disposição do artigo 25.º e § da lei da organisação da intendencia de marinha.

Sala das sessões, 28 de janeiro de 1885. = P. M. Gonçalves de Freitas.

Enviada á commissão de marinha, ouvida a de fazenda.

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O projecto a que se refere esta proposta é o seguinte:

Senhores. - Frederico Augusto da Silva Gomes, escrevente do quadro do arsenal de marinha, logar que obteve por concurso em 12 de outubro de 1865, conforme os documentos juntos ao requerimento que fez ás côrtes, considerando-se nos casos de lhe ser tornada extensiva a lei da organisação da intendencia de marinha, artigo 25.º e visto que conta mais de dezesete annos de serviço, como escrevente, tendo sido sempre o seu procedimento irreprehensivel, requer e pede que sobre elle incida a justiça que a camara dos deputados tão bem tem sabido e sabe dispensar ás causas que o direito fundamenta e a benevolencia dicta.

É por isso que tenho a honra de apresentar e submetter á vossa douta apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É tornada extensiva a Frederico Augusto da Silva Gomes a disposição do artigo 25.º e § da lei da organisação da intendencia de marinha.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 27 de janeiro de 1883. = Luiz Antonio Gonçalves de Freitas, deputado pelo circulo n.° 130.

2.ª Renovo a iniciativa do projecto de lei que tive a honra de apresentar na legislatura passada, com o fim de melhorar a divisão dos circulos da undecima circumscrição escolar, e que se acha publicado no Diario da camara de 1 de maio de 1883.

Sala das sessões, 28 de janeiro de 1885. = Barão do Ramalho, deputado pelo circulo n.° 99.

Enviado á commissão de instrucção primaria e secundaria.

O projecto a que se refere esta proposta é o seguinte:

Senhores. - As leis de 2 de maio de 1878 e de 11 de junho de 1880, alterando profundamente o que se havia legislado em matéria de instrucção primaria, entregaram ás corporações administrativas, com a superintendencia das auctoridades delegadas do governo, a parte economica e administrativa d'este importante ramo de serviço, e se não é licito apreciar por emquanto os effeitos de tão larga descentralisação, é comtudo certo que entre as mais notaveis providencias adoptadas pelas referidas leis avulta a inspecção directa e permanentemente exercida por funccionarios especiaes de nomeação do governo.

Para este fim foram creadas doze circumscripções escolares, compostas de um ou mais districtos, e divididas em trinta circulos com um ou mais concelhos, onde o inspector e o sub-inspector desempenham as funcções que lhes são proprias, e especialmente as que respeitam ás disciplinas, programmas, methodos, modos e processos de ensino, compendios e alfaias escolares, o que tudo bem indica o muito que ha a esperar d'estes funccionarios, mormente n'este periodo em que se trata de implantar o novo systema.

A undecima circumscripção escolar comprehende todo o archipelago dos Açores, com tres districtos administrativos, e acha-se actualmente dividida em dois circulos, o primeiro dos quaes, especialmente a cargo do respectivo inspector, abrange os districtos de Ponta Delgada e de Angra do Heroísmo, que se compõem de cinco ilhas, doze concelhos, oitenta e cinco freguezias, com uma população total de 197:900 habitantes, sendo o segundo circulo a cargo de um sub-inspector, constituido unicamente pelo districto da Horta com sete concelhos, trinta e nove freguezias, e com uma população de 61:900 habitantes.

Acha-se, portanto, o districto de Angra do Heroismo, se não privado dos beneficios e salutares effeitos de uma inspecção assidua ás suas escolas de instrucção primaria, pelo menos condemnado a desfructar raras vezes as vantagens do mesmo serviço, por isso que mal póde o inspector, que tem residência official em Ponta Delgada, e por maior que seja o seu zêlo, conciliar com as variadas attribuições do seu cargo a obrigação de percorrer e fiscalisar assiduamente as escolas de um circulo já de si tão vasto, quando as suas condições geographicas não contribuissem para mais difficultar essa fiscalisação.

Para obviar a estes inconvenientes representou a junta geral do mesmo districto ao governo (documento junto), pedindo a creação de mais um circulo escolar, onde um novo sub-inspector ali coadjuve o respectivo inspector.

Não cabendo, porém, actualmente na alçado do poder executivo prover de remedio ás difficuldades apontadas, tenho a honra de submetter á vossa illustrada apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º A undecima circumscripção escolar, creada pelo decreto regulamentar de 28 de julho de 1880, segundo as leis de 2 de maio de 1878 o de 11 de junho de 1880, será dividida em tres circulos, cada um constituído por um districto administrativo.

§ unico. Fica o governo auctorisado a nomear um sub-inspector de instrucção primaria com residencia em Angra do Heroismo.

Art. 2.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões, em 30 de abril de 1883. = Barão de Ramalho, deputado por Angra do Heroismo.

REPRESENTAÇÕES

1.ª Da camara munipal da cidade de Castello Branco, pedindo a concessão do terreno que ficou das ruinas do antigo lyceu nacional, estabelecido n'esta cidade, para no referido terreno fazer um largo arborisado.

Apresentada pelo sr. deputado Reis Torgal e enviado á commissão de fazenda, ouvida a de administração publica.

2.ª Dos habitantes da cidade de Setúbal, contra a lei e regulamento do imposto sobre o sal.

Apresentada pelo sr. deputado visconde do Rio Sado, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

3.ª Do compromisso marítimo da villa de Castro Marim, districto de Faro, representando os mestres e tripulantes de artes de pesca, pescadores e commerciantes de pescarias, os proprietarios e mestres de marinhas, contra a lei e regulamento do imposto sobre o sal.

Apresentada pelo sr. deputado José Luciano, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

4.ª Dos commerciantes, donos, mestres e tripulantes de barcos, no mesmo sentido da antecedente.

Apresentada pelo sr. deputado Mariano de Carvalho, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

5.ª Dos aspirantes da direcção da exploração dos caminhos de ferro do Minho e Douro, contra as disposições do decreto de 27 de agosto de 1884.

Apresentada pelo sr. deputado Correia de Sarros, enviada á commissão de obras publicas, ouvida a de fazenda, e mandada publicar no Diario do governo.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

1.° Requeiro que, pelo ministerio da guerra, sejam remettidas a esta camara as contas da despeza extraordinaria effectuadas com os creditos tambem extraordinarios auctorisados por decreto de 1 de setembro de 1866. = Albino Montenegro.

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2.° Requeiro que seja enviada a esta camara com urgencia, por todos os ministerios, uma nota das gratificações concedidas nos últimos dez annos ás pessoas mandadas em missão a paizes estrangeiros; e bem assim indicação dos relatórios onde se encontra o resultado d'essas missões, com a designação se os referidos relatorios foram impressos, ou não o havendo sido, em que secretaria existe o manuscripto. = O deputado por Lisboa, Z. Consiglieri Pedroso.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

1.° De Bento de Andrade Cabral, tenente reformado do exercito da Africa Occidental, pedindo que o governo seja auctorisado a mandal-o inspeccionar pela junta de saúde naval, e quando julgado prompto para o serviço, ser-lhe annullada a reforma e restituído á effectividade.

Apresentado pelo sr. deputado Searnichia e enviado á commissão do ultramar, ouvida a de fazenda.

2.° De João Maria de Vasconcellos e Sá, capitão de infanteria, pedindo que lhe seja contado, para os effeitos da reforma, o tempo que esteve em inactividade temporaria.

Apresentado pelo sr. deputado Reis Torgal e enviado á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

3.° De Manuel Antonio de Araujo, capitão almoxarife, pedindo que se não attenda o requerimento em que os capitães de artilheria José Joaquim de Sant'Anna e José Joaquim Ferreira solicitam passar ao quadro das praças de guerra no posto de major.

Apresentado pelo sr. deputado José Frederico e enviado á commissão de guerra.

4.° De Antonio Justino de Faria Leal, segundo sub-inspector de saude naval reformado, pedindo melhoria de reforma.

Apresentado pelo sr. deputado Searnichia e enviado á commissão do ultramar, ouvida a de fazenda.

5.° Dos soldados aspirantes José Augusto Alves, João Pereira Bastos e Victor Manuel Salazar Leitão, alumnos da escola polytechnica, pedindo que se lhes conceda, quando terminarem o curso da referida escola, o direito de gosar as vantagens do artigo 43.º do decreto com força de lei de 24 de dezembro de 1863.

Apresentados pelo sr. deputado Azevedo Castello Branco e enviados á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

6.° De Antonio José Pimentel, director do correio de Valle Passos, pedindo que, para os effeitos da reforma, lhe seja levado em conta o tempo que serviu na delegação do correio de Chaves em Valle Passos.

Apresentado pelo sr. deputado Azevedo Castello Branco e enviado á commissâo de obras publicas, ouvida a de fazenda.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Declaro que, por motivo justificado, não tenho comparecido a algumas sessões. = O deputado, José Soares Pinto de Mascarenhas.

2.ª Declaro que, por motivo justificado, tenho faltado às sessões da camara. = Ferreira Freire.

3.ª Participo a v. exa. e á camara que, por motivo de molestia, não pude comparecer na ultima sessão d'esta camara. = Correia Barata.

4.ª Declaro que o sr. deputado Manuel Pedro Guedes não tem comparecido ás sessões por motivo justificado. = Fontes Ganhado.

5.ª Tenho a honra de participar a v. exa. e á camara que, por motivo justificado, não pude comparecer a duas sessões do corrente mez. = O deputado, Visconde do Rio Sado.

6.ª Declaro que faltei á sessão do dia 28 d'este mez por incommodo de saude. = O deputado pelo circulo 77, João da Silva Ferrão de Castello Branco.

Para a acta.

O sr. Presidente: - Peço aos srs. deputados que tiverem recebido documentos, enviados pelo ministerio da justiça, que os apresentem para serem devolvidos logo que os possam dispensar.

O sr. Frederico Costa: - Sr. presidente, mando para a mesa um requerimento de Manuel António de Araujo, capitão almoxarife, contra a pretensão, que aqui foi apresentada, de dois capitães de artilheria para passarem, no posto de major, ao quadro das praças de guerra.

Peço a v. exa. se digne dar o competente destino a este requerimento

Teve o destino indicado a pag. 307 d'este Diario.

O sr. Bernardino Machado: - Renovo a iniciativa de alguns projectos de lei, que tive a honra de apresentar ao parlamento, parte dos quaes já foram approvados n'esta camara durante a legislatura passada.

Vou indical-os; são os seguintes:

1.° Projecto n.° 99-A, de 1883, auctorisando a creação de uma cadeira de anthropologia na universidade de Coimbra.

2.° Projecto n.° 99-B, de 1883, auctorisando a divisão da direcção do museu da univeridade pelos professores das respectivas cadeiras.

3.° Projecto n.° 15-B, de 1884, fixando em 600$000 réis o vencimento dos naturalistas adjuntos á faculdade de philosophia da universidade.

4.° Projecto n.° 61-D, de 1884, elevando a 600$000 réis o ordenado annual dos professores de desenho na universidade, na escola polytechnica e academia polytechnica.

5.° Projecto n.° 105-D, de 1883, admittindo na companhia dos reformados todos os soldados que nas companhas da liberdade pugnaram pelas instituições constitucionaes.

6.° Projecto n.° ..., auctorisando o governo a nomear mais um empregado destinado ao serviço de amanuense das secretarias nos lyceus centraes (publicado a pag. 1483 do Diario da camara de 10 de maio).

Chamo a attenção da camara para estes projectos, que reputo de importância, porque tendem a regularisar melhor os serviços e a dotal-os mais dignamente. Chamo sobretudo a sua alta attenção para o penúltimo dos projectos que acabo de indicar, porque é realmente uma vergonha que andem esmolando a caridade os heróicos soldados da liberdade.

Mando agora para a mesa um novo projecto de lei, que vae assignado por mim e por alguns dos meus illustres collegas.

Peço dispensa da leitura das considerações com que o precedo, e vou ler unicamente os artigos, que são os seguintes:

«Artigo 1.° É o governo auctorisado a adquirir 500 exemplares da obra Garrett, memorias biographicas, por Francisco Gomes de Amorim, para serem distribuidos pelos estabelecimentos publicos de instrucção, bem como pelas escolas e bibliothecas particulares de reconhecida utilidade.

«Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.»

Tenho agora a fazer uma declaração, que não fiz ha mais tempo, por não ter podido usar da palavra antes da ordem do dia.

Agradecendo a v. exa. e á camara a honra que me fez elegendo-me para membro da commissão de agricultura, eu tenho a declarar que não posso acceitar essa honra.

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A camara me desculpará, de certo, esta resolução, e a v. exa. peço que a consulte sobre este meu pedido, quando o julgar mais opportuno.

Tencionava ainda chamar a attenção de v. exa. para um assumpto, que á primeira vista tem pouca importância, mas que na realidade tem muita.

Queria lembrar a necessidade de serem publicados na integra todos os documentos lidos aqui pelos srs. deputados, e que são necessarios á intelligencia dos seus discursos.

Sabendo, porém, que já fui antecipado neste desejo, só tenho em vista agradecer a v. exa. a parte que, com certeza, tomou n'esta resolução, pela posição especial que occupa n'esta casa.

Para as pessoas que não assistem ás discussões, e a que interessam os debates, não póde deixar de ser de grande importancia a adopção da providencia a que mo refiro.

As propostas e o projecto de lei ficaram para segunda leitura.

Consultada a camara sobre a escusa pedida pelo sr. deputado, resolveu negativamente.

O sr. Bernardino Machado: - Peço licença para agradecer á camara esta manifestação, a que devo submetter-me.

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Reis Torgal: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Castello Branco, pedindo a concessão de um terreno para n'elle formar um largo arborisado.

Mando tambem um requerimento de João de Vasconcellos e Sá, capitão de infanteria, que pede lhe seja contado, para os effeitos da reforma, o tempo que esteve em inactividade.

Espero que a commissão respectiva o tomará na devida consideração.

Não vejo presente nenhum membro do gabinete a quem possa dirijir-me, mas espero ao menos, que s. exas. leiam e tomem em consideração o pedido que vou fazer-lhes.

É para que sejam mandados activar os trabalhos de reconstrucção da estrada real de Coimbra a Castello Branco, que está intransitavel, acrescendo que n'aquelles sitios ha muitos operarios que carecem de trabalho, e que, portanto, as obras a que me refiro, irão prestar grande auxilio áquella povoação.

Nada mais direi sobre o assumpto na ausência dos srs. ministros.

A representação teve o destino indicado a pag. 306 d'este Diario.

O sr. Barbosa Centeno: - Mando para a mesa a renovação de iniciativa do projecto de lei n.° 137-E, por mim apresentado na sessão de 20 de maio de 1882, e que tem por fim tornar extensivas ás provincias de Angola e S. Thomé, o codigo de justiça militar de 9 de abril de 1875, e outros regulamentos que o completam.

O sr. Correia Barata: - Mando para a mesa a declaração de que não pude assistir á ultima sessão por motivo de doença.

Por esta occasião farei uma pergunta a que desejo v. exa. me satisfaça.

Ha pouco mais ou menos oito dias que pedi a palavra sobre a ordem e não sei ainda se estou inscripto. O meu estado de saude ainda não é muito solido e eu desejava saber se poderei fallar hoje, ou outro dia?

O sr. Presidente: - O sr. deputado está inscripto sobre a ordem, mas não posso dizer-lhe seja hoje lho caberá a palavra.

O sr. Correia Barata: - Agradeço muito a v. exa. a sua resposta.

O sr. Correia, de Barros: - Tenho a honra de mandar para a mesa uma representação de alguns aspirantes de segunda classe da direcção da exploração dos caminhos de ferro do Minho e Douro, os quaes pedem, a meu ver, com muita justiça a modificação da tabella annexa ao decreto de 27 de agosto de 1884, publicado no Diario do governo em setembro do mesmo anno.

Requeiro a v. exa. queira consultar a camara se permitte que esta representação seja publicada no Diario do governo.

Consultada a camara, assim se resolveu.

O sr. Azevedo Castello Branco: - Tenho a honra de mandar para a mesa tres requerimentos de Victor Manuel Salazar Leitão, João Pereira Bastos e José Augusto Alves Roçadas, soldados aspirantes a officiaes, alumnos da escola polytechnica, pedindo que se lhes conceda um pe-riodo de transição durante o qual não esteja em vigor o artigo 243.° do decreto de 19 de maio de 1884 que reorganisou o exercito portuguez.

Parece-me intuitiva a equidade do que aqui se pede.

A lei de 19 de maio cortou inteiramente todas as garantias concedidas pelas leis anteriores aos alumnos que frequentam a escola polytechnica, e que só destinam ao exercito.

Por isso, obrigados pelas leis anteriores a sentar praça para seguirem a carreira das armas, parece-me terem plenamente adquiridos direitos para requererem que não se lhes torne extensivo o referido artigo 243.°

Se porventura os requerentes merecerem, como espero, a attenção da commissão respectiva, de certo virá a esta camara um projecto de lei tendente a harmonisar este estado de cousas, e nessa occasião farei mais largas considerações sobre o assumpto.

Igualmente mando para a mesa um requerimento feito a esta camara, no qual António José Pimentel, director dos correios de Valle Passos, requer que lhe seja contado, para o effeito de reforma, o tempo que serviu como delegado do correio em Villa Real.

Requer tambem o supplicante que lhe seja augmentado em alguma cousa o seu ordenado, que actualmente é de 500 réis diários.

Parece-me que é de inteira justiça o que o requerente pede; em primeiro logar posso assegurar á camara que é um honesto e zelozo empregado; em segundo logar porque serviu durante treze annos como delegado do correio, e este tempo não lhe é contado por forma alguma para a sua reforma, e em terceiro logar porque, embora eu tenha uma certa repugnância em propor e votar qualquer augmento de despeza quando traga gravame para o thesouro, entendo que devem ser convenientemente remunerados os servidores do estado, para darem garantias de bem servir o seu paiz.

N'estas condições a um homem que recebe 500 réis diarios, e que tem 60 ou 80 por cento de impostos municipaes, deve-se-lhe augmentar em alguma cousa o seu ordenado.

Tenho inteira confiança na justiça que preside a todos os actos d'esta camara para esperar que o requerimento será attendido.

Os requerimentos tiveram o destino indicado a paginas 307 d'este Diario.

O sr. Visconde do Rio Sado: - Tenho a honra de mandar para a mesa uma representação dos interessados na producção e consumo do sal, a fim de que v. exa. se digne dar-lhe o destino conveniente.

Abstenho-me de fazer quaesquer considerações ácerca da pouca vantagem que tem resultado para o estado do imposto que foi votado ha poucos annos, e tambem do vexame que soffrem, não só os proprietarios, cuja producção é destinada á salga, mas mesmo aquelles individuos que são exportadores, embora estejam livres do imposto.

O que é facto é que o estado nada lucra, e o vexame existe. É certo que qualquer porção de sal que se encontro nos barcos, quando elle é transportado das marinhas para bordo, importa immediatamente a imposição da multa, o que equivale á perda do carreto, e por consequencia nenhum barco se presta a transportar o sal. E d'isto resulta que os

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productores que pelo facto de exportarem esse producto estavam isentos do pagamento do imposto, não têem facilidade em exportal-o.

Escusado será dizer que a classe dos pescadores soffre e muito por terem muitos barcos deixado de se empregar no trafico a que se dedicavam.

V. exa., sr. presidente, que é do Algarve, sabe perfeitamente que esta industria é ali importante e o peixe exporta-se com o sal que vem de Cadiz e de Sevilha. Os barcos vem dali carregados com sal, o peixe é salgado na na de Faro, sendo depois exportado para Hespanha. Em Setubal e em Aveiro succede o mesmo. Espero, portanto, que os poderes públicos attenderão como é de justiça ao que se pede na representação que mando para a mesa.

Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que esta representação seja publicada no Diario do governo.

Aproveito a occasião de estar com a palavra para mandar para a mesa uma justificação de faltas.

Consultada a camara, resolveu-se que a representação fosse publicada no Diario do governo.

O sr. Emygdio Navarro: - Desejava pedir explicações ao governo acera da crise ministerial annunciada pela imprensa; mas desisto da palavra, visto que o sr. Luciano de Castro a pediu para o mesmo fim, e eu não desejo antepor-me a s. exa.

O sr. Consiglieri Pedroso: - Mando para a mesa um requerimento pedindo ao governo uma nota relativa a gratificações.

Peço que seja expedido com a possivel brevidade.

Vae publicado na secção competente.

O sr. Albino Montenegro: - Mando para a mesa um requerimento pedindo que, pelo ministerio do reino, sejam remettidas a esta camara as contas das despezas extraordinarias effectuadas com os creditos tambem extraordinarios auctorisados por decreto do 1.° de setembro de 1866.

Vae publicado no logar competente.

O sr. Searnichia: - Mando para a mesa dois requerimentos. O primeiro é do tenente reformado do exercito de Africa occidental, Bento de Andrade Cabral, pedindo que por uma providencia legislativa o governo seja auctorisado a mandal-o inspeccionar pela junta de saúde e quando o julgue capaz para o serviço lhe seja annullada a reforma e restituido á effectividade.

O outro requerimento é do sub-inspector de saude naval reformado, Antonio Justino de Faria Leal, pedindo melhoria de reforma.

Tiveram o destino indicado a pag. 307 d'este Diario.

O sr. Mariano de Carvalho:-Mando para a mesa uma representação assignada por 768 commerciantes, do nos, mestres e tripulantes de barcos e canoas de picada, ácerca do imposto do sal, de que já fallei em uma das sessões anteriores.

Se não fora a resposta que o sr. ministro da fazenda deu, ha dias, ao sr. Fuschini, quando lhe perguntou se tencionava apresentar alguma proposta relativamente á importação do trigo, atrever-me-ia agora a pedir-lhe que desse á camara algumas explicações sobre as idéas do governo em relação ao imposto sobre o sal; mas, em presença da resposta a que me refiro, isto é, á declaração de que s. exa. reservava quaesquer revelações a respeito das idéas do governo, em materia de tributos, para quando apresentar o relatorio ácerca do estado da fazenda publica, eu desisto do meu proposito, porque seria naturalmente inutil; limito-me, portanto, a pedir ao sr. ministro que no caso de entender dever tomar alguma resolução sobre este assumpto, não se demore em adoptal-a, porque com a delonga estão soffrendo valiosos interesses e são reduzidas á miseria muitas familias que vivem da industria da pesca e salga do peixe.

Peço a v. exa. que se digne consultar a camara sobre se consente que esta representação seja publicada no Diario do governo.

Não está presente o sr. ministro do reino, mas espero que o seu collega da fazenda tenha a bondade de tomar algum apontamento para indicar a s. exa. o que vou dizer.

Desde junho de 1884 que a povoação do Sabugueiro, nas faldas da serra da Estrella, povoação, creio eu, de uns sessenta e tantos fogos, tem sido devastada por uma epidemia de typhos, a qual tem causado dezenas de victimas.

E uma povoação pobríssima, como todas as que demoram por aquelles sitios.

A auctoridade local muitas vezes se tem dirigido ao governador civil da Guarda, pedindo soccorros; mas ate hoje nem sequer tem obtido resposta.

O sr. ministro do reino ignora talvez estes factos, e por isso eu peço ao sr. ministro da fazenda que Os leve ao conhecimento de s. exa. para que se digne tomar as providencias que julgar convenientes.

Resolveu-se que a representarão fosse publicada no Diario do governo.

O sr. Soares Mascarenhas: - Mando para a mesa uma justificação de faltas.

O sr. Luciano de Castro: - Mando para a mesa uma representação da mesa do compromisso maritimo de Castro Marim contra o imposto do sal.

A representação vem concebida em termos taes que mo parece que não póde haver duvida em que ella seja publicada no Diario do governo.

Peço, portanto, a v. exa. se digne consultar a camara a este respeito.

Aproveito a occasião de estar com a palavra para pedir algumas explicações ao sr. ministro da fazenda.

Não o farei, porém, sem primeiramente agradecer ao sr. Emygdio Navarro a delicada deferencia que teve para commigo, desistindo da palavra que havia pedido sobro o mesmo assumpto de que vou fallar.

De certo não ignora v. exa. que correm boatos do crise ministerial parcial ou total.

Diz-se, o affirma-se até, que o sr. ministro das obras publicas, por desaccordo com os seus collegas ou com algumas das commissões da camara, pedira a sua demissão.

É assumpto este que não podo deixar de ser tratado no parlamento; pertence-lhe; é da sua competencia, e portanto eu desejo sabor se teem fundamento os boatos que correm, isto é, se pediu a demissão o sr. ministro das obras publicas, só ella lhe foi concedida, e, no caso affirmativo, quaes foram os motivos que determinaram o seu procedimento.

Depois de ouvida a resposta do sr. ministro da fazenda, unico que vejo presente, espero que v. exa. me conceda novamente a palavra.

Consultada a camara, resolveu-se que a representação fosse publicada no Diario do governo.

O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - Sr. presidente, o illustre deputado, o sr. Luciano de Castro, referindo-se a uns boatos que diz correrem lá fora, na imprensa, ou não sei onde, ácerca de uma crise total ou parcial no ministerio, perguntou se esses boatos eram exactos.

O illustre deputado, parlamentar antigo, como é, sabe perfeitamente quaes são as praxes que se devem observar na conjunctura de ter de ser declarada a crise de um ministerio, quer na totalidade quer em relação a algum dos seus membros.

Quando o ministerio houvesse pedido a sua demissão, que não pediu, quando essa demissão lhe houvesse sido acceita, e quando alguem tivesse sido chamado para organisar um novo gabinete, seria então dever seu vir á camara declarar que assim procedera, e interromper nesse momento as suas relações com a camara até que a crise se resolvesse, até que um novo gabinete se organisasse, até que essas relações se podessem reatar constitucionalmente.

Nada disso succedeu, e nada tenho portanto, a esse respeito, a declarar ao illustre deputado.

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S. exa. perguntou tambem se, não havendo crise total, havia crise parcial pela saída de algum ministro.

S. exa. sabe muito bem que a saída de um ministro não é acto que se possa fazer às escondidas.

A saida de um ministro é um acto politico, que consta de um documento, que é um decreto publicado no Diario do governo.

Não me consta que haja decreto algum assignado, em virtude do meu collega o sr. ministro das obras publicas ter pedido a sua demissão do cargo que exerce no ministério.

Por conseguinte, nem em relação a uma crise geral do ministerio, collectivamente fallando, nem em referencia a uma crise parcial, tenho cousa alguma a narrar ao parlamento; não ha acto algum da natureza d'aquelles de que deva dar conta ás cortes. (Apoiados.)

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Luciano de Castro: - Eu não perguntei ao sr. ministro da fazenda se havia algum decreto publicado no Diario do governo dando a demissão ao sr. ministro das obras publicas. (Apoiados.)

A minha pergunta foi, se eram verdadeiros os boatos que corriam sobre a demissão pedida pelo sr. ministro das obras publicas, por desharmonia com os seus collegas ou com algumas das commissões desta casa.

Que não ha crise total do ministerio acredito eu; não é necessario que v. exa. mo diga; o que eu perguntei e desejo saber, porque s. exa. ainda o não disse, é se o facto apontado é verdadeiro; se o sr. ministro das obras publicas pediu effectivamente a sua demissão por desaccordo com alguma das commissões desta casa ou com os seus collegas.

Foi isto o que eu disse. E não me parece que, fazendo esta pergunta, excedesse as minhas attribuições como deputado da nação, porque estas questões não são segredos do gabinete; (Apoiados.) pertencem á jurisdicção parlamentar.

Nós temos direito de ouvir o governo sobre os acontecimentos de maior ou menor vulto que podem affectar a existencia do ministerio, e por isso não póde s. exa. estranhar a insistencia na minha pergunta, que é a mesma que se faz, em casos análogos, em todos os parlamentos do mundo.

Não me recordo de parlamento algum em que se negassem, por parte do governo, explicações a quem, em nome do seu direito, as pedisse.

Portanto, repito, eu bem sei que não está publicado no Diario do governo decreto algum com respeito á demissão do sr. ministro das obras publicas; mas o que não sei e o que desejo saber é se são verdadeiros os boatos a que me referi, com respeito ao mesmo sr. ministro.

Parece-me ser este um negocio que s. exa. não póde sonegar ao parlamento.

Insisto, portanto, sobre a minha pergunta; e peço a s. exa. que declare de um modo positivo se effectivamente o sr. ministro das obras publicas pediu ou não a sua demissão.

O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro):-Pôde o illustre deputado tranquillisar o seu animo. Quando porventura se der qualquer facto sobre que o governo tenha obrigação de dar ao parlamento explicações, elle nunca se furtará á obrigação de o apresentar. (Apoiados.) Por conseguinte, se o meu collega das obras publicas houvesse solicitado a sua demissão, e ella lhe tivesse sido concedida, não era a mim, que não sou presidente do conselho, e sim ao sr. Fontes, que em primeiro logar cumpriria dar explicações, e de certo as viria dar á camara; e quando s. exa. não podesse, por qualquer circumstancia, comparecer aqui, e eu estivesse presente, ou algum dos outros membros do gabinete, que todos somos solidarios, qualquer de nós se apressaria a dar essas explicações ao parlamento.

Mas, repito, não ha acto algum em virtude do qual ellas hajam de ser dadas.

Não ha demissão concedida a membro nenhum do gabinete, e portanto não ha facto donde possa resultar, não direi, suspensão das relações do governo com a camara, mas nem mesmo qualquer d'estas circumstancias perante as quaes se podesse, de momento, perturbar estas relações.

Não tenho, não posso, não devo dar outra resposta parlamentar ao illustre deputado, e não me cabe a obrigação de informar a camara ou dar explicações sobre boatos que correm lá fora.

E isto o que tenho a dizer ao illustre deputado. (Apoiados.)

(S. exa. não reviu.)

O sr. Emygdio Navarro: - Corroborando o que havia dito o sr. Luciano de Castro, insiste com o sr. ministro da fazenda para que declare de um modo positivo se sim ou não foi pedida a demissão pelo sr. ministro das obras publicas, e no caso affirmativo que motivo houve para assim proceder.

Convencido, como está, que os boatos a este respeito têem fundamento, entende que a camara não póde proseguir na discussão do projecto de resposta ao discurso da coroa, não o tendo satisfeito de modo algum as explicações até agora dadas pelo sr. ministro da fazenda.

(O discurso será publicado na integra quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)

O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - Podem os illustres deputados continuar na discussão da resposta ao discurso da coroa, que o ministerio, no momento actual, está como estava.

Quando se dá uma crise, e eu fallo d'ella em these, ha principios constitucionaes, regras parlamentares a seguir. Discutamos só o que aconteceria, se a hypothese fosse verdadeira.

Uma crise está em aberto quando o ministerio pede a sua demissão, e esta lhe é acceita. Então é que se rompem as relações com a camara.

Este facto não se deu, não ha demissão alguma concedida a nenhum dos membros do governo, e portanto não ha crise em aberto, nem por consequencia póde haver suspensão de relações entre o governo e a camara.

Repito, o governo está como estava, e a camara continua a discutir, no uso libérrimo do seu direito. Tanto o governo como os seus amigos continuam cumprindo rigorosamente os seus deveres parlamentares. (Apoiados.)

(S. exa. não reviu.)

O sr. Luciano de Castro: - Pedi novamente a palavra para declarar que não posso conformar-me com a resposta do sr. ministro da fazenda.

O sr. ministro das obras publicas pediu ou não pediu a sua, demissão? (Apoiados.)

E isto o que se pergunta; é a isto que o sr. ministro da fazenda tem de responder.

Por maior que seja o seu talento, não póde s. exa. esquivar-se a dizer claramente se o sr. ministro das obras publicas pediu ou não a sua demissão. A pergunta é simples, a resposta deve ser precisa e clara.

Mais uma vez formulo a pergunta. O sr. ministro das obras publicas pediu a sua demissão ou não a pediu?

Quem responde n'esta camara pelos negocios relativos á pasta das obras publicas?

Ha um ministro responsavel por aquella pasta, e se são verdadeiros os boatos que circulam no publico, quem responde por ella?

É sobre este facto que eu interrogo o sr. ministro da fazenda.

Não quero agora saber das theorias constitucionaes, nem das regras, que segundo a opinião de s. exa. devem reger esta matéria; o que quero saber de s. exa. é se o sr. ministro das obras publicas pediu ou não a sua demissão, e

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quando s. exa. me disser que pediu, ou que não pediu, dou-me por satisfeito.

Affirmou o sr. ministro que a situação está como estava, e que nós não temos direito a fazer perguntas emquanto o governo não der a sua demissão, e esta não lhe for acceite. Contra esta doutrina é que eu protesto.

Quando um ministro pede a sua demissão, embora essa demissão não possa ser seguida de crise total do mesmo ministerio, o parlamento tem direito a saber se essa demissão foi ou não concedida.

Diga-me o sr. ministro da fazenda: Pôde s. exa. tomar a responsabilidade das consequencias do pedido de demissão do sr. ministro das obras publicas?

Diz-se que s. exa. pediu a demissão em virtude do desaccordo com a commissão de fazenda e alguns dos seus collegas ácerca da proposta de lei relativa aos melhoramentos do porto de Lisboa, proposta que está firmada tambem pelo sr. ministro da fazenda.

Quem nos diz que s. exa., desejando honrar a sua assignatura, quer seguir a sorte do seu collega, e provoca uma crise ministerial?

Póde a camara continuar na discussão da resposta ao discurso da coroa, sem haver ministro que responda pela pasta das obras publicas, e quando, de um momento para o outro, com a saida d'aquelle ministro se póde dar uma crise geral do ministerio? (Apoiados.)

É para estas considerações que chamo a attenção do illustrado ministro da fazenda, e insisto mais uma vez no pedido, para que s. exa. designadamente diga se o sr. Antonio Augusto de Aguiar pediu ou não pediu a demissão de ministro das obras publicas; e nada mais. (Muitos apoiados.)

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - Creio que tenho sido suficientemente explicito. (Apoiados.) O ministro das obras publicas, o responsável pelos actos d'aquelle ministerio, é o sr. Antonio Augusto de Aguiar. (Apoiados.)

(Susurro do lado esquerdo da camara.)

Vozes: - Ordem, ordem.

O Orador: - Os illustres deputados podem interromper-me á sua vontade, porque me não incommodam. Repito, quem é responsável pelos actos do ministerio das obras publicas é o sr. António Augusto de Aguiar, e...

O sr. Emygdio Navarro: - Mas onde está o sr. Aguiar?

O Orador: - Não sei n'este momento onde está o meu collega; provavelmente está cumprindo os devores do seu cargo. (Muitos apoiados.)

Pois o illustre deputado quer que eu saiba e lhe diga onde está especialmente algum dos meus collegas? Provavelmente está onde deve estar. (Apoiados.)

Querer o illustre deputado, o sr. Luciano de Castro, entrar já em apreciações sobre determinada crise, que não declarei, é perfeitamente intempestivo. Porque s. exa. entendeu dever alludir não sei a que desaccordos, conflictos e dissenções, que eu não declarei, nem podia declarar, pretende o illustre deputado que eu o acompanhe nessa discussão? Não póde ser. Se porventura o facto se desse, se effectivamente houvesse um pedido e um decreto de demissão, creia s. exa. que nos apressaríamos a dar todos as explicações dos motivos que houvessem produzido esse acontecimento; mas esse acontecimento não se deu, e portanto não tenho explicações algumas a dar ao illustre deputado, (Apoiados.) não obstante a minha muita consideração por s. exa.

Não se trata de um assumpto do dominio parlamentar; não ha acto do governo sobre que possa haver apreciações de censura ou louvor da camara. (Apoiados.)

Desde este momento tenham os illustres deputados paciência para esperar e creiam que o governo não faltará ao cumprimento do seu dever, não deixará de attender às praxes parlamentares. Se se der o acontecimento, em virtude do qual tenha de fazer declarações francas e categoricas á camara, o governo não se eximirá ao cumprimento do seu dever, como nenhum governo ainda se eximiu. (Muitos apoiados.)

(S. exa. não revê as notas tachygraphicas.)

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa

O sr. Luiz Jardim: - Requeria a v. exa. que houvesse por bem communicar á camara qual foi a declaração que, no fim da sessão anterior, eu tive a honra de ir fazer perante a presidencia.

O sr. Presidente: - V. exa. veiu declarar que desistia da sua reclamação.

O sr. Correia de Barros (para um requerimento): - Requeiro que se consigne na acta da sessão de hoje, que, em vista da recusa terminante do governo em declarar se sim ou não o sr. ministro das obras publicas pediu a demissão, eu renuncio ao direito que tinha de usar da palavra na discussão da resposta ao discurso da corôa, discussão que não póde de modo algum proseguir. (Apoiados.)

Mando para a mesa o meu requerimento.

O sr. Presidente: - Nos termos do regimento, não posso consultar a camara sobre o requerimento do sr. deputado, porque os requerimentos não se motivam. (Muitos apoiados.)

Não póde por isso ter seguimento.

Continua a discussão da resposta ao discurso da corôa e tem a palavra, sobre a ordem, o sr. Amorim Novaes.

O sr. José Novaes (sobre a ordem): - Em obediencia ao regimento, mando para a mesa a moção de ordem que passo a ler. É a seguinte:

«A camara satisfeita com as explicações do governo, continua na ordem do dia.»

Sr. presidente, a opposição mandou-nos os seus emissários de guerra, da guerra em que nos quer vencer, da lucta que os clarins do seu jornalismo nos annunciaram ha multo tempo. E á intensidade do combate corresponde o ardor na defeza.

Já fallaram os primeiros oradores desta casa, que todos me pareciam apostados em mandar os seus discursos para os logares selectos da rhetorica parlamentar. Hoje fallo eu, o mais pequeno do todos, animado com aquellas palavras do grande orador hespanhol - o maior de toda a historia - que dizia: o Nos parlamentos, os maiores não são tão grandes como aquelles a quem representam: os mais pequenos crescem em virtude dos poderes que trazem e abrilhantam-se na magestade da assembléa aonde todos representam o nome sagrado da patria». (Apoiados.)

E quando na minha pequenez ouço com a merecida attenção os discursos notaveis dos oradores da opposição, eu tenho pena, sr. presidente, quasi mágua, de que talentos tão levantados, espiritos tão superiormente educados, não possam dar às suas palavras, constellações de estrellas, com reflexos de oiro, mais vida do que a que tinham as rosas de Malherbe, porque aos seus discursos falta-lhes a harmonia e coherencia que os anime, falta-lhes o rigor logico que os vivifique. (Apoiados.)

Os discursos de s. exas. fazem-me lembrar aquelle quadro de Rembrandt que se admira n'um museu da Hollanda, no qual ao visitante, á primeira impressão, se afigura ver, em meio de varias figuras indecisas na sombra, uma joven de admiravel belleza, scintillante de ouropeis, cuja luminosa fronte parece circumdada por cabellos da oiro, ligeiros, transparentes, como que inundados de sol. Ao approximar-se, o encanto transfigura-se. A mulher formosissima converte-se n'uma mendiga; os esplendidos ouropeis são farrapos; as palhetas de oiro são pontos ama-

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rellos no vestido. (Vozes: - Muito bem.) E o quadro é sempre formosissimo.

Igualmente como os discursos dos illustres deputados: sempre elegantes e primorosos na fórma, mas a idéa é por vezes incoherente e contradictoria. (Muitos apoiados.)

E eu vou demonstral-o, sr. presidente, seguindo, como me cumpre, o discurso do illustre orador que me precedeu, o sr. Alves Matheus, que nos encantou com o laconismo da sua palavra, e a quem tributo a maior consideração.

Fallou s. exa. do accordo, e disse que essa idéa nunca encontrara sympathia no seu coração.

Tambem eu o digo, sr. presidente.

Para mim a historia da França, da Belgica, da Inglaterra, da Hespanha, e mesmo a nossa, diz-nos, como ensinamento, que as medidas politicas e de administração que com mais calor e mais ardentemente foram discutidas no parlamento, são aquellas que mais conseguiram a acceitação publica e que mais reverenciadas foram por ella. (Muitos apoiados.)

E entre nós, se fossem necessarias provas d'isso bastaria dizer que o projecto de abolição dos vinculos foi reverenciado e teve a consagração da opinião publica, apesar da grande e interessada opposição que teve nas duas casas do parlamento. (Apoiados.)

Alem d'isso o espirito da ultima idade d'este seculo é contra os accordos. O seculo é de lucta, que se manifesta nas sciencias, no commercio, nas industrias, nas artes, em todas as manifestações da vida, e que não póde deixar de se pronunciar com interesse na politica e na administração publica. (Apoiados.)

Para que uma medida politica seja acatada é necessario que ella sáia vencedora da lucta, que obtenha na discussão os brazões laureados do combate. (Apoiados.)

Demais a mais, sr. presidente, eu agourava tambem mal do accordo. Sabia que haviam de accusar o governo de insoluvel, e presagiava até qual o dia em que se lhe havia requerer a fallencia. (Apoiados).

Era o dia 29 de junho, o dia das eleições. (Muitos apoiados.) As provas para fundamentar a petição haviam procural-as mais tarde. (Apoiados.)

E no entanto eu sou o primeiro a confessar que annuiao accordo por lealdade partidaria, e reconheci que o intuito do governo era patriotico, reconciliando todos os partidos monarchicos, em volta de uma só bandeira, para que se votassem, de accordo, as reformas politicas, o projecto mais importante d'esta sessão parlamentar. (Apoiados.)

O que foi o accordo constante nas duas casas do parlamento quando elle se effectuou, e que era para votar as reformas politicas a ninguem póde restar duvidas depois do elevado discurso, aqui proferido, pelo sr. presidente do conselho, em quem mais uma vez admirámos as suas brilhantes qualidades parlamentares. (Apoiados.)

O que o accordo foi para o partido progressista é que eu ainda não consegui averiguar.

Os arabes têem uma lenda segundo a qual a estatua mythologica de Chronos muda continuamente de fórma, apresentando sempre o espectáculo de incessantes variações: a opinião dos illustres deputados da opposição está no mesmo caso emquanto ao accordo. (Apoiados.)

O sr. Braamcamp disse que o accordo findara com a votação da generalidade das reformas politicas.

O sr. Antonio Candido disse que, se o accordo não tivesse findado, terminaria pela insolubidade do governo, decretando a dictadura e o adiamento.

O sr. Emygdio Navarro contou-nos a lenda de um segundo accordo, a que s. exa. e
o sr. Barros Gomes chamavam consequencias logicas do primeiro, e que terminou com a dictadura e o adiamento das côrtes.

Mas se houve um segundo accordo, e se esse accordo, se a apregoada benevolencia da opposição era consequencia logica do primeiro, agora pergunto eu tambem qual o artigo do codigo civil que permitte a uma das partes contratantes o isentar-se das consequencias logicas de um contrato, sem o consentimento da outra parte? (Muitos apoiados.) Mas, sr. presidente, isto foi o que s. exa. aqui disseram; mas s. exa. escreveram tambem, e os seus escriptos hão de ser o subsidio valioso para a historia do accordo e para commentar as palavras dos seus discursos.

Em o jornal o Progresso, n.° 2:313, de 17 de outubro de 1884, em um artigo que dizia adiamento, lia-se:

«Já dissemos e de novo repetimos será a ruptura dos ultimos liames, que ainda nos prendem ao accordo.»

Logo ainda o accordo subsistia em outubro, sr. presidente. (Muitos apoiados.)

«O sr. Fontes tem um compromisso official, e um compromisso de honra, para reunir as côrtes em 5 de novembro, e de modo que ellas possam completar, ainda dentro deste anno, a sua missão reformadora. Se o sr. Fontes quebrar estes compromissos, julgar-nos-hemos tambem desligados de quaesquer compromissos, a respeito das reformas politicas.»

Mas se o accordo foi só para votar a generalidade das reformas politicas, como s. exas. aqui disseram, como é que s. exas., em outubro, ainda se julgavam obrigados a quaesquer compromissos a respeito das reformas politicas? (Muitos apoiados.)

Então sempre o accordo se tinha feito, não só para votar a generalidade das reformas, mas ainda para effectuar as mesmas reformas politicas? (Muitos apoiados.)

«E como não temos por costume fazer guerra de embuscadas, muito a tempo fazemos esta declaração para que o sr. Fontes não possa allegar duvidas ou equivocos.»

Logo se o governo não decretasse o adiamento, ainda o accordo subsistia, porque s. exas. dizem que a declaração é feita muito a tempo. (Apoiados.)

Mas não pára aqui, sr. presidente.

Em o n.° 2:316 do mesmo jornal lia-se:

«Não póde ser. Esse desaforo será a ultima gotta que fará trasbordar a taça.»

Referia-se ao adiamento.

«Todas as benevolencias têem de parar quando forem indecorosas. O accordo terá fatalmente de romper-se. E quando dizemos accordo não nos referimos a nenhum accordo desconhecido do publico. Reportamo-nos ao unico accordo realisado entre o partido progressista e o governo, e que teve a maior publicidade.»

Aonde está a lenda do segundo accordo a que se referiram nos seus discursos os srs. Emygdio Navarro e Barros Gomes? (Muitos e repetidos apoiados.)

«Um dos intuitos d'esse accordo era a liquidação prompta dos problemas das reformas politicas».

Mas as reformas politicas ainda não estão liquidadas. Logo ainda o accordo devia subsistir. (Muitos apoiados.)

E não se diga, sr. presidente, que eu estou aqui a ler artigos de um jornal sem importancia.

O Progresso dizia-o elle no numero 2:318, referindo-se ao adiamento «O Progresso de 23 de outubro é orgão official do partido, falla em nome d'elle, e orgulha-se de ser n'este momento mais do que nunca o interprete fiel dos sentimentos e das idéas dos nossos mais dedicados e leaes correligionarios.»

Mas os seus mais dedicados e leaes correligionarios sustentam agora nos seus discursos idéas contrarias. (Apoiados.)

Ainda bem que aqui está o Progresso, - que é o orgão official do partido -, e que vem contradizer os artigos de s. exas. (Muitos apoiados.)

Mas, sr. presidente, deixemos a historia do accordo e commentemos a sua moralidade.

Disseram os illustres deputados da opposição, que o primeiro, ou o segundo accordo, como quizerem, se rompeu com a dictadura e com o adiamento. Mas a dictadura foi em 19 de maio e o adiamento nos fins de outubro.

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E se a dictadura é, como disse o sr. Antonio Candido, «a mais escura nódoa da vida política do sr. Fontes»; se a dictadura, como s. exa. tambem disse, «foi mais que um crime, foi um acto de impudor, que repugna a todas as consciencias dignas», como é que s. exas. deixaram passar cinco mezes e esperaram ainda pelo adiamento?

Disse o sr. Barros Gomes: «Não foi bastante a dictadura, ainda esperámos pelo adiamento; e assim o partido progressista se apresentaria diante do governo com uma benevolencia, que não era obrigação, mas que podia nascer da conveniência de que prestava um serviço ao paiz.»

Mas, sr. presidente, como é que esta opposição tão illibada, que falla com enthusiasmo da ascendencia fidalga do seu partido; ella, que tão conscienciosa se pretende mostrar dos seus deveres 5 como é, pergunto, que esta opposição transigiria com a dictadura que s. exas. nos diziam ser um grande crime? (Muitos e repetidos apoiados.)

Como, se não fosse o adiamento, pediriam s. exas. á sua tão pretendida devoção civica paciencia para se apresentarem benevolos para com o governo, que decretando a dictadura acabava de se manchar com uma grande nodoa? (Muitos apoiados.)

Como calar a sentida indignação contra aquelle acto, que por mais de uma vez classificaram como grande crime? (Muitos apoiados.)

Ou a indignação de hoje é postiça, ou então por que a não manifestaram logo que foi decretada a dictadura? (Apoiados.)

No primeiro caso não tem valor; no segundo, elles transigiram. Logo, não cumpriram o seu dever. Logo, foram nossos cumplices. (Muitos e repetidos apoiados.)

E os cumplices não têem auctoridade para nos accusar, porque os cúmplices são tambem criminosos. (Muitos apoiados.)

Mas, supponhamos que s. exas. sentiram logo aquella indignação. N'este caso, por que a callaram? (Apoiados.)

Sr. presidente, diz um criminalista francez que a dor da indignação só a póde fazer callar algum motivo de interesse.

E o motivo de interesse apparece evidentemente. É porque a dictadura foi em 19 de maio, e as eleições tinham de ser a 29 de junho. (Muitos e repetidos apoiados.)

E não se diga em resposta que suppunham que as eleições seriam livres, como já se dissera. Os governos não fazem as eleições; (Apoiados.) quem as faz, quem as deve fazer são os partidos: e o partido regenerador, que julgava que o partido progressista havia de honrar os seus compromissos, facilitava a eleição aos membros d'esse partido e dispensou-lhe os votos que podia. (Apoiados.) O sr. José Guilherme Pacheco não é deputado por accumulação pela benevolencia que o partido regenerador dispensou aos deputados de accumulação progressista. (Apoiados.)

E para que luctar com ardor, se elle julgava subsistir o accordo, e queria que as espadas do partido progressista viessem aqui illuminar a discussão das reformas com as luzes da sua brilhante intelligencia? (Apoiados.)

Mas o accordo, dissera s. exa., foi um expediente político para o sr. Fontes! Expediente que lhe deu esta guerra, expediente que foi dar vida ao partido progressista! Foi o sr. Barros Gomes que o confessou quando disse que o partido progressista estava desanimado, quasi disposto a deixar de tratar das questões publicas, o que o accordo viera animar!

Deixemos o accordo. Vejamos aquillo de que nos accusam.

Accusam-nos em primeiro logar pela dictadura.

Deputado moço e prezando muito a minha posição n'esta casa, não poderia vir defender aqui uma dictadura procurando argumentos nos livros de direito publico. As dictaduras não se defendem com os publicistas; releva-se-lhes a responsabilidade pelos seus resultados. (Apoiados.) Se todas as dictaduras em hypothese fossem um crime, a minha palavra seria n'esta occasião bastante generosa para defender e fazer levantar do banco dos réus o partido progressista e constituinte - que todos fizeram dictaduras. (Muitos apoiados.)

O sr. Barros Gomes, ainda outro dia aqui defendeu a dictadura progressista pelos seus resultados. (Apoiados.) Logo é attendendo aos actos da dictadura que nós lhe devemos ou não levantar a responsabilidade. (Muitos apoiados)

Mas para que fez o governo a dictadura? A dictadura foi para effectuar a reforma do exercito, reforma que o sr. João Chrysostomo julgava necessaria, e que foi votada n'esta camara na ultima sessão, com um pequeno debate, que parecia mais cumprimento de que opposição, declarando mesmo o sr. Emygdio Navarro que não queria levantar difficuldades. (Apoiados.)

Repito que foi votada por esta camara; obteve parecer favoravel da respectiva commissão na camara alta - a commissão que tinha, a confiança d'aquella camara - e se ahi não foi discutida, não foi de certo o receio que o governo tinha de que ella não passasse, como affirmou o sr. Antonio Candido, apesar de não ver esta affirmação no seu discurso, talvez devido a falta dos tachygraphos, pois que contra este testemunho está o do sr. Emygdio Navarro, que, no intuito de apresentar uma aggravante á dictadura, disse que ella era desnecessaria porque o governo podia contar com a maioria da camara dos pares. (Apoiados.)

E o governo não discutiu a reforma do exercito n'aquella camara porque estava muito adiantada a sessão, tinha já havido diversas prorogações e não era conveniente demorar por mais tempo as camaras abertas, o que de certo aconteceria com o systema impeditivo com que alguns dignos pares ameaçavam o governo. (Apoiados.)

Já em 1853 dizia José Estevão: que as dictaduras tinham por causa, muitas vezes, a relaxação de muitas discussões parlamentares, o aviltamento dessas discussões, descendo-se muitas vezes às personalidades, e deixando de tratar os grandes interesses sociaes. (Apoiados.) Alem da dictadura accusam-nos tambem pelo adiamento.

Disse o sr. Alves Matheus que a constituição do estado foi esbofeteada pelo governo, porque o § 4.° do artigo 74.º impõe ao governo a obrigação de convocar as camaras immediatamente, e este immediatamente não póde harmonisar-se com a demora que o governo teve em convocar as côrtes.

Se para entender a palavra immediatamente nós precisassemos de interpretes, não iriamos de certo recorrer ao partido progressista que dissolveu a camara regeneradora em junho e convocou a nova camara em janeiro. (Muitos e repetidos apoiados.)

O governo dissolveu-a em maio e convocou a nova camara em dezembro.

Justamente o mesmo praso. (Apoiados.)

E tenho pena que s. exa. se não levantasse então para accusar os ministros progressistas por terem esbofeteado a constituição. (Apoiados.)

Como a palavra de s. exa. seria de uma eloquencia fulminante, castigando com o vigor da sua phrase um acto que s. exa. julga altamente condemnavel. (Apoiados.)

Então s. exa. não o fez, então não leu s. exa. o § 4.° do artigo 74.° da carta, e não o fez porque a sua posição o obrigava a acompanhar o governo progressista. (Apoiados.)

E não me admira a incoherencia, porque já aqui ouvi dizer ao sr. Barros Gomes que não dizia como ministro que afirmava como deputado de opposição, como se aquellas cadeiras não fossem iguaes a estas para dizer a verdade ao paiz, como se aquellas cadeiras não obrigassem ao mesmo patriotismo e lealdade, como se os deputados devessem mudar de opinião quando são opposição ou governo. (Muitos apoiados.)

Dizem tambem que ha uma aggravante contra este adia-

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mento porque estas côrtes são constituintes, e depois de votada a necessidade da reforma de alguns artigos da carta, é necessario que esses artigos sejam immediatamente reformados porque as instituições condemnadas perdem no respeito e na opinião publica.

Mas não concordaram s. exas. na reunião em novembro? Esta reunião em novembro não satisfaria o immediatamente dos illustres deputados? (Muitos apoiados.)

Pois o adiamento, sr. presidente, foi apenas de quarenta dias e com esta pequena demora nada soffreram as instituições. (Apoiados.)

V. exa. sabe que a parte mais importante da reforma, diz respeito á camara dos pares, e a camara dos pares, com a nova reforma, não perde em consideração, que se alguma cousa podesse fazer esquecer os grandes serviços prestados por ella ao paiz; já a teria desacreditado o partido progressista quando a condemnára como nnachronica (Apoiados.) quando dissera que ella não representava nenhum elevado interesse nacional. (Muitos apoiados.)

Nós respeitâmos n'aquella camara as suas gloriosas tradições historicas, mas avigorâmol-a reformando-a de harmonia com os principios da moderna sociologia. (Apoiados.)

Deixo a dictadura e o adiamento.

Censurou-nos energicamente o sr. Alves Matheus pelas mortes que infelizmente se deram por occasião das eleições. E o sr. Antonio Candido sentiu tambem que, no discurso da corôa, e no projecto da sua resposta só não dissesse cousa alguma a respeito das desgraças que enluctaram o acto eleitoral.

Disse o sr. Alves Matheus «que correram regueiras de sangue por occasião das eleições em Villa Nova de Ourem e Ribeira Brava».

Foi esta a phrase empolada com que a imaginação phantasiosa de s. exa. nos quiz accusar.

Regueiras do sangue!

Nunca a hyperbole foi tão levantada. (Apoiados.) Mas eu vou responder a s. exa. triumphantemente. Em sessão de 18 de fevereiro de 1880, dizia n'esta casa um gigante da tribuna, um dos oradores que mais me acostumei a apreciar pelos seus dotes e qualidades:

«Fallou-se em Valle de Passos. Alguem responderá de um modo triumphante, a esta parte do discurso do sr. Hintze Ribeiro; eu limito-me a dizer que o que aconteceu em Valle de Passos foi uma verdadeira desgraça alheia a toda a significação politica. Lamento-a profundamente. A minha phantasia, naturalmente impressionavel, representa-me o funebre cortejo de infortunios que se seguiram á perda das vidas, sacrificadas n'essa povoação do meu paiz; a nota sentimental que desprenda de si os factos luctuosos teve sempre no meu espirito o acho mais sympathico e mais extenso.

«Mas sobre isto o que ha que fazer agora aqui? Apenas sentir como portuguezes que esses infortunios se dessem, e lamentar, como liberaes, que coincidissem com o momento solemne em que a nação traduzia pelo voto os direitos da sua consciencia.

«Se, porém, é necessario prender os causadores d'esses infortunios, e arrastal-os á campa dos assassinados em Valle de Passos, e castigal-os ali com indignadas exprobações, procurem-se, arrastem-se até lá e castiguem-se. (Apoiados.)»

Eu substituo os nomes do Valle de Passos pelos de Ourem e Ribeira Brava. (Muitos apoiados.)

Á eloquencia do sr. Alves Matheous responde a eloquência do sr. Antonio Candido, e o sr. Antonio Candido não podia encontrar quem lhe respondesse com maior elevação. (Muitos e repetidos apoiados.)

E permitta-me s. exa. que eu transcreva as suas palavras no meu discurso, que serão as unicas notas de eloquencia brilhante que n'elle poderá encontrar quem porventura o ler.

Mas eu quero fazer um unico commentario e vou fazel-o.

Esse discurso do sr. Antonio Candido foi proferido em 18 de fevereiro de 1880, e com data de 22 de abril do mesmo anno publicava o Diario do governo o seguinte decreto:

«Artigo 1.º É concedida amnistia geral e completa para todos os crimes contra o exercicio do direito eleitoral, e em geral para todos os crimes politicos commettidos até á data do presente decreto, exceptuando-se aquelles de que resultou homicidio ou alguma das lesões mencionadas no codigo penal artigo 361.°, n.ºs 1.°, 2.° e 3.°

«Art. 2.° Todo o processo que por taes crimes tenha sido formado fica sem effeito, seja qual for o estado em que se ache, e todas as pessoas que estiveram presas á ordem de qualquer auctoridade, com processo ou sem elle, serão immediatamente soltas.»

Assignava este decreto todo o ministerio progressista!! (Muitos apoiados.)

Isto é o que o governo regenerador não fez, (Muitos apoiados.) isto é que eu posso assegurar que não fará. (Muitos apoiados.)

O governo regenerador não pede á corôa uma amnistia para indultar os crimes d'aquelles que s. exas. dizem que devem ser levados ás campas e arrastados aos tribunaes. (Vozes: - Muito bem.)

Isto é o que nós não fizemos, nem havemos de fazer. (Muitos apoiados.)

Accusou-nos tambem o sr. Alves Matheus como responsaveis pelo mau estado da fazenda publica. Faltou da desgraça da provincia do Douro, da propriedade hypothocada no Minho e de muitas cousas mais.

O estado do thesouro não é prospero, mas é certo que a riqueza do paiz tem augmentado consideravelmente, devido aos regeneradores em grande parte, que com as medidas de fomento, desenvolvendo o commercio e as industrias, têem multiplicado a matéria collectavel, não é elle tão deplorável como as palavras pessimistas e tétricas de s. exa. aqui o quizeram apresentar.

Chamou-nos esbanjadores. Para se nos fazer esta accusação, é preciso ter auctoridade e o partido progressista pelos seus precedentes não a tem. (Apoiados.)

Quer a camara ver?

Em 1879 lia-se na mesa:

«Proponho que a força publica no proximo anno economico seja reduzida a 13:000 praças de pret. = Adriano Machado.»

Abre-se o orçamento de 1880 e lê-se:

«Este orçamento é calculado cem referencia ao pessoal existente, a 23:000 praças de pret effectivas.

«Ministerio da guerra, 7 do novembro de 1879. = J. Chrysostomo de Abreu e Sousa.»

Mais. Em 3 de maio de 1879 dizia e propunha o sr. Mariano de Carvalho:

«A camara entende que nas actuaes circumstancias, é conveniente não exceder, na despeza com as alfandegas, as quantias auctorisadas pelo orçamento do estado e pela lei de 31 de março do corrente anno. = Mariano de Carvalho.»

Folheando o orçamento progressista de 1880-1881, lê-se:

Alfandegas ....... 980:766$300
Auctorisações .... 775:303$100
Para mais ........ 5:413$200

São estas as economias que s. exas. nos pediam quando opposição! (Apoiados.) São estas as economias que fizeram quando governo. (Apoiados.)

Mas não pára aqui.

No orçamento regenerador de 1879-1880 lia-se:

«Capitulo 10.°, artigo 21.°, secção 10.ª Fóros, rendas de edificios e dos terrenos occupados pelas linhas de defeza da capital, 2:200$000 réis.»

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SESSÃO DE 30 DE JANEIRO DE 1885 315

Durante a discussão mandou-se para a mesa a seguinte proposta:

«Proponho a eliminação da verba contida na secção 10.a, artigo 21.°, capitulo 10.°, do orçamento do ministerio da guerra. = O deputado, Emygdio Navarro.»

Vejamos agora se fizeram esta economia que propunham:

Orçamento progressista de 1880-1881:

«Capitulo 10.°, artigo 21.°, secção 10.ª, pag. 30. Foros, rendas dos edificios e dos terrenos occupados pelas linhas do defeza da capital, 2:200$000 réis.»

Justamente a mesma quantia! (Apoiados.) Mais. Em 19 de maio de 1879:

«Proponho que seja supprimido o serviço dos creados (taifeiros), como hoje existe a bordo dos navios de guerra, etc. = Mariano de Carvalho.»

Orçamento de 1880-1881 lemos:

«257 creados - 9:908$000 réis.»

Foi assim que o serviço dos creados foi supprimido. (Apoiados.)

Propozeram tambem que a fragata D. Fernando se desapparelhasse, que a Vasco da Gama só tivesse meio armamento durante metade do anno e dos navios que estivesse no Tejo só tivesse armamento completo uma canhoneira a vapor.

Orçamento regenerador de 1879-1880 .... 1.616:471$476
Orçamento progressista de 1880-1881 ... 1.627:363$632
Para mais ............................. 10:892$154

Paro aqui, sr. presidente, que longa seria a enumeração das economias pedidas pelos progressistas na opposição e não realisadas quando fora governo. (Apoiados.)

É esta a sua coherencia! (Apoiados) mas quem assim procedo não tem auctoridade para nos chamar esbanjadores. (Apoiados.)

Accusa tambem o governo regenerador de nada ter feito em beneficio do paiz. Oh, sr. presidente, eu não fallarei das medidas de fomento que o governo regenerador approvou; deixarei os caminhos de ferro, mas lembrarei apenas, que ainda na legislatura passada foi approvado o projecto do caminho de ferro de Salammanca, de tão evidente interesse para o Porto e provincias do norte. E folgo ver presente n'esta occasião o illustre deputado, o sr. Correia de Barros, que póde dar testemunho de quanto aquella cidade anceava este tão importante melhoramento.

O sr. Correia de Barros: - Apoiado, apoiado.

O Orador: - Melhoramento que o partido progressista tão ardentamente combateu no parlamento (Muitos apoiados) e tão cruelmente malsinou na imprensa, chegando ao ponto de chamar traidores aos que se interessam pela sua realisação. (Muitos e repetidos apoiados.)

O sr. Mariano de Carvalho: - Tenho a dizer a v. exa. que quando o partido progressista entrou para o poder já encontrou entre os papeis velhos da regeneração o tratado de Lourenço Marques.

Vozes: - Elle não falla em Lourenço Marques.

O Orador: - Eu não me referia a Lourenço Marques; fallava do caminho de ferro de Salamanca; (Riso) no entanto agradeço a v. exa. a attenção que dispensa ás minhas palavras; mas digo, sr. Presidente, que o partido regenerador tem para sua gloria o acto addicional, a abolição da pena de morte, mostrando assim ás nações estrangeiras a doçura dos nossos costumes: foi elle que assignou a lei das sociedades annonymas e cooperativas, a dos bancos agricolas, e industriaes; (Apoiados.) foi elle que mais se dedicou á instrucção publica, espalhando pelo paiz esses fachos de luz a que se chama escolas, (Apoiados) e a que está. Ligado, com gratidão dos povos, o nome de Antonio Rodrigues Sampaio; (Apoiados.) foi elle que ampliou o suffragio popular, dizendo assim ao povo que podia tomar directamente parte na administração do seu paiz; foi elle que assignou o codigo administrativo onde, se consigna um dos principios mais rasgadamente apregoados pela sciencia moderna, a descentralisação; (Apoiados) foi elle que referendou o nosso codigo civil; (Apoiados) foi elle que ultimamente creou as escolas industriaes que tão beneficos resultados hão de dar ás industrias portuguezas; (Apoiados) foi elle emfim que fez votar a lei eleitoral, que o sr. Antonio Candido considera como a lei mais perfeita que se tem votado no parlamento ha trinta annos, tendo na nossa legislação de aprender a França, a Belgica e os estados do norte da America. (Apoiados.)

O sr. Albino Montenegro: - A lei eleitoral tambem é do partido regenerador?

O Orador: - Pois não foi o governo regenerador que a apresentou ao parlamento? Não foi a maioria regeneradora que a votou! (Muitos apoiados.)

A que partido pertencia a maioria d'esta camara quando o projecto foi votado? (Apoiados.)

O sr. José Luciano de Castro: - A lei eleitoral e devida ao partido progressista.

O Orador: - Sim, de certo, v. exa. é que governava na sessão passada. (Riso.)

O sr. Presidente: - Peço aos srs. deputados que não interrompam o orador.

O Orador: - V. exas. honram-me muito com os seus apartes, mas falle um só, porque juntos não os percebo.

É assim, sr. presidente, que se fazem trinta annos de vida politica gloriosa, como com muita justiça disse do sr. Fontes o sr. Carlos Lobo d'Avila, (Apoiados.) que na sua estreia parlamentar conseguiu honrar os laureis de um talento brilhante que nós todos lhe reconheciamos.

E a final no fim de trinta annos de gloriosa vida publica, vem aqui dizer-nos
«que não temos feito nada em proveito do paiz!!!» (Muitos apoiados.)

Mas s. exas. o que fizeram? (Apoiados.) Subiram ao poder e publicaram aquella celebre circular de 4 do outubro de 1879, aos governadores civis, que não era uma circular official, mas um verdadeiro reclame politico; (Apoiados.) montaram a machina eleitoral, espalhando o terror, (Apoiados.) pejando o Diario do governo de transferencias e demissões, não só dos empregados administrativos, mas dos empregados de fazenda e judiciaes; (Apoiados.) fizeram a celebrada reforma das coroneis, que collocou aqui, no parlamento, n'uma posição lastimosa, dois ministros da corôa pertencentes ao seu partido; (Apoiados.) aboliram as gratificações, que mais tarde deram aos amigos. (Apoiados.)

O sr. José Luciano de Castro: - Peço ao illustre deputado que prove o que diz com relação ás gratificações.

O Orador: - O illustre deputado confessa as outras e só quer a prova para as gratificações! (Muitos apoiados.) Mas as provas eu as apresentarei.

(O orador é interrompido n'esta parte por muitos apartes de diferentes deputados.)

O sr. Presidente: - Peço ordem: peço aos srs. deputados que não interrompam o orador.

O sr. Albino Montenegro: - Eu não recebi gratificações.

Vozes: - Nem eu.

O Orador: - Nem eu as recebi, nem podia receber, porque sou dos poucos deputados que não têem a honra de pertencer á classe dos funccionarios publicos. (Apoiados.)

(Continuam as interrupções.)

O sr. Presidente: - Peço ordem.

O Orador: - Na ordem estou eu, sr. presidente, apesar de fallar da desordem da administração progressista. (Apoiados.)

Sr. presidente, a minha vida administrativa tem-me collocado, algumas vezes, em posição bem difficil para experimentar a serenidade do meu espirito. Não me faltaria ella agora, que estou entre cavalheiros de esmeradissima educação, e que podem levar unicamente a sua indignação a

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316 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

dar alguns murros sobre as carteiras, - que é indignação já muito conhecida, - que é ficelle já muito cansada na rhetorica da opposição parlamentar. (Riso. - Muitos apoiados.)

E tanto que vou continuar. O que elles fizeram foi nomear syndicancias aos actos dos seus adversarios, calando depois os seus resultados, mostrando assim que, ou as suas accusações não eram verdadeiras, (Apoiados.) ou que se tornaram nossos cumplices. (Apoiados.)

Uma voz: - Publicaram-se no Diario do governo.

O Orador: - Pediu-as aqui o sr. thomás Ribeiro muitas vezes.

Vozes: - Publicaram, publicaram.

Orador: - Publicaram! E onde levaram os criminosos? (Apoiados.)

(Susurro.)

(Ápartes.)

O sr. Presidente: - Peço a attenção da camara.

O orador: - Trouxeram, tambem, o imposto de rendimento, contra o qual se levantaram as associações commerciaes, muitas corporações e a opinião publica, que promovemmeetings no Porto, Villa Real, Braga e diversos outros pontos do paiz. (Apoiados.)

E a estas manifestações chamaram s. exas. arruaças!!

É que s. exas. chamam arruaças á opinião publica, que é a rainha do mundo, a grande força das gerações modernas. (Apoiados.)

Chamam arruaça á opinião publica que, desilludida, os condemnava como incompetentes para governar, e chamava ao governo para os substituir o aprtido regenerador em que depositava confiança. (Apoiados.)
Isto fez o partido progressista - partido que dizia que tinha uma alta missão a cumprir, um grande ideal a realisar, uma enorme responsabilidade a resgatar perante a opinião adiantada da historia. (Vozes: - Muito bem. Muitos apoiados.)

Accusam-nos ainda de termos empunhado a bandeira das reformas politica, que era d'elles, que não era nossa.

Não discuto prioridades; mas, se quizesse fazel-o, talvez podesse mostrar á camara que essa bandeira é tanto nossa como d'elles. (Apoiados.)

E se era de s. exas, não têem senão a louvar-nos por terem conseguido que em occasião opportuna e avorasse um aprtido conservador e retrogrado. (Apoiados.)

E se nos accusam ainda, como disse o sr. Alves Matheus, de serem mal cosidos os retalhos d'aquella bandeira, ou respondo a s. exa., que a não deixassem reduzir a retalhos (Apoiados.) que a não rasgassem quando subiram ao poder. (Apoiados.)

Mas a bandeira é diversa. A nossa bandeira é branca; a d'elles era... vermelha. (Muitos apoiados.)

Mas, sr. presidente, se todos estas accusações fossem verdadeiras que remedio nos dá o pessimo de s. exas.?

Dizem que paremos! Ouvi-o dizer ao sr. Braamcamp: Disse-o tambem com a sua voz eloquente o sr. Alves Matheus.

Oh! sr. presidente, se eu n'este conselho um intuito politico, diria a v. exa que nós o que precisâmos, é de progredir muito, muitissimo, não tanto material, como moralmente. (Muitos apoiados.)

Dizem-nos que paremos! E disse isto o sr. Alves Matheus, que em fevereiro de 1880 dizia aqui que a missão do parlamento é fazer leis, é discutir politica, é melhorar as finanças, é impulsar todos os melhoramentos materiaes e moraes de que impende a civilisação do paiz! (Muitos apoiados.)

Tenho pena que s. exa., tão illustrada como é, se fizesse acho d'este conselho.

Parar - quando lá fóra se caminha com o progresso: - parar - quando se perfuma o S. Cenis, o S. Gothard - quando se lança uma ponte sobre os Dardanellos - quando se corta o Panamá, e quando se estuda o meio de tornar habitado e deserto de Saharah! (Apoiados.)

Parar n'estas condicções é peior do que morrer. (Apoiados.)

Não repito a phrase do barão de Holbach, que a s. exas. repugna, e que o sr. Fontes traduziu com vantagem para o paiz; mas direi que parar n'estas condicções seria fazer um requerimento ás nações estrangeiras para nos conquistarem como uma colonia, (Apoiados.) porque se o não progredir é mau, dizer que devemos parar é retrogradar. (Apoiados.)

Para, n'estas condições, seria dormir o somno dos actalepticos e não poder assistir com as nações da Europa ás grandes festas do progresso.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi comprimentado por todos os srs. deputados e muitos pares do reino.)

Leram-se na mesa as seguintes:

Moções de ordem

1.ª A camara, lamentando que a situação da fazenda publica não corresponda aos sacrificios dos contribuintes, e desejando que o governo adopte as providencias necessarias para extinguir o deficit, firmar o credito publico e melhorar quanto em si caiba as condicções economicas do paiz, continua na ordem do dia. = Alves Matheus.

Foi admittida.

2.ª A camara, satisfeita com as explicações do governo, continua na ordem do dia. = Novaes.

Foi admittida.

O sr. Vicente Pinheiro (para um requerimento): - Pedi a palavra para mandar para a mesa um requerimento igual ao que fez o sr. Correia de Barros.

Não o fundamento, porque o regimento m'o não permitte, mas em todo o caso declaro que penso do mesmo modo que aquelle sr. deputado.

O sr. Presidente: - Do mesmo modo e pelo mesmo motivo eu não posso consultar a camara sobre este requerimento do sr. deputado.

Quando lhe couber e for concedida a palavra, o sr. deputado poderá então desistir d'ella, eeu tomarei nota d'essa desistencia. O mesmo poderá fazer o sr. Correia de Barros.

O sr. Luiz José Dias (para um requerimento): - Eu tinha pedido a palavra sobre o mesmo assumpto...

O sr. Presidente: - O sr. deputado tem a palavra unicamente para um requerimento. (Apoiados.)

O sr. Luiz José Dias: - N'esse caso eu declaro que pedi a palvra para requerer exactamente o mesmo que requereram os srs. Correia de Barros e Vicente Pinheiro.

Vozes: - Não póde ser; os requerimentos não se justificam.

O sr. Presdidente: - Digo ao illustre deputado o mesmo que já disse aos srs. Correia de Barros e Vicente Pinheiro.

Quando couber a palavra a s. exa., póde então desistir d'ella querendo. O que não se póde, por ser contra o regimento, é submetter á votação da camara um requerimento que tenha sido fundamentado ou motivado.

Tem agora a palavra sobre a ordem o sr. Vicente Pinheiro.

O sr. Vicente Pinheiro: - Desisto da palavra.

O sr. Presidente: - N'esse caso tem a palavra sobre a ordem o sr. Dias Ferreira.

O sr. Dias Ferreira (sobre a ordem): - A minha moção é esta:

«A camara convida o governo a apresentar sem demora as providnecias indispensaveis para occorrer ás difficuldades gravissimas da nossa situação economica e financeira.»

A este assumpto provavelmente terei de circumscrever as minhas considerações, visto não se achar hoje na camara o sr. presidente do conselho.

A resposta ao discurso da corôa, se umas vezes tem

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servido de thema para largo debate sobre a politica ministerial, tem outras vezes sido votada como simples comprimento ao augusto chefe do estado.

Eu pela minha parte tenho quasi sempre discutido a resposta ao discurso da coroa, porque infelizmente quasi sempre nos intervallos das sessões legislativas os governos têem praticado factos tão graves, que se torna necessario expor na primeira reunião das cortes as responsabilidades do gabinete, chamando a attenção do paiz para a marcha dos negócios públicos.

O principal motivo por que eu me inscrevi n'este debate foi para dar umas explicações politicas que devo á camara e ao paiz; mas como essas explicações são com o sr. presidente do conselho, e só com o sr. presidente do conselho, e s. exa. está hoje ausente da sessão, de certo por deveres do seu cargo, limitar-me hei ao assumpto restricto, que é objecto da minha moção.

De todos os assumptos que se têem debatido a proposito da resposta ao discurso da corôa o que mais tem impressionado de certo o espirito publico, o que feriu mais particularmente a minha attenção, e o que deve merecer a mais alta consideração ao parlamento, e muito especialmente ao ministerio, é a situação economica e financeira do paiz.

O rompimento ou o termo do accordo preoccupa hoje pouco a nação.

Que o accordo se rompesse porque findou, ou que findasse porque se rompeu, que o sr. Fontes vivesse algum tempo com os progressistas como Deus com os anjos, e que hoje estejam mal avindos, póde ser um interessante episódio de politica retrospectiva, póde ser mesmo occasião para muitos dos nossos illustres collegas ostentarem os seus brilhantes dotes oratorios; mas o governo tem obrigações mais altas, e não póde deixar de dar maior importancia e de prestar maior attenção aos assumptos de que dependem essencialmente os interesses do estado.

É bem triste que, tendo vários oradores deste lado da camara alludido com mais ou menos desenvolvimento á nossa situação financeira, e ás difficeis circumstancias da nossa situação economica, o governo trate de responder aos argumentos politicos somente, preoccupando-se unicamente com questões de politica retrospectiva, e guarde o mais systematico e absoluto silencio ácerca do estado da nossa fazenda.

O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - Peço a palavra.

O Orador: - Pois o governo tem obrigação de responder sobre este grave assumpto, e deve responder, não tanto á camara e ao paiz, como aos mercados estrangeiros que começam de ameaçar-nos com demonstrações de que não confiam na abundancia dos recursos do paiz para salvarmos os nossos compromissos.

A nossa situação fazendaria é gravissima. É preciso prevenir o paiz. É uma crueldade manter-lhe illusões.

Não será fóra de proposito responder com phrases mais ou menos vehementes ás aggressões violentas, e não poucas vezes apaixonadas, com que lá fora somos muitas vezes tratados.

Mas antes de tudo é preciso não dar rasão nem pretexto para essas aggressões.

Não temos outra resposta fulminante contra as apreciações desfavoraveis que às vezes fazem de nós os estranhos, senão governarmo-nos com juizo.

Não querem parar? Pois não paremos.

Mas é chegado o momento, e a necessidade imperiosa de descansar.

É preciso descansar sobretudo os portadores de titulos da divida publica, os credores do estado, para não receiarem pelo pagamento integral dos interesses que lhes são devidos, e os contribuintes assustados com a ameaça de se lhes exigirem novos sacrificios para decorrer aos encargos do theatro.

É preciso descansar a todos que n'este momento estão inquietos e sobresaltados, vendo a nossa divida menos considerada que até agora no mercado regulador da cotação dos fundos publicos para todos os paizes do mundo. Não ha fundamento real para os mercados nos tratarem com esta desconsideração. Mas é preciso acabar com os pretextos que todos os dias lhes damos, não olhando com o devido zelo pelas questões de fazenda, e entretendo-nos apenas com questões politicas, ás vezes do mediana importância.

No discurso da corôa encontram-se apenas uns periodos magros a respeito da situação da fazenda publica, e alguns desses periodos em taes condições que a um d'elles nem sequer se referiu no parecer sujeito ao debate a illustre commissão de resposta ao discurso da coroa. Do periodo, que é do certo o mais importante, porque importa uma ameaça aos contribuintes, nem se quer se occupou a commissão.

Esse periodo ficou sem resposta ao menos de comprimento.

Tudo quanto na falla do throno se diz a respeito da fazenda publica limita-se ao seguinte:

«A situação da fazenda publica é suficientemente desaffrontada para não inspirar receios. As receitas têem crescido por modo sensivel, e o paiz, não só tem pago religiosamente os seus encargos, mas tem recursos de sobra para continuar a satisfazel-es, mantendo e honrando todos os seus compromissos. Entretanto, o augmento das despezas publicas, que o fomento da riqueza constantemente exige, aconselha algumas medidas, que o meu ministro da fazenda vos apresentará opportunamente. Tambem vos apresentará o orçamento da receita e despeza do estado. Confio que dareis a este assumpto a attenção que a sua alta importância reclama.»

Ora não apresentar nem indicar sequer providencias de especie alguma para occorrer ás difficuldades financeiras e economicas, unicamente porque o estado do thesouro não inspira receios, é de uma imprevidencia politica, que ainda nos póde custar cara.

Havemos de esperar que a ruina seja effectiva e real, ou pelo menos inevitavel, para então se apresentarem aã medidas indispensáveis para atalhar as consequências de males, que podiamos ter prevenido e evitado a tempo?

O governo conta com as sobras dos rendimentos do contribuinte para as largas despezas, que são já obrigatorias, e para outras que projecta.

O paiz tem recursos de sobra, é certo, para continuar a satisfazer aos seus compromissos. Mas não esqueçamos é tambem as contemplações devidas com as commodidades dos povos.

Hoje o contribuinte, depois de pagar os impostos com que o vexa sob todas as formas o governo actual, e os que lhe são pedidos pelas juntas geraes do districto, pelas camaras municipaes, pelas juntas de parochia, e pelas juntas das congruas, fica ainda com recursos de sobra, e ai de nós se não fora assim. Mas se o governo tem idéas de ir desfalcar esse remanescente de rendimento para se abalançar a novas despezas, póde muito bom ser que o contribuinte, entregando o, fique sujeito elle e a sua familia a viver do ar e da luz, porque a materia collectavel não é tão elastica como a paciencia do povo portuguez.

Este systema de esgotar o contribuinte sem attenção ás circumstancias economicas do paiz, parece-se com aquelle que avalia o augmento da riqueza publica só pelo augmento das receitas do estado.

O que significa em muitos casos o augmento da receita do thesouro? Um desfalque nos redditos do contribuinte.

Pelo facto de se elevar a 50 ou a 60 o imposto de 30 que era, não se segue que os redditos individuaes da nação caminhassem na mesma proporção.

É mesmo impossivel que a riqueza nacional cresça em proporção com as cinco sangrias que todos os dias lhe são applicadas pelo poder central, pela junta geral do distri-

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cto, pela camara municipal, pela junta de parochia, e pela junta das congruas.

E desde que o governo, com vistas largas e espirito levantado, entrou n'este caminho aberto e franco de se metter em emprezas que as forças do paiz não comportam, e de contrahir emprestimos sem conta, nem peso, nem medida, resolveram as juntas geraes de districto, as camaras municipaes, e até as juntas de parochia, seguir-lhe no encalço.

Agora as juntas geraes de districto e as camaras municipaes entendem que hão de seguir os passos ruinosos do poder central, levantando empréstimos por tudo, e a proposito de tudo, para serem tidas tambem como pessoas de consideração. (Riso.)

Tenho pedido muitas vezes n'esta casa ao governo, que obste a que as juntas geraes de districto, as camaras municipaes, e as juntas de parochia, se governem como o governo.

Mas é pregar no deserto.

A assembléa e o publico preferem a tudo os assumptos politicos. A linguagem das cifras é pouco grata ao ouvido.

Pois, nas circumstancias em que nos achamos, todas as discussões que prendem com a situação economica e financeira do paiz são indispensaveis.

Não nos illudamos; o paiz tem recursos de sobejo para com boa administração occorrer aos seus encargos. Mas, se os vamos aggravar, e se uma perturbação politica põe em perigo a paz publica, já não digo no reino, mas no Brazil, de onde nos vem grandes remessas de dinheiro, ou se o estado da Europa, que não é seguro, soffrer uma transformação, que influa nos mercados monetários de Paris e de Londres, a nossa situação póde tornar-se extremamente grave; uma situação nestas condições, quando não fosse desesperada, quando não importasse desastre immediato, era em todo o caso extremamente perigosa. (Apoiados.)

Nós não podemos viver sem o auxilio dos mercados da Europa. Ainda mesmo que entremos em vida nova, para o que nada se encaminha por ora, largos annos serão precisos para podermos restaurar a nossa situação financeira, e para podermos viver desassombrados dos mercados estrangeiros.

Mas para isso é preciso attender á nossa situação economica, e ter alguma contemplação com os haveres do contribuinte. O governo, porém, segundo vejo, com o que se preoccupa é com saber se o paiz tem ou não ainda recursos de sobra para dar mais ao thesouro.

Pouco lhe importa que o contribuinte fique sem camisa.

Sabe a camara como em geral as receitas publicas augmentam? É tirando ao contribuinte o que lhe é preciso para elle e para a sua familia. E do 1:000$000 réis, por exemplo, o rendimento do contribuinte, e os altos poderes do estado tiram-lhe este anno 200$000 réis, para o anno 300$000 réis, para o outro anno outros 300$000 réis.

Por esta fórma vão crescendo effectivamente os rendimentos, mas o contribuinte fica sem pelle! (Riso.)

A riqueza das nações não se calcula unicamente pela importancia das contribuições arrecadadas pelo thesouro.

A prosperidade material de um paiz ha de regular-se principalmente pela importância da producção em todos os ramos e manifestações da actividade social, ou se trate da agricultura, ou da industria, ou do commercio, e pelo custo dessa producção.

Calculemos a nossa producção agricola, industrial e commercial; calculemos o preço dos salários, o custo das materias primas, e, numa palavra, o custo de todos os elementos que influem na producção, e sobretudo a parte do rendimento que saccâmos ao paiz. e veremos, pelo que fica, se o povo está ou não em maré de prosperidades. (Apoiados.)

Quantas vezes ouço eu n'esta casa, e lá fóra, os financeiros mais sabios do meu paiz fallar sobre a necessidade inadiavel e urgente de emprehendermos grandes melhoramentos, sem BC importarem com averiguar se o contribuinte póde ou não com as despezas d'esses melhoramentos? (Apoiados.)

Fallam então os mesmos sabios em creação de receitas, como se houvesse fabricas para crear receitas nas mesmas condições das fabricas destinadas a espremer o vinho, ou a moer os cereaes.

Se aos encargos actuaes do orçamento, e aos encargos já votados, e que não são ainda effectivos, mas que em breve serão obrigatorios, acrescerem as despezas com as obras já talhadas em projecto pelo governo, os nossos rendimentos publicos, ainda que fossem o dobro, não podiam supportar similhante despeza.

No entretanto o governo está satisfeito, visto que as receitas têem crescido de modo sensivel, porque vive na doce illusão de que o contribuinte ainda lá tem rendimentos de sobra. (Riso.)

Emquanto o governo estiver convencido de que o contribuinte tem recursos de sobra, está inquieto por saber o modo como lhos ha de tirar.

Os illustres ministros só dormirão descansados quando se desenganarem de que o contribuinte já não tem que dar. (Riso.)

Então ficarão tranquillos, porque a força das cousas os obrigará ao quietismo e ao rapouso.

Eu convido o governo a apresentar quanto antes as providencias indispensaveis para melhorar o estado da fazenda publica, visto que o discurso dia corôa nos promette alargamento de despeza, e augmento de imposto.

Uma vez que o governo julga aciidir á situação difficil em que nos achâmos, com o augmento de impostos, sempre quero ver qual é a materia collectavel que elle escolhe para elovar os tributos, pois que nas suas ultimas providencias financeiras já elle tributou o sal e o pão.

Desde que o ultimo recurso para o governo em materia de impostos, foi o sal e o pão, apresentará agora de certo alguma providencia para tributar o ar e a luz, alguma contribuição sobre as portas e janellas.

Em todo o caso a baixa dos nossos fundos no primeiro mercado do mundo é um facto fia mais alta gravidade. Não assenta, é verdade, esta desconsideração, que soffremos no mercado de Londres, em fundamentos solidos.

Para pagar os encargos actuaes, e alguns de novo mais urgentes e inadiaveis, temos nas recursos.

Mas é preciso prudencia e juizo para não nos envolvermos em grandes commettimentps, porque se corre o risco de não deixar aos contribuintes nem o indispensavel para se sustentarem a si e á sua familia.

É o governo portuguez quem tem dado margem a esta desconfiança dos mercados pela sua pessima administração.

Constantemente tenho pugnado porque se entro em vida nova, mas é trabalho baldado.

Eu porém não cessarei de seguir n'este caminho.

Se o governo e a camara julgarem conveniente cruzar os braços em presença da situação grave em que se encontra o paiz, eu hei de ser tambem victima do desastre que ha de abranger a todos, mas ao menos hei de ficar em paz com a minha consciencia. Os processos de governo, seguidos em Portugal, principalmente nos ultimos annos, é que têem preparado os golpes que estamos recebendo no nosso credito. Haverá dezoito para dezenovo annos que se começou de levantar divida fluctuante nas praças estrangeiras, não como antecipação: de receita, mas como meio de occorrer ao deficit. Levanta-se hoje aqui para pagar ámanhã acolá, saldando-se alem d'isso os juros d'estes emprestimos com novos emprestimos.

Foi este systema de administração que conduziu a Turquia e o Egypto á tristissima situação, em que hoje se encontram estes dois paizes.

A existencia da divida consolidada não é incompativel com a boa gerencia financeira de um paiz. Grande divida

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consolidada tem a Inglaterra e os Estados Unidos da America, e bem prosperas são as suas finanças.

Mas a administração financeira, que recorre á divida fluctuante, como expediente ordinário para saldar o déficit é sempre ruinosa, e indicador seguro de que a situação financeira do paiz é desgraçada.

A divida fluctuante, como representação da receita d estado, é elemento indispensavel de governação publica porque as epochas da cobrança da receita não coincidem com as epochas da applicação do dinheiro ás despezas legaes; e por outro lado seria anti-economico conservar arcadas e immobilisadas grandes sommas á espera, da occasião em que deviam ser empregadas.

Mas a nossa divida fluctuante é em regra destinada a acudir ao deficit, e a cobrir o saldo entre a receita e a despeza; e esse systema começou de crear-nos grande desfavor, senão descredito lá fóra.

As nações desacreditam-se como os individuos. O negociante que vive do giro de letras, e que no praso do ven cimento não paga nem amortisa, e antes reforma com os juros accumulados o papel cambial, não póde ter credito na praça. Ora, em Portugal a vida financeira ordinaria é viver de divida fluctuante. Mal se colloca um emprestimo consolidado para resgatar divida fluctuante logo este começa, não de nascer, porque nunca se consolida sem ficar fermento, mas de continuar e de se desenvolver.

Os nossos governos fizeram em 1867 um emprestimo de 25.000:000$000 réis; em 1869 um emprestimo de réis 54.000:000$000; em 1873 um emprestimo de réis 38.000:000$000; em 1877 um emprestimo proximamente de 30.000:000$000 réis; em 1880 um emprestimo de réis 40.000:000$000; e em 1884 um emprestimo de réis 42.000:000$000!

Todos estes emprestimos se fizeram para se acabar com a divida fluctuante, e ahi temos nós divida fluctuante, e com todas as proporções para crescer e medrar!

Póde o paiz seguir neste caminho sem um gravissimo perigo, e póde o governo sem imprudencia annunciar ao povo que o fomento exige nova despeza para o que o ministro da fazenda apresentará as respectivas propostas?

E eu, mencionando os empréstimos contrahidos desde 1867, referi-me unicamente á divida consolidada. Não metti em linha de conta pequenos emprestimos contrahidos sob outras formas, nem a divida araortisavel, creada para construir os caminhos de ferro do Minho e Douro e para occorrer aos encargos com muitos outros serviços, a qual vae alem de 30.000:000$00 réis.

Um paiz pequeno, com os seus recursos muitos exhaustos, com uma administração que durante tantos annos cuida de tudo menos da fazenda publica, não póde surprehender-se com os testemunhos de desconfiança que recebe dos mercados estrangeiros.

A baixa dos fundos em Londres é apenas a amostra do que ha de vir, e de que só os governos tem a culpa.

Pois nós acabâmos de fazer um emprestimo monstro de 42.000:000$000 réis, e temos já a divida fluctante a crescer, e não queremos que desconfiem de nós os que nos entregaram os seus capitães?

A divida fluctuante não se incommodou nada com aquelle emprestimo.

A divida fluctuante é a semente mais productiva, que nós temos no paiz, está do tal maneira aclimatada que os governos nem pensam em extirpal-a de vez. Conservam sempre a semente, guardada na caixa geral dos depositos!

Portanto a divida fluctuante não morreu; guarda-se em deposito, como elixir para a salvação da nossa administração financeira!

A esta situação, já de si difficil, acresce um deficit que é de aterrar para as nossas circumstancias economicas.

Sr. presidente, desde 1876 que eu perdi o costume de calcular o deficit segundo as regras estabelecidas no regulamento de contabilidade publica, e mais legislação respectiva.

Para não estar a perder o meu tempo, calculo o deficit segundo o costume da terra, isto é, entre 6.000:000$000 a 8.000:000$000 réis por anno. Infelizmente para o paiz ainda me não enganei.

Mas nos encargos previstos no orçamento não estão ainda comprehendidas todas as despezas que nos esperam. A conclusão dos caminhos de ferro de sul e sueste e do Douro, e a construcção dos caminhos de ferro da Beira Baixa, de Mirandella e de Vizeu, exigem do paiz novos e violentos sacrificios.

Já não fallo do porto de Leixões, orçado em 4.500:000$000 réis por conta, que nunca se ha de acabar.

E para darmos a ultima prova da nossa previdencia financeira, até o governo se empenha em dotar desde já o porto de Lisboa, não com os melhoramentos do que elle precisa, mas com umas obras de estrondo, que foram orçadas em 15.000:000$000 réis por conta!

Tambem não quero neste momento metter em linha de conta o déficit das provincias ultramarinas, que é grande, e que ha de ser todo saldado á custa da metropole.

Ora, é em presença de circumstancias tão difficeis, que assoberbam a fazenda e a administração, e que tem em sobresaltado o espirito publico, que o governo está tranquillo e socegado, preoccupando-se unicamente com a interpretação do accordo, e com o tempo em que o accordo findou ou se rompeu!

Mas não é só o governo que brilha pela singular administração que consiste em despender muito alem da receita. As juntas geraes de districto, as camaras municipaes, e até as juntas de parochia, tornaram-lhe o exemplo, e lá vão ellas a marchas forçadas no mesmo caminho de ruina financeira!

Arranjou-se para aquellas corporações um código administrativo, que, a pretexto de descentralisação, as investisse no pleno direito de se empenharem.

Em todos os paizes liberaes descentralisar é arrancar á auctoridade publica e dar aos cidadãos os direitos que á estes pertencem, e que a auctoridade lhes trazia usurpados.

Em Portugal, porém, descentralisar é dar ás corporações administrativas o direito de se empenharem á vontade! Como a materia prima do imposto é a mesma, como a unidade tributaria, chamada contribuinte, é a mesma, as juntas de parochia, dando-se as mãos com as camaras municipaes e com as juntas geraes de districto, para beberem o sangue do contribuinte, hão de obrigar o governo a liquidar, se providencias promptas e energicas não pozerem termo á anarchia tributaria em que vivemos.

Nós não sabemos a cifra a que attingem os emprestimos contraídos pelas corporações administrativas, porque esses lementos, ainda o governo os não confiou se os tem, á fiscalisação parlamentar. E sem nós sabermos ao certo qual é a somma total dos encargos que oneram o paiz, ou estes encargos fossem lançados pelo poder central, ou pelas juntas geraes de districto, ou pelas camaras municipaes, ou pelas juntas de parochia, ou pelas juntas das congruas, não podemos avaliar a situação do contribuinte e o estado economico do paiz. (Apoiados.) O que eu sei, porém, é que o empenho é grande, porque as corporações administrativas, orno o governo, não param na carreira vertiginosa dos emprestimos.

Ainda nos fins do anno passado eu notei, que, no mesmo dia e para a mesma localidade, se concedeu auctorisação para dois ou tres emprestimos, a corporações que rara differentes, mas que todos haviam de pesar sobre o contribuinte que era o mesmo. E para obterem auctorisação do ministerio do reino as corporações, que d'essa auctorisação precisam para contraírem emprestimos, não encontram ellas difficuldades.

Se alguma corporação tivesse a ousadia de propor ao

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governo a suppressão de algum dos muitos empregos inúteis, que por ahi se mantêem á custa do povo, é natural que encontrasse grandes obstaculos á realisação dos seus desejos. Mas para se empenhar não encontra de certo embaraços.

Não ha elementos publicados a respeito dos empréstimos para a parochia, para o municipio, e para o districto, para podermos avaliar qual é a sorte dos contribuintes em algumas freguezias.

Não ha, pois, elementos officiaes fornecidos pelo governo para apreciar a situação financeira das corporações administrativas.

Mas pelo que consta do ultimo relatorio da companhia de credito predial se póde já contar que ellas vão no mesmo caminho do governo!

Os emprestimos feitos ás camaras municipaes por aquella companhia até 31 de dezembro de 1883 já montam á somma de 2.400:000$000 réis, e os emprestimos feitos aos districtos, pela mesma companhia, e até á mesma data, já vão em 3.000:000$000 réis!

Os emprestimos, que se fizeram áquellas corporações por aquelle mesmo estabelecimento de credito desde 31 de dezembro de 1883 até hoje, não sei eu, assim como não posso saber as quantias que as mesmas estabelecimentos tomaram de emprestimo de outros individuos ou corporações, nem a importância das dividas que hoje oneram as parochias.

Deve ser muito grande o empenho das corporações administrativas.

No mesmo relatorio se declara, não sei com que fundamento, mas com a auctoridade que lhe dá a assignatura do sr. presidente do conselho, que a divida hypothecaria dos particulares anda por 40.000:000$000 réis!

Ora com o paiz em tão difficeis condições economicas e financeiras, corre ao governo o imperioso dever de pôr de parte, ao menos por momentos, o tal accordo, para indicar ás côrtes as medidas com que pretende occorrer aos perigos de uma situação tão melindrosa, e aquietar o espirito publico que está tão desasocegado.

Se para vencer e debellar as difficuldades da nossa situação economica e financeira for necessario dar cabo do accordo, de modo que elle morra de morte natural para sempre, todos farão de certo mais esse sacrificio patriotico para se chegar a tão grandioso resultado. (Apoiados.)

É preciso, não só pôr ponto no augmento de despezas, que não sejam urgentissimas e inadiaveis, mas estudar os meios de pagar as que já são effectivas, e as já votadas, que mais dia menos dia hão de vir avolumar os encargos do orçamento.

Tem-se gasto á larga. Até já se concedeu o direito de aposentação aos governadores civis, aos empregados dos governos civis, aos empregados das juntas geraes, aos empregados das camaras municipaes, e aos empregados das administrações dos concelhos.

Que o estado venha em soccorro do official militar, ou do magistrado judicial, que não podem dedicar-se a outra ordem de funcções, que precisam de larguissimas habilitações e de um grande aprendizado para desempenharem a sua alta missão, comprebende se e é rasoavel.

Mas collocar no mesmo pé de igualdade os empregados das administrações dos concelhos, e os amanuenses das camaras municipaes, para que ha pretendentes aos centos, e para que não são precisas outras habilitações a não ser a protecção de algum vereador influente, ou de algum magnate da terra, só o póde fazer uma nação que vive em tal abundância, que não snbf o que ha de fazer ao dinheiro.

Com esta larguissima faculdade de aposentações, dentro em poucos annos as corporações administrativas hão de ter que sustentar varias series de empregados, como hoje sustenta o estado, com grave perigo para a boa ordem das suas finanças.

Quem abre o orçamento não póde ver sem horror o que se gasta com as classes inactivas. Basta só ler o orçamento na parte relativa ao ministerio da guerra! Nenhum paiz, guardadas as devidas proporções, supporta tão avultada despeza!

Estou intimamente convencido de que os srs. ministros vivem na idéa de que o paiz está riquissimo, e de que o povo não sabe o que ha de fazer aos seus rendimentos.

O governo não conhece o paiz, e devia estudar a situação economica e financeira em que nos encontrâmos.

O sr. presidente do conselho já nos fallou das suas viagens pelo paiz; mas creio que pouco estudou, ou se alguma cousa estudou, nada aproveitou.

O sr. presidente do conselho já nos declarou que tinha viajado desde Bragança até Villa Real de Santo Antonio.

Mas como viajou?

Desfructando, de certo, todas as commodidades que se podem gosar, ou no caminho de ferro, ou nas estradas ordinárias; mas nunca presenciou, de certo, nem elle, nem os outros srs. ministros, como eu tenho presenciado muitas vezes, o almoço e o jantar do pobre trabalhador do campo, do pobre operário, que ás vezes nem o chamado caldo negro de Esparta tem para se alimentar. Se os srs. ministros fizessem idéa exacta da situação desgraçada em que vive o povo portuguez, estremeceria em presença da idéa de augmentar as despezas, e de aggravar os sacrificios. Em Lisboa mesmo, a maior parte da gente não faz idéa da situação penosa em que se encontra a maior parte dos habitantes da provincia.

Quantas vezes eu leio nos jornaes reclamações e queixas, pedindo providencias contra a má situação em que se encontram as classses pobres de Lisboa, que nem têem carne para comer.

Ora é tão verdade que uma grande parte dos habitantes da capital não come carne, como é verdade que raras são as pessoas que a comem nas provincias?

Na provincia só comem carne as pessoas abastadas. As classes pobres, que são as mais numerosas, comem carne por festa n'alguns dias do anno.

Quem nunca saiu de Lisboa, suppõe que nas províncias se vive em grande abundancia, que nas provincias ha sobras para todas as despezas creadas e em projecto, e engana-se redondamente.

O contribuinte porém fica sempre debaixo da ameaça de que lhe vão buscar sobras, e nunca se vê livre de ter pendente sobre a cabeça esta espada de Damocles. Mas, continuando na minha ordem de idéas, peço ao governo que, no interesse de socegar a nação e os capitães estrangeiros que parecem preocupados com a nossa situação economica e financeira, nos diga quaes são os meios com que tenciona occorrer ao deficit do futuro anno economico, que é enorme.

Com que meios conta tambem o governo para concluir os caminhos de ferro do Algarve, e do Douro, e o porto, de Leixões, e para subsidiar a construcção dos caminhos de ferro da Beira Baixa, de Vizeu, de Mirandella, de Alfarellos, e tambem a eonstrucção de um caminho de ferro em territorio estrangeiro. Não pesam já sobre o nosso orçamento todos os encargos, mas mais dia menos dia têem de ser inscriptas no orçamento as verbas indispensaveis para levarmos a cabo todos estes grandes commettimentos.

As providencias de augmento de impostos que o governo conta apresentar, para occorrer a todas estas despezas, é que eu não sei nem posso adivinhar; e preciso de sabel-o, não para satisfazer curiosidades, mas para socego do paiz, e para tranquillidade dos mercados estrangeiros.

Se o sr. presidente do conselho estivesse presente eu havia de convidal-o a declarar do modo mais positivo, e solemne, se as providencias já annunciadas, de augmento de despeza com obras grandiosas, quer no continente, quer no ultramar, haviam de ter seguimento sem embargo da baixa dos nossos fundos no mercado de Londres, e do silencio do governo ácerca das providencias que tencionava apresentar às cortes para occorrer às nossas necessidades financeiras, tanto de momento, como de futuro.

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Os assumptos politicos, sobre que eu queria fallar, até porque a elles me chamava o debate, não posso tratal-os senão na presença do sr. presidente do conselho.

Ao governo, e especialmente ao sr. ministro da fazenda, pergunto agora apenas quaes são as providencias tributarias que tenciona apresentar para consolidar a nossa situação economica e financeira, e para occorrer aos augmentos de despeza, que o discurso da corôa nos annuncia.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

Leu-se na mesa a seguinte:

Moção de ordem

A camara convida o governo a apresentar sem demora as providencias indispensaveis para occorrer ás difficuldades gravissimas da nossa situação economica e financeira. - Dias Ferreira.

Foi admittida.

O sr. Ministro da Fazenda (Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro):- Quando o illustre deputado, e meu amigo, o sr. Dias Ferreira pediu a palavra e mandou para a mesa uma moção de ordem, baseada sobre as deploraveis circumstancias financeiras em que s. exa. julga que nos encontrâmos, sobre os graves riscos que corremos, e sobre a necessidade que o parlamento tem de prestar toda a attenção a um dos mais graves assumptos da administração publica, julguei que ía ouvir um d'aquelles largos e fundamentaes discursos de s. exa., architectado sobre factos e algarismos, sobre dados incontestaveis, sobre premissas irrefutaveis e sobre o que mais poderia chamar verdadeiramente a attenção dos homens publicos, com referencia a um assumpto que s. exa. dizia ser grave.

Mas, com mágua o digo, pela consideração que o illustre deputado me merece, pelo alto conceito que formo de s. exa. e pelo modo como em todas as pugnas parlamentares costuma apresentar-se, quando eu esperava ouvir apresentar factos para mim, como ministro da fazenda, difficeis de contestar; quando eu esperava a apresentação de dados estatisticos, problemas a resolver, e ao mesmo tempo uma apreciação clara e franca de tudo isso, e até mesmo a indicação das medidas que s. exa. podia reputar salvadoras para o paiz; (Apoiados.) porque não basta dizer que a nossa situação financeira é grave, nem basta apontar os escolhos; é tambem necessario saber onde poderemos encontrar um navegante experimentado que possa sondar, que saiba indicar o rumo a seguir em salvação de todos; porque não basta dizer que o estado das finanças é um risco, já para a nossa existencia politica, já para o funccionar da nossa administração publica; mas convém tambem saber, da parte de homens notaveis como s. exa., quaes os meios, quaes os expedientes e quaes as providencias de que podemos lançar mão para conjurar essa crise afflictiva, convertendo-a em um estado de prosperidade relativa muito mais facil; quando eu esperava, repito, um ataque em columna cerrada contra o ministro da fazenda, encontro-me apenas diante de algumas considerações, expostas muito graciosamente e com a fluencia de citações peculiar a s. exa., mas que a par d'isto, no que respeita propriamente á questão de fazenda, permitta-me o illustre deputado que com franqueza e com a maior consideração lh'o diga, muito pouco offerecem ellas de importante a que eu tenha de responder.

S. exa. dirigiu-se a mim, a proposito de uma phrase que se encontra na resposta ao discurso da corôa. Parecia que essa phrase é que tinha concitado as iras do illustre tribuno contra o governo, o qual s. exa. parece não querer acompanhar no seu modo de administrar a fazenda publica.

Na resposta ao discurso da corôa diz-se que o estado da fazenda publica é sufficientemente desaffrontado para não inspirar receios; mas inspira-os a s. exa. no momento actual, por lhe parecer que os recursos de que podemos dispôr não são sufficientes para resolver as difficuldades em que nos encontrâmos.

A phrase a que me refiro mantenho-a eu em toda a sua plenitude até que me apresentem os argumentos com que a impugnam para então responder.

Ha um periodo que de certo causou mais reparo ao illustre deputado. É aquelle em que se faz referencia ao augmento de despeza que o fomento da riqueza publica tem produzido e a que é preciso acudir, como diz s. exa., com a apresentação de largas medidas de fazenda, desejando ao mesmo tempo saber quaes são essas providencias que diz não conhecer, nem poder adivinhar em que consistam!

Que outras viessem lançar n'esta casa as accusações mais fortes, as apreciações mais apaixonadas, as phrases mais violentas como uma administração, a proposito da nossa questão financeira, comprehende-se, e isso não me admiraria; mas que ellas partissem do illustre deputado, que foi ministro da fazenda; que viessem da parte de s. exa., que foi chefe de um grupo politico importante, e que é um estadista de todo o ponto respeitavel, com graves responsabilidades no passado e grandes esperanças no futuro, confesso que não o esperava, nem nunca o imaginei. (Apoiados.)

Pois é possivel que seja s. exa. quem venha affirmar perante o parlamento, que não sabe, nem adivinha quaes possam ser as providencias necessarias para debellar as difficuldades que assoberbam a fazenda publica?!

Essa indifferença esse desanimo condemnavel, a meu ver, no illustre deputado mais do que n'outro qualquer, é que eu não esperava que se manifestasse n'uma alma tão forte e aberta a todos os sentimentos nobres e generosos, n'um espirito altamente illustrado, e tão notavel em todas as luctas e em todos os combates parlamentares. (Apoiados.)

E a par de taes premissas, que, com franqueza, não me parece que sejam vernaculamente financeiras, dizia s. exa. mui desafrontadamente, com aquella ligeireza de animo que lhe é propria, o que não quer dizer que não seja com aquella profundeza de exame que lhe é peculiar; que um paiz com divida consolidada está bem; mas que está mal o que tiver uma divida fluctuante!

Pois é isto premissa que em boas finanças se possa admittir?!

Póde porventura affirmar-se que, seja qual for a divida consolidada de um paiz, é desafogada, a sua situação financeira e a sua posição isenta de perigos?

Pois, se os encargos d'essa divida se estenderem e avolumarem muito, alem das justas proporções com as receitas, esse paiz continua, em boa situação, só porque tem divida consolidada e não tem divida fluctuante?!

Pois só está mal o paiz que tem divida fluctuante, muito embora a divida consolidada se ache reduzida ás minimas proporções?!

Mas dizia o illustre deputado: «ainda quando a divida fluctuante é de representação de receita, comprehende se, mas quando é de recurso ao credito, não»; e acrescentava: «a divida fluctuante devia ter desaparecido em virtude do ultimo emprestimo, e comtudo vejo que cresce já hoje, apparecendo na importancia de dois mil e tantos contos do réis.»

Mas póde s. exa. affirmar que não é de representação de receita a divida fluctuante? Quem lh'o disse que não era? (Apoiados.)

Pois s. exa. não sabe, que na lei do orçamento do anuo passado ha uma disposição que declara o seguinte:

(Leu.)

Pergunto a s. exa. se a divida fluctuante está realmente em 2.500:000$000 réis.

Não me consta; e até talvez possa demonstrar o contrario com o balancete que aqui tenho á vista.

No dia 1.° de dezembro ultimo, a divida fluctuante era de 2.169:000$000 réis, e note o illustre deputado que antes d'aquelle dia era de l.214:000$000 réis.

Quando o anno passado eu apresentei a proposta de lei ácerca do emprestimo, declarei logo, que não contava amor-

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322 DIARIO DA CAM&RA DOS SENHORES DEPUTADOS

tisar completamente a nossa divida fluctuante, julgava mesmo conveniente nem necessario amortisal-a de todo. Referia-me a uma parte, que dizia respeito á junta do credito publico, e não admira, por conseguinte, que nos mezes anteriores, de setembro, outubro e novembro, a nossa divida fluctuante fosse de 1.214:000$000 réis.

Esta verba, comparada com a de 2.169:000$000 réis, dá uma differença de 955:000$000 réis, que apresentam o acrescimo resultante do pagamento do coupon em Londres, que n'essa occasião o paiz teve de fazer.

Já o illustre deputado vê, que. Se é só n'isto que se baseia a sua indignação, não é ella, permitta-me dizer-lhe, de modo algum justificada, porque tudo se faz inteiramente nos termos das disposições orçamentaes do anno passado.

É um horror, exclamava ainda s. exa., o que nós gastâmos com as classes inactivas. Ora n'este ponto concordo eu com s. exa. A verba é realmente grande. Mas não basta dizer que é grande; é preciso saber que meios ha para diminuir ou reduzir essa despeza. Sabe o illustre deputado quaes são? É de crer que não, porque s. exa. tambem não sabe, não adivinha, nem sonha que providencias possam melhorar o estado da fazenda publica!

Pois eu digo ao illustre deputado que quando vier á camara o meu relatorio da fazenda, entre as propostas que com elle tenho a apresentar, algumas ha que satisfarão ás aspirações de s. exa., porque tendem a occorrer aos encargos das classes inactivas.

Visto que s. exa. está tão preoccupado com a despeza das classes inactivas, desde já quero dar esta consolação á alma do illustre deputado, para que volte hoje mais tranquillo para sua casa.

Quanto ao mais, s. exa. não fez senão referir-se ao incremento da riqueza publica, pondo-a em duvida; e acrescentou que, se o incremento d'essa riqueza estava só na elevação da receita do thesouro, de pouco servia isso, visto que, a par dessa elevação, decrescem os rendimentos e recursos das classes menos abastadas.

N'esta ordem de idéas perguntava s. exa.: augmento de riqueza aonde?

Qual é o facto indicativo d'ella?

Está só na elevação da receita?

E eu digo: como é que s. exa. não encontra n'essa elevação de receita, sem precisar recorrer a alguma cousa mais, symptoma algum de augmento de riqueza publica?

Então a cobrança dos rendimentos dos impostos indirectos não demonstram que as transacções mercantis se avolumam?

E este augmento não mostra mais vida, mais animação, mais riqueza do paiz?

É verdade que s. exa. disse não ter ido desde Villa Real de Santo Antonio até ao Minho, aliás talvez tivesse mudado de opinião!

O que me parece é que s. exa. o fez, embora o não queira agora declarar, não direi por uma pirraça para com o ministro da fazenda, porque não quero servir-me d'esta phrase, mas, emfim, por menos dedicação para com quem gere esta pasta.

Na sua digressão, se a fez, como creio, s. exa. devia reconhecer os largos beneficios implantados no paiz por uma lucta de ha muitos annos tenazmente sustentada, e que são o resultado da boa vontade de todos os partidos e dos patrioticos desejos de todos os estadistas; e se o illustre deputado reconheu que ha caldo magro, tambem deve ter visto que ha largas e abundantes fontes de riqueza, que ninguem póde desconhecer, e que s. exa. não podia vir ao parlamento contestar.

Nada mais notei no discurso do sr. Dias Ferreira que exija uma resposta da minha parte. Se eu occupasse o logar do sr. Fontes e ouvisse as largas explanações que o illustre deputado se propunha fazer á camara, teria do certo muito prazer de corresponder ao convite de s. exa. com uma resposta. Mas s. exa. não encontrando diante de si o sr. presidente do conselho, poz de parte todas as considerações politicas que tencionava fazer, e com magua teve de referir-se apenas á questão de fazenda.

Pela minha parte, como nada mais posso apurar, no discurso do illustre deputado, nada mais tenho a responder a s. exa.

Vozes: - Muito bem.

(S. exa. não revê os seus discursos.)

O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é a continuação da de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram mais de cinco horas da tarde.

Redactor = S. Rego.

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