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SESSÃO DE 30 DE JANEIRO DE 1886

Presidencia do exmo. sr. Ignacio Francisco Silveira da lota

Secretarios os exmos. srs.

João José d'Antas Souto Rodrigues
Henrique da Cunha Matos de Mendia

SUMMARIO

Deu-se conta dos seguintes officios: 1.° Do sr. deputado Luciano Cordeiro, offerecendo á camara 150 exemplares dos seus discursos sobre a questão do Zaire, proferidos na ultima sessão legislativa; 2.° Do ministerio das obras publicas, participando que a collocação official de cada um dos engenheiros e conductores na classificação feita em virtude da ultima reforma da engenheria, collocação de que o sr. Simões Dias requererá uma nota, não foi ainda decretada; 3.° Do ministerio dos negocios estrangeiros, participando, em resposta a um requerimento do sr. Ferreira da Almeida, que não existe n'aquelle ministerio divida alguma á fazenda publica de funccionarios que tenham servido no ultramar; 4.° Do ministerio da marinha, remettendo a nota do estado dos alcances da differentes funccionarios da fazenda naval, requerida pelo sr. Ferreira de Almeida; 5.° Do ministerio do reino, indicando, em resposta a um officio da mesa da camara dos senhores deputados, no qual era requisitado um empregado para ser encarregado da direcção dos trabalhos de estatística das discussões da mesma camara, o bacharel Marcai de Azevedo Pacheco, sub-director geral do registo civil e estatistica no ministerio da justiça; 6.° Da presidencia da camara dos dignos pares, participando que o sr. Julio de Vilhena, que na presente legislatura foi membro da camara da senhoras deputados, tomou assento na camara como par eleito; 7.° Da presidencia da camara dos dignos pares, fazendo participação identica á antecedente, em relação ao sr. Joaquim José Coelho de Carvalho; 8.° Da presidencia da camara dos dignos pares, fazendo participação identica ás duas antecedentes, com relação ao sr. Pedro Roberto Dias da Silva. -Teve segunda leitura uma nota do sr. Pedro Diniz, renovando a iniciativa do projecto de lei n.° 42 da sessão legislativa de 1883. - Enviaram para a mesa representações: o sr. Franco Castello Branco, da camara municipal de Guimarães; o sr. Vicente Pinheiro, dos eleitores e contribuintes de Villa Nova de Famalicão; o sr. Guilherme de Abreu, da camara municipal de Vieira; o sr. Oliveira Peixoto, da camara municipal de Fafe; o sr. Albino Montenegro, da camara municipal de Felgueiras. - Apresentaram requerimentos pedindo esclarecimentos os srs. Teixeira Sampaio, Luiz José Dias, Joaquim José Alves e Almeida Pinheiro. - Enviaram notas de interpellação os srs. Consiglieri Pedroso e Emygdio Navarro. - Os srs. Teixeira Sampaio e Luiz José Dias chamaram a attenção do governo sobre a lei do recrutamento e sobre a necessidade de se publicarem regulamentos quanto ao processo a seguir nas reclamações dos mancebos recenseados; e quanto ás execuções fiscaes. - Responde-lhes o sr. ministro do reino, como respondeu ao sr. Simões Dias, que o interrogou sobre se tencionava apresentar algumas propostas relativas ao ensino publico. - Chamaram a attenção do governo sobre differentes assumptos os srs. Consiglieri Pedroso e Elvino de Brito. - Responderam os srs. ministros do reino e da marinha. - O sr. Coelho de Campos desejou saber se o governo tencionava apresentar n'esta sessão alguma providencia para combater a crise agrícola, e tambem que obste á falsificação dos nossos vinhos. - Responde-lhe o sr. ministro das obras publicas. - Justificaram faltas os srs. Manuel José Vieira e Pedro Gonçalves de Freitas.
Na ordem ao dia continua a discussão do projecto de resposta ao discurso da coroa. - Fallaram os srs. Luiz Osorio, que apresentou uma proposta, e João Arroyo, relator, respondendo aos oradores que tinham discursado, e estando a inscripção esgotada, ficou, pelo adiantado da hora, e por não haver numero na camara, para se votar na sessão seguinte.

Abertura - Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada - 62 srs. deputados.

São os seguintes: - Adolpho Pimentel, Agostinho Lucio, Albino Montenegro, Torres Carneiro, Alfredo Barjona de Freitas, Silva Cardoso, António Candido, Pereira Curte Real, A. J. da Fonseca, Lopes Navarro, Moraes Sarmento, A. M. Pedroso, Santos Viegas, A. Hintze Ribeiro, Urbano de Castro, Augusto Poppe, Neves Carneiro, Avelino Calixto, Caetano de Carvalho, Conde da Praia da Victoria, Cypriano Jardim, E. Coelho, Elvino de Brito, Fernando Geraldes, Vieira das Neves, Francisco de Campos, Guilherme de Abreu, Matos de Mendia, Silveira da Mota, Costa Pinto, Baima de Bastos, J. C. Valente, Searnichia, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, J. Alves Matheus, J. A. Neves, Ponces de Carvalho, Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Simões Ferreira, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Ferreira de Almeida, Laranjo, Oliveira Peixoto, Simões Dias, Pinto de Mascarenhas, Luciano Cordeiro, Luiz de Lencastre, Luiz Dias, Luiz Jardim, Luiz Osorio, Miguel Tudella, Barbosa Centeno, Vicente Pinheiro, Visconde dó Alentem, Visconde das Laranjeiras, Visconde de Reguengos e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adriano Cavalheiro, Lopes Vieira, Moraes Carvalho, Garcia de Lima, Sousa e Silva, Garcia Lobo, Cunha Bellem, Jalles, Moraes Machado, Carrilho, Almeida Pinheiro, Seguier, Pereira Leite, Barão de Viamonte, Sanches de Castro, Lobo d'Avila, Conde de Thomar, Conde de Villa Real, Ribeiro Cabral, Emygdio Navarro, Fernando Caldeira, Firmino Lopes, Francisco Beirão, Correia Barata, Castro Mattoso, Barros Gomes, Sant'Anna e Vasconcellos, J. A. Pinto, Melicio, Avellar Machado, Azevedo Castello Branco, Dias Ferreira, Elias Garcia, Pereira dos Santos, José Luciano, Lourenco Malheiro, Manuel d'Assumpção, M. P. Guedes, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Miguel Dantas, Pedro de Carvalho, Pedro Correia, Santos Diniz, Rodrigo Pequito, Tito de Carvalho, Visconde de Ariz, Visconde de Balsemão e Visconde do Rio Sado.

Não compareceram á sessão os srs.: - Agostinho Fevereiro, A. da Rocha Peixoto, Antonio Centeno, Antonio Ennes, Pereira Borges, Fontes Ganhado, Sousa Pavão, Pinto de Magalhães, Augusto Barjona de Freitas, Fuschini, Barão do Ramalho, Bernardino Machado, Carlos Roma du Bocage, Sousa Pinto Basto, Goes Pinto, Estevão de Oliveira, Filippe de Carvalho, Martens Ferrão, Wanzeller, Frederico Arouca, Guilhermino de Barros, Franco Frazão, Augusto Teixeira, Ribeiro dos Santos, Ferrão de Castello Branco, Sousa Machado, Correia de Barros, Borges de Faria, Lobo Lamare, Figueiredo Mascarenhas, Ferreira Freire, José Maria Borges, J. M. dos Santos, Luiz Ferreira, Bivar, Reis Torgal, M. da Rocha Peixoto, Correia de Oliveira, Manuel de Medeiros, M. J. Vieira, Aralla o Costa, Mariano de Carvalho, Martinho Montenegro, Guimarães Camões, Gonçalves do Freitas, Dantas Baracho, Pereira Bastos e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Da camara dos dignos pares do reino, participando que o exmo. sr. Julio Marques de Vilhena, que na presente legislatura foi membro da camara dos senhores deputados, tomou assento em sessão de 20 do corrente, como digno par eleito.
Á commissão de verificação de poderes.

2.° Da mesma camara, participando que o exmo. sr. Joaquim José Coelho de Carvalho, que na presente legislatura foi membro da camara dos senhores deputados, tomou as-

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sento em sessão de 29 do corrente, como digno par eleito.
Á commissão do verificação de poderes.

3.° Da mesma camara, participando que o exmo. sr. Pedro Roberto Dias da Silva, que na presente legislatura foi membro da camara dos senhores deputados, tomou assento em sessão de 29 do corrente, como digno par eleito.
Á commissão de verificação de poderes.

4.° Do ministerio dos negocios estrangeiros, participando, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Ferreira de Almeida, que não existe neste ministerio divida alguma á fazenda publica de funccionarios que tenham exercido funcções no ultramar.
Á secretaria.

5.° Do ministerio da marinha, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Ferreira de Almeida, nota do estado dos alcances dos differentes exactores da fazenda naval.
Á secretaria.

6.° Do ministerio das obras publicas, participando, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Simões Dias, que a collocação official de cada um dos engenheiros e conductores não foi ainda decretada.
Á secretaria.

7.° Do ministerio do reino, satisfazendo ao officio da mesa da camara dos senhores deputados, datado de 15 de dezembro ultimo, em que requisita um funccionario para desempenhar a direcção dos trabalhos de estatística das discussões da mesma camara, e indicando para esse serviço o sr. bacharel Marçal de Azevedo Pacheco, sub-director geral do registo civil de estatistica no ministerio da justiça.
Á secretaria.

8.° Do sr. deputado Luciano Cordeiro, remettendo 150 exemplares dos seus discursos, sobre a questão do Zaire, proferidos na ultima sessão legislativa.
Mandou-se agradecer.

Segunda leitura

Proposta para renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 42 da sessão legislativa de 1883.
Sala das sessões, 29 de janeiro de 1880. = O deputado, Santos Diniz.
Lida na mesa, foi admittida e enviada ás commissões do ultramar e de fazenda.

REPRESENTAÇÕES

1.ª Da camara municipal de Guimarães, pedindo a approvação do projecto de lei do sr. Franco Castello Branco, para desannexar este concelho do districto de Braga e unil-o ao do Porto.
Apresentada pelo sr. deputado Franco Castello Branco, enviada á commissão de administração publica, e mandada publicar no Diario do governo.

2.º Da camara municipal de Fafe, contra o projecto que tem por fim desannexar o concelho de Guimarães do districto de Braga.
Apresentada pelo sr. deputado Oliveira Peixoto, enviada á commissão de administração publica, e mandada publicar no Diario do governo.

3.ª Da camara municipal do concelho de Vieira, no mesmo sentido da antecedente.
Apresentada pelo sr. deputado Guilherme de Abreu, enviada á commissão de administração publica, e mandada publicar no Diario do governo.

4.ª Dos cidadãos eleitores e contribuintes do concelho de Villa Nova de Famalicão, no mesmo sentido.
Apresentada pelo sr. deputado Vicente Pinheiro, enviada á commissão de administração publica, e mandada publicar, no Diario da governo.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

1.° Roqueiro que, pelo ministerio da justiça, seja com a maior brevidade possivel, enviada a esta camara uma nota ou mappa que demonstre quantos mancebos (designando-se por seu nome e filiação) foram, em cada um dos annos de 1883, 1884 e 1880, emancipados em conformidade do n.° 2.° do artigo 304.° do código civil, nos districtos do Porto, Braga e Vianna, especificando se:
I. O districto, comarca e freguezia a que pertenciam ao tempo da emancipação;
II. Por quem foi concedida esta;
III. E tendo sido concedida por qualquer dos pães, se era ainda a esse tempo vivo o outro;
IV. Finalmente, se depois do emancipados mudaram de domicilio, para que freguezias e população destas e das que deixaram. - O deputado por Alijo, J. T. Sampaio.

2.° Roqueiro que, pelos differentes ministerios, sejam remettidos á camara com a maxima urgencia e antes de entrarem em discussão as propostas da fazenda:
I. Os originaes das facturas dos objectos fornecidos para o expediente do serviço das repartições do estado e para os fornecimentos que não foram effectuados por concurso, nos termos do artigo 65.° do regulamento de contabilidade publica;
II. Relação de todos os individuos que, sendo empregados públicos, estão em qualquer commissão fora da repartição a que pertencera, quer essa commissão seja de caracter transitorio, quer mais ou menos permanente, a nota dos ordenados que vencem e os originaes das ordens de pagamento de gratificações, e bem assim copia das portarias ou ordens emanadas do poder executivo, que nomearam esses empregados para as referidas commissões (1885);
III. Nota da somma total das despezas reservadas e confidenciaes feitas em cada ministerio, (1885);
IV. Nota das despezas variaveis de cada ministerio, e os titulos originaes comprovativos das mesmas despezas e as declarações dos chefes das repartições de contabilidade notificando a sua concordância ou discordância com a escripturação dos ministérios (1885);
V. Copia dos decretos do conselho do ministros que auctorisaram a transferencia de quaesquer verbas orçamentaes de artigo para artigo dentro do mesmo capitulo (1880);
VI. Pelos differentes ministerios os mappas indicativos de todos os contratos realisados durante o anno de 1885 e cujo valor seja superior a 500$000 réis. (1885.);
VII. As propostas e indicações feitas pela commissão permanente de contabilidade publica tendentes a melhorar o serviço da arrecadação e fiscalisação no despendio dos rendimentos publicos (1885);
VIII. Nota dos creditos extraordinarios ou supplementares, abertos pelo governo durante o anno de 1885, relação do tribunal de contas sobre esses creditos e copia das propostas dos ministros em respeito ao assumpto. = Luiz José Dias.

3.° Renovo o requerimento que fiz em 17 de janeiro de 1885, para serem enviados a esta camara os esclarecimentos que pedi, pelo ministerio da fazenda, com relação ao plano e orçamento das obras que se projectam realisar na rua Direita da Alfandega, em substituição dos predios co-

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meçados a demolir em fins de dezembro de 1884, e bem assim se essas obras dependem ou não das que dizem respeito ao porto de Lisboa.
Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, seja enviada a esta camara nota circumstanciada da importancia despendida com as diversas analyses chimicas mandadas executar pela direcção geral da alfandegas nos ultimos tres annos até ao presente, e os artigos sob que recaíram as mesmas analyses.
Requeiro que, pelo ministerio do reino, sejam remettidas a esta camara as informações que o sr. ministro respectivo, conforme a sua asseveração na sessão de 25 de abril de 1885, mandara colher, para saber se está ou não nas atribuições do poder executivo melhorar a sorte futura dos empregados do hospital de S. José. = J. J. Alves, deputado por Lisboa.

4.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja enviada a esta camara copia da acta ou das actas em que a camara municipal transacta, ao terminar á sua gerencia, aggravou as difficuldades financeiras do municipio contra as disposições do artigo 228.° do actual código administrativo.
Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja informada esta camara das circumstancias que levam a commissão executiva do novo município do Lisboa a transaccionar um empréstimo de 10.000:000$000 réis; e, se é o governo que garante esse emprestimo: a necessidade que ha de levantar tão grande somma, e os fins para que se pretende applicar. = J. J. Alves, deputado por Lisboa.

5.° Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, commercio e industria, mo sejam enviadas copias das representações dirigidas a Sua Magestade pelas camarás municipaes do districto de Villa Real relativamente ao caminho de ferro de Foz Tua a Mirandella, e das informações, consultas e despachos relativos a taes petições, com indicação das datas de entrada dessas representações no mesmo ministério. Declaro urgente a satisfação d'este pedido. = O deputado pelo circulo 23, Almeida Pinheiro.
Mandaram-se expedir.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PARTICULAR

De Bernardo Meirelles Leite, juiz de direito da comarca de Sotavento de Cabo Verde, pedindo que lhe seja contado como tempo de serviço de juiz, para todos os effeitos, o tempo que serviu desde a data de 2 de setembro de 1878.
Apresentada pelo sr. deputado Barbosa Centeno, e enviada ás commissões de fazenda e do ultramar.

INTERPELLAÇÕES

1.ª Desejo interpellar o sr. ministro dos negocias estrangeiros sobre o procedimento da legação portugueza no Brazil com respeito ao assassinato do nosso compatriota Manuel de Sousa, ocoorrido no Pará na noite de 23 para 24 de junho de 1885. = O deputado, Z. Consiglieri Pedroso.

2.ª Desejo interpellar os srs. ministros da justiça o da fazenda sobre o decreto n.° 5 de 17 de setembro de 1885, que considero offensivo dos princípios constitucionaes e das garantias individuaes. = Emygdio Navarro.
Mandaram-se expedir.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Declaro a v. exa. e á camara que o meu collega Manuel José Vieira não tem podido comparecer ás sessões por motivo justificado. = O deputado, Henrique Sant'Anna e Vasconcellos.

2.ª Declaro a v. exa. e á camara que o meu collega Pedro Maria Gonçalves de Freitas não póde comparecer á sessão de hoje por motivo justificado. = O deputado, Henrique Sant'Anna e Vasconcellos.
Para a acta.

O sr. Presidente: - A camara agradece a offerta que consta do officio que se leu do sr. Luciano Cordeiro, e vou mandar fazer a distribuição dos exemplares.
O sr. Franco Castello Branco: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Guimarães pedindo a esta camara se digno approvar o projecto de lei que tive a honra de apresentar, e pelo qual a cidade de Guimarães fica desannexada do districto de Braga.
Peço mais a v. exa. se digne consultar a camara sobre se permitte que esta representação seja publicada no Diario do governo.
O sr. Presidente: - Os srs. deputados que approvam que a representação apresentada pelo sr. deputado Franco Castello Branco seja publicada no Diario do governo, têem a bondade de se levantar.
A camara consentiu na publicação.
O sr. Teixeira de Sampaio: - Apresentou um requerimento, pedindo ao governo copia do mappa que demonstre quantos mancebos foram, em cada um dos annos de 1883, 1884 e 1885, emancipados em conformidade do n.° 2.° do artigo 301.° do codigo civil, nos districtos do Porto, Braga e Vianna, especificando-se: o districto, a comarca e a freguezia a que pertenciam ao tempo da emancipação, por quem foi esta concedida, e se depois d'ella mudaram de domicilio.
Disse que a legislação sobre o recrutamento carece de modificações, especialmente pelo que toca á disposição que manda attender ao domicilio do mancebo, para ser recenseado.
Em virtude d'essa disposição muitos mancebos, depois de emancipados, mudam de domicilio indo para uma freguezia, que, por ter muito poucos fogos, dá apenas um recruta, e assim por uma insignificante quantia se livram do serviço militar.
Chamava a attenção do sr. ministro do reino para esto assumpto.
O requerimento mandou-se expedir.
O sr. Luiz José Dias: - Pedi a palavra para mandar para a mesa um requerimento, pedindo esclarecimentos ao governo; mas antes de ler esse requerimento não posso deixar de declarar que me associo ás idéas sensatas que acaba de expôr o meu collega e amigo o sr. Sampaio, com respeito á lei de recrutamento.
Effectivamente, a lei do 21 de maio de 1884 está defeituosa e incompleta; defeituosa pelos inconvenientes que o orador precedente apontou e ainda por muitos outros, e incompleta na parte que respeita ás reclamações para isenção de recrutamento e ás execuções fiscaes.
O artigo 15.° d'esta lei extingue as commissões districtaes, ou antes tira-lhes as attribuições que lhes conferia o artigo 13.° do decreto de 28 de janeiro de 1879, passando as para o poder judicial.
E, portanto, é perante este poder que correm os processos de reclamações ácerca do recrutamento militar; mas a lei não determina e a forma e o modo como taes reclamações devem ser processadas, e no código do processo civil não ha prescripções que se possam adaptar convenientemente a este serviço.
Não ha, pois, uma norma certa, segura e invariavel, pela qual o poder judicial se deva regular, e d'aqui vem que cada juiz adopta como fórma de processo uma regra qualquer, suggerida pelo seu bom senso, pela equidade ou pelo arbitrio; e é por isso que em algumas comarcas todos esses processos são indeferidos, n'outras obtêem todos provimento e noutras são deferidos alguns e indeferidos outros.

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Este cahos e esta desordem, n'um ramo tão importante do serviço publico, não póde nem deve continuar.
É, pois, de urgente necessidade remodelar a lei com relação aos defeitos apresentados e publicar os regulamentos indispensaveis, que são a sua parte adjectiva, para que se torne exequivel na pratica e produza os salutares effeitos, que o legislador teve em vista.
Pelo que respeita ás execuções fiscaes, esta lei é por emquanto letra morta, por falta do regulamento a que se refere o § 3.° do artigo 2G.°
Já o anno passado alguns illustrados membros do poder judicial, pediram ao governo a prompta publicação desse diploma, mas até hoje ainda não appareceu.
A lei eleitoral teve era vista, como se sabe, cercar a capacidade eleitoral e o seu exercicio de todas as garantias do liberdade e independencia. Os dois principios mais importantes, n'ella consignados, são os do artigo 15.° e do artigo 26.°, aquelle com relação ao recrutamento militar e este ás execuções fiscaes; mas não podem tornar-se effectivas as garantias ali sanccionadas por falta de regulamento e normas de processo. É por isso que eu disse e affirmo que a lei, apesar de assignalar um notavel progresso em materia eleitoral, acha-se defeituosa e incompleta, e como se trata de um assumpto da mais alta importancia e interesse para o paiz, eu insto e peco, que por parte do governo se não façam esperar as providencias que o caso reclama. Feita esta exposição a que fui levado pelas considerações do illustre deputado, que me precedeu, passo a fazer a leitura dos requerimentos, que foi para isso que pedi a palavra.
Mas visto que acaba de chegar e se acha presente o sr. ministro do reino, não posso deixar de aproveitar a occasião para lhe fazer uma pergunta.
Desejo saber se o governo está resolvido a consentir que os deputados vão ás secretarias e repartições publicas examinar os processos e documentos que quizerem, para melhor se poderem habilitar a formar um juizo seguro e recto do modo como o governo administra as cousas publicas e gere os negocios do estado. Entendo que isto é de maxima conveniencia para todos, porque não só se evitam as delongas na remessa de muitos esclarecimentos, mas tambem se evita a distracção dos empregados das suas occupações ordinarias.
Se o governo tem a consciencia da moralidade e legalidade dos seus actos não poderá recusar um pedido desta natureza, e imitará o governo progressista de 1880 e 1881, que mandou franquear as repartições publicas e pôr á disposição de todos os deputados os processos e documentos n'ellas existentes.
É assim que procedem aquelles que têem a consciência pura e limpa de terem cumprido escrupulosamente os seus deveres.
Todos se lembram, da certo, de que alguns deputados d'aquelle tempo vinham todos os dias para a camara carregados de documentos originaes e que nenhum empregado publico ou repartição lhes creou o minimo embaraço.
Desejo, pois, saber se o governo está ou não resolvido a dar essas ordens terminantes, para que os deputados possam, querendo, ir lá examinar os processos e como o sr. ministra do reino está presente, espero que s. exa. se dignará responder, por parte do governo, a esta minha pergunta.
O sr. Ministro do Reino (Barjona de Freitas): - Aproveito a ocasião para responder ao illustre deputado que fallou antes de s. exa. com relação ás difficuldades nas questões de recrutamento, que foram approvadas e ampliadas pelo sr. Luiz José Dias.
Devo dizer a s. exas. que ao governo tem chegado noticia, não só de que ha differenças no modo de processar, mas ainda outras difficuldades na execução das leis ácerca do recrutamento.
O governo está estudando esse assumpto e colligindo informações, para poder apresentar ao parlamento quaesquer propostas, que sirvam para modificar esse estado de cousas, e aperfeiçoar a nossa legislação nesse ponto.
Emquanto ás perguntas que me acaba de fazer s. exa., não posso responder senão á que me diz respeito.
Eu tenho dado ordem na secretaria para que todos os papeis que sejam pedidos pelos srs. deputados, sejam enviados á camara com a maxima urgencia, e tambem não tenho duvida em annuir aos desejos de qualquer sr. deputado que se me dirija pedindo para ver quaesquer documentos existentes na secretaria, de modo compativel com o serviço publico.
S. exas. comprehendem que, se fosse livre a todos entrar nas secretarias á hora que quizessem, e empregar os empregados no serviço de exame dos processos de que carecessem, levaria isso todo o tempo em prejuizo do expediente. O governo representativo é um regimen de publicidade, menos para os negocios confidenciaes ou que estejam pendentes, cuja publicação é sempre má.
Em todo o caso eu não terei duvida nenhuma, quando qualquer sr. deputado me disser que tem empenho em ver qualquer papel, em lhe marcar dia e hora para o poder examinar, de fórma que não seja prejudicado o serviço publico nem o estado.
Fica assim deferido, nos devidos termos, o requerimento do illustre deputado.
O sr. Luiz José Dias: - Agradecendo as explicações que o sr. ministro do reino acaba de me dar, passo a ler á camara o meu requerimento.
(Leu.)
Como v. exa. vê e a camara, todos estes documentos são importantes para nos poder habilitar a melhor discutir as contas e o orçamento, que foram presentes á camara; por isso eu peço a urgencia da remessa destes documentos, porque, sem elles, mal poderemos apreciar o modo como foram arrecadados e despendidos os dinheiros publicos.
Peço a v. exa. se digne dar a estes requerimentos o devido destino.
O sr. Vicente Pinheiro: - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma representação de alguns cidadãos do concelho de Villa Nova de Famalicão contra o projecto do sr. Franco Castello Branco para a desannexação do concelho de Guimarães do districto de Braga. Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que esta representação seja publicada no Diario do governo.
Consultada a camara, resolveu afirmativamente.
O sr. J. J. Alves: - Mando para a mesa alguns requerimentos pedindo esclarecimentos ao governo. Podia fazer agora largas considerações sobre o assumpto d'estes requerimentos, visto estar presente o sr. ministro do reino; mas aguardo a remessa dos esclarecimentos que peço, para então fazer as observações que entender necessárias.
Peço a remessa urgente destes documentos, para o que v. exa. dará aos requerimentos o competente destino.
O sr. Guilherme de Abreu: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Vieira, pedindo que não seja approvado, o projecto do sr. Franco Castello Branco sobre a desannexação do concelho de Guimarães do districto de Braga.
Peço a v. exa. se digne consultar a camara sobre se permitte que esta representação seja publicada no Diario do governo.
Consultada a camara, resolveu affirmativamente.
O sr. Peixoto: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Fafe, pedindo a integridade do districto de Braga. São justissimas as rasões em que se funda este pedido, e eu associo-me a ellas completamente; e quando vier á discussão o projecto do sr. Franco Castello Branco, eu farei algumas considerações em favor da pretensão da camara municipal de Fafe.
Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se consente

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que esta representação seja publicada no Diario do governo.
Consultada a camara, resolveu afirmativamente.
O sr. Simões Dias: - Visto que está presente o sr. ministro do reino, quero chamar a attenção de s. exa. para algumas perguntas que vou fazer-lhe sobre negocios de interesse publico. Peco-lhe alguns momentos de attenção.
Desejo saber, primeiramente, se s. exa. tenciona trazer ao parlamento ainda n'esta sessão annual, algumas propostas de lei sobre o ensino publico?
Em segundo logar, e no caso affirmativo, qual a natureza d'essas propostas? Referem-se á instrucção primaria, á secundaria, á especial ou á superior?
Em terceiro logar, e tambem no caso affirmativo, o amor e o interesse de s. exa. por essas propostas é de tal ordem que o determine a apresental-as a tempo de poderem ser discutidas n'esta sessão parlamentar?
A camara comprehende que as minhas perguntas, tão innocentes e singelas, não envolvem nenhum intuito reservado ou partidario, e que não significam uma simples euriosidade pessoal, aliás justificavel e legitima. O proprio sr. ministro, que de certo conhece as deploraveis condições em que se encontra a instrucção nacional, desde a escola primaria até ao ultimo e mais elevado grau de ensino, comprehenderá que as minhas interrogações incidem sobre uma grande e imperiosa necessidade publica. (Apoiados.)
Este importante ramo de serviço chegou, pelo desmaselo e incuria dos governos, a um estado de lamentavel decadencia. (Apoiados.) É necessario accudir-lhe desde já, sem perda de tempo, sem delongas nem hesitações, com remedio prompto e efficaz. (Apoiados.)
A occasião de inventariar os parcos beneficios que prestam as nossas escolas, os males que as opprimem, e os remedios de que necessitam, não é esta. É possivel, porém, que essa opportunidade não venha longe; e quando ella chegar, a camara verá se é ou não para lastimar o estado de decadencia a que chegámos em materia de ensino official. (Apoiados.)
Agora vou referir-me a outro assumpto que se prende com este.
Na sessão do anno passado e no seu principio, pedi, pelo ministerio do reino, que fossem enviados a esta camara os relatorios dos inspectores da instrucção secundaria para serem consultados. Esse pedido não foi satisfeito. Renovei-o o principio d'esta nova sessão, mas até á presente data não me consta que tenham chegado á mesa os documentos pedidos. Esta demora, que eu não sei explicar, leva-me a crer que existe algum motivo particular occulto e mysterioso, que se oppõe á satisfação do meu pedido.
Que motivo será esse? A minha rasão não alcança. Affluencia de serviço na secretaria? Mas a expedição d'esses papeis faz-se em dois minutos! Caracter confidencial d'esses documentos? Mas os relatorios de serviço publico sito escriptos para conhecimento do paiz, e não para avolumarem os archivos das secretarias. Emfim, não posso alcançar a rasão por que a secretaria, ou antes o sr. ministro do reino, visto que é s. exa. o responsavel paios actos da secretaria do reino, não entrega ao conhecimento da camara, como lhe cumpre, os documentos que tão necessarios parecem ser para o exame do estado do ensino secundario em Portugal.
Mas acreditamos, por hypothese, que uma rasão qualquer de ordem publica impede o ministro do reino de dar publicidade aos relatorios dos inspectores da instrucção secundaria; n'esse caso diga s. exa. qual é essa rasão, e se ella me convencer, lealmente declararei que o meu pedido foi indiscreto, e que desisto d'elle. Que mais quer de mim o sr. ministro do reino? (Apoiados.)
O que me parece entretanto, é que os papeis em questão não passam de informações de interesse geral destinados á publicidade, despidos de caracter confidencial, como cumpre que sejam, e por isso no caso de serem consultados por todos os senhores deputados que quizerem avaliar pelas notas officiaes qual é o estado em que se encontra o ensino medio entre nós. (Apoiados.)
N'esta convicção reitero o meu pedido, reclamo em nome do meu direito as informações de que necessito, e, desejando que o sr. ministro do reino responda às minhas perguntas, espero tambem que s. exa. me diga a rasão por que não tem mandado os relatorios que pedi.
Mais nada.
O sr. Ministro do Reino (Barjona de Freitas): - Apresso-me a responder ás perguntas que acaba de fazer o illustre deputado.
Effectivamente tenciono apresentar á camara alguns projectos sobre a instrucção publica. E s. exa. comprehende que eu não podia deixar de o fazer, porque, tendo sido votado aqui um projecto de lei para a organisação do conselho de instrucção publica, e tendo esse conselho discutido na ultima reunião diversos assumptos, elle fez diversas propostas, e ao governo incumbe escolher d'ellas aquillo que mais opportuno lhe parecer. Por conseguinte tenho de as apresentar e muito breve. E devo dizer ao illustre deputado que quando apresento uma proposta ás côrtes é porque estou convencido da sua utilidade e necessidade, e por consequencia que ella merece a approvação do parlamento. E em relação á instrucção publica está claro que o meu empenho não é menor.
Por emquanto as propostas que tenciono apresentar referem-se á organisação do curso superior de letras que eu entendo que deve ser convertido em uma escola normal superior; carecendo por isso de ser ampliado para corresponder a este fim.
Ha tambem propostas para a reorganização da Torre do Tombo, e para a creação de algumas cadeiras nas escolas medico-cirurgicas de Lisboa e Porto.
Estou estudando as que me apresentaram com relação á instrucção secundaria e em relação a outros pontos, por consequencia não me posso comprometter a apresental-as já. Devo tambem dizer que eu desejaria apresentar outras propostas melhorando muitos ramos do ensino publico no 1.° e 2.° grau, e na instrucção superior, mas tenho limites diante de mim, que são os recursos do orçamento.
Já disse, pois, ao illustre deputado quaes são as propostas que eu tenciono apresentar, talvez na segunda feira, e aquellas que estou estudando e que teria muito desejo de poder apresentar ainda n'esta sessão para poderem merecer a approvação do parlamento.
Quanto ao pedido dos relatorios da instrucção secundaria, devo confessar que não sei a rasa o por que ainda não vieram, mas vou informar-me.
Em vindo, o pedido do illustre deputado ha do ser satisfeito.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Sr. presidente, mando para a mesa uma nota de interpellação ao sr. ministro dos estrangeiros, e peço a v. exa. o obsequio de mandal-a expedir com a maxima urgencia, porque desejo e espero mostrar á camara, logo que para isso o sr. ministro se dê por habilitado, que o procedimento do nosso ministro no Brazil, n'este gravissimo caso, foi simplesmente inaudito.
Antes do chamar a attenção do sr. ministro do reino para um assumpto que reputo grave, tambem peço licença a v. exa., á camara e ao sr. ministro da marinha, para mais uma vez lamentar que o sr. ministro dos negocios estrangeiros ainda hoje não tenha comparecido n'esta camara. Depois das instancias feitas por parte de um deputado, para que s. exa. aqui viesse, mal comprehendo eu a sua ausencia neste momento, principalmente sendo certa a noticia, aliás para mim agradavel, que o sr. ministro da marinha deu á camara na sessão passada, de que o incommodo de s. exa. o não impedia de se occupar dos assumptos de administração publica.
Em todo o caso, eu, reservando para quando s. exa. estiver presente o tratar do assumpto sobre que interro-

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guei o sr. ministro da marinha, não posso deixar n'este momento, visto que hontem quando me coube a palavra não era já occasião para isso, não posso deixar, digo, de insistir para que se registe a declaração do sr. Pinheiro Chagas de que o tratado do protectorado de Dahomey ha de ser presente á camara.
Tambem não posso deixar de me dirigir ainda ao sr. ministro do reino, a proposito da resposta que deu ao meu illustre collega o sr. Luiz José Dias.
Vi com alguma admiração que a resposta do sr. ministro se distanciou notavelmente da que ha dois dias deu n'esta casa, e a propósito da mesma pergunta, o sr. ministro da marinha.
O sr. ministro da marinha declarou que não tinha duvida em patentear na sua secretaria, a todos os deputados, todos os dias, e a qualquer hora, os documentos que lhes interessassem.
A camara tomou nota d'esta declaração.
O sr. ministro do reino acaba, é verdade, de declarar que, em principio, não tem duvida de pôr esses documentos á disposição dos deputados da opposição; mas cercou essa permissão de taes restricções, e de limitações tão calculadas, que quasi me parece ver nas suas palavras um meio de tornar inefficaz a promessa que nos fez.
Disse s. exa. que se compromettia a dar licença aos deputados para poderem examinar os documentos que quizessem, e que não dissessem respeito a assumptos pendentes, ou não havendo n'isso inconveniente, designando-se para tal fim o dia e a hora mais conveniente. Emfim, poz como já disse, á permissão que acabava de dar, tantas restrições, que não sei bem a quem poderá aproveitar a licença.
Em todo o caso peço ao sr. ministro do reino que indique o processo pratico para se poder tornar effectiva a promessa feita por s. exa.
Será indo nós á secretaria pedir licença a s. exa. para examinar os documentos ?
Será dirigindo-nos por carta a s. exa. para que nos auctorise a isso?
Será interpellando ou interrogando o governo na camara?
Será fazendo um requerimento pela fórma por que se fazem sobre os assumptos ordinários de pedido de documentos?
Em summa s. exa. dirá qual o processo pratico de nos podermos utilisar d'essa promessa, aliás tão pouco animadora, pela limitação de que vem cercada.
Dada esta explicação, e formuladas estas perguntas ao sr. ministro do reino, vou chamar a attenção de s. exa. para um facto que me parece da mais alta gravidade, e sobre o qual desejo ouvir o governo.
Desejo saber quaes as providencias que já tomou, ou que tenciona tomar, sobre um assumpto que está impressionando vivamente a opinião publica, sobresaltada com este novo caso de propaganda reaccionária.
A proposito da questão de Valle Passos, s. exa. foi o primeiro a declarar quaes as providencias que tinha tomado, acrescentando, no que se distanceou bastante, seja dito de passagem, do seu collega da fazenda, que rejeitou, a proposta de inquerito a serviços dependentes do seu ministerio; acrescentando, digo, que não tinha duvida em nomear uma commissão de syndicancia para averiguar os factos citados pela opposição
Pois eu peço ao sr. Barjona de Freitas igual boa vontade e decisão para o assumpto sobre que vou chamar a attenção do governo.
Não sei se o sr. ministro tem conhecimento official do facto a que vou referir-me. Se não tem, leio a noticia d'esse facto, dada n'um jornal de Barcellos; se tem basta apenas referir-me a essa noticia, sem fatigar a camara com a sua leitura.
Trata-se de um dos casos que ultimamente se têem dado na provincia do Minho, devidos á acção nefasta de uns missionários do Varatojo que ali andam a catechisar para a sua sinistra propaganda pessoas inexperientes, sobretudo as mulheres, especulando com a falta de instrucção d'aquella pobre gente.
Da condemnavel predica e das criminosas alliciações destes missionários têem resultado factos que são apontados todos os dias aos poderes públicos pela imprensa de todos os matizes e que nos não podemos deixar de profundamente lamentar. (Apoiados.)
Não sei se s. exa. tem conhecimento d'este ultimo facto a que alludo. Então peço licença, visto s. exa. dizer que não tem, para ler a noticia que vem publicada em um jornal de Barcellos, que narra o acontecido com todos os promenores, pedindo providencias ao governo;
(Leu.)
O sr. ministro do reino comprehende a gravidade do que neste jornal se conta, e, portanto, limito-me a pedir a s. exa. que declare á camara quaes as providencias que tenciona tomar, para que não se repitam todos os dias accusações d'esta ordem, sem que os poderes publicos d'ellas tomem nota.
No anno passado apresentei a esta camara um requerimento pedindo, com urgencia, pelo ministerio do reino, copia das informações enviadas pelos governadores civis dos differentes districtos, em resposta a um inquerito mandado fazer pelo sr. José Luciano de Castro, quando ministro do reino, ácerca da existência e manejos de quaesquer associações religiosas, prohibidas por lei.
Necessitava d'estes documentos para formular uma interpellação sobre tão grave assumpto; mas infelizmente decorreu a sessão legislativa e as informações por mim pedidas não chegaram.
E comtudo a criminosa propaganda reaccionaria continua por todo o paiz, abertamente protegida por altas influencias; todos os dias são mais ou menos relatados nos differentes jornaes, especialmente da provincia, incidentes como o de Barcellos; mais de uma vez a imprensa de todas as cores partidarias tem procurado attrahir a attenção do governo para este momentoso assumpto.
É por isso que, visto apresentar-se agora um facto bem preciso em todas as suas circumstancias e cercado de todos os promenores que a camara acabou de ouvir, é occasião de solicitar do sr. ministro do reino que tome similhante assumpto em consideração e informe a camara ácerca do que está disposto a fazer a tal respeito.
Demais, esteja s. exa. certo, eu estou resolvido a não abandonar o assumpto.
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - Em primeiro logar devo dizer ao sr. Consiglieri Pedroso que recebi hoje uma carta do meu collega dos negócios estrangeiros, dizendo me que a sua enfermidade se aggravou um pouco a ponto de estar em tratamento, e pede-me para communicar ao illustre deputado e a outros, que têem solicitado a presença do illustre ministro, que conta em breve restabelecer-se e vir á camara satisfazer ás perguntas que queiram dirigir-lhe.
Em segundo logar, permitta-me o illustre deputado que rectifique uma deducção que s. exa. entendeu dever tirar das palavras que pronunciei na sessão de hontem, e quasi que as posso reproduzir textualmente.
Eu disse que se o tratado com o Rei de Dahomey fosse trazido á camara, o illustre deputado teria occasião de discutir e censurar o procedimento do governo, se entendesse que elle era censuravel, e disse ao sr. Elvino de Brito, que declarou não conhecer o tratado, que esse tratado o elucidaria a respeito de alguns pontos sobre que tinha duvidas.
Os illustres deputados podem ir ver os documentos nas nossas secretarias com a restricção naturalmente subentendida pela necessidade de algumas vezes não ser possivel essa investigação,

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Ainda outro dia o sr. Ferreira do Almeida, segundo me conota, desejou ver um documento de que precisava, e na repartição responderam-lhe que não podiam mostrar-lh'o ainda, porque estava pendente da resolução do ministro, e o illustre deputado muito cordamente não insistiu, operando que esse documento tivesse a resolução do ministro para poder então aprecial-a e julgal-a.
Por consequencia esta restricção resulta de tornar exequivel qualquer investigação.
A secretaria da marinha está franqueada, mas se toda a camara for lá ver os documentos, é evidente que não se se podem mostrar simultaneamente a todos os deputados. (Apoiados.)
É esta por consequência a divergência que ha entre o que eu disse e o que disse o meu collega do reino.
O sr. Ministro do Reino (Barjona de Freitas): - Devo primeiro dizer que não tenho conhecimento especial do facto a que se referiu o illustre deputado o que vem n'um jornal de Barcellos; mas o que posso assegurar é que as minhas idéas a este respeito não lhe podem ser suspeitas.
Sou partidario de todas as liberdades, quaesquer que sejam as opiniões que representem, mas não sou partidário de nenhum abuso, parta donde partir, e ainda que elle se encubra com a palavra de Deus.
Portanto hei de tratar de mo informar a este respeito e dar as providencias necessarias para evitar toda a qualidade de abusos que porventura se apresentem a este respeito
Quanto á contradicção que o illustre deputado notava entre as declarações do sr. ministro da marinha o as minhas, já o meu collega respondeu cabalmente, e ou não tenho nada a dizer; mas peço licença para acrescentar que, quando qualquer deputado pede ao governo um documento, este pedido é feito ao governo, não em nome do deputado, das era nome da camara, e apesar d'isto vae sempre com a clausula regimental «não havendo inconveniente.» (Apoiados.)
Já vê, pois, o illustre deputado que, sendo isto assim, não póde deixar de haver uma restricção dictada pela conveniencia publica.
Perguntou-me o illustre deputado quaes eram os processos. Todos me servem, porque, como estou certo do cavalheirismo e delicadeza de todos os membros d'esta assembléa, qualquer que seja o modo por que se dirijam, hão de ser satisfeitos.
E, quando fallo de restricções, não é pelos deputados da opposição, é por todos os membros do parlamento, porque são aquellas que resultam das conveniencias publicas.
O sr. Albino Montenegro: - Mando para a mesa uma representação.
O sr. Elvino de Brito declarou que lhe parecera muito notável a resposta do sr. ministro da marinha ao sr. Consiglieri Pedroso.
Não acceitava a declaração que s. exa. fizera de que não promettêra trazer o tratado de Dahomey á camara.
O sr. ministro da justiça, n'uma das sessões passadas, sendo interpellado pelo sr. Antonio Ennes, que até lêra o artigo 10.° do acto addicional á carta, respondêra que o governo havia de cumprir esse artigo; mas o sr. ministro da marinha declarara hoje que não promettêra trazer o tratado.
O governo era solidario, e ficava-lhe mal não ter ainda uma opinião definitiva a respeito de um assumpto tão importante.
Chamou a attenção do sr. ministro do reino para a necessidade de se mandar proceder a alguns trabalhos estatísticos em diversas repartições, tanto de Lisboa como do continente, questão esta que em muita parte estava completamente descurada, com grave prejuizo do serviço publico.
O sr. Ministro do Reino (Barjona de Freitas:) - Em primeiro logar, agradeço ao illustre deputado as phrases amaveis que me dirigiu e ao mesmo tempo estimo muito que fizesse as considerações sensatas que apresentou ácerca dos diversos ramos administrativos e attinentes a differentes serviços.
Posso dizer ao illustre deputado, que tomo nota das suas observações. Já por mais de uma vez tenho dado ordem não só em relação á reunião de elementos estatisticos no que diz respeito ao serviço de sanidade, mas tambem relativamente ao boletim demographico-sanitario.
Tambem posso dizer ao illustre deputado, que brevemente serão publicados os respectivos mappas; mas s. exa., que está trabalhando n'estes assumptos, com grande proveito, sabe a difficuldade que ha em fazer mover estes diversos elementos, que são indispensaveis para se poder reunir tudo quanto é preciso para que um trabalho d'esta ordem possa attingir a possivel perfeição.
Por consequencia continuo a dar ordens e a insistir pelo cumprimento das que estão dadas, aproveitando todas as observações do illustre deputado para que este serviço seja o mais perfeito possivel. (Apoiados.)
O sr. Almeida Pinheiro: - Mando para a mesa um requerimento, pedindo esclarecimentos pelo ministerio das obras publicas.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Sr. presidente, respondo ao sr. ministro do reino, que não duvido das intenções nem das idéas de s. exa.; mas que é possivel que duvide dos seus actos.
S. exa. já n'uma sessão do anno passado fez analoga promessa a respeito d'este assumpto e essa promessa não teve resultado!
Com relação ao sr. ministro da marinha, devo declarar a s. exa., que a questão do tratado de Dahomey vae adquirindo as proporções de uma verdadeira charada...
(Interrupção.)
Diz-me aqui um illustre deputado, cuja proveniencia politica eu não quero indicar para o não indispôr com o governo, que foi por chamada que o tratado começou! (Riso.) o que é certo, é que o assumpto de Dahomey vae adquirindo... as proporções do um mysterio indecifravel.
Em face do artigo 10.° do primeiro acto addicional á carta, julguei de principio que era cousa corrente, de mero expediente, quasi diria, a apresentação do tratado do protectorado á camara; por isso, quando as primeiras perguntas neste sentido foram dirigidas ao sr. ministro da marinha, não vim reforçal-as com a minha palavra, suppondo que era simplesmente questão de opportunidade a apresentação dos documentos pedidos; vejo, porém, que apparecem difficuldades sobre a apresentação deste tratado ao parlamento.
O sr. ministro da justiça declara um dia que o governo ha de cumprir com o seu dever, na conformidade do artigo 10.° do acto addicional; no outro dia, vem o sr. ministro, não sei de que pasta, e diz que o governo, ácerca d'este ponto, não tem ainda opinião definida, apesar da prescripção do tal artigo 10.°, que parece tão esquecido andar, e de ser este um negocio que devia ter sido tratado em conselho de ministros; agora levanta-se o sr. Pinheiro Chagas e rectifica as minhas palavras, que eu julgava completamente innocentes, pois outra cousa não significavam senão que o tratado seria emfim presente á camara!
De maneira que, a respeito d'este documento diplomático, que já foi notificado às potências estrangeiras, ainda o parlamento portuguez não sabe cousa alguma! Começo a sentir, com effeito, grande curiosidade de saber o que tal documento contém, porque, depois de ter ouvido cantar em todos os tons tantas glorias em volta de similhante feito, admiro-me bastante de ver agora este receio ou esta modestia de o apresentar, tal qual é, ao parlamento.
Não comprehendo, repito, tão inexplicaveis hesitações, mas, como não quero estar a insistir em uma discussão inopportuna, visto que o governo se nega, na ausencia do sr.

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ministro dos negocios estrangeiros, a manifestar a sua opinião, reservar-me-hei para interrogar o ministro competente, que dizem achar-se incommodado de saude, o que sinto bastante, e espero que então s. exa. dará explicações satisfactorias a este respeito, explicações queto dos nós aguardâmos anciosos! (Apoiados.)
O sr. Barbosa Centeno: - Mando para a mesa um requerimento do juiz da comarca de Sotavento de Cabo Verde, pedindo que lhe seja contado, como tempo de serviço de juiz um outro tempo de serviço, que prestou ao estado.
O sr. Emygdio Navarro: - Mando para a mesa uma nota de interpellação ao sr. ministro da fazenda sobre o decreto n.° 5 das alfandegas.
O sr. Francisco de Campos: - Pedi a palavra para rogar ao sr. ministro das obras publicas a fineza de me dizer se tem tenção de apresentar este anno, n'esta casa, algum trabalho, que em parte, ou no todo, combata a crise agricola pela qual o paiz está passando.
V. exa. sabe que o anno passado se nomeou aqui uma grande commissão para tratar desse assumpto, sobre que fallaram detidamente nesta casa alguns oradores, de um e outro lado da camara, todos pedindo providencias urgentemente reclamadas, e entre estes citarei o illustre deputado o sr. Guilherme de Abreu, e o que é facto é que a agricultura está luctando com grandíssimas dificuldades. (Apoiados.)
Os cereaes têem obtido um preço tão baixo que difficil é ao lavrador obter o capital empregado no amanho das terras; o azeite da mesma fórma tem attingido um preço tão diminuto, que só as despezas da apanha, absorvera o rendimento desse producto em muitas localidades do paiz.
Ora n'esta conjunctura tristemente deploravel, vemos nós e geralmente se diz que o governo espera que das novas matrizes venha o remedio para o tão almejado equilibrio orçamental, cujo desequilíbrio a todos apavora, e que nos está vexando a propriedade.
Isto principalmente no meu districto, onde a propriedade tem hoje um grande valor nas matrizes; mas só os proprietarios se virem na necessidade de a vender não obtêem metade do preço por que ella lá se encontra.
Póde s. exa. dizer-me que ha uma commissão trabalhando, e que ha a esperar d'ella um relatorio com idéas muito esclarecidas, sobre as quaes o governo depois tenha ainda de resolver; mas eu lembro ao governo que esta questão não se póde adiar, porque s. exa. sabe que não ha questão nenhuma que reais influa na ordem publica do que a questão da fome e da miséria.
Os factos que se estão todos os dias dando, da emigração cada vez mais crescente, são o barometro pelo qual se poderá conhecer melhor o mau estado das classes trabalhadoras e dos pequenos proprietarios.
Desejava saber se s. exa. tenciona activar de alguma maneira os trabalhos da commissão, e tambem qual a sua opinião com relação aos falsificadores dos nossos vinhos. Lembro á camara, se nós ainda hoje temos alguma riqueza e ainda de alguma maneira o nosso estado é menos percario, é isso unicamente devido á producção e exportação do vinho.
As estatisticas que se têem apresentado, e de que os jornaes nos dão conhecimento provam a minha affirmativa, e recommendam todo o cuidado para que nós tenhamos todo o empenho para que este producto se aperfeiçoe, e mantenha os seus créditos no estrangeiro.
Infelizmente appareceu uma noticia em alguns jornaes, noticia aliás verdadeira, e que sobresaltou toda a gente, de que uma casa commercial de Bordeaux tinha recambiado para Portugal uma porção de pipas de vinho que para ali tinha ido, e que os peritos verificaram ser falsificado. Este facto fez uma impressão desagradabilissima, porque, se nós não somos perfeitos na fabricação dos vinhos, temos sido até hoje honestos e honrados, e não se póde nem deve permittir que um intermediario ou um negociante qualquer, por mero interesse particular seu, venha falsificar o nosso unico producto, para assim nos desacreditar e prejudicar a todos no estrangeiro. É este um caso serio e de summa importancia.
Sei que o sr. ministro me póde dizer que este facto está affecto ao poder judicial; mas ha certas medidas que só dependem da energia do governo, e o castigo dos culpados em casos taes impõe-se mais facilmente ao respeito dos delinquentes, quando elles se empenham com efficacia a castigal-os severamente.
Com esta questão prendem também, ou antes aggravam a da exportação dos nossos vinhos, as medidas sanitarias adoptadas pelo governo, pelas quaes o vasilhame vindo de França é obrigado a beneficiações, que demandam muitas despezas e tempo perdido, difficuldades estas que deveras têem alarmado os productores de vinho, receosos de que o commercio francez procure em outros paizes este género, para se furtar a taes vexames. Como este assumpto pertence mais á pasta do sr. ministro do reino, chamaria para elle a sua attenção, se estivesse presente.
Sr. presidente, ou estou certo do empenho que o governo tem manifestado para evitar que o flagello do cholera venha ao nosso paiz; mas o que é innegavel é que ainda não VI noticia alguma de que em Bordéus elle tivesse apparecido.
Qual é pois a rasão por que se põem estes entraves ao commercio de vinhos de Bordéus com Portugal? As medidas sanitárias são muito uteis; mas quando ellas attingem umas certas proporções, desaparece a sua utilidade e tornam-se em prejuizos consideraveis ou incalculaveis. Por isso eu pergunto ao sr. ministro das obras publicas se porventura esses obstáculos, essas difficuldades, que têem encontrado os negociantes de vinhos de Bordéus, têem sido já modificadas de maneira que não se tornem verdadeiros estorvos a um commercio tão importante, como é o commercio do vinhos, unica riqueza hoje, póde dizer-se, da nossa agricultura.
Sr. presidente, lembro ainda ao sr. ministro das obras publicas, que estas questões agricolas são gravissimas. S. exa. sabe melhor do que eu, pela lição da historia, que todas as grandes revoluções dos povos têem tido por origem ou causa determinante a fome e miseria.
Se s. exa. for á Beira convencer-se-ha de que é preciso conjurar as circumstancias graves em que se acham os pequenos lavradores, e ainda os mais abastados, a quem faltam recursos com que pagar o jornal dos trabalhadores, jornal que cada vez é mais caro, pelas necessidades crescentes que cada um sente, e principalmente pela emigração progressivamente assustadora.
Peço, pois, ao sr. ministro das obras publicas, que em attenção, não a mim, mas á camara e ao paiz, queira apresentar a sua opinião com franqueza sobre estas gravissimas questões, de maneira que o paiz comprehenda que não está longe o remedio aos males, que o afflige, e que tendem a aggravar-se de uma maneira critica e aguda.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Thomás Ribeiro): - Eu respondo com muito prazer às observações sensatissimas do meu illustre patrício o sr. Francisco de Campos. Somos vizinhos, e conhecemos portanto um e outro as condições em que se acha a lavoura d'aquella provincia. Não serei eu, pois, que por fórma alguma combata as apreciações do illustre deputado. Agora, quanto aos remedios, que s. exa. pede, no Diario do governo de hoje encontra s. exa. vestigios da minha solicitude por estes assumptos.
Ahi vem publicadas duas ou tres propostas de lei do governo, referentes principalmente á questão agrícola. Não digo que ellas sejam suficientes para curar os males da nossa agricultura e para dar animo aos nossos lavradores, molestados por esses males; mas mostram ao menos os bons desejos do governo, e provam que eu não descuro assum-

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pto de tanta importancia. O que eu espero é que o parlamento me ajudará tambem com a sua solicitude e as suas luzes, para que sejam melhoradas e corrigidas as propostas, que vem hoje no Diario do governo.
Quanto ao mais, no que se refere aos remedios que as nossas circumstancias agricolas demandam, eu espero da solicitude da commissão a que s. exa. se referiu, que ella me ministrará meios de poder, mais e melhor, resolver estas delicadas questões.
Conjunctamente com os projectos que apresentei, vem um relatório que eu desejo que o meu vizinho e compatriota leia; porque justamente uma das minhas preoccupações é a questão dos vinhos.
S. exa. não vê formulada nenhuma proposta directamente para a resolução da questão dos vinhos, porque me pareceu que, se fosse bem succedido na apresentação das minhas propostas de lei, na discussão do orçamento eu teria por mim a parte agricultora que tem assento n'esta camara para me deixar consignar no orçamento uma quantia com a qual espero fazer grandes beneficios aos nossos agricultores de vinhos. Eu digo a s. exa. qual é a minha opinião.
Nós estamos sujeitos ás falsificações que o commercio de má fé quizer fazer, porque ainda não temos meio de obstar a ellas. Eu tive occasião de estudar, porque era obrigação minha, a legislação restrictiva do marquez de Pombal, e não encontrei nenhuma medida restrictiva que possa ir alem das que elle estabeleceu para poder dar garantia a uma região qualquer do paiz.
E eu não estou fallando d'esta ou d'aquella região, estou fallando em geral, e refiro-me aos bons vinhos que formam, por si só, um typo; pois estes estão soffrendo pelas contrafacções que se estão praticando. E direi mais que na occasião era que vigoravam as medidas mais restrictivas no Douro, n'essa mesma occasião se fazia com vinhos finos o que agora está fazendo com vinhos de pasto. Com o systema das guias o lavrador apresentava-se com uma producção superior áquella que lhe dava a sua propriedade; porque iam á nossa Beira á adega do illustre deputado e a outras comprar vinho, transportavam-o para o Douro e era vendido como vinho do Douro.
Nós hoje não podemos, de certo, adoptar a legislação restrictiva do marquez de Pombal, mas o que eu desejava, e em que eu confio, é nas exposições de vinhos nossos tão genuinos quanto fosse possível, nos paizes estrangeiros e ainda mesmo no nosso, porque nós mesmo no norte não conhecemos os vinhos do sul, sendo o nosso paiz tão pequeno como é.
Eu achava que era bom dar conhecimento do que temos a nós e aos estranhos. (Apoiados.) Eu lembrava-me, por exemplo, de poder promover, ou ajudar uma exposição permanente dos nossos vinhos e dos mais productos nossos tanto industriaes como agrícolas em Bombaim, por exemplo.
Eu vi que em Bombaim se vendia um vinho tinto que os irglezes attribuiam a Portugal, e que era detestavel. Bombaim é um grande mercado, e bastava elle, se nós podessemos lá acreditar os nossos vinhos, para poder dar grande vasão ao nosso commercio.
Não devemos descansar com o commercio da França. (Apoiados.) Nem devemos lisonjear-nos porque um anno ou outro excepcionalmente tivemos uma grande extracção no nosso vinho.
As encommendas da França podem acabar, e havemos de procurar outros mercados para que o commercio dos nossos vinhos não estacione.
Temos tambem em Buenos Ayres um meio de abrir um mercado grande aos nossos vinhos, mas para isso é preciso que se habilite o ministro para poder abrir mercados para um género que excede o consumo do paiz, a fim de não ficar nas nossas adegas.
Entre as minhas propostas vem uma que me auctorisa com meios pecuniarios sufficientes para eu poder fazer isto.
Os portuguezes querem que os seus vinhos sejam apreciados e consumidos no estrangeiro. Para isso é preciso, não só uma educação para o fabrico, e até para o paladar do consumidor. (Apoiados.) Era por isso que os inglezes tinham aqui as suas feitorias, era para affeiçoar os vinhos ao paladar do consumidor.
Nós temos meios para fazer isto, mas o que precisámos é mostrar aos paizes da Europa, por exemplo, á França, onde não podemos deixar de ter amostras de vinhos, que mandâmos quanto possivel os nossos vinhos genuínos para elles os estudarem e verem como o podem accomodar ao seu paladar.
Eu com 30:000$000 réis conto poder fazer este grande beneficio ao commercio dos vinhos portuguezes, e dou-me por satisfeito, ao menos para os primeiros ensaios. Estou persuadido de que alguma cousa se póde fazer. Para auxiliar estas exposições tenho apenas no orçamento a verba de 5:000$000 réis; mas não vou pedir sacrificios ao paiz, sem primeiro apontar os benefícios que me póde dar essa pequena contribuição, com a qual posso auxiliar o nosso commercio.
Comquanto eu supponha que não seja permanente esta fortuna que tem tido o nosso commercio na exportação de vinhos para França, em todo o caso a nossa obrigação é mantermos toda a honradez no commercio de exportação, e até para proveito nosso, porque as falsificações, como é sabido, mataram o commercio dos vinhos em Hespanha. Para proveito dos lavradores e dos negociantes é, pois, preciso que elles sejam honradissimos, e felizmente são estas as nossas tradições. Alem de que o apparecimento no mercado de Bordéus do uma porção de vinhos falsificados, não póde affectar de modo algum a probidade proverbial do nosso commercio. Entretanto o governo entendeu, e muito bem no meu parecer, que era preciso fazer castigar e punir os falsificadores; e apenas teve occasião para o fazer, mandou para os tribunaes competentes o respectivo processo.
Já vê, pois, o illustre deputado que não temos descurado esta questão; e pela minha parte tenho o maior desejo em acompanhar a iniciativa do meu antecessor, que me parece conveniente para augmentar a producção quanto aos nossos cereaes.
O que o governo e os poderes publicos reunidos em uma harmonia verdadeiramente patriótica, podem e devem fazer é ajudar á acrescentar a nossa producção por todos os modos conducentes a esse fim, porque nós temos um deficit de producção extraordinario, e assustador especialmente em relação aos cereaes. (Apoiados.) Para se chegar a esse resultado é preciso desenvolver o ensino da agricultura ; e com esse intuito tenciono pedir ao parlamento que dê a sua approvação á idéa apresentada pelo sr. Antonio Augusto de Aguiar, quando ministro das obras publicas, relativa á creação de escolas agrícolas. S. exa. lendo as minhas propostas, terá occasião de ver até onde chegou a minha iniciativa; e se essas propostas não são tão completas como o illustre deputado desejava, releve-me s. exa., attendendo a que estou gerindo ha muito pouco tempo a pasta das obras publicas. Mas conto com o auxilio da commissão que foi nomeada para estudar a questão agricola a fim de poder levar mais longe o meu intento, no que espero ser tambem ajudado pela camara, onde vejo representados os principaes interesse do paiz, que são sem duvida os interesses agricolas. (Apoiados.)
Emquanto á questão da entrada de cascos de vinho de Bordéus, a que s. exa. se referiu, se estivesse presente o meu collega do reino poderia responder ás observações feitas pelo illustre deputado a este respeito; entretanto posso dizer que estão dadas todas as providencias para que os rigores que prohibiam essa entrada sejam postos de parte.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

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O sr. Francisco Campos: - Sr. presidente, agradeço ao sr. ministro das obras publicas a delicadeza com que respondeu á camara e a mim, fazendo conhecer parte do seu plano com respeito á agricultura; mas ha de permittir-me que lhe diga que s. exa. cuidou em passar um véu sobre os trabalhos da commissão encarregada do estudar os meios de debellar a crise agricola.
A respeito dos vinhos apresentou s. exa. uma idéa de todos nós conhecida sobre exposições, que dão grande resultado, não só com relação ao vinho, mas com relação a todos os productos.
Quanto a mim, a questão agricola está no mesmo estado em que estava no anno passado, e com rasão alguém dizia então que a commissão nada faria. O silencio do sr. ministro assim o confirma. Tivemos uma sessão de seis mezes e umas ferias de outros seis, e effectivamente nada se fez; nada se fará!
Eu desejava que o sr. ministro me dissesse quaes eram os trabalhos da commissão e em que andamento estavam; mas pela maneira reservada como s. exa. fallou, a camara deve deprehender que a commissão não tem trabalhos alguns para apresentar, e é para lastimar que uma commissão parlamentar encarregada de um trabalho d'esta ordem, não tenha informado o sr. ministro das obras publicas do estado dos seus estudos, e quando s. exa. nada disse a tal respeito, é porque os trabalhos são acanhados ou nenhuns!
Dito isto, concluo por agradecer novamente ao sr. ministro as palavras benévolas que me dirigiu, e faço votos para que s. exa. tenha a gloria de concorrer para que esta questão se resolva, ou attenue, em proveito do paiz que tão instantemente a reclama.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão sobre o projecto de resposta ao discurso da corôa

O sr. Luiz Osorio: - Declaro, em primeiro logar, que, usando da palavra, na discussão do actual projecto, o não faço por prestar serviço a qualquer dos partidos militantes: regenerador, progressista ou republicano. Declaro mais que voto o projecto.
Precedeu-me, no debate, o illustre ministro do reino. Pois em frente do discurso do orador que me precedeu, mera significação de preito por todos os seus talentos incontestados, passa em parada militar, fazendo a continencia do estylo, cada um dos períodos do meu curto e modestissimo discurso. Nada menos; mas nada mais. E nada mais porque, pedindo a palavra contra, a não pedi para atacar.
Concedam-me v. exas. dois minutos de ligeira explicação pessoal.
A situação, um pouco anormal, que occupo nesta casa, manda-me dar á camara umas breves explicações, respeitantes ao motivo porque me inscrevi contra o documento governamental que actualmente se discute. E tão anormal, e tão curiosa é essa situação, que reputando-me eu constituido na obrigação de dar á camara as minhas ligeiras explicações, não reconheço todavia em ninguém o direito de mas pedir. E certo, é sabido, toda a regra tem suas excepções que a consolidam, que a fortificam, que a robustecem: á regra juridica que nos ensina corresponder a todo o direito uma obrigação correlativa (a contraria tambem é verdadeira) corroboro-a eu affirmando, n'este caso, a excepção extraordinária e exquisita de que á minha obrigação não corresponde o direito de ninguém. Fica isto portanto assente.
Segue a explicação, que é de uma simplicidade phenomenal:
Quando, na passada sessão annual, pela primeira vez, tive a honra de inscrever-me para as discussões d'esta casa, dentro da ordem do dia, discutia-se então o projecto das reformas políticas. Eu havia-me inscripto contra. A palavra chegou á altura da inscripção do meu nome, e eu pude fazer uso d'ella. O mandato impõe-me obrigações, de que desejo desempenhar-me como possa, e quando possa. E, depois, é-me doce e desculpavel (pois que, tendo assento nesta casa, me não vejo ainda demasiado involto nos desvairamentos das paixões políticas) o affirmar de quando em quando, de mim para commigo, que ainda não pesa de todo, sobre a rigidez inflexa do meu corpo frio, a fria lagem dos sepulcros e da morte.
Quando, pela segunda vez me inscrevi, dentro da ordem do dia, discutia-se então a questão do Zaire, respectiva conferencia de Berlim, documentos annexos, correlativos, complementares. A discussão abafou-se (ou que melhor termo deverei eu empregar?) precisamente quando, pela inscripção, se chegava ao meu nome. Já sei: não querem que eu falle a favor, disse para commigo. A ver se somos mais felizes, voltemos a insere ver-nos contra. E voltamos a inscrever-nos contra. E fomos mais felizes. E eis-nos finalmente no uso da palavra. Ganha com isso o paiz? Não. A lucidez do debate? Tão pouco. Ganho eu, no modesto desempenho das minhas obrigações.
Contra, ou a favor, em qualquer das duas conjuncturas, eu não faço guerra a ninguem. Não defendo, mas tambem não ataco. Sigo o meu caminho. Exponho as minhas ligeiras, modestas e desauctorisadas opiniões, e cumpro o meu dever.
Devo ainda declarar, que, usando da palavra, na discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa, deixo salvas todas as rendidas homenagens do alto respeito que devo e tributo ao primeiro magistrado do paiz. Cioso na garantia dos meus direitos, cioso devo ser no cumprimento dos meus deveres. Ora, é dever elementar, para o cidadão de qualquer paiz, honrar o primeiro magistrado d'elle. O meu mais fundo respeito e a minha mais alta consideração tem-os esse magistrado. E um e outra em cousa alguma se entibiam ou desvanecem, no momento actual.
Benevolencia não encontro a minima duvida em voltar a pedil-a á camara: sou novo, não possuo o dom da palavra, que é uma força, e não tenho, dentro ou fóra d'esta casa, partido algum a que possa apoiar-me.
Leio a minha moção:
«A camara, fazendo suas algumas palavras do discurso da coroa, recommenda imperiosamente a moderação nas despezas; reconhece, com o gabinete, a gravidade da conjunctura que atravessâmos; e sem os minimos intuitos políticos e no empenho de a resolver a bem do paiz, appella para o patriotismo de todos. = O deputado, Luiz Osorio.»
Sr. presidente: Disseram-me as declarações feitas ha dois dias aqui, pelo illustre chefe do partido progressista, que esse partido se abstinha de entrar na discussão do actual projecto, porque aguardava com anciedade a discussão do orçamento e de outros projectos fazendarios que posteriormente appareçam. Attitude que, seja dito de passagem, se me afigura, no momento actual, perfeitamente correcta. Nestas condições, eu, que conformando-me com a naturesa dos discursos mais de molde n'este momento das discussões parlamentares, desejo apenas fazer considerações muito geraes, entendo que é de meu dever abreviar-me e condensal-as. E, para entrar abruptamente no assumpto, satisfarei tanto mais ao meu proposito, attingirei tanto mais ao meu fito, e ferirei tanto mais ao meu alvo, quanto mais eu consiga restringir e apertar, dentro de limites estreitos, as já de si brevíssimas considerações que vou fazer.
Os primeiros serão os ultimos, dizem os preceitos evangélicos. Cumprindo os preceitos evangélicos, eu vou começar pelo fim. Lê-se no final do projecto:
«Dignos pares do reino e senhores deputados da nação portugueza:
«A sessão passada foi longa e productiva, mas consagrou-se principalmente á resolução de assumptos exclusivamente políticos. Esta sessão parece destinada mais particular-

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mente a occupar-se da administração e das finanças, o que não é de certo menos importante para o paiz.»
E não é. Sr. presidente: saudades, muitas vezes intensissimas, de um passado nem sempre feliz e venturoso; aspirações, esperanças, muitas vezes insoffridas, n'um futuro que tantissimas vezes nos mente: e eis a vida! E eis a vida tambem para todos os governos, de qualquer cor, e de qualquer tempo. O passado são as reformas politicas. O futuro são as reformas fazendarias e tambem as projectadas reformas na administração do imperio colonial, que, posto se não encontrem no periodo que acabo de ler, transparecem e resumbram de todo o discurso da coroa.
Sr. presidente: Eu não vou occupar-me detidamente agora das passadas reformas políticas. Já porque o momento era inopportuno; já porque, entrando n'esse caminho, eu teria, sem querer, na simples exposição dos factos, de ferir quem não desejo melindrar. Não pedi a palavra para isso, e oxalá que nunca para similhante fim eu use d'ella. Mas ao nobre presidente do conselho posso eu levar as minhas referencias. S. exa. vive muito alto; e está a camara certa e mathematicamente convencida, estal-o-ía s. exa. também, se aqui se achasse no momento actual, de que eu não esqueço por um minuto sequer, a distancia que nos separa: grande, nas idades; nos serviços e nos merecimentos, infinita.
Conta-se que perguntando um dia alguem a Dumas (pae) qual, de entre todas as suas obras, era a sua melhor obra, conta-se, que o gigante da litteratura franceza respondêra bruscamente, seccamente, concisamente: «é o Alexandre.» Referia-se ao filho. Tinha rasão o gigante: um colloso deu de si outro collosso.
Ora, quer-me parecer, que se alguem um dia perguntasse ao nobre presidente do conselho qual, de entre todos os seus filhos politicos, era o seu filho dilecto e amantissimo, s. exa. não iria pôr o seu dedo, que é de gigante, incontestavelmente, de gigante, sobre o segundo acto addicional á carta constitucional do meu paiz, que é pequeno, e tão pequeno que nos deixava até salvo o direito de duvidar da genuína paternidade! (Riso.)
Mas deixemos tudo isso.
Destacam e avolumam, de entre todos os periodos do discurso da corôa (de parte aquelles que respeitam á dolorosa commemoração de uma data, que enluctou o paiz, porque enluctou a familia real) duas questões primarias, dois problemas principalissimos, para a boa e feliz resolução dos quaes principalmente se dirigem e convergem as vistas do actual gabinete: a questão colonial e a questão economica; ou antes, a questão economica e a questão colonial. Porque esta só póde, a meu ver, obter uma solução cabal, consequencia da cabalissima solução dada á primeira. (Apoiados.)
Sr. presidente, eu não adduzirei um unico numero. Nem mesmo nenhum d'aquelles que se encontram todos os dias na imprensa jornalística, e sobre os quaes eu poderia já, com. segurança, architectar algumas considerações. Mas a sciencia dos algarismos, na sua mudez, falia mais alto do que tudo quanto aqui poderíamos dizer. E depois, de sobejo se encontra n'esta casa quem, reputando-o conveniente, melhor do que eu os possa manejar, querendo. O que é innegavel e indubitavel é que a primeira questão da politica portugueza é hoje a questão fazendaria. O problema colonial, sendo de primeira ordem, é todavia um corolla-rio. Póde antolhar-se paradoxal o meu asserto: e ainda assim não o é.
Devendo notar-se que não pretendo apelar do seu pedestal de importancia o problema colonial. De parte as mais ponderosas considerações, que lhe solicitam a attenção dos poderes publicos, tenho motivos de ordem intima para olhar com a maior sympathia a profícua resolução d'esse problema. Desvaneço-me e orgulho-me de dizer bem alto que fui muito próximo parente do immaculado estadista, morto ha dez annos, que n'este paiz mais pugnou em prol de tão benemerita propaganda. Basta-me a mim o quinhão de gloria que possa pertencer-nos, de havermos substituido um punhado de treva, por um outro punhado de luz, na intelligencia de milhares de desgraçados, para que eu me dê por sobejamente compensado de quantos sacrificios o meu paiz possa fazer.
Salvo, se esses sacrificios implicarem suicidio. Salvo, se esses sacrificios trouxerem como consequencia a morte.
E tão grave reputo eu a solução do problema fazendario, pela evidencia deslumbradora dos numeros; pelo constante e successivo augmento de necessidades de despeza que se criaram; pelo incompletissimo das fontes de receita que se lhes oppõem, e que estão prestes a esgotar-se, e que estão prestes a encontrar o seu termo, e a respeito de muitas das quaes (é forçoso que o confessemos, porque a negativa ou o silencio em assumptos d'esta gravidade implica traição), e a respeito de muitas das quaes já hoje se levanta em todo o paiz um brado unisono e clamoroso de desgosto e de dor, que cresce, avança, avulta, avoluma, e mais se affirma e se accentua de dia para dia; e tão grave reputo eu a solução do problema fazendario, pela brusca e própria confissão do gabinete, sobretudo se a cotejarmos com a (desculpem-me que o diga) peccaminosa ou leviana despreoccupação do anno passado, (Apoiados.) quando no discurso da corôa se affirmava que a situação do thesouro era sufficientemente desassombrada para não causar receios (ídéa que nunca me fugiu da memoria); e tão grave reputo eu a solução do problema fazendario, pela attitude incipiente de alguns jornaes affectos ao governo, pelo mutismo de outros, e pela logica irrefragavel, e pela eloquencia inabalavel do parallelo que façamos entre a receita licita e honesta que podemos realisar, esgotados os ultimos recursos, e o montante de despezas enormes, que nos assoberbam, que se multiplicam e reproduzem, como as cem cabeças da hydra, e que podem por fira, bom grado, mau grado nosso, levar de vencida o derradeiro, o supremo, o mais denodado e o mais heróico esforço; e tão grave reputo eu a solução do problema fazendario, por todos estes motivos e por este symptoma permanente e recrudescente de mal estar, que é terrivel, se attendermos ao que a historia nos diz em todos os tempos; e não serei eu quem insinue a louca e vaidosissima pretensão de ensinar historia a um ministro, como o nobre ministro da fazenda, que, sobre ser talentosissimo, é estudiosíssimo tambem; e tão grave reputo eu a solução do problema fazendario, por todas estas rasões de ordem interna, e por motivos de ordem externa que eu poderia adduzir n'este momento: qual é a attitude, de ha tanto tempo a esta parte, da chamada questão do Oriente, que póde de um momento para o outro, como que por encanto, levantar uma conflagração geral europea; vulcão de continua refervescencia que sabe Deus quando despedirá as suas lavas, e até onde as despedirá elle! E não esqueçamos que, na expressão conceituosa e feliz do eminente orador, o sr. dr. Antonio Candido, o paiz está secco, muito secco, e que portanto uma falha póde determinar um incêndio grave (quem o seccou não sei; se foram regeneradores, se progressistas, se fui eu, não o sei, nem o discuto); e tão grave reputo eu a solução do problema fazendario, até pela attitude recentissima da nação vizinha, que por tantos titulos nos póde ser funesta, não havendo de certo n'esta casa quem, sequer por sombras, o possa pôr em duvida; tão grave, sr. presidente, tão grave reputo eu a solução do primeiro problema por todas estas rasões amalgamadas, condensadas e debatendo-se-me na intelligencia, que a solução do primeiro, de per si, se me afigura digna dos mais rasgados encomios e dos mais rendidos encarecimentos, por parte do paiz inteiro, e a tentativa de solução simultanea se me afigura temeraria, porque a reputo impossivel. (Apoiados.)
Praza a Deus que eu me engane!
E ou muito meu illudo eu, ou a solução completa, radi-

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cal, pelos alicerces, do problema fazendario se não obtem unicamente pelo augmento, desdobramento, ou remodelamento dos impostos, mas sim e conjunctamente por todo o fundo e possivel cerceamento nas despezas. (Apoiados.)
Sr. presidente: Eu não venho a esta casa fazer opposição ao nobre ministro da fazenda, nem a ministro algum; a s. exa. não tenho a honra de o conhecer pessoalmente, o que não vem para aqui. A alguns devo attenções. E nomeadamente a um, reputação feita pelo trabalho indefesso e gloriosissimo de muitos annos antes de ali se sentar, (Apoiados.) devo attenções de muita cortezia para comigo. Ao nobre ministro da fazenda protege-o, no meu conceito, e creio que no conceito de todos aqui, a convicção em que me acho de que s. exa. é um homem serio (e não o digo por politica, porque, se outra cousa pensasse, o menos que poderia fazer era calar-me) e o juizo que todos formamos da sua illustração, que é grande, e da sua intelligencia que é tão grande como a sua illustração. (Apoiados.)
Mas eu tenho, sr. presidente (sobretudo quando as questões attingem a gravidade attingida por esta, confessada por todos, gregos, troyanos, maioria, minoria, governo, paiz inteiro!) eu tenho mais do que o direito, a obrigação de vir a esta casa emtitir as minhas apprehensoes, e de interpretar e fazer-me echo, até onde possa e como saiba, do que eu imagino, ou phantasio (se o quizerem) ser a voz da opinião publica. (Apoiados.) E eu entendi sempre e, mau grado meu, entendo ainda hoje, que architectar o homem que começa, architectar a sua vida futura sobre um tumulo, alem de ser irreverente e monstruoso é perigosissimo e nefasto! E outra cousa se me não afigurava nem afigura o sacrificar a vaidades insoffridas de momento as mais justas e as mais santas expansões da mocidade, os mais austeros, os mais radicaes e sãos principios, amadurecidos pelo trabalho, e o caminho rectilineo de uma consciência, que se permitte a veleidade de reputar-se honesta. (Vozes: - Muito bem.)
Sr. presidente: A solução do problema colonial, se para os demais paizes é uma questão grave, é, para o nosso paiz, uma questão gravissima. (Apoiados.)
Os paizes pequenos, e portanto e muito restrictamente o nosso, (já tive a honra de e dizer aqui, e é esta ainda a minha modesta opinião) vivem principalmente de duas cousas, vivem exclusivamente de duas cousas: da manutenção do equilibrio geral, que deve ser portanto um dos fitos da nosso politica, e do respeito e da consideração das grandes potências, que devemos portanto procurar merecer. Qualquer das duas, de per si, não é sufficiente: a falta, a quebra ou o enfraquecimento da segunda implica eminente ou muito próximo, ou muito facil rompimento da primeira.
Ao entrar-se na questão colonial, e v. exa. cornprehen-de bem que eu não vá occupam-me d'ella detidamente agora, a pergunta que parece dever surgir em primeiro logar, para quem desejar ser methodico, e para quem desejar ser sincero, é a seguinte: póde ou não póde o paiz continuar a possuir colonias ou continuar a possuir todas as colonias ao affirmo, nem nego. Se não póde, abandonemo-l'as; não serei eu quem deseje que o meu paiz vá assumir compromissos a que não possa dar pleno e cabal cumprimento. (Apoiados.)
Essa posse implica uma tutella, essa tutella demanda de dinheiro; se o paiz não possuir o sufficiente para a vida e para o bem estar da metrópole, gastal-o fora d'ella implica suicidio; e a conclusão decorosa era fácil de tirar. Isto tudo no campo da hypothese.
Não esqueçamos que, segundo os principies mais elementares da moderna sociologia, uma nação é um corpo vivo e organisado, tal qual o é o corpo humano.
De que serve, pois, (e n'isto resumo tudo quanto sobre o assumpto eu poderia dizer) dar demasiada força e vigor a um braço ou a uma perna, se o sangue que circula no coração é depauperadissimo, e se a circulação se opera com intercadencias do sobresaltos temiveis?! Ou a anemia ou a ruptura do aneurisma: a morte em todo o caso e sempre!
Os principios mais elementares e mais rigorosamente scientificos que presidem a este assumpto (e não é vangloria minha o imaginar sabel-o, porque toda a gente o sabe, e este é um ponto de simples intuição) outra cousa nos não dizem differente do seguinte: as relações que entre si prendem a metropole ás colonias são, feitas as impreteriveis e indispensaveis differenças do simile, precisamente as mesmas que entre si relacionam os paes aos filhos. Uma nação tambem nasce, cresce, desenvolve-se, estaciona e morre.
A creança, emquanto não póde, por si só, prover de remedio á sua subsistência, necessita de quem a alimente; para isso, faz-se mister o dinheiro; se o tutor não possuir o sufficiente para alimentar os dois, a tutella passa a outro, porque elle não gosa, nem frue, por principio nenhum, o direito de alimentar o menor, dando-se a morte a si. (Apoiados.)
Sr. presidente, eu não venho a esta casa sustentar e emittir opiniões que possam ser comminadas de perigosas pelos orthodoxos, ou que possam ato, dentro do nada que ralho, levantar contra mim celeuma; não advogo a venda das colonias; a venda de algumas póde discutir-se, e já a isso aqui se referiu quem melhor do que eu se acha habilitado para tratar o assumpto: refiro-me ao distinctissimo official de marinha, nosso illustre collega, o sr. Ferreira de Almeida. A venda de todas, evidente, reputo-a um acto absurdo de governo. (Apoiados.) Mas trago tudo isto para voltar ao ponto d'onde parti, e para sustentar convictamente que as largas medidas de progresso para as colónias (que desejo tão ardentemente como qualquer dos meus illustres collegas) devem ser ao menos precedidas dos solidos alicerces em que se radique o completissimo rejuvenescimento da metropole.
De resto, pede a verdade que eu o diga, a venda de qualquer das nossas colónias, quando nós aqui a decretassemos, e eu para isso contribuísse tambem, seria sempre para mim profundamente dolorosa. (Apoiados.) Cada torrão dos nossos domínios de alem-mar se me affigura ainda hoje embebido e impapado no sangue de quem mais sabia ser portuguez do que nós. Mais e bem melhor, e bem melhor!... Em todos os mappas do mundo pullulam nomes que são portuguezes, ou corruptela de nomes portuguezes. (Apoiados.) E em muitos pontos do continente africano, o portuguez é, por excellencia, o branco! (Vozes: - Muito bem).
Tão fundo, sr. presidente, tão fundo se gravára n'aquellas paragens o prestigio do nosso velho nome! Tão fundo se cravara, se imbebêra e se insculpíra, n'aquelle solo africano, o mesmo padrão de glorias immorredouras que do alto de um penhasco, e um pouco acima de Vivi, fez empallidecer e desorientar Stanley, e na phrase patriotica do illustrado juiz o sr. Francisco Antonio Pinto lhe bradou que se elle, e o seu paiz, nos podiam levar de vencida nas caudaes do commercio, nas opulencias e no oiro, desvanecessem esperanças, reprimissem atrevimentos, sustassem e detivessem a ousadia dos sonhos, em tudo o que respeitava a vencer-nos na audacia, na coragem e no arrojo indomavel do marinheiro portuguez! (Vozes: - Muito bem, muito bem.)
Honra nos seja por isso! (Apoiados.)
Se ainda depois de todas estas confissões, francas, sinceras, porventura ingenas, eu for acoimado de impolitico por alguem dentro ou fóra d'esta casa, tenho de remissa uma desculpa que me reservei para essa hypothese menos lisonjeira.
Custa-me apresental-a á camara, porque faço com isso uma] surpreza aos meus illustres collegas, com muitos dos quaes eu não tenho a franqueza e camaradagem necessárias para lhes andar a fazer surprezas. Mas é preciso: Eu não quero ser presidente do conselho. (Riso.) Imagine v, exa. que amanhã o augusto chefe do estado se dignava

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chamar-me a sua casa, e me dizia: «Deputado Luiz Osorio, o gabinete vaga, o gabinete vagou (longe vá o agouro!) (Riso.) organise gabinete, constitua governo, seja presidente do conselho.» Resposta minha ao augusto chefe do estado: «Agradeço, profundamente reconhecido, a honra e a distincção que Vossa Magestade deseja conferir-me; mas, apresentando o meu profundo reconhecimento, apresento por igual a minha negativa: eu não quero ser presidente do conselho. (Riso.)
Outra hypothese: «Deputado Luiz Osorio, temos presidente do conselho; temos preenchidas algumas pastas: a da justiçada da marinha, a das obras publicas, por exemplo; estão vagas a dos estrangeiros, a da guerra (sciencia em cujos mysterios me reputo profundamente abalisado) sobrace uma pasta, seja ministro.» Nova resposta minha ao augusto chefe do estado: «Volto a agradecer profundamente reconhecido a honra e a distincção que Vossa Magestade se obstina em conferir-me; (Riso.) não menos profundamente reconhecido agradeço eu a especie de confiança illimitada que Vossa Magestade parece depositar em mim; (Riso.) mas, reiterando os protestos do meu mais profundo reconhecimento, reitero, por igual, as minhas negativas formalissimas. Eu não quero ser ministro.»
Ora, sr. presidente, posto que pareça estranho, não está este meu arrasoado tão desavindo da ordem de considerações em que me achava, que não venha para significar que o deputado, que se encontra como eu, nesta situação relativamente mais livre, póde também, dentro dos limites das instituições, dentro dos limites do regimento, e dentro dos limites da delicadeza, que não pretiro, emittir, com maioria de desassombro, as suas opiniões aqui.
Mas, reatando as considerações muito geraes que eu vinha fazendo sobre a situação economica do paiz, ou antes, sobre algumas das impressões que d'essa situação se vão transmittindo ao publico.
Veiu, na passada sessão annual, reflectir-se á camara um facto que para os que queiram ver é symptomatico, e intimamente se relaciona com o estado da fazenda. Refiro-me ás queixas dos cultores de cereaes. De todos os pontos do paiz choveram a esta casa representações sobre representações que eu não posso nem devo attribuir a simples distracção de quem as dictava, ou a mero exercicio calligraphico de quem as escrevia. Essas representações traduziam um mal-estar; e, pois que partiam de muitos pontos do paiz, de muitos pontos do paiz, esse mal estar se manifestava. E n'este pó que a questão se colloca. Urgia, portanto, uma solução prompta, sincera e franca, como sincera e franca tinha sido a queixa. Um desengano embora, porque os desenganos tambem curam. Por enorme maioria, votou-se aqui se elegesse uma commissão, encarregada de estudar a chamada crise cerealifera, e do trazer á camara, com a possível brevidade, o resultado dos seus trabalhos.
Mez ou mezes depois d'essa commissão se achar constituida, foi o roeu nome, tambem por votação d'esta casa, incompetentemente aggregado a ella. Desde então, eu nunca mais soube de que a commissão se constituísse. Nunca ninguem para isso nos convocou.
Pesa-me levantar esta nota dissidente relativamente á unica commissão a que, por appenso, tive a honra de pertencer na passada sessão annual. Mas tinha chamado algumas vezes a attenção do governo sobre o assumpto, apresentara representações dos meus committentes, e, pretendendo uma solução, fosse ella qual fosse, não desejava por forma nenhuma ser connivente no desleixo, se desleixo havia; o que eu não attribuo a ninguem. Desejo apenas, se v. exa. e a camara me consentem o emprego de uma expressão muito portugueza, posto que não rigorosamente parlamentar: - varrer a minha testada.
Sei que a questão é grave; é muito gravo, porque respeita a uma classe numerosíssima do paiz, porque os interesses d'essa classe luctam e se attrictam com os de uma classe muito menos numerosa, mas importante, e que dispõe de recursos; e ainda porque qualquer solução mais impensada póde trazer consequencias serias, funestissimas, para uma terceira muito mais numerosa do que as duas primeiras, muitissimo mais necessitada do que ellas, e que em cousa alguma contribuiu, contribuo ou contribuirá para o resultado da questão.
Mas eu não peço uma solução protectora ou livre-cambista; peço a penas aquella que o estudo e a reflexão como mais conveniente aconselhem, para os interesses geraes do paiz. Liquidem-se as responsabilidades, e responda cada um pela que lhe tocar. (Apoiados.)
Eu não carrego as cores do quadro. Mas quero dizer, e devo dizer que os cereaes estão do rastros; o azeite está de rastros; e cereaes e azeite constituem, a despeito de quanto possam dizer-mo em contrario, duas das principalissimas fontes do receita agricola em todos os pontos do paiz. Mas quero dizer, e devo dizer, que o quasi unico futuro do proprietario é a vinha: hoje ameaçada pela pliylloxera nas regiões onde essa doença não operou ainda a sua marcha sinistra e devastadora, e ámanhã por uma possivel e provavel renovação geral de plantio na França.
Oxalá que o nobre ministro das obras publicas possa, com as projectadas medidas a que ha pouco lhe ouvi alludir, contribuir para minorar o mal!
E, findas as contas, sr. presidente, são tantas e tão multiplas as maneiras porque os impostos, directos e indirectos, chovem sobre o proprietario, que só ámanhã, como bem disse, e com graça, um distincto economista francez em situação identica para o seu paiz, se ámanhã se podesse fazer um computo geral e uno do que cada um paga para os encargos do thesouro, o ministro olharia estupefacto para o proprietario, seu administrado, que não reputava tão rico; (Riso.) e o proprietario mais estupefacto ainda para a sua algibeira, Hermam de novissima data, que possuo a extranha faculdade mystificadora de se reduzir notabilissimamente, sempre que o dono a procura para a satisfação das suas despezas pessoaes. (Riso.)
Eu não faço parallelos. O mais fecundo, d'entre todos os escriptores que acceleraram o primeiro movimento do mundo social moderno, Voltaire, apreciando no seu feitio zombeteiro a sociedade franceza do tempo, disse: «que a nação, farta de versos, de tragedias, de comedias, da litteratura em todos os seus aspectos, e debaixo de todos os seus multiplices pontos do vista, entrou finalmente a discretear sobre os trigos!»
Veja v. exa. que extranha mania a d'aquelle povo! É curioso mas é verdade!
Não sei eu se o grande francez tinha previsto que o vento que sibilava nas gaveas era precursor de tempestade que se approximava! Era de crer que tivesse, tinha de certo previsto. Porque o riso tambem castiga e tambem presente: é muitas vezes uma advertencia e um ensinamento.
Eu não faço parallelos. O symptoma foi, para a França do tempo, um symptoma terrivel; o symtoma é, entre nós, muito para ponderar-se. (Apoiados. - Vozes: -Muito bem.)
Viram todos os meus collegas que não fiz parallelos.
Sr. presidente, recapitulando,, porque é preciso que eu termine depressa, estou fatigado, e creio que estou fatigando...
Vozes: - Não, não.
Orador: - Dizia eu que a tentativa de solução conjuncta para os dois problemas colonial e económico, se me afigurava arriscada. Se o governo a conseguir, avassalou-me e rendeu-me, a mim, que não sendo um inimigo, não sou todavia um apostolo.
Creio que não offendi ninguem. (Apoiados.) Agradeço muito os apoiados da camara; tanto mais quanto é certo que ao pedir a palavra, os não esperava tão repetidos, attenta a situação excepcional que aqui occupo. Creio que não offendi ninguem; sei que não lisongeei partido algum nem uma, nem outra cousa eu desejava fazer. Posso ámanhã, logo; ser um politico; hoje sou apenas um deputado.

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De sobejo possuo para o desvanecimento de todas as minhas vaidades.
Ha uma flor, multo conhecida de todos, a respeito da qual se diz que quando algum insecto lhe pousa na corolla, retrahe sobre si as pétalas, abafando no seio o insecto, cujo contacto a maculara. Bem ao contrario de tudo isso, este ambiente tem para mim algumas vezes, no resfolgar das paixões políticas (nem sempre, e ainda bem para todos nós) o quer que seja do insecto venenoso (vejo que a camara me consente dizel-o) onde insensivelmente vem retrahir-se, emmurchecher, e... desbotar, pelo contacto, a planta melindrosissima de qualquer consciencia bem formada.
Não vae, n'estas palavras, uma offensa á camara; porque, offendendo-a a ella, offendia-me a mim. Mas a paixão não é boa conselheira.
Qualquer que seja a minha futura attitude politica, para em tudo sor portuguez, possa eu sempre terminar, como hoje, com os tão vulgarisados versos do nosso Antonio Ferreira:

Eu d'esta gloria só fico contente,
Que a minha terra amei e a minha gente.

E em nome d'essa gloria, que é sagrada, o em nome da auctoridade da justiça, que é santa, e em nome da auctoridado da lei, que é enorme, e em nome da auctoridade do meu mandato, que a todos me iguala em direitos nesta casa, eu, o mais humilde dos seus membros, para conjurar os males que affligem o meu paiz, ouso fazer um ultimo appello, que espero ninguem me taxará de irrisorio, e com que termino e fecho, para frisar a irrisão, só irrisão n'elle se encontra: ouso appellar para o patriotismo do todos.
Agradeço reconhecido á camara a attenção que se dignou dispensar-me.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi cumprimentado por toda a camara e por alguns dignos pares do reino que se achavam na sala.)
Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

A camara, fazendo suas algumas palavras do discurso da corôa, recommenda imperiosamente a moderação nas despezas; reconhece, com o gabinete, a gravidade da conjunctura que atravessamos; e sem minimos intuitos políticos e no empenho de a resolver a bem do paiz, appella para o patriotismo de todos. = O deputado, Luiz Osorio.
Foi admittida.
O sr. Arroyo (relator): - Por certo não estranhará o orador que me acaba de preceder no uso da palavra, cujo talento e cujo caracter respeito e admiro, nem estranhará a camara que, na qualidade de relator do projecto actualmente sujeito ao exame parlamentar, procure responder a uma serie de arguições dirigidas contra esse diploma pelos oradores opposicionistas que entraram no debate. Seguirei a ordem chronologica da sua apresentação, e assim chegarei naturalmente á apreciação do discurso do sr. Luiz Osório. Ficará assim cumprido o meu dever, até onde me habilitarem as minhas forças.
A opposição progressista declarou pela voz do seu chefe, o sr. conselheiro José Luciano de Castro, que não collaborava na discussão do projecto de resposta ao discurso da coroa, considerando o como homenagem de respeito pelo augusto chefe do estado.
Estava no plenissimo direito de assim proceder. Mas, continuando, commentou a sua ausencia na discussão d'esse diploma com algumas considerações que pedem, de parte da commissão parlamentar resposta prompta o immediata.
Defendeu s. exa. a sua declaração pela necessidade instante de economisar tempo á camara, a fim de que ella inicie o mais breve possivel a discussão ampla e aberta da questão de fazenda.
Se foram esses os motivos que imperaram no animo de s. exas. os membros da opposição progressista para assim resolver, como não me é licito duvidar, acho que procederam sensatissimamente, e só lamento que os não guiasse o mesmo espirito de economia quando contribuiram, pela sua própria iniciativa, para que esta camara gastasse tantas sessões, sem utilidade manifesta, a glosar os motes do alistamento da guarda fiscal e da desannexação do concelho do Guimarães do districto de Braga, (Apoiados.) sem chegar a accordar entre si sobre o ponto de saber se esta ultima questão era ou não para s. exas. questão accentuadamente política! (Apoiados.)
Accusou o sr. José Luciano de Castro o gabinete por uma omissão commettida na redacção do discurso da corôa, aceusação essa que seria grave, caso fosse fundada, caso precedesse por alguma fórma.
Disse s. exa. que sentia fundamente que no discurso da corôa não se houvesse feito a menor referencia á exploração heroica ultimamente realisada em Africa polos nossos illustres e benemeritos compatriotas Hermenegildo de Brito Capello e Roberto Ivens.
Com effeito, nada se diz no discurso que Sua Magestade El-Rei leu ao parlamento no dia 2 do presente mez de janeiro, e nada escreveu sobre esse assumpto a commissão eleita por esta camara para redigir o projecto de resposta ao discurso da corôa.
Em resposta, direi ao illustre chefe do partido progressista que a sua accusação, alem de ser improcedente, é de uma evidente injustiça.
O governo não se limitou a communicar á camara, na sessão de 25 de junho do anno passado, a chegada dos arrojados viajantes a Moçambique; tomou a iniciativa na manifestação de applauso e na congratulação unanime da camara pela fausta noticia de que o nobre ministro da marinha havia sido portador, pedindo para ser auctorisado a participar a Capello e Ivens a saudação que brotara irresistivelmente dos nossos corações. (Vozes: - Muito bem.)
O governo collaborou depois constantemente, ininterrompidamente, em todas as demonstrações de reconhecimento e altíssimo apreço prestadas a esses dois exploradores, desde que pozeram pé em territorio portuguez. (Apoiados.)
O governo acompanhou Capello e Ivens no seu passeio triumphal á cidade do Porto, e sempre que uma voz se erguia para saudar o tenacissimo esforço dos nossos compatriotas, havia sempre outra voz bem mais eloquente, bem mais prestigiosa, saída do gabinete, para proferir em linguagem condigna o elogio do commettimento! (Muitos apoiados.)
Fallo desembaraçada e desassombradamente nesta questão, sr. presidente. Despretenciosa como é a minha palavra, falha de atavios e de encantos a minha phrase, não deixei comtudo de envidar toda a minha vontade para tecer uma corôa de louros que ficasse bem n'aquellas cabeças energicas e intelligentes. Se o não consegui, lancem isso á conta da minha pouquidade, que os bons desejos não me falleceram.
Mas o curioso, o extraordinario, é partir similhante accusação do partido progressista!
O partido progressista quiz tocar n'este ponto a nota patriotica, e foi infeliz. Eu me explico, sr. presidente.
Em março de 1879, chegava á capital do Transwaal, a Pretoria, o illustre explorador portuguez Serpa Pinto. Participada a feliz nova á camara pelo ministro da marinha de então (um ministro regenerador), a camara congratulou-se unanimemente pela terminarão d'essa travessia, em resultado de uma proposta apresentada por um membro da maioria.
Cáe o gabinete regenerador em fins de maio de 1879 e sobe ao poder o partido progressista. Sabe a camara o que aconteceu?
Aconteceu que, não obstante o gabinete não haver feito nenhuma demonstração parlamentar no resto da sessão legislativa de 1879, foi lido ao parlamento no dia 2 de já-

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neiro de 188Q um discurso da coroa, de responsabilidade do partido progressista, e que nesse diploma nem uma só palavra se encontra com referencia á travessia de Serpa Pinto! (Muitos apoiados.) Nem uma só palavra, sr. presidente!
Tal foi o procedimento do partido progressista n'uma situação identica á que lhe serviu para atacar agora o gabinete; outro, e completamente outro, foi o procedimento do partido que muito me honro de apoiar. (Apoiados.) Falhou, portanto, á nota sentimental que o chefe do partido progressista mostrou tão particular empenho de ferir, e falhou tambem em parte o proposito annunciado pelo sr. José Luciano de Castro de se abster da discussão do projecto da resposta ao discurso da coroa. Pois compadece-se a declaração de ausência na discussão de um projecto com uma censura acre e grave feita a esse mesmo projecto? (Apoiados.)
Isto prova que o partido progressista não perde o habito de ser incoherente e contradictorio.
Tambem o anno passado o sr. Braamcamp declarou que o partido progressista não cooperaria na discussão do projecto de reforma constitucional, e, não obstante, variadas considerações fizeram a tal respeito, bon gré, mal gré, os srs. Luiz José Dias, Barros Gomes e Eduardo José Coelho... S. exas. bem se esforçaram por cumprir as suas promessas feitas no parlamento; mas a força do costume enraizado triumpha e vence-os...
Usou da palavra por parte da opposição, depois do sr. conselheiro José Luciano de Castro, o sr. José Elias Garcia, e disse s. exa., com rasão, que nenhum momento era mais azado para se analysar sob um ponto de vista alto, elevado, os problemas da politica e de administração do que o da discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa.
Entre varias arguições do que se compõe a diatribe furibunda com que s. exa. investiu contra o nobre ministro do reino, citou o sr. Elias Garcia um facto lamentável, no entender de s. exa., e do qual, em seu conceito, provirão certamente graves prejuízos para o paiz: esse facto é a diminuição do espirito de liberalismo intransigente, característico das medidas governativas de iniciativa do sr. Barjona de Freitas, segundo a opinião do illustre orador republicano.
Não tentarei responder pelo sr. ministro do reino, visto que s. exa. o fez já, e muito melhor de que eu o poderia fazer; limitar-me-hei a observar ao sr. Elias Garcia que a obliteração e enfraquecimento de um criterio liberal, augmentativo de franquias populares e exclusivista ou radical, é um phenomeno de que só temos a felicitar-nos, por que accusa um verdadeiro progresso politico e social para a nossa terra. (Apoiados.)
Assim como a renascença representa para o mundo medieval a idéa nova da metaphysica social e politica, espraiando-se n'uma serie de liberdades que vão hoje desde a producção do pensamento do homem até às manifestações da actividade humana, assim o experimentalismo sociologico representa para o idealismo critico, dissolvente e revolucionario, a entrada dos principios rigorosamente scientificos no campo dos estudos sociaes. (Vozes: - Muito bem.)
Não eram mais complexos os variadissimos elementos que collaboram n'essa revolução que serviu de portico á moderna idade, nem é menos fecundo nos designios e nos resultados o criterio opportunista. (Apoiados.)
A applicação desse critério significa a substituição das formulas do radicalismo por principios induzidos do estudo dos factos; significa o desapparecimento das concepções abstractas da metaphysica e a utilisação da iniciativa individual, tal qual a produz um certo povo n'uma certa epocha, sem exaggeros preconcebidos de escola; (Apoiados.) representa, não o menosprezo ou a exaltação systematica do individuo, mas o justo aproveitamento das suas forças, das suas aptidões, das suas faculdades; representa a queda de todas as theorias fundamentadas na ampliação dos mais importantes direitos públicos, sem distincção alguma dos agentes que não offerecem garantia sufficiente de illustração para o exercicio dessas altissimas funcções. (Apoiados.)
Da mesma fórma que a organisação politica, a acção dos poderes publicos deve procurar acompanhar o meio em que vivemos, para que as leis, pela opportunidade dos seus preceitos, produzam alguma cousa de efficaz e de verdadeiramente progressivo. (Apoiados.)
Entre a serie de considerações feitas pelo sr. Elias Garcia, uma ouvi, que particularmente me impressionou, por a julgar em extremo grave. Refiro-me a ter este nosso collega accusado o gabinete de abuso de poder, de haver promulgado uma medida de caracter dictatorial, na opinião do orador republicano, em um decreto ordinario que tem a data de 17 de setembro de 1885. Caso procedesse a accusação, grave seria tambem a responsabilidade da commissão do resposta ao discurso da coroa, por não haver indicado neste projecto a responsabilidade que consequentemente cabia ao gabinete.
Trata-se, sr. presidente, do adiamento da eleição da camara municipal de Lisboa, que, nos termos do artigo 223.° da respectiva reforma administrativa, se devia realisar no terceiro domingo do mez de outubro, e que, em virtude do disposto no citado decreto de 17 de setembro, se realisou a 13 de dezembro.
Tres pontos se conteem na argumentação produzida pelo sr. Elias Garcia; vem a ser o primeiro a analyse e apreciação dos motives que levaram o governo a adiar a eleição; e segundo, a comparação dos meios apresentados pelo orador republicano, para resolver as difficuldades suscitadas, com o adoptado pelo sr. ministro do reino; o ultimo, e certamente o mais importante, reduz-se á legalidade ou illegalidade do decreto de 17 de setembro, como acabo de ter a honra de explicar á camará.
Quanto ao primeiro ponto, foi brilhante e completa a defeza que ouvimos da boca do sr. Barjona de Freitas. (Apoiados.) Demonstrou s. exa., em commentario aos considerandos do mencionado decreto, como a reforma administrativa, approvada por carta de lei de 18 de julho de 1885, exigia, para a destrinça dos eleitores do actual municipio de Lisboa e dos cidadãos que constituem os collegios eleitoraes de que tratam os artigos 185.° e 186.° da citada reforma, que se determinasse previamente no terreno o traçado da estrada de circumvallaçãó; como era impossivel apurar os cento e sessenta maiores contribuintes, sem a divisão da cidade nos quatro bairros estabelecidos na reforma; como havia absoluta impossibilidade de se realisar a eleição no terceiro domingo de outubro, sob pena de se não guardarem os prazos marcados para as operações do recenseamento na tabella annexa á reforma mencionada, de se não effectuarem os actos preparatorios, indispensaveis para a completa execução da lei.
Notou ainda o sr. Barjona de Freitas, como já dizia o decreto de 17 de setembro, que o adiamento da eleição para o dia 13 de dezembro não prejudicou a administração municipal, pois o dia 13 de dezembro era anterior áquelle em que a lei determinava começasse a nova gerencia do municipio.
A taes rasões e motivos, justificando o adiamento da eleição, oppoz o sr. Elias Garcia dois alvitres, que não duvido classificar de extravagantes, sobretudo por partirem de um orador genuinamente democrático.
Sustentou o deputado republicano que seria mais conveniente ter incumbido os recenseamentos ao presidente da camara e ao escrivão de fazenda, que effectuariam esse trabalho á porta fechada, sem que houvesse espécie alguma de recurso.
É possivel que isto seja democracia, ou até demagogia; pelo que me toca, nem sequer concebo a possibilidade de se justificarem tão inauditas illegalidades. (Apoiados.)
Ou então, acrescentou o sr. Elias Garcia, se o governo

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não queria lançar mão d'este meio, não fizesse a eleição, não mandasse proceder ao acto eleitoral. Isto é, o sr. Elias Garcia queria que o gabinete desobedecesse no mandato da lei, e que o governo rasgasse despoticamente essa mesma lei que o illustre deputado opposicionista desejava que houvesse sido religiosamente acatada e respeitada! (Apoiados.) Que se não fizesse a eleição ordenada na lei, exactamente para cumprir os preceitos legislativos, é um cumulo, sr. presidente! (Apoiados.)
Pois para cumprir a lei, e só para cumprir a lei, é que o adiamento foi ordenado, e á face d'essa necessidade é que elle se legitima completamente. (Apoiados.)
Mas podia o governo, em face do artigo 223.° da reforma administrativa approvada pela lei de 18 de julho de 1885, que marcava o terceiro domingo do mez de outubro para a primeira eleição geral dos vereadores da camara municipal do Lisboa, ordenar em decreto ordinário que a eleição fosse adiada para o dia 13 de dezembro?
Affirmo que sim.
A applicação dos textos da lei está evidentemente restringida aos limites da possibilidade. A interpretação, o entendimento de um preceito legal não póde ser levado a um tal extremo que d'ahi resultem conclusões absurdas e contrarias ao espirito manifesto da mesma lei. (Apoiados.)
Se do artigo 223.° citado derivasse a conclusão de que a eleição dos vereadores da camara municipal do Lisboa se devia realisar no terceiro domingo do mez de outubro, quaesquer que fossem as inobservancias legaes a commetter para que o acto eleitoral se verificasse n'esse dia, não, seria a propria lei que forneceria ao poder executivo os meios de violar e offender os preceitos legaes? (Apoiados.)
É necessario, é indispensavel concordar em que existe uma condição tacita na disposição do mencionado artigo 223.°, qual é a do se não levantarem difficuldades insuperaveis, innatas a todos os periodos o regimens transitórios, como os que estabelecem a passagem entre duas organisações administrativas. (Apoiados.)
Estas minhas observações acham-se corroboradas por umas palavras, apparentemente redundantes, que se lêem no referido artigo.
Diz esse artigo:
«A primeira eleição geral dos vereadores da camara municipal de Lisboa, nos termos desta lei, realisar-se-ha no terceiro domingo do mez de outubro do corrente armo de 1885.»
O emprego da phrase nos termos d'esta lei, antes da designação do dia da eleição, significa que, na monto do legislador, preponderava a intenção de fazer respeitar, acima de tudo, as formalidades, prasos e principios estatuidos na reforma administrativa do municipio de Lisboa para a eleição dos seus vereadores; significa que, acima da escolha do dia para a verificação do acto eleitoral, no período transitorio, está no espirito da lei fazer executar integralmente as disposições da reforma, que no periodo da applicação definitiva poderão sor cumpridas sem os obstáculos e demoras características d'aquelle periodo. (Apoiados.)
Confrontou o sr. Elias Garcia a conducta do gabinete a este respeito com a decisão opposta tomada por esto governo, quando do Porto se reclamava o adiamento da eleição municipal com o fundamento de vicios existentes no recenseamento eleitoral desta cidade. Direi ao illustre deputado que as resoluções se contrariam, porque os casos são inteiramente diversos. (Apoiados.)
No primeiro caso tratava-se de um situação transitoria, da passagem de um regimen antigo do administração para um regimen novo; no segundo caso tratava-se de conhecer de um recurso extraordinário e illegal, apresentado fora do praso competente.
O adiamento do praso da eleição do município de Lisboa assenta exactamente na necessidade de executar com rigor a reforma administrativa d'este municipio; a acquiescencia ao pedido de uma parte dos cidadãos portuenses envolvia a derogação expressa da legislação existente sobre recursos em materia eleitoral. (Muitos apoiadas.)
Acrescentarei, sr. presidente, que o illustre deputado republicano se doeu mais, me parece, com a juncção de regeneradores e progressistas na eleição municipal de Lisboa, do que propriamente com o decreto do 17 de setembro. S. exa. investiu contra essa collaboração com phrases asperas, com linguagem violenta, que não é muito vulgar e frequente nos seus discursos.
E porque, sr. presidente? Que ha do incorrecto, de extraordinário, de indecoroso em tal facto? Não pertencem os cavalheiros que se aggremiaram á mesma família liberal? Não luctaram contra um inimigo commum? (Apoiados.)
Com o que nada tenho é com a lucta travada ultimamente entre progressistas e republicanos; isso é lá com elles. (Riso.) Só notarei, e muito de relance, que o partido progressista ataca os republicanos com tal vigor, que até parece imaginar que está a bater em si proprio... (Riso.)
Não devo passar adiante, sem fazer alguns breves commentarios á phrase os nossos amigos, sobre que discreteou em uma das sessões passadas o sr. Emygdio Navarro, e que chamou igualmente a attenção do sr. Elias Garcia.
Pelo que respeita ao orador progressista, cuja palavra e cuja penna têem em mim um sincero admirador, observarei como é estranho provir tão severa critica de costumes políticos de um membro do partido que ha poucos annos, sendo governo, accommettia, intransigente, contra o funccionario que não fosse progressista pur sang. (Apoiados.)
Pelo que respeita aos republicanos, pretendo unicamente lembrar-lhes que não é bom investir com tanto denodo contra os adversarios, sem previamente nos havermos certificado da solidez dos nossos telhados... S. exas. hão de recordar-se de um certo banquete republicano em que se fez a distribuição, platónica, é verdade, dos logares mais grados do paiz... (Riso.)
Pelo que respeita aos regeneradores, notarei ao sr. Navarro que a realidade da expressão os nossos amigos se contradiz com o espirito de generosidade e tolerancia do partido regenerador, que, s. exa. synthetisou na pessoa do seu chefe. Ou a expressão se limitaria aos individuos filiados no partido regenerador, e n'esse caso as duas ordens de factos seriam inconciliáveis, ou essa phrase abrangeria os cavalheiros aggremiados sob a bandeira de outros partidos politicos, o que não posso nem devo crer para honra dos partidos adversos ao meu... (Vozes: - Muito bem.)
Sou chegado, sr. presidente, apreciando o discurso brilhante do orador que me precedeu, o sr. Luiz Osorio, ao ponto que julgo mais levantado e merecedor de toda a attenção do parlamento, no exame do diploma presentemente sujeito á discussão da camara.
Urge, para decoro d'esta casa, para bom nome das assembléas legislativas, que a resposta á falla do throno seja encarada sob um ponto de vista bem alto e sereno, que tentemos avaliar a mensagem da corôa á luz da direcção ou direcções geraes que é indispensavel imprimir aos órgãos dirigentes do paiz, sob pena de vermos falseados os principies scientificos da politica.
Urge, sr. presidente, analysar o problema da administração publica com um criterio bem elevado, que se coadune com as funcções capitães que incumbem á nação na sua gerencia actual, a fim de que a sua vida e trabalho interno, progressivamente mais perfeitos, se imponham ás nações estrangeiras pela sensatez dos designios e pela efficacia dos resultados. (Apoiados.)
E é sob o dominio de taes princípios que julgo completamente justificado o que se acha escripto n'este papel.
O problema da economia nacional, esse problema que no solo portuguez tem como elemento fundamental, como ponto de mira suprema, como interesse que prepondera sobre todos

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os outros interesses, a prosperidade agricola, a facilidade e felicidade do arroteamento, a utilisação d'este pedaço de terra caracteristicamente adequada á exploração vinicola e cerealifera, (Apoiados.) precisa, para obter uma solução que seja alguma cousa mais do que uma mera formula exclusivista e esteril, ou proteccionista ou livre-cambista, da reorganisação, da unificação e aperfeiçoamento dos serviços aduaneiros e tributários em geral, e do levantamento do nosso credito, pela preparação de um estado successivamente mais desafogado para a fazenda publica. (Vozes: - Muito bem.)
Um bom regimen de tributação, tanto directa como indirecta, terá, como consequencia, a mais equitativa divisão do imposto, a sua maior productividade, a obtenção de um minimo de estorvos para o commercio, a maior disciplina e cuidado na cobrança e arrecadação das receitas, e, em resultado de tudo isso, a respiração mais livre do thesouro, a estabilidade dos títulos fiduciarios e a circulação facil do capital, em demanda de um emprego seguro e prestadio. (Muitos apoiados.)
Uma boa situação economica não explue creada e fortalecida da applicação systematica do um principio ou de uma theoria, transformada em lei ou em decreto; assenta em uma complexa machina dos serviços públicos, que deve ser dirigida por criterios fundamentados no estudo das condições do meio, e que o estadista, verdadeiramente digno desse nome, procura corrigir e aperfeiçoar, ao passo que as imperfeições e defeitos se vão evidenciando. (Apoiados.)
Por outro lado, o problema colonial impõe-se-nos, e impõe-se-nos muito justamente. Não serei eu que n'este ponto contradiga o sr. Luiz Osorio por haver encarecido a importancia decisiva, para nós os portuguezes, de tão momentoso assumpto.
Não é licito desconhecer que, nos últimos annos, Portugal tem dado exuberantes provas de actividade no que respeita às cousas e interesses de alem mar. (Apoiados.) As explorações utilissimas já realisadas, os indefessos esforços para a fundação de estações civilisadoras, a lucta no estrangeiro pela sustentação do nosso poderio ultramarino, o alargamento dos nossos dominios coloniaes, o estabelecimento de caminhos de ferro taes como os do Transwaal, Mormugão e Ambaca, o abastecimento de aguas em Loanda, o progressivo esmero na administração ultramarina, o incitamento da iniciativa individual para a exploração africana, estes e tantos outros signaes innegaveis de vitalidade e de força, mostram superabundantemente que o governo portuguez tem comprehendido com justeza qual é a verdadeira direcção da nossa nacionalidade, e qual o caminho a seguir para que se alastre e expanda utilmente o trabalho portuguez. (Apoiados.)
E são estes, na realidade, os topicos do diploma que tenho procurado defender - a questão de fazenda e a questão colonial. Que fóra d'estes assumptos, muitos outros ha de todo o ponto dignos de accurada attenção por parte dos poderes publicos, não o nego, nem o podia negar. Mas eu quiz só, sr. presidente, demonstrar, em resposta ao discurso do sr. Luiz Osorio, como as necessidades mais urgentes da vida publica portugueza são tambem as que mais espontaneamente resaltam da mensagem da corôa, tão frisante é a referencia que a ellas se faz n'esse diploma. Assim só justifica o projecto em discussão á face do ponto de vista unitario que deve illuminar o conjuncto da nossa administração publica. (Apoiados.)
De resto, devemos igualmente reconhecer que o governo não reduz o emprego da sua actividade a uma ou a duas questões em especial. Felicito-me por ver que a reforma da nossa legislação commercial, o regimen das prisões, o padroado do Oriento, a classificação do pessoal de engenheria, a instrucção publica, a situação dos operarios menores, a emigração, e tantos outros problemas de superior importancia e alcance occupam a sua attenção e, consequentemente, a do parlamento.
Que trabalhem os membros do gabinete e que continuem a trazer a esta casa, como confiadamente espero, productos valiosos que honrem os seus nomes já nobilitados e engrandecidos em serviços publicos, tal é o voto sincero que faço, num desejo ardente de progresso do paiz que representâmos!
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi cumprimentado.)
O sr. Presidente: - Está esgotada a inscripção, mas como não ha numero na sala, não posso hoje preceder á votação sobro a moção do sr. deputado Luiz Osorio, nem sobre o projecto, nem sobre o parecer que se discute.
A ordem do dia para segunda feira é a votação deste parecer e eleição de commissões.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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