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N.º 19

SESSÃO DE 15 DE FEVEREIRO DE 1898

Presidencia do exmo. sr. Eduardo José Coelho

Secretarios- os exmos. srs.

Joaquim Paes de Abranches
Frederico Alexandrino Garcia Ramires

SUMMARIO

Por não haver expediente, logo depois de approvada a acta foi dada a palavra aos srs. deputados que a pediram para antes da ordem do dia. Falla, em primeiro logar, o sr. Teixeira de Sousa, referindo-se a dois assumptos- o da construcção do ramal do caminho de ferro de Tunis a Lagos e ao procedimento da policia no theatro de S. Carlos em uma das ultimas noites. Responde-lhe, por parte do governo, o sr. ministro da marinhar- Apresenta um projecto de lei, e dá umas explicações ao sr. Ferreira da Cunha, o sr. Francisco Machado. -Explicação do sr. presidente. - O sr. Lopes de Carvalho accusa de arbitrario um acto praticado pelo presidente da commissão municipal de Alemquer.- Os srs. Frederico Ramires e Alfredo de oliveira defendem a construcção immediata do ramal da linha ferrea de Tunis a Lagos, respondendo ás observações do sr. Teixeira de Sousa.- Manda para a mesa um parecer o sr. Franco Frazão. - Realisa as perguntas indicadas no sou aviso previo ao sr. ministro das obras publicas, nobre as industrias em Guimarães, o sr. João de Mello. Resposta do sr. ministro. - Requerimento do sr. Carlos José de Oliveira.

Na ordem do dia continua a discussão do projecto de lei n.º 5 (concordata com os credores externos), impugnando-o detidamente o sr. Teixeira de Sousa, a quem responde o sr. conde do Burnay, que apresenta uma moção de ordem.

Primeira chamada - ÁS duas horas da tarde. Presentes, 12 srs. deputados.

Abertura da sessão - Ás tres horas da tarde.

Presentes á segunda chamada, 62 srs. deputados. São os seguintes: - Adriano Anthero de Sousa Pinto, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alfredo Cesar de Oliveira, Alvaro de Castellões, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Maximo Lopes de Carvalho,
Antonio de Menezes e Vasconcellos, Antonio Simões dos Reis, Antonio Teixeira de Sousa, Arnaldo Novaes Quedes Rebello, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Cesar Claro da Ricca, Carlos Augusto Ferreira, Conde do Alto Mearim, Conde da Serra de Tourega, Conde de Silves, Eduardo José Coelho, Elvino José de Sousa e Brito, Eusebio David Nunes da Silva, Francisco de Almeida e Brito Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco José Machado, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Manuel de Almeida, Francisco Pessanha Vilhegas do Casal, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Frederico Alexandrino Garcia Ramires, Gaspar de Queirós Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Jeronymo Barbosa de Abreu Lima Vieira, João Abel da Silva Fonseca, João Baptista Ribeiro Coelho, João de Mello Pereira Sampaio, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca, Joaquim Heliodoro Veiga, Joaquim Ornellas de Matos, Joaquim Paes da Abranches, Joaquim Saraiva de Oliveira Baptista, Joaquim Simões Ferreira, José Adolpho de Mello e Sousa, José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Augusto Correia de Barras, José Benedicto de Almeida Pessanha, José da Cruz Caldeira, José da Fonseca Abreu Castello Branco, José Frederico Laranjo, José Gil de Borja Macedo e Menezes (D.), José Luiz Ferreira Freire, José Malheiro Reymão, José Maria de Oliveira Matos, José Maria Pereira de Lima, José Mathias Nunes, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayola, Luiz Fischer Berquó Poças Falcão, Manuel Telles de Vasconcellos, Marianno Cyrillo de Carvalho, Martinho Augusto da Cruz Tenreiro, Sertorio do Monte Pereira e Visconde da Ribeira Brava.

Entraram durante a sessão os srs.: - Abel da Silva, Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, Alfredo Carlos Le-Cooq, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Augusto José da Cunha, Bernardo Homem Machado, Carlos José de Oliveira, Conde de Burnay, Frederico Ressono Garcia, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Joaquim José Pimenta Tello, José Capello Franco Frazão, José Dias Ferreira, José Eduardo Simões Baião, José Estevão de Moraes Sarmento, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Joaquim da Silva Amado, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz José Dias, Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro, Manuel Affonso de Espregueira, Sebastião de Sousa Dantas Baracho e Visconde de Melicio.

Não compareceram a sessão os srs.: - Albano de Mello Ribeiro Pinto, Antonio Carneiro de Oliveira Pacheco, Antonio Tavares Festas, Arthur Alberto de Campos Henriques, Conde de Idanha a Nova, Conde de Paçô Vieira, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Barbosa do Couto Cunha Sotto Maior, Francisco de Castro Mattoso da Silva Côrte Real, Francisco Furtado do Mello, Francisco Silveira Vianna, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Jacinto Condido da Silva, Jacinto Simões Ferreira da Cunha, Jeronymo Barbosa Pereira Cabral Abreu e Lima, João Antonio de Sepulveda, João Catanho de Menezes, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Joaquim Izidro dos Reis, João Lobo de Santiago Gouveia, João Monteiro Vieira de Castro, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, João Bento Ferreira de Almeida, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria Barbosa de Magalhães, Leopoldo José de Oliveira Mourão, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luiz Cypriano Coelho de Magalhães, Manuel Antonio Moreira Junior e Manuel Pinto de Almeida.

Acta- Approvada.

Não houve expediente.

O sr. Teixeira de Sousa:- Sr. presidente, pedi a palavra para chamar a attenção ao sr. ministro do reino e do sr. ministro das obras publicos, respectivamente para dois factos de que me vou occupar.

Como s. exas. não estão presentes, pedia ao sr. ministro da marinha que n'este momento acaba de chagar, a fineza de lhes transmittir as considerações que vos fazer.

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312 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Li com a maior surpreza no Diario de noticias a informação de que o sr. ministro das obras publicas havia assignado um despacho pelo qual mandava construir um ramal de caminho de ferro do Tunis a Portimão, e recommendando que por mez se não gastasse mais de 5 contos de réis; e porque não ha verba no orçamento ter-se-ha de abrir mu credito especial.

Devo declarar a v. exa. que pensei que os meus olhos me haviam enganado; li e reli, e a muito custo me convenci do que na verdade se tratava de construir um caminho de ferro por conta do estado.

Quero crer que este boato é absolutamente infundado, é falso, e a não ser assim, estamos então n'um paiz de doidos.

Pois n'esta occasião, a braços com uma divida fluctuante tão grande, com um deficit enorme no orçamento, com mil difficuldades para satisfazer os encargos da divida publica, n'esta occasião, em que na ordem do dia estamos a estudar as meios de chegarmos a uma concordata com os credores externos, pois n'esta occasião ordena-se a construcção de um caminho de ferro por conta do estado?

Sr. presidente, que desfazer de feira é este?

Ainda no sabbado, em satisfação a um requerimento que tinha mandado para a mesa, pedindo documentos, pelo ministerio das obras publicas, recebi esclarecimentos por onde consta ter-se gasto no real theatro de S. Carlos desde 1 de julho até 31 de dezembro, 48:444$000 réis!

Vozes: - Ouçam, ouçam.

O Orador: - Sr. presidente, este procedimento afigura-se-me immoral e deshonesto.

Ha dias o illustre deputado e meu amigo o sr. Ribeiro Coelho, levantava-se n'esta camara e chamava a attenção do sr. ministro das obras publicas para a construcção do caminho de ferro de Peso da Regua a Chaves, mostrando a grande conveniencia que resultava da construcção de aquella linha e demonstrando, com toda a clareza e com a sua costumada eloquencia, que aquella provincia tinha direito a ser considerada pelos poderes publicos de modo differente do que tem sido considerado até hoje, e o sr. ministro das obras publicas, respondendo ao illustre deputado disse: que tinha feito a concessão provisoria da construcção do caminho de ferro de Peso da Regua a Chaves, mas que os concessionarios não tenham podido levantar capitaes por não terem a garantia do juro, e que esta não podia ser dada, porque era antipathica.

Pois é antipathica a garantia de juro para a construcção de uma linha que deverá ser rendosa, e não é antipathico fazer-se um caminho de ferro por conta do estado?

Não posso informar v. exa., sr. presidente, das despezas d'essa construcção, mas estou inteirado de que ellas não poderão andar por menos de 800 contos de réis.

Desde largos annos que a provincia de Traz os Montes representa aos poderes publicos no sentido de ser construindo é caminho do feno da Regua a Chaves. V. exa. cabe que essa provincia é uma provincia ordeira, que tem contribuido largamente para o bem do estado, que essa provincia nunca importunou os poderes publicos nem mesmo para se levantar da profunda desgraça em que caiu em consequencia dos destroços feitos nos vinhedos pelo phylloxera. V. exa., que é natural d'aquella provincia, que se honra do haver sido seu berço, sobe que é sobretudo uma injustiça o preterir a provincia de Traz os Montes, quando apenas se trata de pedir garantia de juro para construcção do seu caminho de ferro.

Mas póde o estado dar nas actuaes circumstancias garantia de juro para a construcção de um caminho de ferro, quando estamos a braços com enormes difficuldades, para a satisfação dos encargos da divida publica e quando reconheçamos a necessidade de modificar o negocio da divida publica externa por modo a habilitar-nos a viver com os proprios recursos?

Se não póde, como havemos de comprehender que se possa fazer um caminho de ferro por conta do estado? (Apoiado!.}

Eu, sr. presidente, não discuto a importancia d'esse caminho de ferro, nem discuto as vantagens que para aquella região poderiam resultar da sua construcção, eu não discuto a justiça que porventura possa assistir á região atravessada por esse caminho de ferro de Tunes a Portimão, mas entendo que n'esta occasião é da nossa obrigação não praticar factos d'esta natureza e affiguram-se-me como absolutamente necessarios, quando se trata de uma concordata com os credores externos e sobre tudo quando ácerca d'isso ha negociações com os governos estrangeiros, como affirmou o sr. ministro da fazenda. Entendo ser absolutamente necessario que o ar. ministro das obras publicas mande immediatamente desmentir esse boato. (Apoiados.)

Se estivesse presente o sr. presidente do conselho queria dizer a s. exa., que fui hontem aqui procurado por amigos pessoaes meus, que me pediram para chamar a attenção de s. exa. para a maneira tumultuaria e irregular, por que se está fazendo a policia dentro do theatro de S. Carlos.

N'uma das ultimas noites, acabado um dos actos da opera Huguenottes, segundo fui informado, alguns espectadores entenderam que deviam demonstrar o seu desagrado, quando uma outra parte dos espectadores se levantava e applaudia.

Isto foi o bastante para que a policia entrasse dentro da sala e arrancasse á viva força um respeitavel cavalheiro, e por tal maneira, sr. presidente, que nem sequer consentiram que elle d'esse d'este facto conhecimento á sua familia que estava n'um dos camarotes. Levado com violencia d'ali para o governo civil, foi-lhe negado afiançar-se n'essa noite, o que não costuma negar-se a criminosos da peor especie.
Permaneceu durante essa noite num calabouço infecto, não esqueceram mesmo de exercer sobre elle o processo do que se costuma servir para medir os criminosos celebres. Foi remettido em seguida para o tribunal com uma parte carregada de que tinha dado na sala do theatro de S. Carlos pateada sediciosa. (Riso.)

Eu tenho a opinião de que ninguem tem o direito de ir a S. Carlos, como a qualquer outro theatro perturbar o espectaculo; mas afigura-se-me tambem que tanto direito tem qualquer espectador para mostrar o seu desagrado, como tem outro para manifestar o seu agrado. (Apoiados.} Que se proteja o emprezario do theatro de S. Carlos quando se trata da adjudicação; que se proteja j quando elle dá ao seu contrato uma execução que a todos se afigura irregular, que se gastem quantiosas sommas como as que consta d'este documento, na importancia de 48 contos réis para satisfazer a todos os caprichos e a exigencias do emprezario, vá; mas que se leve para a cadeia quem não gosta das oporas, é uma cousa que não póde ser. Por isso peço ao sr. ministro Sá marinha o favor de transmittir estas minhas observações ao sr. presidente do conselho, para que s. exa. dê as suas ordens no sentido de que a policia dentro do theatro de S. Carlos se faça como se faz em toda a parte onde a civilisação impera.

Tenho dito.

O sr. Ministro da Marinha (Dias Costa): - Pedi a palavra unicamente para dizer ao illustre deputado o sr. Teixeira de Sousa que transmittirei tão exactamente quanto poder aos srs. presidente do conselho e ministro das obras publicas as considerações que s. exa. acaba de fazer, julgando-me auctorisado desde já a declarar que o governo não póde approvar demasias da policia contra qualquer cidadão, (Apoiados} o se tiver havido essas demasias, o governo procederá com todo o rigor.

Em relação ao caminho de ferro, não estou habilitado a responder de uma maneira completa ao illustre deputado.

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Estou convencido que se o sr. ministro das obras publicas mandou proceder a essa obra, é porque teve fundamento legal para isso, ou porque no orçamento existe verba especial para essa obra, ou a poude tirar do capitulo 3.° das despezas extraordinarias do ministerio, ou ainda por qualquer excesso de rendimento das linhas ferreas. Repito, não estou ao facto da questão e apenas transmitirei ao meu collega das obras publicas as considerações que acaba de fazer.

Julgo poder dizer ao illustre deputado que o governo tem os melhores desejos de, em occasião opportuna, acceder aos desejos de s. exa. pelo que diz respeito ao caminho de ferro para Chaves, que é uma das necessidades que realmente se impõe e merece a attenção do governo. Não me parece que possa haver censura pelo facto de estar em construcção o caminho de ferro de Tavira a Villa Nova de Portimão, visto que esse melhoramento representa não só a satisfação dada a uma necessidade d'aquelles povos, mas ainda um meio de occorrer á crise operaria.

Posso asseverar que, em relação ao caminho de ferro do Chaves, ha da parte de todos os membros do governo o maximo empenho em satisfazer aos desejos e aspirações d'aquella provincia, que merece todos os desvellos dos poderes publicos.

O sr. Francisco Machado: - Sr. presidente, mando para a mesa um projecto de lei que tem por fim estabelecer o serviço de inspecção do material de guerra nas guardas municipaes.

Não leio o relatorio para não fatigar a attenção da camara.

A inspecção de material de guerra nas guardas municipaes, analogo ao que succede nos corpos do exercito e guarda fiscal, impõe-se de tal modo, para conservar o armamento tão despendioso, que dispensa mais considerações.

Aproveito tambem a occasião para responder ao que hontem disse aqui o meu amigo o sr. Ferreira da Cunha, a respeito de um requerimento que tive a honra de mandar para a mesa, pedindo copia das representações que as freguesias de Pederneira, Vallado o Famalicão enviaram a commissaão encarregada da divisão concelhia, solicitando a reintregação do antigo concelho da Pederneira.

Sr. presidente, por mais que pense, não posso encontrar nas minhas palavrão, nem no acto por num praticado, motivo por mais tenue, que seja, que podesse melindrar o illustre deputado e meu velho amigo.

Quando requeri esses documentos, foi com o fim de conhecer os motivos que tinham aquelles povos para reclamar a restauração do seu concelho, e não com o intuito de melindrar s. exa., de quem sou amigo ha muitos annos, de quem tenho recebido as maiores provas dê deferencia e por quem tenho a maior consideração.

Os documentos que, pedi são publicos, e o facto de querer conhecel-os não quer isso dizer que tenha intuitos de me ingerir na politica do circulo do illustre deputado na verdadeira acepção com que hoje é tomada esta palavra. Eleitoralmente, nada quero saber do seu circulo; é comettimento que a outro ou outros está encarregado, e para o que eu, parece-me, já deixei de ter feitio. É sciencia transcedente de mais para as minhas aptidões.

Durante o tempo em que fui deputado por um circulo do districto a que pertence o circulo do ilustre deputado, não tentei nunca alargar a esphera da minha area politica não obstante para isso ter sido varias vezes solicitado. Agora muito menos o farei, pois nunca desejei causar ciumes a ninguem, nem atravessar-me diante dos que se julgam mais competentes e sabedores do que eu.

Tenho pena, de não ver presente o sr. Ferreira da Cunha, porque desejava dar-lhe esta satisfação. Não quer param isto dizer, que não esteja sempre prompto a advogar os interesses dos povos, quando me convença que presido a elles a rasão e a justiça. E para ser franco como é o meu habito, direi que fui effectivamente procurado por um grupo de cavalheiros que me pediram para apresentar aqui um projecto de lei com o fim de ser restaurado o antigo concelho da Pederneira, a que pertence a Nazareth, que hoje dispõe do valiosos recursos. Foi para me convencer da justiça d'esta causa, que pedi a copia dos representações, porque não quero advogar uma causa, que, embora se me afigurasse justo, podia deixar de o ser, e por isso só lendo as representações e estudando as, podia convencer-me se os cavalheiros que me procuraram tinha ou não rasão.

Não tenho duvida nenhuma em dor estas explicações ao meu amigo o sr. Simões da Cunha, e afiançar-lhe que não tive intuito algum de o melindrar. Não quero ingerir-me na politica do seu circulo; fui deputado muitos annos em côrtes, pelo circulo das Caldas, e nunca me afastei da politica d'esse circulo, mas attendi sempre os pedidos que me faziam, porque estou sempre prompto a par a minha palavra ao serviço de todas as causas que repute justos.

Se me convencer que a restauração do concelho da Pederneira póde melhorar a situação d'aquelles povos, hei de pôr todo o meu auxilio em favor da sua causa. Foi isto o que prometti, é isto o que prometto aos cavalheiros que me encarregaram d'esta missão, sem lhes poder garantir que surtam effeito os meus esforços, pois que isso não depende da minha vontade.

Era isto o que hontem, ao pedir a palavra, desejava dizer a s, exa., repetindo mais uma vez, que nunca tivera intuito de o melindrar e nem isso era possivel attendendo as nossas relações de amisade.

O projecto ficou para segunda leitura.

O sr. Presidente: - Devo dar uma explicação. Eu não dei a palavra ao sr. Lopes de Carvalho antes de a conceder, ao sr. Francisco Machado, como lhe competia pela inscripção, porque, tendo pedido a palavra n'essa occasião o sr. ministro da marinha, me equivoquei na descarga.

Tem a palavra o sr. Lopes de Carvalho.

O sr. Lopes de Carvalho: - Como a cantara muito bem sabe, em virtude de uma syndicancia que o governo promoveu a camara municipal do concelho de Alemquer, foi esta camara dissolvida e nomeada uma commissão para administrar o concelho, emquanto se não procedesse a nova eleição.

Claro é que eu não venho agora aqui fazer as apreciações dos actos d'esta commissão; bons ou maus alguem a seu tempo virá pedir contas d'elles. A que venho unicamente, é a protestar contra o acto arbitrario do presidente da tal commissão, o qual, sem ouvir nem consultar os seus collegas, como era seu dever, e sem que estivesse auctorisado para isso, demittiu um empregado da camara, substituindo-o por outro, unica e simplesmente porque aquelle empregado não partilhava as suas idéas politicas!

É contra actos d'esta natureza que eu n'este momento protesto, esperando que s. exa. o nobre ministro do reino, a quem tributo a maior consideração e respeito, embora não commungue nas mesmas idéas politicas, providencei de modo a evitar a repetição, de futuro, de desmandos d'esta ordem; e, como s. exa. não está presente, rogo ao illustre titular da pasta da fazenda a fineza de lhe communicar este meu pedido.

O sr. Ministro da Marinha (Dias Costa): - Transmittirei ao sr. presidente do conselho as observações que o illustre deputado acaba de fazer.

O sr. Frederico Ramires: - Em referencia as observações do sr. Teixeira de Sousa, lembra que a con-

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strucção do caminho de ferro de Tunis a Villa Nova de Portimão estava já incluida n'uma proposta de lei apresentada em 1883 pelo sr. Hintze Ribeiro, relativa á rede de caminhos de ferro, e não foi então impugnada por ninguem.

Por aquella proposta de lei não só era auctorisado o governo a dar a construcção de empreitada, mas tambem a realisal-a por conta do estado, se a empreitada não conviesse.

Accentua as enormes vantagens d'este caminho de ferro, que completa por um lado a rede do Algarve e atravessa uma das regiões mais ricas d'aquella provincia.

Póde assegurar que este caminho de ferro não só não trará encargo para o estado, mas ainda produzirá augmento de rendimento nas linhas do sul e sueste, porque lhes augmenta o trafego.

Alem d'isto, quando elle estiver construido, o governo deixa de pagar o subsidio annual de 14:000$000 réis á empreza de navegação entre Lisboa e os portos do Algarve.

(O discurso será publicado na integra, guando o orador o restituir.)

O sr. Alfredo de Oliveira: - Pedi a palavra, não para reforçar os argumentos apresentados pelo illustre deputado sr. Frederico Ramires, cuja resposta foi cubal e triumphante, mas por me parecer que ha um pequeno ponto que precisa ficar bem liquidado.

Disse o sr. Ramires e mostrou á camara que o projecto em questão não traz augmento de despeza para o estado; no emtanto, eu desejava que ficasse bem assento o principio de que não deve ser condemnado in limine, systematicalmente, cegamente, qualquer projecto aqui apresentado, só pelo simples facto de importar augmento de despeza. (Apoiados.)

O illustre chefe do partido regenerador fez aqui uma declaração importante, com applauso do seu partido; parece-me, portanto, que essa declaração constitue hoje uma parte do programma d'esse partido.

O chefe do partido regenerador, o sr. João Franco...

Vozes: - Não é chefe, é leader.

O Orador: - Mas então quem é o chefe?...

(Susurro.)

Bem vê v. exa. que ninguem me responde, porque ninguem sabe quem é o chefe; não é pois só minha a ignorancia.

Não é nossa a culpa.

Do partido progressista, toda a gente sabe quem é o chefe; dentro ou fóra do partido, não ha ninguem que não saiba quem é o chefe do partido progressista; e no seio do partido não ha quem o não considere, o reconheça e lhe obedeça como tal.

Do partido regenerador é que ninguem sabe quem é o chefe.

(Susurro.)

Mas, sr. presidente, como se fica sabendo que o não é o sr. João Franco, eu retiro a expressão, o declaro a v. exa. que não houve da minha parte intenção alguma offensiva.

(Riso.)

Eu devia talvez ter percebido que o sr. João Franco não era o chefe, pelo discurso com que inaugurou o debate n'esta camara.

S. exa. foi um tanto aggresssivo.

Quando pela ultima vez eu tive a honra de representar, o meu paiz n'esta casa do parlamento, ainda os actuaes chefes do partido regenerador não eram chefes, nem subchefes, e creio que nem soldados d'esse partido. Pelo menos, ainda não tinham tido assento n'esta camara.

O chefe então era Fontes Pereira de Mello. Ouvi-o muitas vezes, erguer a sua voz altiva, nas duas casas do parlamento. Ouvi-o em questões calorosas; ouvi-o em discussões violentas; ouvi-o em sessões verdadeiramente tempestuosas; mas nunca dos seus labios saiu uma phrase, uma palavra, que fosse, não direi já uma injuria ou uma offensa para um adversario, mas que fosse, sequer, um desprimor de cortezia.

Vozes: - Muito bem.

Sempre correcto, sempre distincto. Como isto faz saudades, até aos proprios adversarios!

(Pausa.)

E a final, não ficámos sabendo quem é o chefe.

Interrupção.

O sr. Presidente: - Peço a v. exa. o favor de se restringir ao assumpto.

O Orador: - Obedeço. Mas sempre direi a v. exa., que o assumpto era discutivel; porque não fica sendo chefe aquelle que se diz que é chefe, só pelo facto da affirmativa; não deixa de ser chefe aquelle que se nega a sel-o, só pelo facto da negação; a chefatura de um partido não é um cargo honorifico; o chefe de um partido não é uma figura decorativa; quem é o chefe, os factos é que o demonstram.

Mas ponhamos isto de parte, visto que v. exa. me convinda a restringir-me ao assumpto.

Pedi a palavra a proposito do caminho de ferro.

Tinha dito o sr. Ramires que n'esse projecto não havia augmento de despeza; e acrescentava eu que produzir augmento de despeza não é rasão para se condemnar systematicamente todo e qualquer projecto.

O illustre leader da minoria declarou, e n'essa declaração tem sido secundado pelos seus sequazes, que o governo nada tem que fazer senão economias; absolutamente nada que traga augmento de despeza. Isto, portanto, constitue programma do partido. Já sabemos, pois, o futuro que nos espera, quando voltar ao poder o partido regenerador, o que parece não será para muito breve, porque o illustre leader generosamente declarou que não seria ainda na actual sessão.

Mas quando for, já sabemos que o partido regenerador no poder não fará senão economias.

Nós todos sabemos perfeitamente como são essas economias; o paiz conhece-as pela designação de economias á regeneradora (Apoiados) e são de lhes tirar o chapéu. (Riso.)

Ora nós fazemos distincção entre despezas productivas e despezas improductivas. As despesas improductivas, aquellas que significam desperdicio, esbanjamento não as queremos, não as propomos, não as auctorisâmos; deixâmol-as por compelo para as economias regeneradoras (Apoiados); mas despezas productivas, aquellas que se traduzem na phrase popular «semear para colher», essas queremol-as, pedimol-as, auctorisamol-as, porque as julgâmos não só uteis, mas muitas vezes necessarias e indispensaveis.

Era isto o que eu queria dizer, para que não passasse em julgado que estamos dispostos a rejeitar tudo quanto traga despeza, embora productiva, aceeitando um principio erroneo, nocivo e absurdo. (Apoiados.)

Desculpe-me v. exa. o haver-me demorado tanto, apesar de me ter manifestado o desejo de que não me demorasse muito.

O sr. Franco Frazão: - Por parte da commissão de negocios externos mando para a mesa o parecer sobre a proposta de lei n.° 2-E, destinada a pôr em vigor uma nova tabella do emolumentos consulares.

Foi a imprimir.

O sr. Presidente: - Como está presente o sr. ministro das obras publicas e ainda faltam vinte minutos para se entrar na ordem do dia, vou dar a palavra ao sr. João de Mello para realisar o seu aviso previo.

O sr. João de Mello: - Tratando o assumpto do seu aviso previo ao sr. ministro das obras publicas, chama a attenção de s. exa. para o estado de desenvolvimento das industrias na cidade de Guimarães, e, apreciando a ultima

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reforma de escolas industriaes, refere-se em especial á parte que diz respeito á escola (Francisco de Hollanda».

Mostrando a necessidade da creação da officina pratica de cortumes e preparação de pelles, pede a conservação da de tecelagem já existente e a juncção das officinas de cutellaria e serralheria n'uma só, visto serem similares, podendo assim realisar-se a sua creação, sem augmento de despeza.

(O discurso será publicado na integra, guando s. exa. o restituir.)

O sr. Ministro das Obras Publicas (Augusto José da Cunha): - Ouvi com muita attenção as reflexões do illustre deputado que me precedeu e estou perfeitamente de accordo com s. exa. em que é necessario augmentar o numero dos escolas industriaes e dotar convenientemente as que estão creadas para ser mais pratico o ensino, como é o que se dá nas officinas.

Tenho, por conseguinte, todo o empenho em que nas escolas industriaes se crie um grande numero de officinas, em relação ás industrias que são cultivados com mais proveito e desenvolvimento nas localidades onde são situadas essas escolas.

Concordo tambem com s. exa. quanto ao alvitre proposto de se reunir n'uma só as duas officinas de cutellaria e serralheria e do mesmo modo quanto á creação de uma officina de cortume.

Tomo por isso nota da proposta de s. exa. e brevemente darei satisfação ao seu pedido.

Aproveito a occasião de estar com a palavra para responder ao sr. deputado Teixeira de Sousa, que não tive o prazer de ouvir, mas de cujas referencias a varios assumptos relativos ao meu ministerio, me deu conhecimento o meu collega da marinha, sendo um d'elles a portaria que eu assignei hoje mandando começar as obras do caminho de ferro de Tunis a Villa Nova do Portimão.

S. exa. admira-se do que na occasião em que se está tratando com os credores externos para se fazer um convenio, o governo ouse fazer despezas avultadas.

Esta reflexão de s. exa. é a reproducção do uma outra já ha mezes feita n'esta casa pelo meu antigo antigo e illustre leader da minoria, o sr. Franco Castello Branco.

Disse, eu n'essa occasião e repito agora, que ha despezas, realmente inadiaveis e reproductivas, sendo uma boa regra de economia effectual-as, porque produzem receita avultada n'uma epocha mais ou menos proxima. (Apoiados.)

Toda a gente sabe que o caminho de ferro é um dos principaes melhoramentos com que se póde dotar uma região porque desenvolve a producção, augmenta o transito, e por conseguinte a receita publica. Todo o capital, pois que se póde empregar com parcimonia e moderação em augmentar a viação, principalmente a viação accelerada, longe de ser um esbanjamento, um desperdicio, uma providencia mal tomado, é, pelo contrario, um auto de bom governo e de boa administração. O governo não ha de perder a occasião de dotar o paiz com esses melhoramentos, embora tragam alguma despeza a qual, como disse, mais tarde se ha de traduzir em receita avultada. É isto o que se faz, e não despezas inuteis, despezas para augmentar o pessoal, e para, não o digo em allusão, alargar quadros, ou para objectos de luxo. Não procede assim o governo, que é verdadeiramente economico o que quer attender ao estado do paiz.

Dotar, pois, uma região com um caminho de ferro que ha de augmentar a riqueza d'essa região, não é um desperdicio, um esbanjamento, uma providencia pela qual o governo possa ser censurado.

S. exa. mostrou-se admirado de que se decretasse essa despeza, porque não sobe de onde vem a verba, nem quem a auctorisou. Ora eu respondo ao illustre deputado que se não vem no orçamento, vem na legislação. Ha uma lei pela qual é permittido applicar á construção de novas linhas ou prolongamento das existentes, e á este o caso do Algarve, o excesso de receita d'essas linhas.

A linha ferrea do sul e sueste produziu o anuo passado um augmento de receita bruta de 99 contos de réis, e por conseguinte o governo está no seu plenissimo direito, dentro da legalidade, de applicar uma parte d'essa verba ao desenvolvimento da linha.

A respeito das obras do theatro de S. Carlos, tambem s. exa. se admirou do que se tivessem gasto 48 contos de réis no segundo semestre de 1897. e acrescentou que esse dinheiro tinha sido gasto para satisfazer os caprichos do emprezario. Peço licença para protestar energicamente contra tal asserção. Esse dinheiro foi gasto por necessidade; foi para evitar uma catastrophe que se podia dar n'aquelle theatro.

S. exa. não conheceu de certo o estado em que estava o interior do theatro, camarins e differentes partes onde se alojavam artistas e empregados, porque de Contrario reconheceria que, só houvesse um incendio no interior do edificio, era inevitavel a perda de muitas vidas, porque não haveria meios de escaparem ao furor das chammas.

As obras que se fizeram, eram, portanto, indispensaveis para se evitar uma catastrophe. Foram os technicos que as projectaram, e foram feitas segundo o projecto approvado pelo conselho suportar de obras publicas.

(S. exa. não reviu os seus discursos.)

O sr. Carlos José de Oliveira: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro a v. exa. para que seja novamente enviado á commissão de marinha o requerimento de Caetano José, lei de generos de 1.ª classe, reformado da armada, apresentado na sessão de 1895.= O deputado por Lisboa, Carlos José de Olmeira.

Mandou-se expedir.

O sr. Presidente: - Como a camara sabe, não houve expediente, na acta era curta, e em consequencia póde dizer-se que se entrou logo na discussão. A ordem do dia começa, por isso, ás quatro horas, mas como faltam apenas dois minutos, creio que nenhum sr. deputado desejará usar da palavra por tão pouco tempo.

(Pausa.)

Vae passar-se á

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 5 (conversão da divida externa)

O sr. Teixeira de Sousa: - Nós tinhamos ouvido até hontem, em defeza do projecto que se discute o sr. ministro da fazenda e o sr. relator, e tivemos hontem é prazer de ouvir um discurso, aliás muito eloquente, proferido pelo meu illustre amigo o sr. Eduardo Villaça.

Esses tres discursos são deveras singulares, e impressionaram intensamente o meu espirito pelo dissimilhança que ha entre elles relativamente ao modo como s. exa. trataram a questão. O sr. ministro da fazenda que tem a principal responsabilidade n'este projecto, fallou uma vez aqui e deixou sem resposta o notavel discurso proferido pelo sr. Dias Ferreira. (Apoiados.) Manda a verdade que se diga que sobre o projecto da conversão, ou como melhor lhe queiram chamar, s. exa. passou, como costuma dizer, como gato por brazas. Fallou de tudo, de Napoleão, dos astros, entreteve-se com apreciações bysantinas do regimento, cantou a já estafada e pateada aria dos creditos extraordinarios, mas acerca da economia do projecto, foi de um mutismo absoluto. (Apoiados.) É certo que irritou a questão; mas teve o cuidado de immediatamente o endossar ao sr. Villaça seu coadjutor e, segundo se diz, futuro successor, ministro da fazenda já in parti-

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bus e em breves dias o titular da pasta, segando a versão dos que mais se acercam do sr. presidente do conselho.

O que é certo é que o sr. Villaça, que allia aos primores de uma intelligencia finamente educada, uma grande habilidade parlamentar, interveiu na questão, fel-o brilhantemente, sem duvida, mas defendel-a no ponto em que ella mais principalmente foi atacada, isso é que não logramos ouvir. (Apoiados.)

Mas duas cousas de assignalado valor demonstrou o discurso do sr. Villaça; a primeira, foi a grande conveniencia que havia em discutir em separado a moção regeneradora mandada para a mesa pelo meu amigo o sr. Dantas Baracho, pelos perigos de uma discussão minuciosa deste projecto; e a segunda, que o projecto, tal como está, é absolutamente indefensavel.

Pensou de uma maneira contraria o sr. relator. Propoz-se s. exa. fazer a defeza de um projecto, que defeza não tinha, e por assim viu-se na necessidade de fazer affirmações inexactas umas, contrarias ao interesse publico outras... Eu não quero ser desagradavel ao sr. Adriano Anthero, honro-me de ha muitos annos com a sua amisade, reconheço em s. exa. um espirito elevadissimo; em mim, como em todos que têem a ventura de o conhecer, estão estabelecidos e firmados os seus creditos de um grande homem de bem (Apoiados), mas o que é certo é que o illustre deputado, por sor relator do projecto, entendendo que esse papel era por assim dizer de confiança da commissão e do governo, resolveu defender o projecto, em tudo quanto n'elle se vê e se não vê, como defenderia uma causa juridica entregue aos seus cuidados de advogado distinctissimo que é. (Apoiados.)

O que se passou depois? O sr. Eduardo Villaça intervem na questão, passa por ella sobre os pontos principaes superficial e ligeiramente. Tanto o illustre deputado como o sr. ministro da fazenda tiveram o cuidado de sobrenadar na questão, fugindo aos perigos de uma submersão imminente. Aprenda n'estes exemplos o illustre relator do projecto, que eu muito respeito e estimo, pelo seu caracter o intelligencia, e se s. exa. me permittisse um conselho, em dar-lho-ia no sentido de que nesta casa proceda como na sua banca de advogado distincto que é: defenda apenas as causas justas.

O que é certo, é que o sr. deputado Villaça tratou, embora muito succintamente, de nos convencer da muita gravidade da situação financeira; o que nós reconhecemos.

Demonstrou a conveniencia de a modificar o regimen da nossa divida publica externa, no sentido de se harmonisar, tanto quanto possivel, os legitimos interesses dos credores com a dignidade nacional e com os nossos recursos; o que nós reconhecemos.

Chamou os partidos á concordia, pediu a cooperação de todos. Tem-se visto que a cooperação pedida não tem sido negada por nós; estamos hoje como temos estado sempre dispostos a cooperar com o governo para a resolução da questão financeira; não para a ruina do paiz (Apoiados) mas para a sua salvação. (Apoiados.)

Fallou eloquentemente o sr. Villaça, não ha duvida nenhuma, mas nem se quer tentou demonstrar que o thesouro está habilitado a satisfazer os encargos a que é obrigado pelo projecto em discussão. Pois este é o ponto a discutir, o ponto primario e dirimente, como se diz em linguagem juridica.

Vou demonstrar que não está.

O assumpto está sufficientemente conhecido, visto que foi já tratado pelos meus amigos os srs. Baracho e Mello e Sousa, e pelo sr. conselheiro Dias Ferreira, que o discutiram proficientemente.

No emtanto, vou discutir o projecto, e devo declarar que o faço com extrema repugnancia. (Apoiados.) Digo isto porque entendo que a discussão minuciosa é inconveniente para os interesses publicos (Apoiados); discuto-o, arrastado pela resolução que a camara tomou de não discutir separadamente a moção mandada para a mesa pelo meu amigo o sr. Baracho.

A culpa não é nossa, os inconvenientes que podem resultar da discussão d'este projecto, quando ácerca d'elle ha negociações pendentes junto de governos estrangeiros, não é da nossa responsabilidade, é do governo e da sua maioria. (Apoiados.)

Nunca em parlamento algum do mando se viu discutir uma questão, sobre a qual pendem negociações com governos estrangeiros; esta obra, que póde ser fertil em perigos de diversa natureza, estava reservada ao actual governo. (Apoiados.)

Sr. presidente, parece que é fado nosso morrermos ás nossas proprias mãos: cumpra-se o fado!

Sr. presidente, está sujeito ao debate um projecto de lei que modifica o regimen da nossa divida publica externa; é o mesmo que dizer, está em discussão o projecto mais importante que póde ser submettido á apreciação do parlamento.

Dada a nossa especial e melindrosissima situação, póde e deve-se dizer que da modificação da divida publica externa depende o nem do paiz ou a sua ruina. (Apoiados.)

É capitalissima a importancia d'este problema financeiro; mas é facil comprehender que das boas ou más condições em que se faça a remodelação da nossa divida externa depende a salvação do paiz ou a sua ruina e perdição completas. (Apoiados.)

É preciso ver a questão, como diz o, sr. Eduardo Villaça, sem preocupações partidarias; é certo, e bem merece o assumpto ser tratado sem intuitos politicos, nem preoccupações partidarias, guiados todos unica e simplesmente pelo criterio de bem servir o paiz. (Apoiados.) Assim o entendeu o sr. Eduardo Villaça, assim o entendo eu; e comprehendendo a excepcional gravidade da situação, vou dizer a v. exa. o que em minha consciencia penso e sinto ácerca deste projecto, mais para arredar responsabilidades do que para convencer a cambra, perante cuja illustração a minha palavra é de valor nullo, e ainda porque estou inteirado ácerca dos intuitos da maioria. Deixe, porém, v. exa. que eu entre na discussão do projecto no cumprimento de um dever, dever que, devo dizel-o, não é para mim isento de riscos.

Podendo eu pronunciar qualquer palavra que possa ser desagradavel ao ar. ministro da fazenda, corro o risco de irritar os seus irritaveis nervos e de provocar uma reprimenda que me faça arrepender do meu atrevimento, como aconteceu ao meu illustre amigo o sr. Dantas Baracho e ao sr. conselheiro Dias Ferreira.

Eu mesmo que, manso e quieto, ouvi o sr. ministro da fazenda fallar aqui na sessão de sexta feira, não pude escapar às suas ironias causticas e picantes.
Como incidente devo dizer que me surprehendeu isto Perguntando a mim mesmo que irreverencia teria eu praticado com o sr. ministro da fazenda para ser assim tão nitidamente alvejado, não logrei explical-o, eu, que todas as vezes que tenho fallado nesta camara não fui nunca desagradavel a s. exa., bem pelo contrario, fiz às suas qualidades referencias que s. exa. não ouviu aos seus correligionarios. E aqui está a explicação; é que ha homens que tomam a cortezia, a delicadeza, as manifestações de boa educação dos outros como actos de fraqueza sobre que assentam as suas pimponices. Foi por isso que s. exa. teve a preoccupação de me ser pessoalmente desagradavel, accusando-me, sem eu ter intervindo no debate, de eu não conhecer o regimento de que foi auctor e relator, apodando-o ironicamente de monumento litterario. Isto impressionou intensamente o meu espirito. Eu estava habituado a ver os ares de professor impertinente no sr. ministro da fazenda, mestre em mathematicas e finanças, mas devo dizer que commetti o imperdoavel peccado de não o considerar e admirar como homem de letras.

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Por isso lancei-me á procura de monumentos litterarios, que dessem ao sr. ministro da fazenda a soberba auctoridade para deprimir o regimento de que tive a honra de ser relator e devo declarar a v. exa. que perdi o meu tempo; todos os meus esforços foram baldados....

As obras litterarias do sr. ministro da fazenda estão ineditas...

O sr. ministro da fazenda no que respeita a obras litterarias, é, como de resto em tudo, de uma requintada e incomparavel modestia, e, procedendo s. exa. assim, não posso reconhecer a auctoridade do sr. ministro da fazenda em desdenhar d'esta maneira do regimento de que fui relator.

Não encontrei as obras litterarias do sr. ministro da fazenda, porque estão ineditas, devido á sua modestia que contrasta singularmente com as dos seus confrades Oliveira Martins, Castilho, Garrett e outros illustres vaidosos.

Sr. presidente, emquanto eu não posso apreciar o brilho litterario do regimen da concordata que ha de ser impresso nos titulos da divida publica externa, devo declarar a v. exa. que me soccorri do relatorio com que o sr. ministro da fazenda precede a proposta que serve de base ao projecto que se discute, e que, procurando aqui a facundia litteraria do sr. Ressano Garcia, encontrei estes dois periodos:

(Leu)

Se o sr. ministro da fazenda se recordasse destes dois periodos do seu relatorio, teria tido maior cuidado em vir chamar monumento litterario ao regimento de que fui relator.

Mas, pergunto eu, a que vem todos os dias o sr. ministro da fazenda responder á nossa cordura com aggressões que não póde dissimular?

E tenho agora occasião de mostrar por parte dos meus amigos que se sentam n'este lado da camara, a profunda mágua que fiz fez o sr. deputado Alfredo Cesar de Oliveira, quando d'aquelle lado se levantou ha pouco, para ser desagradavel ao chefe da minoria d'esta casa do parlamento,(Apoiados.) quando esse illustre homem d'estado estava, ausente. (Apoiados.)

Eu podia tirar partido das considerações que o sr. deputado Alfredo Cesar de Oliveira fez, com applauso de alguns dos seus collegas, quando fallou dos chefes do partido regenerador, e ser desagradavel ácerca do que se diz dos chefes do partido progressista, (Apoiados.) mas não o faço. Limito-me simplesmente a consignar a mágua que nos fizeram as considerações do illustre deputado.

Mas que lucros tira o sr. ministro da fazenda em estar a aggredir-nos todos os dias?

Illude-se a si proprio s. exa., e aggrava a sua situação, que se não é de monumentos litterarios, é, infelizmente para, o paiz, de monumentaes fiascos financeiros. (Apoiados.)

Nem sequer deixa já de estar em risco a sua competencia para commandar cifras, a que s. exa. se referiu aqui tão pittorescamente, (Apoiados.) ou então as cifras não obedecem á sua voz de commando.

É o que se tem visto. Commandou as cifras no emprestimo dos tabacos, as cifras ficaram a meio da manobra; commandou as cifras do projectos dos caminhos de ferro, da assucares dos phosphoros, e as cifras não se mexeram; (Apoiados.) commanda as cifras do projecto da conversão, e v. exa. vê que ellas umas vezes avançam, outras vezes recuam, sem que ninguem lhes possa conhecer uma orientação definida.

Mas, dizia eu, que o sr. ministro da fazenda, querendo irritar este debato se não esqueceu de mais uma vez vir provocar a minoria regeneradora, fallando nas já tantas vezes referidas despezas pagas e não escripturadas para chegar á conclusão de que o governo, de que s. exa. faz parte, economista até hoje 4:004 contou de réis, (Apoiados.) E o sr. ministro da fazenda depois de se convencer de que tinha feito uma profunda impressão na camara e no publico, mandou para a mesa uma nota que continha esses calculos, pedindo que ella fosse publicado no Diario da sessão como foi.

Ora para eu em tudo seguir o sr. ministro da fazenda, tomo tambem a liberdade de pedir a v. exa. a fineza de mandar publicar no extracto da sessão uma nota que tenho aqui. Não assenta ella sobre phantasias, como a nota mandada pelo sr. ministro da fazenda; assenta sobre informações contidas no relatorio do banco de Portugal, ha dois dias publicado, e sobre documentos officiaes de incontestavel authenticidade. (Apoiados.)

Por esta nota v. exa. e a camara verão a que se reduzem as decantadas economias constantes da nota que o sr. ministro da fazenda mandou para a mesa.

Ora esta nota refere os debitos do thesouro ao banco de Portugal ora duas epochas em ,6 do fevereiro de 1897 e e em 31 de dezembro do mesmo anno; quer dizer, os debitos do thesouro ao banco de Portugal no dia em que o sr. Hintze Ribeiro pediu a demissão do gabinete, a que tão distinctamente presidiu, e mezes depois. (Apoiados.)

A nota a que me refiro é a seguinte:

Debitos do thesouro ao banco de Portugal, em contos de réis.

[ver tabela na imagem ]

Se v. exa. levar em conta os depositos par a junta do credito publico, tirará a seguinte conclusão: de que o debito em 6 de fevereiro de 1897 era de 38:497 contos. Que dizer, que em 31 de dezembro de 1897, com 65:060 contos de notas em circulação, o governo devia ao banco 47:497 contos.

O representa, pois, esta nota? Representa que o governo actual, desde 6 de fevereiro de 1893 até 31 de dezembro, augmentou o debito ao banco de Portugal na importancia de 9.004 contos. (Apoiados.)

Quer v. exa. saber qual foi o augmento d'esse debito desde 22 de fevereiro de 1893, dia em que o sr. Hintze Ribeiro foi encarregado de formar gabinete, até 6 de fevereiro de 1897, em que esse illustre homem de estado se demitiu? 7:391 contos.

Tire v. exa. Agora as conclusões. Em onze mezes incompletos o actual governo augmentou o debito ao banco de Portugal de 9:004 contos emquanto que em quatro annos de poder a situação transacta, presidida pelo sr. Hintze Ribeiro, augmentou esse debito apenas em 7:391 contos!

Mando esta nota para a mesa e peço a v. exa., em har-


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monia com o procedente estabelecido para o sr. ministro da fazenda, que a mande publicar no extracto das sessões.

Sr. presidente, entro propriamente no assumpto.

Desde largos annos temos vivido com enormes deficit orçamentaes, podendo dizer-se que de ha quatorze annos para cá, pelo menos, o deficit medio não é inferior a 6:000 contos.

Se não podessemos recorrer ao credito, já antes de 1892 o thesouro ver-se-ia na necessidade de suspender os seus pagamentos e de reduzir os juros da divida publica; esgotado o credito em 1891, fez-se a reducção dos juros pela lei de 26 de fevereiro, decreto de 13 de junho de 1892 e pela lei de 20 de maio de 1893.

Mas vamos ao estado da questão.

Pela lei de 20 de maio de 1893 nós obrigámo-nos, embora por uma negociação provisoria, a pagar aos nossos credores um terço em oiro, a dar participação no rendimento das alfandegas, ou seja metade do excesso do rendimento das alfandegas sobre 11:400 contos, e metade dos lucros, que houvesse com o agio do oiro, correspondente á transferencia d'elle para os encargos da divida externa, quando fosse inferior a 22 por cento.

Digâmos a verdade: não foi facil então prever até onde poderia ir a depreciação dos cambios, e por isso a breve trecho houve o convencimento de que o optimismo dominava, quando se suppunha poder pagar um terço em oiro, e exactamente o optimismo dominava o sr. Dias Ferreira quando entendia que se poderia pagar aos credores externos 50 por cento em oiro.

E a situação desenhou-se nitida: de um lado, na posse, na mão do credor um titulo de valor muito reduzido, que não póde deixar de ser considerado um padrão constante do nosso descredito; do outro, a impossibilidade reconhecida de poder pagar os encargos a que nos obrigava a lei de 20 de maio de 1893, mormente dada a situação cambial que, obedecendo a circunstancias economicas e financeiras graves, não podia ser modificada pela simples vontade dos ministros.

E então para todos, para mim que sou leigo em materia financeira, se tornou n'uma intuição a conversão da divida publica externa, para por ella substituir os actuaes titulos por titulos de valor reduzido, fazendo assim desapparecer os vestigios do nosso descredito, e para que, modificando os encargos, habilitassemos o thesouro a satisfazel-os com os seus proprios recursos. {Apoiados.)

Esta é a conversão da divida publica que eu entendo que deve ser feita, (Apoiados) que o paiz quer e deseja, e não póde ser outra. Fóra d'isto, é a ruina e a perdição completas. (Apoiados.)

Mas, pergunto eu: o projecto que se discute será, por ventura, um projecto de conversão? Não é. (Apoiados.) Será a conversão facultativa? Não é tambem. É o que se vê do projecto; foi o que hontem o sr. Eduardo Villaça affirmou por modo peremptorio e terminante. (Apoiados.) A conversão, a verdadeira, essa ha de vir depois. (Apoiados.)

O que representa então este projecto? Representa a satisfação, pura e simples, da exigencia dos credores externos, como ponto de partida, como condição sine qua non para novo emprestimo; (Apoiados) porque o expediente que o governo apresentou como salvador é o de novos emprestimos, quando é certo que elles precipitariam a nossa ruina. (Apoiados.)

O governo quer emprestimos sobre os tabacos, sobre os caminhos de ferro, sobre os assacares, sobre os phosphoros; mas, a cada pedido de novo emprestimo, a cada solicitação dos seus multiplices commissionados, têem respondido invariavelmente os nossos credores com a condição primordial da revisão do convenio de 1893. (Apoiados.)

Isto não é novidade. É o que todos os dias lemos nos jornaes financeiros estrangeiros, dizendo que os credores, os governos estrangeiros, não consentirão na cotação de nenhum titulo da nossa divida publica emquanto não for feita a revisão do convenio de 1893. É isto que sabemos pelo conhecimento das negociações entaboladas lá fóra pelos commissarios do governo; e é esta ainda a informação que o sr. ministro da fazenda nos dava no relatorio com que precedeu a sua proposta de lei, quando disse:

(Leu.)

Por onde se vê que se trata, unica e simplesmente, de satisfazer as exigencias dos credores externos, postas primordialmente quando o governo solicita novo emprestimo. (Apoiados.)

E aqui está a rasão porque o governo insistiu pela discussão deste projecto, embora elle reconhecesse que era nocivo aos interesses publicos. (Apoiados.)

Já a historia do projecto nos mostrou que talvez tenha havido pouca seriedade na maneira como se tem tratado este importantissimo problema para a salvação publica.

O anno passado o sr. ministro da fazenda trouxe a proposta para a conversão; apreciada pela commissão de fazenda, era immediatamente preterida pela discussão da proposta dos tabacos.

Abriram-se as côrtes em 2 de janeiro, e o governo, pela bôca do chefe do estado, recommendou o projecto da conversão, que estava pendente da camara dos deputados.

O governo insta com v. exa. para que a dê para ordem do dia. Que vimos nós? Passou um, dois, tres dias e todos os esforços e todos os meios se empregaram para protelar a discussão d'este projecto. (Apoiados.)

Vimos então o sr. ministro da fazenda pedir a v. exa. que consultasse a camara sobre se permittia que o projecto voltasse á commissão para apreciar umas emendas que nós não vimos, apesar das nossas instancias, porque me parece que não existiam n'aquella occasião. Voltou o projecto aqui. Devo confessar a v. exa., sr. presidente, que se o primitivo projecto era mau, impraticavel, por ser incompativel com os recursos do thesouro publico, este é simplesmente pessimo. (Apoiados.) Este projecto é ruinoso. (Apoiados.) E até assim o considerou o sr. ministro da fazenda, ou por iniciativa sua ou por imposição dos seus collegas no governo. Eu faço esta afirmação porque vi que o sr. ministro da fazenda preteria a discussão da proposta da conversão para trazer aqui o projecto dos tabacos - porque nós sabemos todos que o sr. ministro da fazenda nos ultimos tempos empregou todos os esforços para ver se conseguia uma operação de credito de maneira a poder desembaraçar-se do projecto que tinha pendente da sancção parlamentar; mas a resistencia manteve-se, e d'ahi a surpreza d'este projecto que nós imaginavamos inteiramente arredado da discussão. Por onde se vê que se não trata de harmonisar os interesses do thesouro com o que podemos pagar aos nossos credores externos, mas que se trata unica e exclusivamente de satisfazer a exigencia d'aquelles a quem se vão pedir novos emprestimos.

Não se trata de alliviar o tesouro de encargos com que já não póde, como é evidente, mas unica e exclusivamente de firmar em bom direito a exigencia dos credores externos e de avolumar os encargos do thesouro com os encargos de novos e pesadissimos emprestimos. (Apoiados.) É com franca sinceridade que digo a v. exa. que este projecto não póde ser aqui votado. (Apoiados.) Este projecto só aqui poderia ser votado se por desgraça nossa, por uma violação flagrante do direito internacional, os inglezes, os francezes, os, allemães, os hollandezes ou os belgas, todos em fim que tem interesses ligados á nossa divida externa, estivessem de posse da administração portugueza. Eu entendo que não ha portuguez de mediano amor pelo seu paiz, que tenha uma leve noção da dignidade nacional, que o possa votar. (Apoiados.)

Isto não é um artificio rhetorico, e juro a v. exa. que se não estivesse preso a um partido que tenho de acompanhar, eu rasgaria o meu diploma de deputado no dia em

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que no parlamento do meu paiz se votasse tão nefando attentado contra a vida e dignidade nacional...

A verdade é que, Se o projecto antigo, primitivo, ainda podia ser sustentado, embora pallidamente, este projecto não tem defeza possivel.

Este projecto é o regimen provisorio de 20 de maio de 1893, mas aggravado com a consignação da receita das alfandegas, com a eminencia da fiscalisação estrangeira, e essa obra de ruina, que eu considero como mortalha para os restos do meu paiz, custa 1:300 contos de réis da nossa moeda!

O que era o convenio de 20 de maio de 1893? Obrigava-nos a dar o terço em oiro, a dar a participação nas receitas das alfandegas quando ellas excedessem 11:400 contos de réis, o a dar metade da economia que se fizesse no agio do oiro. E o que ha n'este projecto? Ha todos esses encargos, e mais a consignação da receita das alfandegas, a arrecadação da receita por intermedio do banco de Portugal, e o emprestimo pata a consolidação da divida fluctuante.

Tudo isto contém o projecto. Nem mais, nem menos, mas tudo quanto vae desde a ruína do thesouro até ao que de mais humilhantemente póde ser imposto á dignidade nacional. E ainda houve quem acreditasse na ingenuidade com que o sr. ministro da fazenda disse na commissão que o projecto ainda havia de voltar a camara! Isso sim! Se contra todas leis, a despeito da nossa mais viva resistencia, que deve ir até ao sacrificio da vida, os estrangeiros estivessem senhores do nosso paiz, elles não pediriam menos, mas tambem não pediriam mais.

Este projecto só por uma tristissima coherencia póde ser votado pela camara. Eu tenho a franqueza de o dizer a v. exa.: - o parlamente portuguez tem graves responsabilidade no passado, e parece merecer o justo castigo de votar a mortalha para envolver os restos da nossa nacionalidade que deixou comprometter.

Isto não é uma declamação banal, é a expressão do sentir de todos quanto se interessam pela salvação do paiz e pela dignidade nacional.

A impressão que isto faz em todos os espiritos, e que de certo faz tambem ao sr. ministro da fazenda, porque s. exa. se é politico, não deixa de ter no peito um coração de portuguez, é a que a nossa historia, as nossas aventuras, as nossas gloriosissimas tradições as nossas esperanças, a honra nacional, tudo é esmagado sob o peso d'este hediondo projecto, (Apoiados.)

E não venha o sr. Villaça dizer que a consolidação da divida ha de modificar este estado de cousas, que nos ha de trazer o ouro preciso para metter a regularidade nos cambios.

Eu não sei se o governo conseguirá contrahir o emprestimo para consolidar a divida fluctuante; não sei se o governo quer consolidar so a divida externa ou tambem a interna, mas devo dizer que, se os membros de qualquer governo preterissem os principios da dignidade pessoal para pagar ao banco de Portugal em oiro o que receberam em papel a situação cambial em nada ficava modificada.

A nota ficava inconvertivel ou convertivel. Inconvertivel a situação era a mesma; convertivel, alguns mil contos que, porventura, entrassem no banco de Portugal, a breve trecho cairiam no pé de meia do particular de maneira a nem sequer poder cobrir o deficit economico de um anno. (Apoiados.) Dizia eu que o projecto que está em discussão mantém os encargos estabelecidos na lei de 20 de maio de 1893 como regimen provisorio.

Confrontado o artigo 1.° do projecto com o relatorio do sr. ministro que procede a proposta que serviu de base ao projecto em discussão, encontra-se desde logo uma flagrante contradicção. No projecto pedem-se ao paiz todos os encargos que têem provindo da lei de 20 de maio de 1893 e mais a consignação do rendimento das alfandegas e a arrecadação pelo banco do Portugal.

O sr. ministro da fazenda no seu relatorio dizia-nos.

(Leu.)

O sr. ministro da fazenda entendia que na resolução d'esta questão devia haver a conjucção de interesses e reciprocidade de sacrificios. N'este relatorio faltava o sr. Ressano Garcia, o portuguez, o patriota; no projecto falla, o sr. ministro, que quer dinheiro, custe o que custar (Apoiados) para aguentar um governo que eu mostraria a v. exa. que está condemnado pela opinião publica, eu porventura quizesse fazel-o, mas que não faço porque não quero tornar este debate, um debate politico. (Apoiados.)

Pergunto eu: onde estão os sacrificios reciprocos, a que o sr. ministro tão patrioticamente fazia referencia no seu relatorio?

Que sacrificios se pedem aos credores externos?

Nenhum; os sacrificios são todos para nós. (Apoiados.) Vamos garantir uma obrigação que corresponde á nossa ruina e á nossa perdição completa (Apoiados) porque está na consciencia de todos que nós não podemos actualmente pagar os encargos a que estavamos obrigados. Bem sabe v. exa., sr. presidente, como é que se tem obtido o oiro destinados aos encargos da divida externa, umas vezes comprando-o no mercado, de que resultam duas ordens de inconvenientes graves, a elevação do agio do oiro e o augmento da circulação fiduciaria, aonde o governo tem necessidade de ir buscar notas para trocal-as a oiro no mercado. V. exa. comprehende o perigo que de tal estado de cousas póde resultar, visto que o cambio é tão instavel que a compra extraordinaria de algumas dezenas de libras o precipita!

E como tem procedido o sr. ministro da fazenda?

V. exa. sabe que umas vezes, comprando no mercado, outras vezes empenhando obrigaçães dos caminhos de ferro, outras vezes vendendo titulos da divida publica externa, e outras em fim contrahindo divida fluctuante com todos os perigos, que podem resultar d'esta situação! (Apoiados.)

A divida fluctuante externa leva-nos aquillo a que custuma chamar-se "carta forçada", e augmentando a divida fluctuante externa (e havemos de augmental-a necessariamente visto que não temos libras para pagar os encargos a que nos vemos obrigados) nós não seremos vencidos como os gregos na Thessalia, mas chegamos a uma situação tal, que ou temos de fazer bancarrota ou de consolidar essa divida, entregando aos credores os rendimentos do estado á sua escolha.

Ninguem de boa fé póde dizer que o thesouro póde pagar os encargos actuaes, e eu sr. presidente, quasi que me atrevia a declarar a v. exa. que votava o projecto, se o sr. ministro da fazenda me dissesse, sob palavra de honra, que o thesouro póde actualmente pagar os encargos creados pela lei de 20 de maio de 1893. Não pôde, e o proprio sr. ministro da fazenda o diz; o silencio do sr. ministro da fazenda o confirma.

Se quizesse abusar da attenção da camara e da benevolência com que me está tratando, leria a v. exa. a parte do relatorio da proposta do sr. ministro em que montra nem claramente, que nós não podemos pagar os encargos a que estamos obrigados pela lei de 20 de maio de 1893.

Sr. presidente, hontem o meu illustre amigo, e sr. Villaça, no desenvolvimento da sua oração brilhantiissima, em que, como já tive occasião de dizer, não fez mais do que sobrenadar n'esta questão, produziu todavia dois argumentos que me pareceu fizeram grande impressão na maioria da camara. Declaro a v. exa., que esses argumentos me surprenhendem, e se correspondessem a uma affirmação exacta, elles tinham incontestavel valor.

Disse o illustre deputado "Pois os senhores levantam-se aqui hoje contra uma auctorisação para consignar rendimentos do estado e não se lembram, que em 1892 votaram essa auctorisação ao sr. Dias Ferreira?

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"Não se lembram que em 1893 votaram essa auctorisação ao sr. Hintze Ribeiro?!"

É certo, sr. presidente. Nós, os regeneradores, votámos essa auctorisação ao sr. Dias Ferreira, como a votaram aos progressistas; mas veja bem, sr. presidente, o que ha de diverso entre a auctorisação que se pede e a que foi votada ao sr. Dias Ferreira.

Não se votava, é certo, ao sr. Dias Ferreira a consignação de determinados rendimentos e n'isto estava a vantagem do projecto; podia escolher os que mais conviessem aos interesses publicos. Mas tratava-se de fazer uma consignação. Em que termos? Tratava-se de uma consignação para os encargos da divida publica tanto interna como externa. (Apoiados.) É esta a differença que existe entre essa auctorisação e a que se pede hoje. Eu entendo que chega a ser um verdadeiro crime darem-se aos nossos credores externos todos os privilegios, todas as garantias, sacrificando os nossos credores internos, reduzindo-os á absoluta miseria. (Apoiados.) Não sei como possa classificar este procedimento. (Apoiados.)

Mas, dizia o illustre deputado, a responsabilidade que era grande votando esta auctorisação nas circunstancias em que o sr. Dias Ferreira tinha constituido o governo, era enorme votada a um ministerio partidario do sr. Hintze Ribeiro. Que fazia então o sr. Villaça?

Lia o artigo 1.° da lei de 20 de maio de 1893, estabelendo que ficavam em vigor as disposições do decreto dg 18 de junho de 1892, e acrescentava: "salvo o que está disposto em sete paragraphos".

No que ahi está não se dispõe que não fica em vigor a parte que se refere á consignação de rendimentos ao serviço da divida publica externa.

Antes de desfazer este argumento, devo dizer que nem de leve ponho em duvida a lealdade da argumentação exposta pelo sr. Eduardo Villaça.

S. exa. sobre ser um homem intelligentissimo, é de uma correcção e de um caracter inexcediveis, (Apoiados.) e se fez esta affirmação foi evidentemente por um equivoco, ou porque erradamente o informaram.

Não quero abusar da paciencia da camara, por isso offereço a s. exa. a collecção da legislação de 1892. O illustre deputado reconhecerá que no decreto de 13 de junho d'esse anno não ha nada, absolutamente nada que prenda com a consignação de rendimentos ao serviço da divida publica externa. (Apoiados.)

Sendo assim, como me parece incontestavel, desappareceu o principal argumento evidentemente de natureza politica, adduzido pelo meu illustre amigo o sr. Villaça, quando com uma certa ironia que não fica mal ao seu espirito, dizia que nós, os membros do partido regenerador, de ha muito tempo pensamos, na opposição, de uma maneira differente do que no governo.

Chamo a isto apenas ironia, porque não quero n'esta occasião intrigar s. exa., dizendo que não era a nós que se referia. (Riso.)

Mas sustentava o illustre deputado que o equilibrio do orçamento podia ter uma parte importantissima essencial para o thesouro solver os seus compromissos de uma maneira regular.

Eu tenho uma opinião inteiramente contraria.

Se o orçamento for equilibrado pela reducção de despezas, não no papel, mas por cortes profundos nas despezas publicas e nas secretarias, ligeirissimamente modificará a nossa situação perante a divida publica externa? porque o orçamento equilibrado não nos dará oiro; (Apoiadas.) e portanto teremos ou de ir buscar o oiro ao mercado elevando o agio e aggravando mais a situação angustiosa do paiz, ou á divida fluctuante com todos os perigos de uma consolidação forçada. (Apoiados.)

Ora se esta é a verdade, que cegueira é esta, que arrasta o paiz para uma situação tão desgraçada e humilhante ? (Apoiados.)

Eu reconheço, como todos, a necessidade de tirar ao paiz a nota de insolvencia, para, pela conversão da divida publica externa e pela reducção das despezas, nos habilitarmos a honradamente satisfazer os nossos compromissos; mas aggravar a situação que já a muitos se afigura como desesperada, parece-me que é tomar tão grande responsabilidade, é fazer um tal damno ao paiz, que me custa a acreditar que haja quem tal pense e quem tal queira executar. (Apoiados.)

Sr. presidente, não têem os nossos credores, não têem os governos estrangeiros nenhum direito a exigir-nos canção a emprestimos que foram feitos no passado. (Apoiados.) Não lhes reconheço esse direito, nem mesmo quando dizem que não são elles que vem cá, mas que é o governo portuguez que põe em almoeda os principaes rendimentos do estado, que é o governo portuguez que os ameaça de prival-os d'aquillo com que contavam para o pagamento dos juros dos capitães que emprestaram, nem mesmo quando elles dizem que, se o governo portuguez quer emprestimos novos, garanta os que deve, e se houver rendimentos do estado que possam servir de penhor, o tal emprestimo apparecerá. Nem mesmo assim. (Apoiados.)

Eu entendo que a nossa obrigação, como nação honrada, é fazer todos os sacrificios de modo que paguemos ao credor externo tudo quanto possamos pagar. (Apoiados.)

Entendo que é obrigação nossa cortar pelas despezas publicas, custe a quem custar, doa a quem doer, quaesquer que sejam os perigos que daqui resultem, para depois darmos tanto aos credores da divida externa como aos da divida interna, não um terço, não um quarto, não um meio, mas tudo quanto podermos dar-lhes (Apoiados), mas pretender grangear a confiança dos credores externos com reformas, de que resultam sempre augmentos da despeza (Apoiados), pretender grangear essa confiança com actos de hostilidade politica contra os adversarios do governo, chega a parecer-me um contrasenso (Apoiados.) Mas se é um contrasenso querer grangear essa confiança nestas condições, peior é ainda procurar obter essa confiança pedindo-lhes novos e grandes emprestimos. Pois que! Nós temos livre o excesso do rendimento dos tabacos, o rendimento dos caminhos de ferro, do assucar, dos phosphoros e não podemos pagar os encargos, embora reduzidos da divida publica externa! Se amanhã estes rendimentos do estado forem consignados a emprestimos especiaes, o que fica para a nossa economia publica? (Apoiados.)

Bem vê v. exa. que das circumstancias em que o governo se colloca pedindo operações financeiras sobre todos os rendimentos do estado, é que vem principalmente o descredito em que nos encontramos lá fóra. (Apoiados.)

N'este ponto, sem ter procuração do; illustre homem d'estado o sr. Dias Ferreira, devo responder a uma observação feita pelo illustre deputado e meu amigo o sr. Adrianno Anthero e repetida, creio eu, pelo sr. Eduardo Villaça.

O nosso descredito não provém do facto do sr. Dias Ferreira não cumprir o convenio pelo qual se obrigava a pagar 50 por cento aos credoras da divida externa. Bem procedeu s. exa. Se nós estamos hoje em uma situação attribuladissima, porque não podemos pagar o terço em oiro, o que aconteceria se estivessemos obrigados a pagar metade! Mas não é d'ahi que vem o descredito, vem de estarmos com propostas de multiplices emprestimos a convencer os credores estrangeiros de que creremos consignar a emprestimos especiaes aquillo com que hoje contam para os encargos dos emprestimos que fizeram.

Não vem do sr. Dias Ferreira, vem da situação especial dos ministros e ás vezes da irritabilidade manifesta de alguns homens d'estado. V. exa. imagina que é indifferente quando se discute uma questão d'esta natureza que os ministros ou quem tem auctoridade e que intervém n'ella, fallem ou não com serenidade? Isso tem uma importancia

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capital. Não se pronuncia aqui uma palavra sobre o assumpto que não chegue immediatamente ao conhecimento dos nossos credores. (Apoiados.) Não ha ministro da fazenda que pronuncie uma palavra sobre a questão da divida publica externa que não se repercuta immediatamente lá fóra, quer nos credores quer nos respectivos governos. Por ser assim elles deverão lembrar-se de um discurso, pronunciado na sessão passada pelo sr. ministro da fazenda em resposta ao sr. Dias Ferreira, o qual dava aos credores externos a impressão, e digo isto sem desfazer nas qualidades de caracter de s. exa., de que não podem ter confiança...

O sr. Presidente: - V. exa. tem um quarto de hora para concluir o sen discurso.

O Orador: - Dizia então o sr. ministro da fazenda ao sr. Dias Ferreira, que fôra um erro não contratar o emprestimo primeiro e reduzir depois os juros. Oh! sr. presidente, v. exa. imagina que esta affirmação não tem tido uma importancia capital para as dificuldades que o sr. ministro da fazenda tem encontrado lá fóra?...

Não ha duvida nenhuma, e agora vem a proposito dizer a v. exa. que se a situação é grave, tem n'ella uma grande parte de responsabilidade o actual, governo.

Falta-me apenas um quarto, e tenho de resumir os minhas considerações para me manter dentro da hora regimental. Eu desejava discutir o artigo 1.°, pelo qual somos obrigados a pagar aos nossos credores o terço em oiro, a dar-lhes participação no rendimento das alfandegas e metade da economia que se fizer no agio do oiro, para mostrar que a cifra que representa o encargo em oiro é tão elevada que nós, se estamos hoje mal e não podemos pagar os encargos actuaes, convertido este projecto em lei, ficaremos pessimamente, mas não o podendo fazer porque o tempo que me resta não m'o permitte, lerei apenas as notas que tenho commigo para se ver se consigo completar a minha ordem de considerações dentro do quarto de hora que me resta.

Vê-se que a importancia total da divida publica é do 733:231 contos nominaes.

(Leu.}

D'esta, 253:000 contos de réis são da divida externa, cujo encargo é pago em oiro.

(Leu.)

Já v. exa. vê que quando outros encargos não tivessemos, era impossivel satisfazer estes. Mas ha mais, o sr. ministro da fazenda no orçamento que está pendente da approvação das côrtes inscreve 500 contos de réis destinados ao agio do oiro de outros encargos que não são os da divida publica, e se v. exa. fizer os necessarios calculos, reconhecerá que esses 500 contos de réis correspondem a uma despeza de 1:040 contos de réis, o que eleva os encargos do thesouro em oiro a 7:888 contos de réu.

(Leu.)

Em que se tornará, porém, esta cifra se o governo levar por diante o sen intento do consolidar a divida fluctuante ? Eu mostro.

A divida fluctuante interna, no dia 31 do dezembro era de 35:338 contos de réis, que ao cambio de 86, representa £ 5.800:700; a divida fluctuante externa era de 4:900 contos de réis.

(Leu.)

Pelo projecto, o encargo do emprestimo para a consolidação da divida fluctuante não deverá exceder a 1/2 por cento do juro effectivo que corresponde ao nosso actual consolidado externo, e partindo de que o nosso consolidado externo está a 20, o emprestimo para a consolidação da divida será de 51/2 por cento.

Partindo ainda do principio de que o sr. ministro da fazenda quer fazer o emprestimo amortisavel em annuidades, teremos que, para amortisar esse emprestimo em settenta e cinco turnos, será preciso para a divida fluctuante interna e para a divida fluatuante externa uma annuidade de £ 368:926.

Quer dizer, os encargos do thesouro já hoje existentes, se for consolidada a divida fluctuante, são aggravados annualmente em 363:926 £, isto é, partindo da hypothese de que o juro é de 5,5, o emprestimo amortisavel em setenta e cinco annos, o augmento do encargo será de 1:633:667$000 réis, o que eleva o actual encargo em oiro, que é, como já demonstrei, de 7:233 a 9.511:367$000 contos de réis, que ao cambio de 86 corresponde na nossa moeda a 14:036 contos de réis. Isto quando, decerto muito amargurado, porque faço justiça a todos os homens publicos do nosso paiz, o sr. ministro da fazenda declarava que tendo empenhado obrigações da companhia real, para satisfazer encargos urgentes do thesouro, havia tido necessidade de vender £ 967:500 de titulos externos!

Haverá alguem de boa fé, com sinceridade, com amor ao seu paiz, que possa convencer-se de que podemos viver como nação autonoma se nos obrigarmos a pagar 9:511 contos de réis em oiro e consignando os rendimentos das alfandegas? Ninguem. (Apoiados.)

Mas nós vemo-nos obrigados a manter ao credor externo a participação no excesso do rendimento das alfandegas sobre 11:400 contos de réis. E o que quer então fazer o governo? Não sei. No anno de 1895-1896 essa participação foi já de £ 201:680; e em 1896-1697 foi de £ 36:000. Este anno o rendimento dos direitos de importação e exportação de varios generos e mercadorias tem descido consideravelmente, havendo quasi a certeza de que os credores não terão participação alguma. O que quer fazer o governo? Os encargos que têem provindo aã execução da lei de 20 de maio de 1893 não são só o terço em oiro, a participação no excesso do rendimento das alfandegas, metade da economia que se fizer no agio do oiro abaixo de 22 por cento; são mais alguns para os quaes eu peço a attenção de v. exa. e da camara. Refiro-me á maneira como se faz a amortisação. Facilimo era estabelecer o regimen quer do decreto de 13 de junho, quer da lei de 20 de maio, com relação ao juro.

O 3 por cento não passava de 1 por cento; o 4 1/2 de 1 1/2 por cento; o 4 por cento de 1,33 por cento, Já isto não acontecia a amortisação. A amortisação dos titulos fazia-se em virtude de uma annuidade fixa, de maneira que no primeiro anno amortisava-se um certo numero de obrigações, no immediato igual numero e mais as que coubessem no juro dos titulos que tinham sido amortisados no anno anterior; quer dizer que para a amortisação dos antigos titulos ser feita dentro dos setenta e cinco annos era preciso manter o juro fixado.

Tenho diante de mim um extenso calculo, mas não desejo cansar a attenção da camara e por isso limito-me a um exemplo: 10:000 obrigações de 90$000 réis, de 4 1/2 por cento, devendo ser amortisadas 30 no primeiro anno. No fim de tres annos, estilo amortisadas em numero de 94; partindo do do juro de 1 1/2 por cento para as mesmas 10:000 obrigações, no fim de tres annos, apenas estão amortisadas 91. Isto não é novo para mim nem para a camara.

O governo tem-se visto na dificuldade de em cada anno augmentar a percentagem destinada á amortisação, e sendo certo que esta percentagem augmenta proporcionalmente nos annos que vem, v. exa. comprehendo que isto nos póde levar a uma situação verdadeiramente impossivel, incompativel com os recursos do thesouro publico!

Não é possivel manter a actual situação. Ora augmentar em cada anno as percentagens para amortisação, ou alargar o praso, para alem setenta e cinco annos! No primeiro caso, aggravar-se-ha enormemente a situação do thesouro; no segundo caso, o credor é prejudicado e por consequencia pedirá largas compensações. Quaes são ellas? Não as vejo e a esse respeito temos um silencio absoluto. (Apoiados.)

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Sr. presidente, queria discutir todos estes artigos, queria apreciar o § 1.°, o § 2.° e principalmente o § 3.°, mas não tenho tempo.

Devo diver a v. exa. que o § 3.° d'este artigo feriu intensamente o meu espirito. Comprehendia como comprehendo a necessidade de por uma conversão do capital, fazermos desapparecer os titulos de valor reduzido que representam o nosso descredito; mas o que não comprehendo é que governo defenda a necessidade da estampilhagem, que representa o vestigio de um passado doloroso; é o que se estabelece no § 3.° ácerca do regimen da concordata estampados nos proprios titulos!

Se nos sentimos offendidos com os artigos dos jornaes estrangeiros; se somos deprimidos com os cartazes diffamadores do nosso credito; se nos sentimos melindrados quando um ministro nevropatha se refere a nós menos benevolamente no seio do seu parlamento, como é que havemos de classificar este regimen da concordata, da Meneia, estampado em titulos da divida publica?! Não posso dizer, não tenho para isso tempo, o que penso a este respeito; mas n'este ponto devo dizer que o sr. ministro da fazenda excedeu em imaginação o sr. de Reillac! E quanto custa isto? 200:000 libras! E tudo isto se passa quando o thesouro publico se encontra em absoluta penuria, quando o paiz mostra desejo de sair da situação difficil em que se encontra, de sair da situação deploravel para que o atiraram; e tudo isto se passa, sr. presidente, quando o paiz inteiro, do norte ao sul, applaudindo Mousinho, symbolo da fé civica, mostra que quer viver, que quer resistir ao tristissimo azar que o persegue! E quando os nossos soldados assombram o mundo com a fama das suas victorias, nós a sangue frio estamos a fazer a nossa ruina!

Que valerão para nós esses heroes, se nós mostrarmos o desprezo absoluto pelo futuro que elles pretendem assegurar com a vida que arriscam e com o sangue que vertem! (Apoiados.)

Tudo isto me faz uma tristissima impressão; é que nós estamos em vesperas de morrer, não como uma raça de heroes, mas como uns energumenos, sem amor ao paiz, sem consciencia da dignidade nacional. (Apoiados.)

Eu comprehendo a situação da Grecia diante da avareza dos seus credores; comprehendo a situação da Grecia caída no campo da batalha, esmagada por um exercito vencedor ; mas não comprehendo que nós, em plena paz, vamos entregar pelas nossas proprias mãos o que á Grecia foi imposto por sete potencias colligadas. Se isto acontecer, e vamos neste caminho, nós damos a demonstração de que com a ultima migalha dos nossos recursos se foi a ultima migalha do patriotismo. (Vozes: - Muito bem.)

É sincerissimamente que eu digo a v. exa. que se este projecto for approvado, se nos obrigarem a novos encargos, consignar o rendimento das nossas alfandegas, e trouxermos a fiscalisação estrangeira, se dermos 1:300 contos de réis aos negociadores da nossa ruina, então façam mais, votem mais alguns vintens para uma lousa destinada á sepultura de um paiz que existiu.

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi muito comprimentado).

(S. exa. não reviu.)

O sr. Conde de Burnay: - Sr. presidente, vou ler a moção que mando para a mesa, É a seguinte:

"A camara, reconhecendo que é conveniente aos interesses publicos definir e precisar, tanto quanto possivel, as condições e limites da auctorisação para o accordo com os portadores da divida externa, passa á ordem do dia. = Conde de Burnay, deputado por Pombal."

Cabe-me a honra do responder ao illustre deputado e meu amigo o sr. Teixeira de Sousa. S. exa. fez um brilhante discurso e provou quanto os seus dotes e conhecimentos são vastos. Mas ponho de parte todas as questões estranhas áquella que estamos tratando, para me referir unicamente ao projecto de conversão ou, melhor dito, de concordata, que está em discussão.

S. exa. pintou em negras côres situação do credito publico e os recursos da fazenda. S. exa. viu os perigos do futuro, pela impossibilidade de pagarmos os encargos resultantes do novo accordo. Verdade é que do projecto ainda se não póde reconhecer com exactidão cousa alguma, o que é grave, porque dentro do artigo 1.° ha igualmente meio de fazer um accordo util, inutil ou prejudicial. Mas de certo não é intenção nem d'este, nem de nenhum governo que venha, utilisar-se desvantajosamente d'essa auctorisação. (Vozes: - Muito bem.)

Como acabo de dizer, o sr. Teixeira de Sousa pintou a situação financeira do paiz com as mais negras cores pelas difficuldades que temos em cumprir os compromissos externos do actual regimen da divida publica. Pois eu digo a s. exa. que pintou a situação com côres ainda fracas, porque ella é muito mais grave do que s. exa. a suppoz.

Nós temos primeiro que tudo que attender as necessidades imperiosas do momento.

A situação actual é difficilima, e d'ella: é que absolutamente precisamos sair. (Apoiados.)

Póde o accordo vir a ser mais oneroso arithmeticamente fallando, mas ser mais vantajoso pelo facto de nós o podermos cumprir desde já, dando tempo a que, pela regeneração das nossas finanças, possamos, sem maior inconveniente, satisfazer maiores encargos futuros.

Um convenio em absoluto mais economico, mas que se não póde satisfazer, é muito peor do quê um convenio, embora mais oneroso, mas que nos dê respiro, e nos dê tempo de melhorar a nossa situação para mais tarde darmos aos nossos credores o mais possivel, aquillo que não se póde dar desde já. (Apoiados.)

Eu não posso alargar-me sobre este assumpto tanto quanto eu quizera, pela mesma rasão que o sr. Teixeira de Sousa já apontou, isto é, pela natural inconveniencia de discutir em publico um assumpto tão melindroso. Essa discussão já deu logar a troca de palavras desagradaveis entre um e outro lado da camara. Verdade; é que numa discussão tão importante, quem é que póde conter a argumentação dentro de um limite restricto sem deixar de explicar as cousas como ellas o devem ser? Ou nós havemos de esconder áquillo que pensamos, ou nos arriscamos a proferir phrases que lá fóra nos podem trazer inconvenientes presentes ou futuros.

No nosso regimento são permittidas as sessões secretas; ora, se não é para casos destes, não sei para que seja. Quanto mais conveniente, pois, não seria discutirmos em sessão secreta os delicados e complexos assumptos que rodeiam a questão dos credores externos, e depois discutirmos publicamente e serenamente a parte economica do projecto.

Mas não me competia a mim propor isto, e, portanto, seguirei o caminho que os meus collegas têem seguido, continuando na analyse do assumpto e pedindo licença ao illustre deputado o sr. Teixeira de Sousa para discutir conjunctamente todos os pontos do projecto que têem sido aqui tratados, pondo de parte as questões estranhas.

Já na sessão passada tive occasião n'esta casa, como em artigos que anteriormente publiquei, de definir a minha opinião a respeito da conversão, e, como estava! planeada no anno passado, referindo-me aos pesados encargos que traria e a todas as dificuldades que acarretaria, condemnei e condemnal-a-ía ainda se voltasse á discussão. Hoje não se trata já de uma conversão, trata-se de uma concordata com os nossos credores, sem essas despezas que ahi se apregoam, porque no projecto está fixado o maximo, e não ha rasão para que esse maximo se gaste, desde que se sabe que a despeza da estampilhagem é insignificante.

Levados, infelizmente, á dura necessidade de fazer uma concordata com os nossos credores, a nossa obrigação é

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dar-lhes tudo quanto podermos dar. Essa tem sido a opinião de todos os lados da camara, mas não nos devemos comprometter de forma alguma áquillo que não temos a certeza de poder cumprir. Devemos, portanto, pensar maduramente nos meios de que dispomos e nas reformas que estamos resolvidos a fazer para cumprir qualquer nova concordata, se ella se fizer.

Nós não podemos hoje cumprir, tal qual está, a lei de 20 de maio de 1898, esta é a pura verdade. Não podendo satisfazer os encargos do regimen actual, o acordo com os credores externos impõe-se pela força das circumstancias. Que haveriamos de fazer? Suspender o pagamento por completo? Não. Devemos ver se conseguimos da nossos credores, que parecem ter boa vontade, uma concordata honrosa, e equitativa, como acontece na vida particular. Um negociante, um industrial que as acha em dificuldades, pede espora e concessões, e o credor, em geral, consente, desde que se convence, que o devedor é honrado e quer cumprir lealmente as suas novas obrigações.

Todos os oradores que têem fallado sobre o assumpto, têem sido unanimes em reconhecer a necessidade da concordata. Todos a desejam. Alguns entendem, porém, que o projecto é defeituoso por não envolver a conversão da divida.

A conversão, como ella é entendida por parte dos ilustres deputados que a têem apregoado, envolveria uma substituição de titulos, com um encargo de sellos estrangeiros e outras despezas enormes. N'este momento a sua realisação, em todo o caso, não seria uma medida pratica. Portanto a concordata é necessaria, e urgente até se torna n'este momento psychologico da nossa situação financeira.

Accusa a opposição o governo de recorrer á venda de titulos, a empenho de outros, o que é o mesmo que accu- accusar o governo por não ter suspendido pagamentos.

O que havia o governo de fazer, não tendo outros recursos? Ou havia de pagar o coupon, usando d'esse recurso extraordinario, ou suspender pagamentos. E eu supponho que não está n'esta camara ninguem que, de boamente, aconselhasse ao governo que, sem tentar o ultimo esforço para um accordo exequivel com os credores externos, suspendesse o pagamento integral dos seus compromissos no estrangeiro.

Trouxe-se para exemplo o que se passou em 1851. Em 1851 não houve effectivamente auctorisação previa. O sr. Fontes, esse notabilissimo estadista e grande patriota, de que nós todos ainda hoje sentimos a prematura perda, no começo da sua brilhante carreira politica um dos primeiros actos que praticou foi negociar com os portadores da divida o accordo de 1852.

E que se lhe tinham fechado as portas do stock exchange, e para as poder abrir, para obter um novo emprestimo e levar por diante o seu plano de regeneração e obras publicas, caminhos do ferro, estradas, etc., precisava que se nos emprestasse o dinheiro que o paiz então não tinha, exhausto como estava pelas luctas politicas por que acabava de passar. Esta é a historia da nossa concordata de 1852 e do inicio dos nossos emprestimos mais importantes no estrangeiro.

Tem-se dito que a estampilhagem dos titulos é, alem de uma vergonha, uma mancha que perpetuará o nosso descredito e nunca mais perpetuará a rehabilitação do paiz.

Ora o convenio de 1853 foi feito precisamente n'estas condições, e ninguem poderá dizer que Fontes foi menos patriota e menos zeloso da dignidade e da interesses do seu paiz, do que qualquer de nós.

Por virtude do accordo que Fontes fez, figuram os titulos estampilhados pela mesma forma que no projecto em discussão se propõe.

Os nossos titulos externos anteriores ao emprestimo de 1851 ainda circulam hoje, tendo annexos uma papeleta sobre a qual está escripto o accordo de 1852, em que se diz que quando Portugal tiver o sou orçamento equilibrado, começarão aquellas papeletas a vencer o juro primitivo dos titulos. Porventura isso deshonrou Portugal?

Mas ha mais. Essas papeletas não obstaram á nossa rehabilitação, nem ao levantamento do nosso credito, não impediram os emprestimos futuros, pois desde então fizemol-os na importancia de cerca de 40 milhões de libras e tambem não impediram a subida dos fundos a 60 por cento. Isto tudo apesar das papeletas. O argumento da estampilhagem não tem, portanto, importancia grave para o nosso credito futuro, ou então já a havia de ter tido desde 1852.

Quando Fontes foi a Londres havia emprestimos de um só typo, e apenas esse mercado para os nossos titulos.

Hoje a situação é outra. As nações a quem devemos, são, alem da Inglaterra, a França, a Allemanha, a Belgica, a Hollanda, e é preciso tratar com os credores que temos em todas ellas.

Alem disso os titulos são de differente natureza: uns amortisaveis e outros perpetuos; uns de 4 1/2 e outros de 4 por cento e de 3 por cento; e para chegar a accordo com os respectivos credores será preciso que elless tambem accordem entre si bases equitativas. D'ahi as dificuldades de se chegar rapidamente a um accordo. Terminadas as visitas de sondagem que o governo mandou fazer às praças estrangeiras, e conhecidas as disposições dos credores, será então necessario que o sr. ministro da fazenda reuna em Lisboa os legitimos representantes da credores dos differentes paizes, á similhança do que têem feito outras nações na mesma situação, para então ajustar definitivamente com elles na condições da concordata. Como não é possivel saber desde já com quem se vae tratar, nem as condições em que se poderá fazer o accordo, deveria a camara, a meu ver, ou dar uma auctorisação de confiança illimitada ao governo, ou votar, precisando tanto quanto possivel, os termos dentro dos quaes a camara entenda que se pode contratar com os credores.

O sr. ministro da fazenda ha de ver-se em serias difficuldades, para conhecer quaes os legitimos representantes dos credores, e a este respeito carece, a meu ver, de ser esclarecido o artigo 1.° do projecto.

Dar a todos os portadores de titulos o direito de virem dizer ao governo que querem contratar com elle, não póde ser. Convém definir na lei, que o governo só contratará, com representantes dos portadores da divida externa, legitimamente reconhecidos nos paizes onde os nossos titulos são cotados. Com relação á Inglaterra, á Allemanha, á Hollanda e á Belgica seria facil apurar hoje mesmo uma representação idonea, e em relação á França, se hoje seria difficil, supponho que breve se fundará em Paris uma instituição analoga ao "Counsil of Foreign Bondholders" de Londres, com a qual o governo poderá tombem tratar eficazmente..

Em todo o caso, julgo util especificar na lei que o governo só tratará com os representantes dos portadores, idoneamente reconhecidos em cada um dos paizes onde são cotados os nossos fundos externos.

Segundo informações que tenho, os representantes dos credores não viriam a Lisboa tratar com o governo, senão diante de uma auctorisação do parlamento, em termos acceitaveis, claros e precisos; porque, dizem elles, não
querem expor-se mais uma vez ao que tem acontecido desde o começo das negociações, que datam de 1892. Votada a lei de 26 de fevereiro, foi modificada depois era maio por um contrato que não foi confirmado, vindo depois o decreto de 13 de junho e mais tarde a lei de 20 de maio de 1893; e como nada d'isso se tinha podido cumprir, não querem gastar mais tempo e dinheiro em viagens, sem verem o governo armado de uma auctorisação precisa que lhes dê inteiras garantias.

Aqui tem, pois, a camara explicada a necessidade do governo ficar armado do uma auctorisação, em presença

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da qual os portadores dos titulos confiem em que podem vir contratar com o governo sem receio de novas decepções.

E é a occasião de referir-me a negociações havidas a respeito das convenções de 1893, que o illustre deputado o sr. conselheiro Dias Ferreira, então presidente do conselho e ministro da fazenda, não confirmou.

Peço, pois, licença para interrogar aqui o illustre deputado o sr. conselheiro Dias Ferreira a respeito de uma allusão, que s. exa. fez ha dias n'esta camara, e que alguns jornaes disseram sor á minha pessoa.

Duas perguntas tenho, pois, a honra de dirigir ao meu illustre amigo, o sr. conselheiro Dias Ferreira, a que espero s. exa. não terá duvida em responder: a primeira, é se fui eu quem, por occasião das negociações da convenção de 24 de maio de 1892, fallou a s. exa. em organisar a direcção do banco de Portugal com elementos estrangeiros; a segunda, é se não fui eu, quando discutimos essa mesma convenção que se estava negociando, que lealmente disse a s. exa. a que nos primeiros annos não poderiamos, pelos nossos recursos, satisfazer os seus encargos, e que até financeiros estrangeiros tanto estavam convencidos d'isso, que eram de opinião que de começo não se devia ter offerecido mais do que 1 por cento!

O sr. Dias Ferreira: - Não fiz referencia directa nem ao illustre deputado, nem a ninguem. Não me recordo precisamente das palavras que proferi. Mas de certo disse á camara que ia contar-lhe um facto, que n'esta casa só eu, e, quando muito outra pessoa poderia saber. Esse facto era que os credores estrangeiros que estiveram em Lisboa antes da partida do sr. Antonio de Serpa para Paris, propunham que a administração do banco de Portugal fosse constituida por dois portuguezes, dois allemães, dois francezes, dois belgas, dois hollandezes e dois inglezes.

Quanto á segunda parte, não tenho duvida em dar a informação pedida pelo illustre deputado, informação que é esclarecimento para a historia do convenio e para a historia financeira do paiz.

O sr. conde de Burnay, dias antes da assignatura do convenio em Paris, ahi por meiado de maio, - e portanto muito depois da publicação da lei de 26 de fevereiro de 1892-preveniu-me de que o credor estrangeiro, bastante conhecedor da situação do paiz, se contentaria com o terço em oiro.

Era essa tambem a minha opinião, porque as circumstancias financeiras e economicas se tinham aggravado por forma, que já me parecia difficil pagar o terço em oiro, quanto mais 60 por cento.

Bem sabia eu que o credor estrangeiro não ficava contente, nem com os 60 por cento, quanto mais com o terço.

Mas o que sobretudo me preoccupava era não comprometter a nação a pagar aquillo com que ella não podia.

O sr. conde de Burnay com a sua informação, que eu folgo do lhe agradecer em publico, e que a nação lhe deverá agradecer tambem, muito esclareceu o governo na resolução, que tomou, de reduzir ao terço em oiro o juro da divida externa.

Se de mais alguns esclarecimentos o illustre deputado precisar, estou prompto a dal-os quanto em mim couber.

O Orador: - A camara comprehende de certo todo o valor que tem a declaração do sr. conselheiro Dias Ferreira, e que eu muito agradeço a s. exa., e da qual resulta que, apesar de eu ter sido enviado pelo governo dessa epocha para negociar o emprestimo e a convenção esteve prestes a ser assignada, tive a franqueza de lhe dizer que, no meu entender, não podiamos nos primeiros annos pagar os 50 por cento.

E não foi só então que dei ao governo indicações para não nos compromettermos a mais do que podiamos. Eis aqui um exemplar da proposta que o ministro da fazenda
D'aquella epocha, o sr. Oliveira Martins, mandára imprimir para entregar a cada um dos membros das comissões que estavam em Lisboa para negociar o convenio.

O sr. Oliveira Martins perguntou-me antes de fazer entrega d'essa proposta aos credores o que eu pensava d'ella?

Era meia noite. Disse-lhe que não me era possivel por uma simples leitura, mas que com a precipitação que tinha havido na resolução, certamente teria sido difficil formular um projecto perfeito. Assim uma condição havia que eu logo lhe dizia que eliminasse, por ser impossivel de cumprir.

Era o § unico do artigo 5.°

O sr. Oliveira Martins, convencido, pegou na tesoura e cortou esse paragrapho e, com esse córte, foi na manhã seguinte entregue a proposta do governo a todos os membros da commissão que estavam em Lisboa. Quem quizer verificar o que o paragrapho supprimido dizia, não tem mais do que ir verificar á imprensa nacional, onde se conservam todas as provas do que lá sáe, e encontrará que o paragrapho cortado dizia que, passados dez annos, seria restabelecido por inteiro o pagamento do juro primitivo aos credores. Podem imaginar se nós d'ali a dez annos, isto é em 1892, podiamos fazel-o. Isto prova, em todo o caso, da parte do sr. Oliveira Martins um desejo muito louvavel, que aliás todos temos, qual o de pagar por inteiro. Se não fazemos é porque infelizmente não podemos.

Quero ainda referir-me a um assumpto que na sessão passada aqui foi tratado. E o emprestimo dos tabacos de 1891.

Eu já disse n'esta camara que aconselhei o governo presidido pelo sr. João Chrysostomo, e, em especial, o seu respeitavel ministro da fazenda, a que se não fizesse o emprestimo dos tabacos. O ministro da fazenda de então, aqui presente, quando eu fiz esta declaração, acenou com a cabeça, confirmando o que eu dizia. Mas a revolta de 31 de janeiro, e estado de agitação do paiz, os perigos de ordem publica, exigiam que o governo n'aquella occasião não decretasse a redacção de juros, que aliás teve de decretar um anno depois.

Faço estas citações para mostrar que em todas as occasiões, em que pude aconselhar o governo a não entrar num caminho difficil ou prejudicial, sempre o fiz.

Portanto, não posso ser, sem injustiça, taxado de ter procurado levar o paiz às dificuldades em que se encontra, e agradeço ao sr. conselheiro Dias Ferreira a declaração que tão categoricamente fez de que eu tinha de facto concorrido, na sua gerencia, para que a situação do paiz não se aggravasse.

O sr. Dias Ferreira: - Apoiado.

O Orador: - E agora voltemos ao assumpto.

Sr. presidente, tem-se aqui fallado muito contra a consignação de rendimentos para garantias dos credores externos.

Eu vou ler quaes eram as garantias que estavam consignadas no contrato de 24 de maio de 1892, assignado em Paris pelo sr. Antonio de Serpa, com, os credores externos. Não leio senão o mais interessante:

"Artigo 5.° Para garantia de todos os compromissos tomados na presente convenção em favor da divida externa actual, o governo affecta especialmente, e independentemente as receitas geraes da nação:

l.° As receitas das alfandegas do reino até á concorrencia da importancia necessaria ao pagamento, em oiro, dos juros e amortisação de todos os titulos da actual divida externa, estampilhados em conformidade com o artigo 3.° (estas receitas, sendo calculadas pelo governo portuguez para o exercicio 1892-1893 em 14:000 contos de réis, ou seja com o cambio ao par 77.000:000 francos ou £ 3.108:000).

"Artigo 6.° Para a boa execução d'esta convenção e em vista de dar aos credores garantias serias para o futuro, o governo compromette-se a fazer retirar todas as semanas das receitas das alfandegas e consignar á conta dos por-

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tadores da divida externa, as importancias destinadas ao pagamento em oiro no estrangeiro, dos juros e amortisação dos titulos d'esta divida.

"Estes levantamentos e consignações deverão representar em cada semana a 52.ª parte da semana necessaria ao pagamento total da divida externa, estampilhada de maneira que os vencimentos de cada trimestre estejam assegurados em tempo conveniente.

"1.° modo. - Os pagamentos semanaes acima visados deverão comprehender todos as despezas de transferencia, cambio, etc., e serem effectuados em Lisboa pelo governo, a credito dos portadores da divida externa, estampilhada em tal banco, sociedade ou estabelecimentos portugueses, que o comité permanente nomear, com faculdade de os substituir em qualquer epocha, nas mesmas condições."

Por esta leitura já a camara vê que no accordo que estava para se fazer em 1893, e não se fez unicamente porque não se quiz dar 50 por cento, mas só um terço do juro, já vinha esta disposição a favor da credores da divida externa, sem fallar dos da interna,

Tambem aqui se fallou do emprestimo que se iria fazer, ligado ao novo convenio, dizendo que era uma operação vergonhosa, porque iamos pedir aos nossos credores um accordo com a condição de um emprestimo novo.

Pois saiba a camara que a convenção de 1892 tambem continha igual disposição, como os vê da tradução do seguinte artigo transitorio:

"Se, para assegurar o pagamento em oiro dos coupons da divida externa durante os dois primeiros annos, sem aggravar os cambios no periodo da crise actual, e para reconstituir a reserva metallica do banco nacional de Portugal, o governo portuguez contratasse um emprestimo, a somma annual necessaria ao serviço dos juros e da amortisação do dito emprestimo será cobrada com prioridade sobre as receitas das alfandegas e consignada era conformidade com os artigos 5.° e 6.° da presente convenção."

Já tambem n'aquelle convenio cotava estipulado, e os credores tinham acceitado, que se fizesse simultaneamente um emprestimo para facilitar a execução dos compromissos d'esse accordo.

Está, pois, demonstrado que o projecto apresentado pelo governo não traz materia nova quanto a consignação de receitas - intervenção do banco de Portugal o emprestimo, e que a fórma é similhante à que já tinha sido acceite por outro governo e pelos proprios credores.

É, porém, verdade que o accordo a que me refiro não foi ratificado pelo sr. Dias Ferreira, quando este substituiu o sr. Oliveira Martins na pasta da fazenda.

O despacho do sr. Dias Ferreira foi o seguinte:

"O governo, reconhecendo que o presente convenio na actual situação economica e financeira do paiz, não poderia ser integralmente cumprido, o que prejudicaria o credito do estado e os interesses dos proprios credores, resolve não o ratificar.

"Paço, em 7 de junho de 1891. - José Dias Ferreira - Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel - Jorge Candido Cordeiro Pinheiro Furtado - Francisco Joaquim Ferreira do Amaral - A. Ayres de Gouveia - Pedro Victor da Costa Sequeira".

Este despacho confirma o que ha pouco ficou demonstrado, que o governo reconhecendo a tempo que não podia pagar 60 por cento resolveu suspender o contrato provisorio, em que a isso se ia obrigar desde logo.

E agora, sr. presidente, lembrarei á camara, pois parece-me conveniente recordal-o, o que se tem passado com outras nações, que se têem encontrado nas mesmas dolorosas condições em que nós nos encontramos.

A esse respeito tem-se alludido aqui á Grecia, á Turquia e á Hespanha, e é bom ver, para nossa edificação, como essas nações procederam com os seus credores, e a que resultados chegaram.

A Turquia suspendeu pagamentos por completo nos annos de 1875 a 1876, e só cinco annos depois fez um accordo com os credores, regulado pelo Iradé de 20 de dezembro de 1881.

Assim, durante cinco annos não pagou cousa alguma. Depois de 1881, os emprestimos emittidos de 1800 até 1875 de typos de juro differentes foram reduzidos de um modo geral do 30 a 60 por cento do capital nominal, e pois cinco annos de juros decorridos não pagos receberam os credores mais 10 por cento do referido capital, reduzido de 30 a 60 por cento.

Durante a suspensão de pagamentos tinham sido dados alguns certificados em substituição dos coupons, que se chamavam ramazan, e o valor d'esses certificados foi reduzido pelo dito Iradé de 1880, de 15 por cento a 33 por cento, sendo retirados da circulação pelo governo.

Em resumo, o nominal da divida externa da Turquia, que era de 191.000:000 libras turcos, foi reduzido a 106.437:000. A redacção do capital, sem fallar no juro, foi de 55 por cento.

Quanto ao juro da divida reduzida, foi fixado em 1 por cento, devendo ser elevado a 4 por cento sobre a quantia reduzida, á medida que as receitas consignadas ao serviço da divida melhorassem; mas como tal melhoria nunca se deu, continuaram os credora a receber 1 por cento, e assim, quem tinha 5 libras de rendimento ficou com uma apenas, porque a divida não é amortisavel.

A prolongada indifferença que a Turquia manifestou em regular a situação dos credores, sem lhes dar alguma cousa que lhes provasse ao menos a sua boa vontade de pagar, teve como consequencia deploravel para aquelle paiz, de baixo do ponto de vista dos seus sentimentos nacionaes, a intervenção estrangeira.

Foi, pois, d'essa indifferença durante cinco annos e da falta de respeito pelos contratos caucionados, que A Turquia adveiu a administração estrangeira.

Mas nós não temos assim procedido para com os nossos credores. Pelo contrario, temos feito tudo o que de nós tem dependido para mantermos até onde podemos o pagamento em oiro do coupon externo.

A prova d'esse desejo do governo são as acusações que a opposição lhe está fazendo, quando elle para satisfazer a essa obrigação cede á inilludivel necessidade de vender ou empenhar titulos para não fazer bancarota.

O que se passou em Hespanha, n'essa briosa nação nossa vizinha, que ninguem póde suspeitar de menos patriota e zelosa do seu credito, e que d'isso tem dado tantas provas, algumas ainda bem recentes?

A Hespanha, após prolongadas luctas politicas que a empobreceram, viu-se tambem em 1875 na dura necessidade de impor aos portadores dos titilos da sua divida uma importante reducção.

Durante um anno inteiro não lhes pôde dar cousa alguma, e depois, pela lei de 21 de julho de 1876, baixou o juro a um terço, por espaço de cinco annos, mas que a a contar do 1882 seria augmentado em 25 por cento, como minimo.

Ao mesmo tempo, o governo hespanhol prometteu aos seus credores, que se um dia a situação do thesouro melhorasse entraria com elles n'um accordo mais favoravel de augmento progressivo do juro.

Os coupons não pagos de 1875 foram trocados ao par por titulos de 2 por cento, reembolsaveis em quinze annos a 50 por cento do capital nominal.

Resumindo: pela lei de 1876 o governo hespanhol reduziu a 1/3 o Juro da divida, sem então tocar no capital, e pelos juros não pagos d'essa divida deu titulos do juro de 2 por cento, reembolsaveis em quinze annos a 50 por cento do seu valor nominal.

Em 1882, chegada a epocha prevista da elevação do juro no minimo de mais 1/4 por cento, o governo hespanhol of-

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fereceu aos seus credores substituir desde logo esse 1 1/4 por cento variavel por 1 3/4 de um modo definitivo, por meio de uma convenio em novos titulos de renda perpetua de 4 por cento.

Por effeito d'essa conversão, o capital da divida primitiva era reduzido na proporção de 56 1/4 Por cento, e ao portador de um titulo de 100 pesetas da divida antiga, que rendia uma peseta effectiva, dava-se 43 3/4 pesetas nominaes em titulos de 4 por cento, que effectivamente rendiam 1 3/4.

A conversão era obrigatoria para a divida interna e facultativa para a externa, mas apesar d'isso a Hespanha conseguiu a conversão total de ambas essas dividas sem maiores dificuldades, e tem mantido pontualmente aquillo a que pela lei de 1882 se obrigou.

A briosa Hespanha, quando foi forçada a suspender pagamentos, não pôde tratar os seus credores como nós osestamos tratando, pois que nós nunca deixamos um unico semestre sem lhes pagar mais de 1/3 do juro e a amortisação por inteiro. Portanto, como se póde suppor que os credores e as nações estrangeiras sejam menos indulgentes e benevolas para com Portugal, do que foram para com a Turquia e para com a Hespanha?!

Na Grecia, o que principalmente deu causa á intervenção estrangeira na administração d'este paiz, foi, como vou demonstrar dentro em pouco, a indifferença pelos credores e a falta de respeito pela boa fé dos contratos.

A Grecia lançou não de receitas que estavam consignadas aos seus credores, e aproveitou-se d'ellas para as suas despezas ! Quero acreditar que o ministro que assim fez julgou proceder pelo bem da sua nação, quando esta se via exhausta de outros recursos; mas os credores não o entenderam assim, os governos estrangeiros deram-lhes rasão e d'ahi resultou a intervenção d'estes nos negocios da Grecia. Assim, o procedimento da Grecia nada tem de comparavel com o procedimento que em Portugal tem havido para com os credores de todas as categorias. (Apoiados.)

E, para dar toda a auctoridade as minhas palavras a respeito do que se deu com a Grecia, e para que fique bem evidente que Portugal não está no mesmo caso, vou lero que o sr. de Bulow em 23 de janeiro d'este anno disse na commissão de fazenda do parlamento allemão, primeiro da Grecia e dos motivos que deram logar á intervenção estrangeira, e depois das negociações pendentes entre Portugal e os seus credores.

A respeito da Grecia fez as declarações que passo a ler:

"Como o parlamento sabe, nas condições preliminares da paz entre a Turquia e a Grecia, assignadas em dezembro ultimo em Constantinopla com a intervenção das potencias, foram incluidos os artigos 2 e 6, que estipulam a creação de um controle internacional das finanças gregas.

"Os emprestimos gregos contrahidos antes da guerra estão sujeitos a esse controle, e ficou expressamente declarado que o novo emprestimo que se ha de emittir para pagar a indemnisação da guerra com a Turquia não poderá prejudicar de forma alguma os direitos dos actuaes credores da Grecia.

"Com fundamento n'estas disposições, delegados financeiros de todas as potencias se acham reunidos em Athenas. Das discussões d'esses delegados entre si e com o governo grego, resultou o projecto de lei sobre o contrôle, que se acha actualmente submettido ao exame das potencias e sancção do governo grego."

O sr. de Bulow acrescentou: a que mostraria esse projecto de lei e o plano da regularisação da antiga divida externa grega se não lhe impedissem rasões de cortezia para com os gabinetes das outras potencias e do governo de Athenas, pois entende que, emquanto tudo não for approvado e sanccionado, não se deve tornar publico o conteudo d'estes documentos.

"Podia ainda dizer, sem commetter uma indiscrição, que, comquanto as informações dadas pelos jornaes ácerca do assumpto contivessem algumas inexactidões, em geral não deixam de ser verdadeiras.

"A Allemanha, para não prejudicar o accordo entre todas as potencias, manteve as suas pretenções em limites muito moderados, mas fixou, como limite maximo da sua condescendencia, as condições que os tres comités allemão, francez e inglez tinham indicado em Paris, no verso de 1896, ao governo grego, mas que este então recusou, e alem d'isto o estabelecimento de um controle internacional."

O sr. de Bulow affirmou mais: "que o governo allemão tinha protegido os direitos dos credores allemão em todas as occasiões, especialmente por occasião do tratado preliminar da paz e nas negociações subsequentes e está resolvido a continuar n'esse caminho com toda a energia. Tanto mais tempo o governo grego tem menosprezado esses direitos, tanto mais necessidade ha para a Allemanha em os proteger.

"A acterna autoritas assiste a esses direitos tão bem fundamentados.

"O governo allemão interveiu com tanta melhor vontade a favor dos interesses dos credores allemães, quanto reconheceu que não trabalhava só para elles, mas tambem para os credores das outras nações, que todos foram prejudicados durante muito tempo nas suas legitimas pretensões, e para a defeza do grande principio da boa fé nos negocios publicos."

O sr. de Bulow concluiu: "que esperava que o governo grego e o seu parlamento reconheceriam que o estabelecimento de um controle financeiro estava no proprio interesse da Grecia. Sem esse contrôle a Grecia não podia obter os recursos de que carece para O pagamento da indemnisação da guerra á Turquia e para a beneficiação dos effeitos internos da guerra. A questão de uma garantia por parte das potencias, como ella se entende na linguagem parlamentar, está posta de parte, é a Grecia só poderá contar com a realisação de um emprestimo sem esta garantia, se contentar os seus credores actuaes e se deixar estabelecer um controle financeiro verdadeiramente efficaz. A instituição de um controle financeiro não significa para a Grecia uma dureza, mas um verdadeiro bem. A Grecia só poderá vir a ter melhores dias, se conseguir pôr as suas finanças em ordem, e o seu futuro depende do restabelecimento do sen credito nacional.

"Isto só é possivel, se de um lado o contrôle principiar a funccionar em breve, e por outro se as pretensões dos antigos credores da Grecia forem attendidas quanto antes e nos limites do rasoavel."

Por estas declarações se vê que, quando em 1896 se tratou de um convenio entre a Grecia e, os seus credores, não se lhe tinha imposto controle estrangeiro, e que este só foi consequencia das faltas de boa fé praticadas pela Grecia de então para cá, especialmente a respeito do desvio das receitas consignadas a determinado credores.

Na mesma sessão em que o sr. de Bulow fazia estas duras referencias á gerencia financeira da Grecia, respondendo a uma pergunta do deputado o sr. Hasse, teve, em relação às negociações pendentes do governo portuguez, expressões muito agradaveis, que tambem passo a ler:

"O governo portuguez está fazendo varias tentativas a fim de melhorar a sua situação financeira, ou seja por meio de novos emprestimos ou por medidas de conversão da sua divida actual. Estas tentativas, porém, ainda não surtiram effeito.

"O governo allemão não teve até agora nenhumas communicações officiaes acerca, do assumpto, mas do melhor grado se prestaria a examinal-o, auxiliando tanto quanto

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possivel quaesquer medidas, que possam favorecer os interesses dos portadores allemães de valores portuguezes.

"As relações entre a Allemanha e Portugal mantêem-se no espirito de amisade reciproca."

por consequencia, devemos tratar de manter as melhores relações de amisade não só com a Allemanha, mas igualmente com as outras noções aonde temos ou nossos credores, para que nos facilitem um accordo honroso e equitativo.

Eu não tenho informações officiaes, e se as tivesse não as daria na camara, porque não tenho direito do trazer para aqui assumptos confidenciaes. O que sei, por assim ter ouvido aos financeiros e pessoas praticas d'esses paizes, é que nem o governo da Allemanha, nem os das outras nações, interveem nas questões financeiras dos credores, que nos respectivos paizes são portadores de dividas externas, se não quando os proprios credores lhes vão pedir, e os governos reconhecem haver lesão de legitimos direitos ou falta de boa fé. De motu-proprio, não tomam iniciativa n'estas questões.

Por consequencia o accordo, conseguindo-se directamente e amigavelmente com os credores, evitará precisamente a intervenção dos governos estrangeiros.

O sr. Presidente: - V. exa. tem um quarto da hora para concluir o seu discurso.

O Orador: - sr. presidente, teria ainda muitas considerações a fazer, mas vou limital-as restrictamente ao projecto de lei de que se trata. Um novo convenio com os credores julgo-o conveniente desde que se possa realisar em condições acceitaveis para ambas as partes. Fazer, como a opposição tem objectado, esse convenio unicamente para alcançar um emprestimo, tambem acho que seria um erro, porque iriamos dar garantias sem obtermos as compensações indispensaveis para poder cumprir a obrigação tomada. Mas se podermos conciliar no accordo os interesses do credor com os recursos e necessidades do paiz, então o accordo será muito util, e não será fóra de proposito que os credores concordem n'um emprestimo de liquidação, que nos dê tempo e melhores condições de reorganisar as nossas finanças, para assim lhes podermos proporcionar uma melhor situação para o futuro. (Apoiados.)

Quantas vezes na vida commercial se vê um credor ajudar o sou devedor arruinado, dando-lhe mais recursos para assim o salvar e conseguindo por esse meio que ella o reembolse com o tempo de tudo o que deve. (Apoiados.) É pois dentro das idéas do governo, o aproveitando tambem outras que ouvi aqui por parte dos credores que me precederam, que vou apresentar á camara um projecto, que no seu conjunto, me parece, garantirá os beneficies de uma conversão sem as difficuldades e os encargos que a conversão com substituição de titulos trará, e nos dará um allivio de redução nos encargos immediatos e tempo de respiro para melhorar a nossa situação e podermos avantajar os nossos credores.

Como disse, o meu projecto é feito dentro da idéa do governo, mas, mais definido, habilita-o a melhor negociar, porque nos termos vagos do projecto de lei em discussão o sr. ministro da fazenda ha de encontrar serias difficuldades, se não impossibilidade de tratar com os credores.

O sr. Presidente: - Observo ao sr. deputado que já deu a hora.

O Orador: - Peço licença a v. exa., sr. presidente, e á camara, para agora ler o meu projecto, precedendo-o das considerações e dos calculos em que elle é baseado.

"Considerando que qualquer accordo com os portadores da divida publica externa deve ter por base o pagamento do maximo que os recursos do paiz rasoavelmente permittem no presente o tornam possivel no futuro, mas que seria todavia uma falta grave comprometter-se a mais do que se póde garantidamente cumprir;

Considerando que, não se podendo satisfazer integralmente os encargos assumidos nos diferentes emprestimos se torna por isso mesmo da mais essencial equidade procurar garantir na fórma mais satisfactoria, mas sem prejuizo de completa independencia administrativa, a regalar satisfação dos novos compromissos a contrahir;

"Considerando que o ensejo do projectado accordo convem ser aproveitado para se regular, na fórma mais satisfactoria aos interesses publicos, tudo quanto respeite aos serviços da divida publica do estado, ou de qualquer outra de que elle tenha assumido a responsabilidade:

"Tenho a honra de enviar para a mesa o adjunto projecto de lei, que dentro das idéas geraes, constantes da proposta ministerial, e por meio de algumas modificações o additamento, attende mais completamente às condições essenciaes a observar.

"N'este projecto, os principaes resultados podem ser facilmente apreciados mediante as seguintes considerações.

"O capital da divida publica externa discrimina-se nas seguintes cifras:

"Divida de 3 por cento perpetua, capital nominal...... £ 41.724:120
"Obrigações de 4 por cento amortisaveis............... £ 1.841:840
"Obrigações de 4 1/2 por cento amortisaveis........... £ 12.910:920
£ 56.476:880

"Pela transformação da divida perpetua em divida amortisavel, como faculta o § 3.º do artigo l.º do projecto, e sendo o reembolso feito a 60 por cento, a reducção de capital obtida pela amortisação é de...................£ 20.862:060

"E o capital total a amortisar.................................... £ 35.614:320

"A rasão que justifica a amortisação da divida de 3 por cento a 50 por cento do nominal, ao passo que fica mantido o actual capital nominal da divida amortisavel. procede da equidade com que devem ser tratados todos os credores, attendendo às condições especiaes dos titulos dos diversos topos.

"Efféctivamente, o preço medio real por que foram emittidos os titulos de 3 por cento foi de 41 1/2 por cento do nominal, tendo sido o preço maio elevado de 50 por cento, emquanto que as obrigações amortisaveis de 4 1/2 por cento de 1888 foram emittidas a 94,84 por cento, os de 1889 a 96,71 por cento e as de 4 por cento de 1890 a 87,80 por cento, sendo a media 98 por cento o tendo os tentadores tido em vista a amortisação ao par. Não seria, pois, equitativo, mas até altamente injusto, fixar para os titulos amortisaveis, no capital a reembolsar, diminuição igual á adoptada para o reembolso da divida perpetua, que foi emittida muito mais barata e sem esperança de amortisação.

"Dada a faculdade, fixada ao mesmo artigo 1.º do projecto, do reembolso dos titulos a amortisar se poder fazer por sorteio ou por compra no mercado, e sendo actualmente os percentagens das estações approximadamente as seguintes:

"Divida perpetua de 3 por cento - 20 por cento,
"Divida amortisavel de 4 por cento - 28 por cento,
"Divida amortisavel de 4 1/2 por cento - 32 por cento,

as margens que d'estas taxas resultam, tanto para o lucro dos portadores, como para economia do thesouro, são respectivamente de 30, 72 e 68 por cento.

"É, pois, licito calcular que, pela compra no mercado, o thesouro economise metade d'essas margens, e assim realise mais uma economia do:

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a 15 por cento no fundo de 3 por cento ou sejam.................... £ 3.129:309

"36 por cento no fundo de 4 por cento ou sejam..................... £ 662:882

"34 por cento no fundo de 4 1/2 por cento ou sejam................. £ 4.389:712

"perfazendo a economia total de.................................... £ 8.181:903

"juntando a esta economia a reducção acima indicada de............. £ 20.862:060

"a reducção total do capital, obtida pela amortisação, seria de.... £ 29.043:963

"e o capital a amortisar de........................................ £ 27.432:417

"De onde se conclue que o total nominal da divida externa de....... £ 56.476:380

poderá extinguir-se por completo com o dispendio de £ 27.432:417, menos de metade, por meio de noventa annuidades, a partir de 1910.

"A annuidade seria, alem do juro constante, apenas de £ 45:000, approximadamente.

"Com relação ao capital nominal da divida interna em circulado, a situação é esta:

"Divida de 3 por cento perpetua .................341.958:357$000
"Divida de 4 por cento amortisavel.................2.827:907$500
"Divida de 4 1/2 por cento amortisavel............21.705:750$000
"Divida de 4 por cento amortisavel c/ premio.......3.380:000$000
Total............369.872:014$500

"Transformando o capital nominal da divida perpetua em 50 por cento amortisavel, a reducção será de ....................................170.979:178$500

E o nominal da divida total ficará em..................198.892:836$000

"A mesma rasão de equidade invocada para não adoptar, em relação á divida amortisavel externa, a mesma forma de reducção applicada á perpetua, subsiste para o tratamento dos titulos amortisaveis internos de 4 e 4 1/2 por cento, e para o emprestimo de 4 por cento com premios, que devem confirmar no regimen actual.

"A differença entre os systemas propostos, tanto para a divida externa, como para a interna, está em que para os titulos infernos de 3 por cento a reducção do capital é obrigatoria e decretada desde já, emquanto para os externos não ha reducção do capital, e apenas se consigna o direito de poder amortisar o 3 por cento externo a 50 por cento, e que para a divida externa os pagamentos do juro e amortisação têem de ser feitos em oiro, emquanto que para a interna esses pagamentos são em moeda corrente.

"A situação para os portadores da divida interna, não Obstante a reducção do valor nominal das inscripções de 3 por cento a 50 por cento, ainda apresenta bastante margem para melhoria, comparadas as cotações actuaes com os valores nominaes dos respectivos titulos, como se vê da seguinte tabella:

"O 3 por cento, cotado a 32 por conto, deixa a margem de 18 porcento;

"O 4 por cento, cotado a 40 por cento, deixa a margem de 60 por cento;

"O 4 1/2 Por cento, cotado a 50 por cento, deixa a margem de 50 por cento
"Dadas estas margens, tambem é licito calcular que pelas compras no mercado, a amortisação d'esses titulos dará uma economia para o thesouro que se póde calcular em metade das margens, sendo essa metade respectivamente de:

"9 por cento no 3 por cento perpetuo correspondendo a réis.......30.776:252$000

"30 por cento no 4 por cento amortisavel correspondendo a réis......848:370$000

"25 por cento no 4 1/2 por cento amortisavel correspondendo a réis......5.426:437$000

"Juntando a esta economia de réis .......................... .37.051:059$000

a reducção do capital da renda de 3 por cento réis...............170.979:178$600

obtem-se uma reducção total de réis.. 208.030:237$500 e assim se demonstra que o capital nominal da divida interna, que é hoje de réis............369.872:014$500

poderá ser amortisado por réis...................................161.841:777$000

por meio de 90 annuidades de cerca de 100 contos de réis, apenas, além do juro constante.

"Para combater os calculos da economia na amortisação abaixo do nominal, só se póde allegar que de futuro os preços dos titulos da divida externa e interna podem subir, a ponto de já então se não poder realisar por completo toda a prevista economia no capital a amortisar.

"Oxalá que assim succedesse para o paiz e para os seus credores. Seria prova de estarem as nossas finanças em plena regeneração, e então nada mais justo do que d'essa feliz situação aproveitarem tambem os credores do estado.

"Quanto ao juro: o da divida interna continua sujeito ao imposto actual do rendimento; o juro da divida externa é mantido num terço em oiro até 1909 inclusivamente, e depois augmentado de 1/8 por cento em periodos de cinco annos, até attingir mais de 50 por cento da taxa primitiva.

"Poderia parecer que por equidade o juro da divida interna devesse tambem ser reduzido.

"A desigualdade apparentemente existente justifica-se, porém, pelas seguintes rasões:

"l.° O juro e amortisação da divida; externa são pagos em oiro, emquanto que os da interna em moeda corrente;

"2.° Ao juro da divida externa fica assegurado um augmento progressivo até mais de 50 por cento do terço, o que não succede com a divida interna;

"3.° A divida externa é livre de todo e qualquer imposto presente ou futuro, emquanto que a divida interna é affectada pelo imposto de rendimento que póde ser augmentado;

"4.° A divida externa são affectas garantias especiaes, de que a interna não participa.

"Duas outras circumstancias especiaes têem tambem de ser consideradas:

"1.° Muitos estabelecimentos de beneficencia de varia natureza têem o seu principal rendimento em titulos de divida interna;

"2.° Muitos fundos de rendimento, depositos, etc., são, por força de lei, obrigatoriamente constituidos por titulos da divida interna;

"3.° Sobre a generalidade dos portadores da divida interna a crise pesa, não só pela reducção dos juros da divida, mas tambem pelo reflexo do agio do oiro sobre os artigos de consumo de primeira necessidade.

"Por todos estes motivos, uma nova reducção do rendimento da divida interna, não só não corresponderia a um acto de equidade que se tivesse em vista, mas concorreria, com prejuizo de todos, para, o aggravamento da situação geral.

"A partilha no augmento das receitas das alfandegas e na melhoria do agio do oiro fica definitivamente supprimida.

"Os motivos que recommendam a suppressão da partilha no augmento da receita das alfandegas e na melhoria do agio do oiro, são obvios para o primeiro caso, pois to-

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SESSÃO N.º 19 DE 15 DE FEVEREIRO DE 1898 329

dos reconhecem que esses augmentos não representam melhoria da situação financeira do paiz, mas antes maior necessidade de oiro para fazer face ás importações. EmquaNto á suppressão da partilha proveniente da melhoria do agio sobre o oiro, parece á primeira vista injustificada, mas, por um lado, o limite de 22 por cento fixado em 1698 está longe de se attingir, pois o agio está hoje a mais do dobro, e por outro lado essa disposição da partilha poderia vir a contrariar qualquer modifcação do systema monetario, ou da relação entre o valor do oiro e da prata, que porventura se venha á tomar necessaria.

"Estas duas partilhas foram substituidas no projecto por uma escala ascendente do juro, que garante uma progressão de rendimento aos portadores da divida externa, em harmonia com os recursos de que no futuro o paiz poderá dispor.

"As amortisações são suspensas por completo até 1909 inclusive, alliviando assim o estado d'esse encardo, n'este momento pesado para elle, e praticamente imperceptivel para os portadores da divida individualmente considerados.

"Começando, á partir de 1910, as amortisações a funcionar regularmente, tanto para a divida externa como parar a interna, toda a divida se deverá achar amortisada no praso de noventa annos-

"0 projecto estabelece a consignação especial de rendimentos do estado. Nenhum inconveniente póde haver em dar essa garantia em termos decorosos aos nossos credores externos, desde que lhe pedimos mais sacrificios e lhes queremos provar que estamos resolvidos a fazer o necessario para satisfazer os novos compromissos resultantes do accordo.

"O projecto, emfim define a situação dos emprestimos da camara municipal de Lisboa, hoje a cargo do thesouro.

"Comparando agora a situação dos ultimos annos com a que resultaria da adopção do presente projecto, temos durante os doze annos, desde hoje até fins do 1009:

"Economia annual na partilha media £ 71:000
"Economia na amortisação........£ 37:400
108:400
que ao camdio actual de 36 dão... réis 722:666$666

"A economia na amortisação das obrigações de 4 1/2 e 4 por cento internas será de............................................................... 178;3000$000

"Total da economia annual a favor do orçamento.................... 900:968$666

"O reembolso do capital actual da divida publica, que é de:

"Externa, £ 56.500:000 ou oiro..... 254.250:000$000
"Interna, moeda corrente........... 869.872:000$000
Total.............................. 624.122:000$000

"consegue-se mediante o pagamento de:

"Externa, £ 27.500:000 ou oiro..... 123:700:000$000
"Interna, moeda corrente........... 161.841:777$000
Total.............................. 285.591:777$000

"A partir de 1910, o reembolso, alem do juro constante, exigira em media durante 90 annos as duas seguintes annuidades:

"Para a divida externa £ 45:000 ou oiro........ 202:500$000
"Para a divida interna ou papel................ 100:000$000

"A diminuição de 838.680:223$000 réis, que se realisa pelo reembolso no capital nominal actual de toda a divida publica, representa, em ralação á população do continente e Ilhas adjacentes, uma melhoria de capitação de corôa de 70$000 réis para habitante.

"Nos calculas aqui apresentados não entraram propositadamente em linha de conta os encargos do novo emprestimo previsto do projecto, porque estes se devem contrabalançar naturalmente pelo desapparecimento dos juros da divida fluctuante externa e por outras applicações productivas em que esse emprestimo tem de ser utilisado, e melhor ainda pela conversão das obrigações dos tabacos,

"São estas, salvo melhor aviso, as mais apropriadas bases em que o governo poderia ficar auctorisado a tratar o accordo com os portadores da divida fundada externa, e que a discussão podará ainda concorrer para aperfeiçoar.

"Cumpre, porém, advertir, que nem o compromisso que resultar da adopção do presente projecto, nem qualquer outro, por mais reduzido que ainda seja, só poderá cumprir, se não se adoptarem durante os annos de resfolgo que se requerem aos nossos credores, novas medidas destinadas a equilibrar o orçamento interno, desenvolver a nossa exportação do continente, valorisar o commercio colonial e só, sobretudo, se não passar a administrar por fórma completamente differente da quo se tem seguido ha dezenas de annos, o que nos trouxe fatalmente á contingencia presente.

Projecto de lei

"Artigo 1.° É o governo auctorisado a fixar, do accordo com os representantes, officialmente reconhecidos nos respectivos paizes, dos portadores da divida fundada externa, actualmente sujeita ao regimen da lei de 20 de maio da 1893, novas condições relativas ao capital nominal, juro, partilha e amortisação dos titulos d'essa divida, tendo em especial attenção, no que respeita ao estado, as numerosas necessidades presentes do thesouro, e no que respeita aos portadores da divida, a sua participação na melhoria futura das finanças publicas.

§ 1.º O Juro annual da divida a que se refere o presente artigo será mantido no terço em oiro até 31 de dezembro de 1909; será augmentado de 12 1/2 por cento sobre esse terço do 1910 a 1914; de 26 por cento de 1915 a 1919; de 37 1/2 por cento de 1920 até 1924 e de 50 por cento de 1925 em diante.

"§ 2.° A partilha no augmento das receitas das alfandegas e na diminuição do agio sobre o oiro, a que se refere a supracitada lei, ficará supprimida por completo.

"§ 3.° A amortisação dos titulos da divida externa amortisavel ficará suspensa até 1909, e a partir do 1910 o governo applicará uniformemente A amortisação de toda a divida externa a somma necessaria para a sua completa extincção em noventa annos; podendo a dita amortisação ser feita por compras no mercado ou sorteio, e n'este ultimo caso fixando-se para a divida de 3 por cento o preço de 50 por cento do nominal, que foi o preço maximo do das diversas comissões publicas.

"§ 4.° Desde que se tome effectivo o referido accordo, serão n'essa conformidade estampilhados ou carimbados os actuaes titulos da divida externa, podendo tambem a respectiva folha de coupons ser substituida por outra com os juros reduzidos. Este serviço realisar-se-ha nas praças de Londres, Paris, Berlim, Amsterdam, Bruxellas e Lisboa, correndo todas as despesas por conta do governo portuguez.

"Art. 2.° O governo consignará por forma especial as receitas das alfandegas do continente e ilhas adjacentes (excluidos os rendimentos alfandegarios dos tabacos), até a importancia da somma necessaria para o pagamento dos encargos em oiro da divida externa fundada.

"§ l.º As receitas a que se refere este artigo serão recolhidas á medida que forem cobradas, em conta de depo-

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330 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

sito especial, pela junta do credito publico, banco de Portugal, ou analoga instituição nacional, a cargo da qual, pelo accordo fique a cobrança, guarda e transferencia dos fundos destinados ao serviço da divida nas praças estrangeiras, onde actualmente se realisa o seu pagamento, ou em quaesquer outras onde seja conveniente de futuro.

"§ 2.° As sommas depositadas no estabelecimento nacional para o serviço da divida externa serão opportunamente por elle transportadas para os estabelecimentos estrangeiros encarregados sob sua responsabilidade da guarda dos fundos e dos pagamentos aos portadores dos titulos nas differentes praças estrangeiras.

a§ 3.° A consignação especial dos rendimentos das alfandegas á garantia dos encargos da divida publica não inhibirá o estado de alterar, sempre que o julgar conveniente, os direitos de importação ou exportação, desde que a alteração deixe amplamente assegurados rendimentos que possam fazer face aos referidos encargos.

"§ 4.° Os emprestimos internos de 4 por cento da camara municipal de Lisboa, actualmente a cargo do estado, e cujo juro e amortisação não soffre alteração, gosarão igualmente das garantias consignadas no presente artigo.

"Art. 3.º Ultimado o accordo com os credores externos, o governo simultaneamente decretará a reducção de 60 por cento no capital nominal da divida interna de 3 por cento e a suspensão até 1909, inclusivamente, da amortisação das obrigações de 4 por cento e 4 1/2 por cento de 1888, 1889 e 1890, começando em 1910 a amortisação de toda a divida interna por compra no mercado ou sorteio, de forma a ficar extincta ao cabo de noventa annos.

"§ unico. O pagamento dos juros da divida interna e o serviço dos premios do emprestimo interno de 4 por cento de 1888 continuarão a ser feitos em moeda corrente nos termos do regimen vigente.

"Art. 4.° Não fica o governo por esta lei inhibido, mas antes auctorisado, a adoptar outras condições financeiras de accordo com os portadores dos titulos externos dos diversos typos de juro para os emprestimos externos, comtanto que do conjuncto das modificações não venha a resultar para o estado maior encargo total, nem aggravamento das condições n'esta lei previstas, para os primeiros dez annos do accordo a celebrar.

"Art. 5.° Se, para assegurar o pagamento dos primeiros coupons de divida externa, reembolsar os credores da divida fluctuante externa, e reforçar a reserva metallica do banco de Portugal, o governo carecer de contratar um emprestimo externo, é pela presente lei auctorisado a realisar a referida operação, pela forma e nas condições que julgar mais convenientes, e até á quantia que julgar indispensavel, não podendo o encargo exceder 1/2 por cento do juro effectivo correspondente á cotação dos fundos consolidados portuguezes, no momento de se realisar a operação, e ficando aos respectivos encargos igualmente consignadas as receitas alfandegarias nos termos do artigo 2.° e seus paragraphos, ou outras que mais convenha ao governo consignar.

" Art. 6.° Não conseguindo o governo realisar accordo nas condições constantes na presente lei, e um emprestimo externo, se elle se tornar necessario para a efficacia do dito accordo, fica o governo auctorisado, dado o caso de na occasião se não acharem reunidas as côrtes, emquanto não melhorar a situação financeira do estado, a decretar o pagamento do terço do juro da divida externa em certificados, que emittirá nas condições e com as garantias que julgar convenientes, ouvindo sobre o assumpto o conselho d'estado.

" Art. 7.° O governo dará conta às cortes do uso que fizer das auctorisações que lhe são concedidas por esta lei.

"Art. 8.° Fica revogada a legislação em contrario. = Conde de Burnay, deputado por Pombal."

O sr. Presidente: - A proposta de substituição e a moção do sr. deputado, serão lidas na sessão seguinte, que será amanhã.

A ordem do dia é a continuação da de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas e tres quartos da tarde.

O redactor = Lopes Vieira.

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