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4 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Grecia desapparecida ficou Homero; da gloria romana esvahida ficou Virgilio. (Vozes: — Muito bem, muito bem).

Mais ainda; a arte tem o poder quasi divino de salvar do naufragio do tempo nacionalidades prestes a sossobrar, e resuscitar até nacionalidades mortas. A Grecia de hoje reviveu sobre as minas da Acrópole; despertou do seu somno de morte ao canto da Iliada, acordou aos clamores de Eschylo. Só num safaro monto de Athenas não tivessem sobrevivido as cariatides dos embasamentos, as columnas corynthias dos perystilos e as estatuas divinas dos tympanos, a humanidade não teria cuidado em resuscitar um povo morto, mesmo quando esse povo, no passado, tivesse caminhado até á índia, atraves a Persia, atrás do cavallo de Alexandre; mesmo quando esse povo tivesse commovido os ceus, morrendo nos desfiladeiros das Ther mopylas.

Mas Gil Vicente, com o sor o fundador do theatro moderno, a primeira incarnação do theatro no balbuciar da Renascença, não é só um artista universalizador e genial mas um português de boa lei, um patriota do tão puro quilato, como essas páreas do Quiloa de que o seu homonymo fabricou o monumento da ourivesaria portuguesa a custodia, chamada do Belem. Adornou com as maiores pompas litterarias os reinados de dois monarchas, trouxe a alegria e o desafogo á alma abatida do povo. Protegido por tres rainhas, não embaraçou a vida nos seus mantos nem involveu o coração de plebeu nos seus arminhos realengos. Tão depressa o Rei o applaudia na Aleaçova, a Bainha em Enxobregas, como o povo na calleja e encruzilhada.

Na sua obra ha a resonancia retumbante do sentimento nacional. Como nesses grandes busios maritimos, onde parece ter ficado o murmurio eterno do mar, na sua obra passados 400 annos, sente-se o fremito inextinguivel da alma portuguesa.

Elle tomou a si a missão social de representar integralmente a sua epoca, de servir as mais altas aspirações do seu tempo. Não era só galhofeiro para satyrizar os erros para combater na troça, a tagante de gargalhada, as abusões, os vicios, as injustiças o as torpezas. Não é só o censor do clero intolerante, da nobreza rapace e absorvente do despotismo dos tyranuetes, da ridicularia dos grotescos.

Na sua alma, como um vento ao perpassar sobre a terra, ramalham pampanos alegres e louros heroicos.

O bufão arguto e hilariante do Auto da Feira é o mesmo que escreve a epica Exhortação da Guerra, e no Auto da Barca do Inferno põe nas palavras do anjo o juizo da posteridade sobre os heroes. É complexo e immenso, agora estrugindo em tempestades de chasco, depois gemendo as blandicias de um poeta lyrico; chocarreiro hoje, agitando a guizeira da farça; heroico amanhã, acenando á gloria com os seus versos.

Foi numa noite de quarta feira, 8 de junho de 1502, dois dias passados sobre o nascimento do Infante D. João, que havia de ser depois El-Rei D. João III, que o antigo mestre de rethorica do Duque de Beja teve consentimento para ir saudar a regia parturiente, e na camara da Rainha Acoitou com surpresa e encanto de todos, no dizer ingenuo do chronista, o sen Auto do Vaqueiro, tambem chamado da Visitagão. Essa, a data da fundação do theatro português.

Quis a sorte que elle nascesse no Paço dos nossos Reis, em dia de festa para a nação e protegido por tres Rainhas.

Esse nascimento illustre invocava Garrett quando nesta Camara propunha a edificação do theatro de D. Maria.

Sessenta o cinco annos passados, a mim cabe a honra de pedir a esta Camara, não a dotação para o solar, que já está edificado, mas para em tudo guardar a distancia que me separa do mestre, um pequeno subsidio, apenas, para nesse solar fazer a Gil Vicente uma modesta festa. (Vozes: — Muito bem).

Estas festas, verdadeiros panygiricos dedicados á memoria dos grandes nomes que illustraram a Patria, não são exhibição de pompas, de que seja justo uma nação ataviar-se apenas na era da fortuna, mas deveres das nações, que mais sagrados se impõem nas epocas da decadencia — esses parentheses de sombra, que as nacionalidades mais gloriosas, como os homens mais fortes, soffrem na existencia.

Sr. Presidente: recordar ao país o nome de Gil Vicente, é lembrar-lhe o cyclo da epopeia maritima, do fausto manuelino, da hora sobre todas feliz, que soou na historia do mundo para Portugal.

A existencia de Gil Vicente desdobra-se nas côrtes de D. João II, do D. Manuel e D. João III, entre a atoarda das primeiras conquistas ultramarinas e o tributo opulento com que foi coroada a tarefa gloriosa.

Então Portugal desembarcava soldados em todas as praias dos mundos novos. As caravelas portuguesas balouçavam nas ondas dos mares nunca d'antes navegados. Ventos perfumados de emanações mysteriosas bojavam as velas dos nossos galeões.

Hoje ainda, as quinas são bafejadas por esses ventos, tremulam em todos os continentes da terra.

Na Africa, na Asia, na Oceania, palpita ainda a nossa bandeira, que Deus lá nos conserve sempre, basteada sobre solo nosso, que foi baptisado com nosso sangue. (Apoiados).

Na America, se não fluctua já o nosso pavilhão, a lembrança d'elle está numa bandeira verde o amarella, onde eu leio d'aqui uma legenda escrita na mesma lingua em que escreveram Gil Vicente o Camões. (Apoiados).

Sr. Presidente: na hora em que os heroes. antes de se matar, exclamam que isto dá vontade de morrer, é necessario que a mocidade, embora sem heroismos mas com esperanças, nos venha decidida a viver! Necessario é fazer uma geração que não seja combalida de desanimas, que não seja escurecida de descrenças, que não seja corrompida de scepticismo.

As lastimas não aproveitam ás nações, são a traça das sociedades.

A negação é o caracter dos fracos; a affirmação é a prerogativa dos fortes. (Apoiados).

A ouvir os scepticos, imagina-se que a justiça é mais damninha que os ladrões...

—V. Exa., quando der a hora de se passar á ordem do dia, tenha a bondade de me prevenir.

O Sr. Presidente: — Ainda faltam cinco minutos.

O Orador: — O que tenho a dizer é apenas meia duzia de palavras.

A ouvir os scepticos, suppõe-se que a justiça é mais damninha que os ladrões; que o peor acelerado é o homem com remorsos, porque ainda possue idéa da virtude; que a instrucção é cousa vã, porque havendo milhões de livros publicados, toda a vida do homem não lhe consente mais que a leitura, quando muito, de cem mil.

Mas ha peor do que o sceptico: é o facecioso. O facecioso é o homem que respondo a uma homilia com uma risota; que commenta o heroismo com um gracejo; que só sabe retorquir á eloquencia com o desmandibular da gargalhada; que no logar do coração só tem um machinismo de esgares.

Os scepticos por officio e os faceciosos por indole, são os maiores dissolventes da sociedade portuguesa contemporanea. (Vozes: — Muito bem).

É necessario fazer uma geração de onde sejam banidos os scepticos o os faceciosos. (Apoiados).

Para que não abalem o nosso edificio social tão combatido essas doutrinas de nenhuma fé com que se alardeia mascarada a indolencia, é que eu julgo ser nosso dever agarrar todas as occasiões pelos cabellos, para atordoar de esperanças, até á embriaguez, um país onde são tantos os prophetas da desgraça, onde são demais os pregadores de