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Quanto á recommendação que v. ex.ª fez aos srs. deputados, para que pedissem a palavra de seus logares, o que é muito conveniente, para se ouvir a discussão e saber-se o que se vota, tenho a declarar que não a considero como dirigida a mim, porque sempre peço a palavra do meu logar.
O sr. Fernando de Mello: — Tenho a mandar para a mesa diversos requerimentos, que vou ler por sua ordem (leu).
Desejava que v. ex.ª desse ao requerimento dirigido ao sr. ministro da justiça o mais prompto expediente que fosse possivel. Creio que s. ex.ª, no quesito ou no modo por que terminou a portaria a que me refiro no meu requerimento, se esqueceu da doutrina que estabeleceu no principio d'esse documento official. S. ex.ª diz no principio da portaria, que =era necessario attender á maior publicidade e economia, a respeito das publicações ordenadas pelo codigo =, e vae escolher para esta maior publicidade e economia tres jornaes, um dos quaes não existe ainda, outro é publicado uma vez por semana, e um terceiro, jornal politico ministerial, e especialmente dedicado ao sr. ministro da justiça, marcando-lhe o preço de 20 réis por linha, e sem concurso. Creio que já mais de um jornal se tem offerecido a fazer essa publicação, sem ninguem os convidar, por metade d'esse preço, e ainda por menos, em vista do que acabo de ponderar á camara, que o meu requerimento tenha o mais prompto andamento possivel. O segundo requerimento diz assim (leu).
Os documentos pedidos n'este requerimento são-me indispensaveis para a interpellação que pretendo dirigir ao sr. ministro do reino, que espero se não recusará a manda-los quanto antes á camara, para não protelar uma discussão, ou pelo menos explicações que considero urgentissimas, em consequencia do estado de sitio em que se encontra o circulo por onde tive a honra de ser eleito deputado. Não venho tratar aqui de questão pessoal, nem do que vulgarmente se chama questão de campanario; não venho mesmo censurar o governo pela guerra que me fez na ultima eleição; pelo contrario, tenho de agradecer-lhe, e desde já declaro que lhe agradeço, essa guerra desapiedada que me mandou fazer, e que para mim foi muito honrosa. Mas se não tenho que censurar o governo por esse facto, tenho que lamentar pela liberdade do meu paiz, os meios pouco regulares e vexatorios que se empregaram, e de que os povos ainda estão sendo victimas. E uma questão de moralidade publica a que é necessario attender quanto antes.
Peço portanto a v. ex.ª que a este requerimento dê igualmente o mais prompto expediente, para ver se é possivel acabar com a tyrannia que se esta exercendo no circulo, que tenho a honra de representar n'esta casa, e para onde, em paga da sua independencia, mandaram, alem do destacamento de vinte praças de pret que é costume estacionar ali, mais quarenta praças do regimento n.° 11, e todo o destacamento de cavallaria que estava em Coimbra; sendo toda a força aboletada nas casas dos cavalheiros que me honraram com os seus votos e auxilio na ultima eleição.
O sr. Ministro da Guerra: — Essa força já retirou.
O Orador: — Retirou hontem, mas ainda lá ficaram nove soldados de cavallaria e alguma infanteria.
Desde 22 de março até hontem estiveram ali, como disse, alem do destacamento permanente, quarenta praças de infanteria e toda a cavallaria que estava em Coimbra, sendo aboletados pelas casas dos influentes da opposição. Até os proprios commandantes dos destacamentos, por contemplação para com os povos, se demoravam só tres dias em cada uma das casas.
Entendo pois que é urgentissimo tratar d'esta questão, porque este estado não póde continuar.
Vou ler o terceiro requerimento (leu).
Para este requerimento requeiro a urgencia.
Para este ultimo requerimento disse eu que requeria a urgencia, e v. ex.ª e a camara hão de ver que tenho toda a rasão em querer collocar a junta preparatoria, mãe d'esta camara, superior a todas as apprehensões que se possam levantar na imprensa e no publico ácerca da imparcialidade com que se houve na eleição de que trata o meu requerimento.
Não quero fazer reviver a questão d'esta eleição, questão que esta morta, porque foi votada pela junta, que respeito e a cuja maioria me curvo; mas o publico que não tem os documentos que requeiro, porque estão na secretaria d'esta camara, suppõe não só que d'elles se torna evidente que o cofre eleitoral foi arrombado pelo fundo, em que estavam substituidos por uns parafuzos os pregos de que ainda havia vestigios, parafuzos que nem abrangiam a madeira toda, porque passavam apenas a primeira tabua, mas ainda que a uma tinha duas fendas, por uma das quaes podia saír não só uma lista, mas todas quantas lá estavam dentro.
A commissão, como o seu illustre relator disse uma vez, já implicitamente tinha considerado este facto no seu relatorio; mas eu, lendo esse relatorio, vejo lá que não ha documento algum junto ao processo, pelo qual se possa ver que houve defraudamento ou arrombamento.
Diz-se apenas n'um considerando que = havia uma pequena fenda na urna =, mas o publico diz mais do que isto, e parece-me que nós devemos collocar os nossos actos em toda a luz.
Supponho, depois da declaração do illustre relator da commissão, que ella examinou os documentos; supponho que a junta preparatoria os teve em consideração; mas eu, que não tinha a honra de estar n'esta casa por essa occasião, não conheço esse exame, muitos dos meus collegas não o conhecem, e o publico tambem o não conhece nem póde conhecer estando esses documentos, como estão, na secretaria d'esta camara.
Por consequencia parece-me conveniente que a camara, para salvar a dignidade da junta d'onde nasceu, mande fazer a despeza da publicação d'estes documentos, despeza que aliás é pequena, e declaro a v. ex.ª que requeiro a urgencia especial d'este requerimento.
Faço tambem a seguinte proposta (leu).
(Interrupção que não se ouviu.)
Dizem-me que a materia da minha proposta esta decidida, mas peço a attenção de v. ex.ª e da camara para este negocio, que eu creio esta ainda pendente, e que foi collocado n'essa pendencia pelo proprio governo.
O sr. ministro da marinha disse que = a questão era grave, que o governo não a podia resolver, e que a reservava para mais tarde, depois da camara constituida, a fim de ser decidida pela mesma camara =.
S. ex.ª disse muito bem, porque se trata nada menos do que da interpretação authentica da lei, e de um facto que póde originar precedentes, porque até agora não havia outro analogo.
Pela consideração que nos merecem as nossas possessões ultramarinas, para as quaes não queremos leis differentes das que existem para o continente, entendo que devemos tomar uma resolução definitiva sobre este facto, que é a primeira vez que se dá, mas que se póde repetir muitas outras vezes.
Eu supponho que a questão pertence a esta camara, porque a junta preparatoria avalia apenas da legalidade dos documentos que vem juntos a qualquer processo eleitoral. A junta julgou em sua sabedoria que a eleição de S. Thomé estava livre de toda a mácula, mas sobre o que ella não podia dar opinião era sobre este ponto, porque elle pertence evidentemente á camara depois de constituida.
Peço a v. ex.ª que mande seguir esta proposta o destino conveniente com toda a urgencia. Parece-me que é uma questão prévia, da qual a camara se deve occupar antes de se envolver em outros objectos, porque póde haver duvidas a respeito da legalidade com que um ou outro cavalheiro tem logar n'esta casa.
Por ultimo peço a v. ex.ª que me inscreva para quando estiver presente o sr. Ministro do reino, a fim de tratar de um negocio urgentissimo, visto que s. Ex.ª não esta presente n'este momento. E verdade que esta representado o governo, mas como o que tenho a dizer se refere especialmente ao nobre presidente do conselho, peço a v. ex.ª que me inscreva para tratar de um negocio urgentissimo quando s. ex.ª esteja presente.
(O orador não reviu o seu discurso.)
O sr. Presidente: — Em virtude do regimento sou obrigado a perguntar ao sr. Lopes Branco se a palavra que pediu é sobre algumas das questões em que fallou o sr. Fernando de Mello.
O sr. Lopes Branco: — É sobre uma d'essas questões.
O sr. Presidente: — Então não posso inscreve-lo, porque o regimento prohibe-o.
O sr. Lopes Branco: — Eram poucas as palavras que tinha a dizer.
O sr. Presidente: — Só se quer que consulte a camara.
O sr. Lopes Branco: — Não, senhor.
O sr. Presidente: — Faço a mesma pergunta ao sr. Levy.
O sr. Levy: — Peço a palavra, mas é para quando se ler a proposta do sr. Fernando de Mello.
O sr. Presidente: — A proposta fica para segunda leitura.
O sr. Secretario (José Tiberio): — Aos outros requerimentos e notas de interpellação a mesa vae dar o devido destino.
O sr.. Fernando de Mello: — Ha um requerimento urgente.
O sr. Secretario (José Tiberio): — Os requerimentos que são remettidos ao governo a mesa dá-lhes destino immediatamente.
O sr. Fernando de Mello: — Ha um requerimento feito á camara, a fim de que um dado documento seja publicado no Diario.
O sr. Presidente: — Vae ler-se o requerimento do sr. deputado.
É o seguinte:
Requerimento
Requeiro que seja publicado na folha official o auto de exame e corpo de delicto feito a requerimento do cidadão José Dionysio Carneiro Faro, da ilha de S. Thomé, sobre o facto de arrombamento do cofre eleitoral da assembléa da mesma ilha, por occasião da ultima eleição que ali teve logar, de cujo auto se acha o original appenso ao respectivo processo. = Fernando de Mello.
Votada a urgencia, foi approvado o requerimento.
O sr. Levy: — A camara acabou de votar o requerimento do meu amigo, o sr. Fernando de Mello, a fim de que fosse publicado no Diario de Lisboa um auto a que s. ex.ª se referiu, e que é denominado «auto do corpo de delicto pelo arrombamento que teve logar na urna da eleição da assembléa de S. Thomé». A camara teve conhecimento do parecer da illustre commissão de poderes, onde se dizia que todo este negocio fôra devidamente considerado pela commissão; e e camara, approvando a eleição, entendeu que não havia irregularidades grandes n'esse processo eleitoral. O deputado foi proclamado e tomou assento na camara.
Entretanto, esta eleição tem sido objecto de discussão na imprensa periodica, e tem-se insistido em que houve vicios e nullidades. Agora pede-se a publicação de um auto de corpo de delicto, e eu votei por essa publicação, porque voto pela de todos os esclarecimentos sobre objectos em que haja duvidas; mas parece-me que a camara, alem de publicar esse auto que se exige, deve mandar publicar todos os outros documentos que dizem respeito á mesma eleição. A dignidade da camara pede que essa publicação se generalise a outros documentos (apoiados).
Houve protestos contra esta eleição, assim como contra-protestos, e se apparecesse publicado só o auto do corpo de delicto, podia o publico entender que houve illegalidade na approvação da mesma eleição. É pois necessario publicar todos os documentos que lhe são concernentes.
O auto de corpo de delicto suppõe que houve crime de que o poder judicial tomou conhecimento, e pelas informações que tenho não me consta de mais nada senão que a auctoridade levantou o auto a que se chamou de corpo de delicto; mas não me consta, repito, que tivesse seguimento, e era bom que tudo isto constasse.
Portanto, como a camara mandou que se publicasse o auto do corpo de delicto, eu proponho que se mande publicar o parecer da commissão e mais documentos, e n'este sentido vou formular uma proposta.
(Pausa.)
Mando para a mesa o seguinte (leu).
O sr. Presidente: — Este requerimento tem connexão com outro que foi declarado urgente; vou portanto submette-lo á votação da camara, a fim de ver se o considera igualmente urgente.
Leu-se na mesa o seguinte
Requerimento
Proponho que, alem da publicação do documento exigido pelo sr. Fernando de Mello, se publique tambem todo o processo eleitoral, excepto os cadernos do recenseamento. = Dr. Levy Maria Jordão.
Foi declarado urgente e logo approvado.
O sr. Silva Mendes: — Um assumpto, que considero de muita gravidade, determina-me a solicitar do sr. ministro da guerra uma explicação, a fim de tranquillisar o meu espirito.
Pouco tempo depois da organisação do actual gabinete, espalhou-se (ignoro com que fundamento) um boato, que tem produzido alguma inquietação no publico. Disse-se, e diz-se ainda, que s. ex.ª recebêra uma intimação da parte de alguns srs. Officiaes do nosso exercito, para não propor reforma alguma economica no ministerio a seu cargo.
Por minha parte, posto que não tenha a honra de conhecer pessoalmente o nobre ministro, não prestei credito algum a tal boato, e tenho-o, desmentido, já porque considero o nobre ministro incapaz de ceder a quaesquer intimações, já porque confio muito no patriotismo e abnegação do exercito, que não quererá de certo eximir-se aos sacrificios que a patria será forçada a pedir-lhe. Tenho pois com a minha voz, que considero pouco auctorisada, e que não póde chegar a toda a parte, procurado desvanecer o mau effeito de uma tal noticia; mas não é isso bastante, e creio que será necessario que o nobre ministro dê as explicações convenientes, para serenar a inquietação e impaciencia do publico.
Pedida esta pequena explicação, permitta-me a camara que aproveite o uso da palavra para definir a minha posição politica em presença do gabinete.
Alguns jornaes classificaram-me como deputado ministerial; mas, pouco conhecedor das praxes parlamentares e muito menos da nomenclatura politica, tenho a declarar que, se por deputado ministerial se entende aquelle que deve a sua eleição ás recommendações do governo e á acção das auctoridades, não o sou, pois não tive a sua protecção solicitada ou espontanea (apoiados); e para provar o que deixo dito, parece-me que bastará fazer conhecer que o cavalheiro que me disputou a eleição é irmão do administrador do concelho do meu circulo, que este funccionario se conservou n'aquelle cargo durante a luta eleitoral (e ainda se conserva), e isto contra a espectativa geral; pois tendo o governador civil d'aquelle districto, ao assumir as funcções do seu cargo, na sua allocução promettido eleições livres, e havendo n'aquelle circulo dois candidatos, ambos da mesma feição politica, devia collocar ambos na mesma posição, tirando a um a superioridade que lhe dava o poder nas mãos do irmão.
Não se procedeu porém assim; e, segundo me disse o proprio governador civil, de quem sou amigo desde a infancia, não o fez para que ninguem o julgasse parcial, e o considerasse como movido por affeição particular. Já se vê que, debaixo d'este ponto de vista, não sou deputado ministerial, e que não devo ao governo serviços eleitoraes.
Entretanto, apesar do que deixo dito, não quero com isto dar a entender que não estou resolvido a ser deputado ministerial. Se-lo-hei se o governo apresentar as medidas economicas que o paiz urgentemente reclama (apoiados). Anceio pela apresentação d'essas medidas; e a antecipação com que foi convocado o parlamento dá-me direito a esperar que essa apresentação se não demorará (apoiados).
Tenho concluido.
O sr. Fradesso da Silveira: — Mando para a mesa um requerimento pedindo informações ao governo, uma nota de renovação de iniciativa de alguns projectos de lei, e juntamente um projecto de lei.
Não leio estes papeis, porque não quero cansar a attenção da camara nem roubar-lhe o tempo, e porque tenho a certeza de que elles hão de ser lidos na mesa.
O sr. Ministro da Guerra: — Levanto-me unicamente para responder á pergunta que o illustre deputado, o sr. Silva Mendes, acaba de me dirigir.
Disse s. ex.ª que = o ministro da guerra tinha sido intimado por varios officiaes do exercito para que não consentisse em reforma alguma no mesmo exercito =. Isto é menos exacto. O ministro da guerra não recebeu n'esse sentido intimação alguma, nem podia admitti-la, porque a missão do exercito é ser essencialmente obediente e respeitador do principio da auctoridade.
E cabe aqui fazer ao exercito portuguez o bem merecido elogio de que talvez, na minha opinião, ainda nenhum exercito do mundo deu provas de maior abnegação e patriotismo do que elle.
Portanto já se vê que, se por parte de algum membro do exercito partisse uma insinuação como a que referiu o illustre deputado, o exercito deixava de ser o que é, essencialmente obediente, mantenedor da ordem, sustentador da