O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

829

liberdade, que elle com o seu sangue plantou e radicou n'este paiz. É por isso que a liberdade tem florescido entre nós. Ao exercito se deve o estarmos hoje nós aqui pugnando pelos interesses do paiz. Vozes: — Não é só ao exercito.

O Orador: — É certo que foi o exercito com o concurso de mais alguem; mas foi elle que teve a maior parte no conseguimento do bem que estamos hoje gosando, e que o tem sustentado com desinteressada abnegação. Ainda ultimamente o paiz acaba de passar por uma provação. Bem dolorosa podia ella ser! E o exercito (ufano-me de o dizer, porque d'elle sou filho), o exercito mostrou-se á altura da sua missão, conservou a ordem sustentando a liberdade (apoiados).

Portanto, se por parte do exercito podesse haver alguma intimação, no sentido que disse o illustre deputado, o exercito desmentia das suas tradições e falseava os principios da sua existencia (apoiados). Não cabe ao exercito o ser politico, nem o ha de ser, e creio em Deus que se conservará, como o exigem as instituições, um elemento de ordem como tem sido sempre (apoiados).

Já se vê pois que o ministro da guerra, que o representa, não podia consentir em intimação alguma. Nem o ministro da guerra é capaz de faltar á sua missão, porque não ha nada que o atemorise e o aterre; e quando vir que não póde sustentar com dignidade este logar (o de ministro) sabe o caminho que ha de seguir; pois não é esta posição tanto para desejar. Sabe o caminho que a rasão e as boas praticas aconselham, e segui-lo-ha immediatamente quando não corresponder á confiança da camara, do paiz e do mesmo exercito. Mas, emquanto aqui estiver, ha de sustentar a dignidade do exercito, desaggrava-lo das arguições injustas, e patentear-lhe as virtudes e serviços.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

Portanto fiquem sabendo, V. ex.ª e a camara, que não houve similhante insinuação. Economias e reformas são necessarias em todas as repartições, em todos os serviços publicos, e ninguem mais que o governo está empenhado em as apresentar a esta camara e em as fazer vingar. Mas sem paz, sem ordem, sem respeito á lei, sem respeito ás auctoridades, não ha finanças nem economias (apoiados); porque, transtornada a ordem, desequilibrado este machinismo por que se regem os povos, não ha nada possivel; segue-se a anarchia, da anarchia o cataclysmo, e depois a subversão completa (apoiados).

Ninguem negará hoje a necessidade do exercito e da sua conservação; esta não ha de custar mais do que até aqui; hão de fazer-se-lhe as possiveis reformas; e eu tenho um pensamento que direi agora, e é — que me parece que, sem aggravar o thesouro em mais um só real, e talvez fazendo algumas economias, eu possa augmentar o exercito quanto convem á segurança e ordem publicas. Só eu sei as difficuldades em que me vi na crise que acabámos de atravessar. Mas o exercito mostrou-se sempre tão subordinado, tão soffredor, que não houve sacrificio, por maior que fosse, que se lhe exigisse, a que elle não satisfizesse gostoso (apoiados); porque o exercito conhece qual e a missão que tem a desempenhar, tema cumprido e ha de continuar, tenho fé, tenho esperança, e tenho a certeza d'isso (apoiados).

Permitta-me o illustre deputado, o sr. Fernando de Mello, que lhe diga que se porventura houve (o que eu não nego nem confirmo, mas que me inclino mais a negar), aboletamentos ou outros gravames não se póde incriminar nenhum militar a esse respeito. E possivel que houvesse aboletamentos de tres dias, dois dias e um dia; mas o que é facto é que não houve a menor reclamação (apoiados); não houve senão a louvar as auctoridades militares; por toda a parte por onde transitaram tropas os pequenos e os grandes receberam a maior coadjuvação de todos os commandantes das divisões militares, dos corpos, dos destacamentos, e finalmente de todo o exercito; todo elle se mostrou tal qual deve ser, isto é, um elemento de ordem e nada mais (apoiados).

Por consequencia repito ao meu illustre amigo que fez a pergunta, que não recebi nem tolerei insinuação alguma, e que se a recebesse havia de despreza-la ou puni-la, porque hei de fazer completa justiça a todos, e não consinto que na orbita das minhas attribuições ninguem se intrometta (Vozes: — Muito bem — apoiados); porque sei fazer respeitar o logar que occupo, e emquanto o occupar hei de cumprir sempre os preceitos da lei, fazendo justiça a todos, sustentando a cada um na esphera das attribuições que lhe estão marcadas na lei, para que mantendo eu a sua auctoridade elles por seu turno fortaleçam a minha (apoiados — Vozes: — Muito bem).

O sr. Silva Mendes: — Agradeço ao sr. ministro da guerra a promptidão com que satisfez ao meu pedido, e felicito-me por não ser fundado o boato a que me referi, o qual não acreditei porque conheço a lealdade do exercito portuguez.

O sr. Ministro da Guerra: — Apoiado.

O sr. Fernando de Mello: — Visto que s. ex.ª o sr. ministro da guerra me fez a honra de se dirigir á minha pessoa, peço licença á camara para lhe dizer que eu em nada censurei, e sim muito agradeci e agradeço aos militares que occuparam o concelho de Tábua, não só aos que lá estavam por occasião da eleição, mas ainda aos que foram mandados depois pela superior auctoridade administrativa do districto de Coimbra; elles cumpriram as suas ordens com a maior cortezia e trataram maravilhosamente bem todos os patrões para onde foram aboletados; e não posso portanto, de fórma alguma, aceitar a responsabilidade que se quiz tirar do pouco que disse a respeito do que se passou no concelho de Tábua reputando-se isso como uma censura para os militares que lá estiveram, aos quaes respeito, bem como os meus amigos naquella localidade, que agradecem a maneira delicada com que por elles foram tratados.

O sr. Presidente: — O sr. deputado Lopes Branco pediu a palavra para tomar parte n'este incidente, porém eu não lh'a posso conceder sem consentimento da camara. Vou portanto consulta-la a este respeito.

Consultada a camara, resolveu affirmativamente.

O sr. Lopes Branco — Não quero abusar da benevolencia da camara, a qual agradeço.

O illustre deputado, por occasião de apresentar o seu ultimo requerimento (que não sei se o regimento permittia que fosse fundamentado), fez uma accusação grave ao governador civil de Coimbra, e igualmente ao sr. presidente do conselho e ministro do reino, dizendo que elles o tinham guerreado por todos os modos menos licitos e exagerados na sua eleição. (O sr. Fernando de Mello: — Apoiado.)

Quando o illustre deputado verificar a sua interpellação eu mostrarei ao illustre deputado e á camara, que talvez deva ao governo a sua eleição. (O sr. Fernando de Mello: — Apoiado. É verdade.) E mostrarei que, pela muita moderação e altura a que o sr. ministro do reino e o governador civil de Coimbra se elevaram n'esta questão da eleição do circulo de Pena Cava, é que ella teve resultado a favor do illustre deputado. E, alem d'isso, occasião será essa para mostrar que o governador civil de Coimbra se manteve dentro das suas attribuições, e que foi bastante generoso em relação ao concelho de Tábua. O illustre deputado ha de convencer-se pelos documentos, e ver que as cousas não são como as apresentou, aliás de muito boa fé. Eu tenho tenção, quando se verificar a interpellação, de pedir a palavra para tomar parte n'ella, não para defender o sr. ministro do reino, porque não precisa, mas porque a minha dignidade esta empenhada em mostrar que não ultrapassei os meus deveres (apoiados).

O sr. Fernando de Mello: — Eu pedi a palavra a v. ex.ª para negocio grave e urgente logo que estivesse presente o sr. presidente do conselho e ministro do reino.

Comquanto sejam muito grandes, porque na realidade o são, a deferencia pessoal e o respeito que consagro ao nobre presidente do conselho, a quem, como particular, devo immensos favores, não posso deixar n'este momento de pedir as. ex.ª explicações sobre o estado anarchico em que se encontra a ilha da Madeira, devido talvez aos delegados de s. ex.ª; ao seu delegado superior n'aquelle districto; e, até um certo ponto, á ignorancia em que s. ex.ª esteja dos factos que ali se têem passado desde que caíu o ministerio antecedente.

Eu não venho aqui levantar questões que possam incommodar o governo; não venho de certo resentido, ainda ha pouco o disse, pela guerra eleitoral que soffri: trago depois d'ella a mesma deferencia pessoal que tinha para com o sr. presidente do conselho antes da eleição. Respeito o governo todo, representado pelos illustres cavalheiros que o compõem, pelo logar que, occupam, e a muitos d'elles pelas eminentes qualidades que os adornam. Não posso porém ser indifferente aos acontecimentos da ilha da Madeira, muito lamentaveis para todos, e especialmente para mim, que devo ao clima benefico daquella terra a vida que ainda hoje tenho.

Adoptei aquella terra como uma segunda patria, porque indo para ali quasi desesperado de poder continuar a viver, trouxe de lá esta saude inalterada de ha dois annos, e de mais a mais quando nem sempre tem havido o maior resguardo.

Mas, quando não fosse isto, que se transformasse para mim n'uma dedicação especial, ou antes gratidão, estou persuadido de que a camara toda se empenha no socego d'aquella ilha, não só porque faz parte do paiz, mas porque é evidentemente a flor do oceano; a joia mais invejada da corôa portugueza; o refugio de muitos desesperados que ali encontram allivios, quando já desesperam da vida; o refugio daquelles mesmos que já não têem esperança de viver n'este mundo, e que ali vão mais socegadamente acabar os seus dias. Muito bonita, muito productiva, muito florescente, rindo-se para o mar que a vê de frente, acha-se hoje coberta de luto, porque viu correr o sangue de irmãos contra irmãos; porque a auctoridade superior administrativa d'aquelle districto tem collocado a cidade do Funchal e as povoações ruraes n'um estado de completa anarchia.

Soube-se na ilha da Madeira que tinha caído o ministerio transacto em janeiro; e creou-se, como era natural, um centro politico, do qual fazia parte o actual governador civil. Festejou o centro a sua creação com musica e foguetes, e percorreu todas as ruas, dando vivas não sei a quem, mas provavelmente ao governo que se levantava. No primeiro dia não deram morras aos que tinham caído. Continuou isto assim por algum tempo.

Estas manifestações, que podiam parecer opportunas, de muito regosijo, e de muito desejo de vida ao governo que estava, não deviam reprimir-se senão quando chegassem a perturbar o socego dos habitantes da cidade.

Foi n'um d'estes passeios estrondosos, com musica á frente e muitos foguetes, que foi encontrado o actual governador civil quando lhe entregaram a noticia da nomeação. D'ali foi para a fortaleza e revestiu-se de auctoridade. Não levava grande prestigio; tinha ao lado de si os seus companheiros, que elle não desamparou, que não podia desamparar, com os quaes se ligara, e em cuja responsabilidade elle tinha uma parte. Isto era por janeiro e fevereiro. Os tumultos, que já se iam levantando, continuaram.

Por principios de março as cousas tomaram um aspecto grave. A casa dos cidadãos principiava a ser violada, porque o centro ou os seus delegados e os seus annexos principiavam arrombando portas e insultando os cidadãos, forçando muitos a retirarem-se da cidade. No dia 7 de março o tal acompanhamento usual, seguido ou precedido de musica e foguetes, dirigiu-se a casa do redactor do jornal que se chamava Fusão (bem veem que o nome era terrivel) (apoiados), procurando-o, e não sei o que lhe faria se o encontrasse.

Os actos posteriores deixam bem ver que aquelle cavalheiro, aliás muito respeitavel, tinha andado com muita prudencia, retirando-se da cidade para um ponto afastado. Foram depois á typographia de outro jornal, que se chama A voz do povo, e que então era opposição, e exigiram do redactor principal satisfação por um artigo que tinha publicado na vespera, no qual se elogiava um candidato da opposição, é se tratava, talvez com justiça, mas com desigualdade, um outro candidato que se propunha por parte do governo. Isto era á noite. O barulho foi grande; quebraram-se as vidraças; principiava-se a forçar as portas. O governador civil entendeu que devia mandar para ali uma força, á frente da qual se apresentou, e depois das devidas admoestações mandou armar bayonetas aos soldados. O povo gritou contra isto, não estava acostumado; e o governador civil, diante d'esse mesmo povo, cedendo ás suas intimações, teve de mandar tirar as bayonetas...

O sr. Camara Leme: — Isso não é exacto; esta muito mal informado. Peço a palavra.

O Orador: — Peço perdão; tenho cartas, V. ex.ª tambem as póde ter...

O sr. Presidente do Conselho: — O que não é conveniente é fazer interpellações á queima roupa, devem ser annunciadas previamente (apoiados).

O Orador: — As interpellações devem ser annunciadas previamente quando as cousas não tenham chegado a este estado, quando as ultimas noticias vindas hontem não fossem tão assustadoras que é indispensavel um remedio prompto. Eu trago isto como historia aliás indispensavel para mostrar a v. ex.ª...

O sr. Presidente do Conselho: — Mas é inexactissima.

O Orador: — Folgo muito que v. ex.ª esteja devidamente informado do que ali se tem passado; mas então eu tambem devo tirar d'ahi uma consequencia, e é, que as ordens de v. ex.ª não têem sido cumpridas. Se v. ex.ª soubesse o que ali se tem passado, não deviam correr os negocios á revelia. V. ex.ª póde negar uma parte dos acontecimentos; póde dizer que os tumultos não foram tão grandes como se indica, mas não póde dizer que não existiram, para estarmos até ao dia 19 de abril, e note-se que ainda estou no principio de março, sem um unico processo, sem uma unica prisão, sem nenhum auto de investigação, sem o mais leve procedimento da parte das auctoridades. Se v. ex.ª soubesse como os factos se têem passado, de certo não tinha deixado correr isto á revelia, ou então leva-me a acreditar que as ordens de v. ex.ª não têem sido cumpridas.

Mas, dizia eu, n'essa occasião, era o dia 7 de março, á porta da typographia da Voz do povo, quando se reunia toda esta gente, achou por melhor o sr. governador civil entrar dentro, conversar com o redactor, e obriga-lo, não sei por que meios, porque ninguem acompanhou a auctoridade, a desdizer-se ou convenceu-o (talvez a palavra seja mais bonita) a que viesse á janella da typographia dar uma satisfação ao publico pelo artigo que tinha publicado. O redactor assim fez; appareceu em companhia do governador civil, e disse ao povo que = no outro dia (note V. ex.ª que era o dia 7 de março) ás dez horas da manhã a satisfação seria dada, plena, e na praça da Constituição. Não sei se v. ex.ª a conhece, é proxima do caes do desembarque.

As dez horas do dia seguinte achavam-se 300 homens na praça da Constituição, proxima do caes do desembarque da ilha da Madeira, mandados para ali pelo sr. governador civil; ou, por outra, obrigados a irem ouvir a satisfação que o governador civil tinha imposto ao redactor da Voz do povo.

Eram dez horas, e pouco depois havia o signal, e chegava ao porto o navio que levava o sr. Sant'Anna e Vasconcellos, deputado que foi n'esta camara.

Este ponto é gravissimo, e n'este não póde haver duvida. S. ex.ª o sr. governador civil obrigou, ou convenceu, como quizerem, o redactor da Voz do povo a marcar uma conferencia publica, para dar uma satisfação no dia 8 de março, ás dez horas, na praça da Constituição. N'esse dia esperava-se o navio que levava o sr. Sant'Anna e Vasconcellos! Eram dez horas quando elle chegou. Houve signal na ilha muito antes de chegar o vapor. A conferencia estava para se dar; a concorrencia era grande, e augmentava de hora para hora. O governador civil nada preveniu, não teve procedimento algum contra aquella gente, sabendo que já se preparava uma recepção desagradavel para aquelle cavalheiro, o que não era mysterio para ninguem, porque isto mesmo tinha já soado no continente, isto é, já ha muito se sabia que para o sr. Sant'Anna se preparava uma recepção d'aquella ordem, e que essa recepção podia ter graves consequencias. E um facto de que posso mostrar documentos.

O navio que veiu para Lisboa muitos dias antes da partida para ali do vapor trouxe noticias, ou devia trazer, de que se o sr. Sant'Anna e Vasconcellos fosse á ilha da Madeira, como se julgava e como se esperava, era desagradavelmente recebido. Devia-as trazer, porque antes da partida d'esse navio, que chegou aqui, como disse, antes da saída do vapor, a commissão dos patriotas foi ao club procurar o sr. administrador do concelho, e avisa-lo de que se o sr. Sant'Anna e Vasconcellos fosse á ilha da Madeira era desagradavelmente recebido, e talvez mesmo corresse grande risco. Foi muito antes de partir o navio que a commissão disse no club que tambem ía d'ali para o governo civil. Não sei se foi; mas bastava que o administrador soubesse isto para o communicar immediatamente ao governador civil, e este ao governo, a fim de que se evitassem as tristes consequencias que se deram.