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APPENDICE Á SESSÃO N.° 19 DE 3 DE FEVEREIRO DE 1896 186-A

Discurso do sr. deputado Eduardo Cabral que devia ler-se a pag. 160 da sessão de 1 de fevereiro

O sr. Eduardo Cabral: - Sr. presidente, pedi a v. exa. a palavra na sessão transacta, porque queria tambem mandar para a mesa uma proposta analoga á do meu collega o sr. deputado Boavida, que a camara acaba dignamente de approvar por acclamação.

A minha proposta era concebida nos mesmos termos e apenas continha o seguinte additamento "que esta expressão de condolencia fosse não só transmittida á familia do illustre extincto, mas tambem ao Instituto Pasteur, que celebra e commemora as virtudes e sciencia daquelle grande e benemerito vulto".

Precederam-me na commemoração feita a Pasteur, o sr. deputado Boavida e o meu illustre amigo o sr. Aarão de Lacerda; fizeram-no s. exas. em termos rapidos, mas vehementes. Eu, porém, que de ha muito trazia no meu espirito o luto d'esta morte, como s. exa. o sr. ministro do reino póde testemunhar, eu, que trazia no meu pensamento a intenção de convidar a camara a associar-se a este acto de dignidade e de sentimento, não posso furtar-me a este dever, que não só me impõe a minha profissão, mas que me é ditado pela memoria que tenho do carinho, da singeleza, da candura e do interesse, com que Pasteur tratava aquelles que iam beber a sciencia no seu laboratorio, que foi o presepio, a Bethelem, onde, pela primeira vez, brilhou a estrela dessa nova sciencia, que elle creou, a bacteriologia.

Impõe-me tambem esse dever - porque não dizel-o? - o facto de ter um logar nesta casa. Parece-me, que uma camara que se lisonjeia de moldada em novas formas, uma camara, que se ufana de representante das forças vivas do paiz, e na qual avulta, principalmente, o elemento industrial e agricola, não se desdenha, não se rebaixa, ao contrario, cumpre a sua missão prestando as suas homenagens ao sabio, que estudou a doença dos vinhos, dos vinagres; ao homem que salvou a industria da seda, a Pasteur, que igualmente salvou a industria pecuaria, periclitante em Franca, com a descoberta da vaccina da carbunculose.

Vale a pena contar o facto.

A França, essa valente e generosa nação, que tão galhardamente guarda, e sustenta a nobre tradição intellectual e o primado scientifico moderno da raça latina, acabava de pela ambição louca de um imperador e pela fraqueza inepta de um governo, ser lançada nas germonias de um caminho, ao cabo do qual as ovantes aguias germanicas ergueram as forças caudinas, sob as quaes teve de passar o velho espirito gaulez. (Apoiados.)

A esta desventura, a mais cruciante para a dignidade de um povo, aos sacrificios exigidos pela Allemanha para a obtenção da enorme, montanha de oiro - a contribuição de guerra - veiu juntar-se a crise agricola manifestada pela mortandade dos seus rebanhos.

N'esta afflictiva conjunctura a França appellou para a sciencia e patriotismo dos seus sábios. E não foi illudida neste appello, porque Davaine e Toussaint metteram com affinco hombros á empreza.

Aquelle chegou á descoberta de uns filamentos vivos no sangue dos bois carbunculosos, a bacteridea, causa da doença; este esforçou-se em balde por encontrar no dominio da chimica modo de attenuar a virulencia da bacterides.

Foi então que Pasteur, para o qual ainda não havia sequer raiado o diluculo da sua gloria, tomando as experiencias de Toussaint e estudando as condições biologicas da bacteridea, encarando o problema pelo lado da physio-chimica e não exclusivamente da chimica, como até antes d'elle se fazia, achou o remedio da terrivel doença depauperisadora da riqueza economica da França, com a descoberta portentosa da vaccinificação do virus carlunculoso.

Calcula-se, que Pasteur com este seu achado scientifico ganhara para a França quantia igual aos tres milhares com que a Allemanha a vexára, imaginando anemial-a por largos annos.

Eis-aqui, sr. presidente, como uma nação, pelo unico esforço e saber de um homem resurge e se levanta dos escalabros devidos á guerra mais temerosa, que a historia regista.

Eis-aqui como a sciencia de Pasteur póde mais em favor da sua patria, que as armas dos seus soldados, os canhões das suas tropas e a coragem dos seus generaes. (Apoiados - Vozes: Muito bem )

Dizia eu, pois, que pelas rasões expostas a esta camara, mais que a qualquer das que têem gerido os negocios publicos do meu paiz incumbe o dever de honrar a memoria de Pasteur. (Apoiados.)

Tenho ainda a incitar-me n'este proposito, alem dos motivos de coração, que já referi, o exemplo do que se praticou em todos os parlamentos do mundo culto, que celebraram alevantada e dignamente o infausto passamento, que orphanou a sciencia e a humanidade, roubando áquella um dos seus maiores nomes, e a esta a individualidade mais benemerita de todas as que até hoje têem figurado na vasta, santa e fulgida galeria do Bem e do Altruismo.

Uma camara em que, tão ao invez das suas congeneres, o elemento politico e bixrocratico está n'uma espantosa minoria perante o elemento commercial, agricola e industrial, enaltece-se e eleva-se, enaltecendo e elevando a memoria de Pasteur, e tem a corroboral-a n'este caminho a opinião do illustre publicista belga Laveleye, que no seu estudo sobre o Regimen Parlamentar e Democracia affirma que, o que principalmente assegura o triumpho da politica liberal, é a applicação da sciencia á industria. Ora, ninguem como Pasteur realisou este desideratum tão larga e profundamente.

Apesar de nunca ser tarde para celebrar a gloria de um genio e para cumprir um dever, permitta, sr. presidente, que eu muito perfunctoriamente exponha-as rasões, que me impediram de não ter mais cedo tratado este assumpto, como desejava.

Nas primeiras sessões d'esta camara compartilharam os seus representantes da alegria e do enthusiasmo, que electricamente se apoderou de todo o paiz ao serem conhecidos os feitos epicos, a intemerata coragem e a tradicional bravura dos nossos valentes soldados nas plagas africanas.

O sopro da gloria, que através os tempos tantas vezes agitou o ovante pendão das quinas, continuou a fazel-o ondular nos inhospitos climas africanos.

Após um negro periodo de amarguras e de desesperos veiu a campanha de Africa, qual balsamo lenitivante dar-nos conforto e energia. (Apoiados.)

Na atmosphera de desconfiança que de ha muito envolvia o paiz, começava de rasgar-se uma nesga do azul, devido ao sol brilhantissimo da esperança, que o successo das armas d'esse punhado de heroes dava a uma nação inteira.

Parecia que se renovavam as colossaes e homericas epopêas da nossa antiga historia, tanta era a alegria, do paiz, tanta a satisfação da camara. (Apoiados.)

Não quiz eu, no meio d'esta festa, em que todos os corações vibravam de santo contentamento, em que todas as vozes entoavam justas hossanas ao nosso exercito, em que todas as mãos procuravam engrinaldar as frontes dos nossos valentes com o anadema dos heroes, não quiz eu pôr a nota triste de uma funebre commemoração.