O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

186-B DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Seguiu-se depois outra sessão, em que se honrou a memoria e os actos de illustres homens politicos, antigos membros d'esta camara, onde a sua saudosa memoria ha de sempre permanecer, porque a sua falta é aqui insubstituivel, como o é a sua acção politica no resto do paiz.

Com este luto nacional, com esta dôr tão intima, com esta homenagem tanto da nossa casa, não quiz eu vir misturar o luto estranho, embora se tratasse de um vulto tão grande, que não enche só uma enorme nação, enche toda a humanidade.

Após isto veiu a impiedosa doença impedir-me daqui comparecer por muitas sessões, e eis, sr. presidente, n'uma rapida exposição, os motivos, que fizeram com que eu só hoje possa aqui levantar a voz em homenagem ao grande sabio a quem a França concedeu as honras civicas de exequias nacionaes.

Não teve Pasteur, como Tasso, como Victor Hugo, como Zorrilla e como ha pouco João de Deus, a ventura de assistir á sua apotheose em vida, ao ensaio geral das suas exequias, na phrase do maior poeta da França e direi mesmo do mundo no presente seculo.

Não lhe fizeram essa justiça os seus contemporaneos, e não lh'a fizeram, porque se a sciencia é a resultante do sentimento humano, a poesia é a base, a essencia d'esse mesmo sentimento. (Vozes: - Muito bem.) Já Taine dizia: "a arte tem de especial o ser ao mesmo tempo superior e popular, manifestando o que ha de mais elevado nas cousas e manifestando-o a todos."

Por isso, a poesia, requintada manifestação da arte, empolga, fascina e arrasta as multidões, que deslumbradas, collocam os poetas na euthanasia dos deuses, ao passo que, pelas condições de mentalidade e de mesologia d'este fim de seculo, pouco se preoccupam com os problemas philosophicos e com a paixão dos sabios pelas cousas infinitamente pequenas, embora de resultados scientificos e praticos infinitamente grandes, mas pelos quaes ellas se não interessam, porque esses resultados são colhidos no recinto obscuro e modesto dos laboratorios, não por processos brilhantes, que se imponham á sua admiração, mas por processos complexos e fastidiosos, que ellas não comprehendem, embora o alvo d'estes esforços seja o bem estar d'essas multidões.

Aproveitam em seu beneficio a actividade e intelligencia d'esses obscuros e indefessos trabalhadores e não poucas vezes os lapidam em vida e até desconsideram na morte.

Não quero com isto significar, que o povo de hoje seja melhor ou peior do que o de outras eras, nem que o pessimismo moderno de Schopenhauer valha mais do que o optimismo antigo de Pangloss, mas apenas accentuar o facto triste e verdadeiro da tardia justiça feita na morte umas vezes, outras nem mesmo então aos obscuros e corajosos cavouqueiros do edificio da sciencia, cujas conquistas, em favor da humanidade, são, não raro, ganhas á custa da propria vida.

Não podia, pois, Pasteur excepcionar-se a esta commum lei, e como succede ás arvores colossaes, a que só depois de abatidas se póde avaliar a gigantesca corpulencia, assim succedeu a Pasteur, que só depois do seu passamento se podesse bem medir a grandeza scientifica do gigante sabio. Assim como aquellas deixam na floresta uma larga clareira, assim este deixou na sciencia um vácuo talvez nunca mais preenchido. (Apoiados.)

Eu não venho aqui fazer o elogio historico e biographico de Pasteur, porque para isso não tenho envergadura. Para fallar de um colosso só uma aguia. Não me esqueço de que não estou n'uma academia, mas na camara dos senhores deputados e que por isso devo ser breve, ainda que os echos d'esta casa (se eu o não fosse, e para isso tivesse competencia) não se molestariam, nem estranhariam, porque muitas vezes foram aqui acordados pela palavra quente e burilada de distinctos oradores, celebrando as acções e dotes de muitos academicos e homens de grande marito, mas que não tinham a fidalga vida scientifica de Pasteur. (Apoiados.)

Foi nas pugnas vehementes, e para sempre rememoradas nos annaes da sciencia, ácerca da geração espontanea, que o nome de Pasteur, já muito conhecido pelos seus trabalhos de chimica molecular, começou de ganhar a celebridade, que mais tarde o havia de aureolar, canonisando-o santo no céu da sciencia.

Tinha então Pasteur trinta e nove annos e achava-se á frente do grupo panspermista que atacou a geração espontanea, defendida pelos heterogenistas, sob a conducta de Gabriel Pouchet e Soly, dois grandes chimicos.

A questão, transportada para a academia, foi ali affincadamente controvertida e por esta resolvida em favor de Pasteur, a quem foi concedido o grand prix em 29 de dezembro de 1862.

No anno seguinte foi a questão renovada pelo notavel sabio Mantegazza, e Pasteur, em cujo auxilio veiu o chimico o biologista inglez Tyndall, foi de novo consagrado pela academia, onde demonstrou as relações de causalidade, que existem entre certas doenças e alguns micro-organismos especiaes, e onde foi acremente atacado, porque sendo apenas chimico se abalançava a irreverentemente interferir no campo da medicina.

E ainda bem que na sua bagagem scientifica não tem o diploma de medico, porque a meu ver foi esta circumstancia feliz, que muito contribuiu para o exito d'este Colombo em demanda do novo mundo micro-biologico.

Se fôra medico, enredado em as noções de contagios, miasmas, constituições medicas, genio morbido, que era tudo o que então constituia a pathologia das doenças zymoticas, poderia ser, e seria decerto, um notavel discipulo do Esculapio, um Galeno, um Petter, um Wirchow, um Sousa Martins, mas não seria um reformador, um demolidor de tantos erros, um Messias de uma nova religião scientifica, não seria, emfim, o grande, o universal Pasteur. (Apoiados.)

E agora, sr. presidente, muito de leve, permitia v. exa. e a camara que eu n'um vôo rapido siga a luminosa orbita traçada no espaço infinito da sciencia por este astro, que se apagou nas profundezas do tumulo no dia 29 de julho de 1890.

Estudando a fermentação alcoolica, phenomeno chimico, descobriu que esta era devida a uns pequenos animaculos, que tinham a singular propriedade de serem anerobicos, isto é, capazes de, apesar da sua pequenez e insignificancia, arcarem com a força da affinidade, que mantem o oxygenio n'uma combinação, e desaggregam esta para se apossarem d'aquelle em favor da sua existencia.

A natureza, que por um lado fôra tão madrasta para estes seres, a ponto de os crear tão fracos e desprovidos de armas para a rude batalha da vida, por outro foi-lhes tão caroavel, que até para elles fez um novo typo de vida, a anerobia, que veiu acrescentar os classicos moldes da respiração aerea e aquatica.

Foi, pois, a fermentação o altar em que Pasteur, Luthero de uma nova reforma, consorciou, para não mais se separarem, a chimica e a phisiologia.

Os resultados d'esta descoberta, que poderiam passar desapercebidos a um espirito menos finamente observador e menos tenazmente experimentador, antepuzeram-se a Pasteur repletos de extraordinarias consequencias scientificas, foram os alicerces do edificio bacteriologico, foram a antevisão da grandiosa obra com que elle munificiou a humanidade.

Com esta descoberta e com a das culturas artificiaes caíram esfarrapadas as theorias do vitalismo e a das fermentações, defendida por Liebig, e dos seus escombros resurgiram estas duas verdades basilares em bacteriologia. "A mataria organica não se decompõe espontaneamente; permanece inalteravel, coma a materia mineral, emquanto