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186-D DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Não sei qual ha de ser a rasão por que, quer conservadores, quer catholicos, se hão de insurgir contra a philosophia de Augusto Comte. Elle teve apenas em vista dar ao naturalismo uma fórma scientifica, e foi tão pouco demolidor e irreverente, que na sua sociologia affirma que o perigo possivel para as modernas sociedades está, não no despotismo, mas sim na anarchia. Um catholico ou um conservador não teria dito melhor.

Eu respeito Leibnitz, admiro Hegel, o reformador da philosophia do seu tempo e curvo-me diante de Kant, o patriarcha da mctaphysica. Digo, porém, que se elle na critica da rasão pura, que é falsa como doutrina, é metaphysico; na critica da rasão pratica que é absolutamente verdadeira, é, sem o querer, positivista. (Apoiados.)

Não ha, portanto, motivo para s. exa. querer tão mal a Comte, que nunca atacou a religião.

Pasteur, nos seus processos não foi positivista, diz s. exa.; pois eu affirmo que não foi outra cousa. Nem hoje a sciencia caminha senão pelo methodo positivo. É a experiencia e a observação, que servem de base, que são por assim dizer o conductor unico, o fio de Ariadne, no labyrintho da sciencia, para todos os espirites, que a ella se dedicam.

S. exa. fundamenta a sua opinião no facto de Pasteur ter sido apontado como um crente, pelo grande escriptor e critico Renan, que é a consubstanciação mais surprehendente da vivacidade do espirito da raça franceza com a melancholia da raça simitica, e as opulentas fórmas do seu estylo oriental. Mas, negou Renan a Pasteur os fóros de positivista em sciencia?

Posto isto, direi que se um dia voltar a París, não será ao instituto Pasteur, que eu dirigirei os meus passos. Não será a essa molle enorme, á sombra da qual elle dorme o eterno somno e que a gratidão de todo o mundo levantou em honra da sciencia do Mestre, que eu irei levar os meus votos. Dirigir-me-hei á rua de Ulm a esse laboratorio modestissimo, a esse baptisterio de onde irradiou essa luz nova, que veiu allumiar o edificio da medicina desde os seus mais obscuros recantos até ás suas cupulas mais elevadas.

Pasteur, qual outro Pedro, o Eremita, lançou a palavra evangelica da nova cruzada, a qual foi religiosamente escutada por Koch, Roux, Babes, Lister, Brizororo, Duclaux, Kitazato, Metechnikoft, Behring, Pestana e tantos outros discipulos queridos que levaram essa palavra para a Inglaterra, para a Allemanha, para a Russia, para a Italia, para Portugal, para a America, para o Japão, para todo o mundo.

A doutrina de Pasteur não perecerá, permanecerá intacta, em quanto houver um coração, que se compadeça pelos que soffrem, emquanto houver um cerebro que pense, emquanto houver um espirito, que cultive a sciencia. (Apoiados.)

Li ha poucos dias num jornal que o departamento de Dole (Jura), onde elle nasceu, pretendia com o auxilio official do governo francez, levantar-lhe uma estatua. Pasteur não precisa de estatuas. O grande cirurgião francez Nélaton disse que se devia erigir uma estatua de oiro, áquelle que descobrisse o remedio para curar a infecção purulenta.

Em minha opinião nem este metal, causa de tantos crimes, alvo de tantas ambições humanas, é bastante nobre para modelar a estatua de Pasteur.

Não precisa de uma estatua, quem liga á posteridade obra tão grandiosa, que em magnitude corre á compita com as maiores maravilhas do mundo, desafiando os seculos e com a qual, para em tudo ser extraordinario, se dá o facto paradoxal de se ir avolumando e crescendo á medida, que se for restringindo e apoucando o seu alicerce, a medicina. A hygiene e á medicina, com o progredir da bacteriologia, se poderia applicar a bella phrase de Victor Hugo, ceei tuera cela.

Esta obra é cosmopolita, pertence a todo o mundo, o monumento, que a celebrar deve ter como pedestal todos os corações, todas as almas, todos os espiritos que amam a sciencia e se interessam pela humanidade, e a coroal-o como estrella a crystallisação de todas as lagrimas que Pasteur soube estancar e de todas as dores a que deu linitivo. Só esta seria a estatua digna de Louis Pasteur.

Á similhança do que usou a Grecia, chamando de Pericles ao seculo aureo da sua litteratura, por analogia com que praticou Roma, denominando de Augusto o periodo florescente dos seus maiores poetas, por imitação com o que fez a França appellidando de Voltaire o seculo XVIII, que consagrou os direitos do homem, querem uns, sr. presidente, que ao actual seculo se dê o nome de Pasteur, que concretisa a mais alta expressão da sciencia, querem outros baptisal-o de seculo de Victor Hugo, que symbolisa o supremo ideal da Esthetica, e opinam ainda alguns que deve ser cognominado de seculo da França.

Esto seculo é por demais complexo, e a historia, ao registar-lhe as suas descobertas, o seu trabalho social, as suas especulações philosophicas, as suas luctas, os seus receios, as suas esperanças, não póde synthetisal-o em nome de um homem, nem mesmo de uma nação, embora esta seja a França. (Apoiados.)

Não quero tomar mais tempo á camara; em demasia me tenha alongado, do que peço me relevem, pois que o assumpto é tão vasto, que por muito que me resumisse, não podia ser menos prolixo.

Para finalisar direi, que em frente do germanismo-moda, que hoje tudo pretende avassallar; que em frente da influencia germanica, que n'uma corrente caudal parece querer afogar a civilisação latina, como outr'ora os barbaros do norte, seus ascendentes sob Atala afogaram a civilisação romana; ergue-se o prestigioso nome de Pasteur como dique insuperavel, como barreira invencivel a deter-lhe a invasora marcha.

Direi que esse nome ficará como marco milliario da historia, affirmando a pujança e vitalidade da nossa raça e a supremacia scientifica da França.

Direi que esse nome, collocado no extremo limite do seculo XIX constitue uma montanha tal de benemerencia e de luz, que os seus raios projectando-se através as idades, continuarão a espargir sobre estas a sua luminosa e abundante chuva de beneficios por fórma a para sempre prenderem a gratidão dos sabios, pelos novos horisontes patenteados á sciencia; a das mães pela doce alegria de verem os filhos arrancados ao monstro da diphtheria; a dos homens pelos soffrimentos e pelos desesperos que Pasteur lhes poupou.

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)