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Vozes: — É verdade.

O sr. Camara Leme: — Peço a palavra.

O Orador: — São individuos que entraram como lentes para as escolas, foram subindo os postos e graduações, e estão hoje despachados officiaes generaes sem fazerem serviço no exercito. Será isto justo? Diga se a esses generaes que commandem um corpo, uma brigada ou uma divisão! Aqui tem um dos grandes males que a reforma quiz remediar.

Acho ainda optima outra disposição, e vem a ser: quando estão officiaes na disponibilidade não possa admittir-se ao serviço nenhum official de fóra emquanto houverem d'esses officiaes, e que nenhum official passe a disponibilidade sem que na ordem do exercito se diga a rasão por que passou. Isto parece que não é nada, mas é muito (apoiados.) A camara sabe que houve tempo em que passavam á disponibilidade seis ou sete officiaes, para entrar um a quem se queria favorecer, e que preteria todos os outros; se estas disposições da reforma não são boas, não sei o que o seja. Repito, a reforma terá disposições que não possam ser aproveitaveis, mas outras tem ella que de certo o são (apoiados), e o mesmo sr. Camara Leme acabou de dizer que = ella tem disposições magnificas, e outras más =; estou perfeitamente de accordo com s. ex.ª Eu digo o que disse o sr. visconde de Sá que = entendia que havia disposições que precisavam ser emendadas =; d'aqui a dizer-se que a reforma foi completamente reprovada, vae uma grande differença.

(Interrupção.)

Eu tambem não respondo ao nobre deputado, respondo ao sr. Ferreri.

Agora vamos a outra parte.

O illustre deputado fez ver á camara que eu estava obrigado a sustentar a reforma e a rejeitar a proposta do actual sr. ministro da guerra.

Uma voz: — Está claro.

O Orador: — Está claro, clarissimo, mas eu vou mostrar que não tenho tal obrigação.

Entrou um novo ministro da guerra que não entendia que a reforma era pessima, mas que julgava mais conveniente que ella devia ir se fazendo parcialmente (apoiados), conforme as conveniencias, e que não devia fazer-se por uma só vez, porque isso trazia graves inconvenientes. Esta é que é a questão, não se esteja a querer confundir tudo.

(Interrupção.)

É uma opinião como qualquer outra; o illustre deputado entende que a reforma do exercito não se póde fazer a retalhos; o sr. ministro da guerra actual entende que a retalhos é que se deve fazer.

(Interrupção.)

Não duvido nada d'isso. Quando se fez uma casa debaixo de certo risco, vae-se fazendo primeiro uma parte, depois outra, até que a final se acha feita. Regularmente isso não quer dizer nada, é uma cousa ligada completamente; estamos vendo isto todos os dias na instrucção publica, na divisão territorial; e o que vejo é que todos clamam pelas reformas geraes, mas essas nunca se fazem, e se se fazem têem logo opposição que as faz retrogradar (apoiados). Por isso estamos constantemente a legislar ao retalho, e se se não faz alguma cousa ao retalho, não se faz nada (apoiados).

Se nós esperassemos pela divisão territorial feita por uma só vez, existiriam ainda hoje grandes inconvenientes que se têem remediado por differentes projectos especiaes da camara (apoiados). Este systema é como qualquer outro; o illustre deputado entende que a reforma do exercito se póde fazer por uma só vez, e o sr. ministro da guerra, que eu acho competentissimo... (Interrupção.) e o illustre deputado acabou de fazer o competente elogio, porque disse que = s. ex.ª era homem d'estado, que era patriota =, e agora já não será competente para fazer a reforma segundo este systema? O sr. ministro da guerra, dizia eu, entende que se consegue melhor o fim, fazendo a reforma a retalho; eu, que confio mais n'elle do que no illustre deputado, tenho rasão para esperar d'elle o que promette, e portanto de chegar ao mesmo fim por meios differentes; e n'isto não faço injuria ao illustre deputado, porque tenho grande consideração pelos seus conhecimentos, que reconheço.

O illustre deputado, que eu respeito, censurou o sr. ministro da guerra por mandar expedir uma circular que tem, segundo diz, por fim suspender a execução do decreto de 21 de dezembro; essas são as suas idéas...

O sr. Camara Leme: — Mas é com um projecto de lei.

O Orador: — Será essa a fórma mais legal; n'essa parte o sr. ministro da guerra responderá como entender; mas havendo idéa de suspender essa reforma, e para não ir por diante aquillo que se ia fazendo nos corpos do exercito, porque depois haveria embaraços muito maiores voltando se ao estado antigo (apoiados), e ficando em vigor o decreto de 20 de dezembro de 1849, é o que me parece que levaria o sr. ministro da guerra a mandar expedir essa circular. Mas, repito, s. ex.ª dará rasão do seu procedimento quando estiver presente.

Eu bem sei que uma lei não póde ser revogada senão por outra lei, mas ás vezes póde haver motivos tão poderosos...

(Interrupção.)

O Orador: — O sr. ministro da guerra está ausente, mas elle responderá pelo seu acto, e talvez que hajam motivos que o possam desculpar. O que eu vejo é que o sr. Camara Leme foi o primeiro a reconhecer a necessidade de se suspender a execução do decreto da reorganisação do exercito. Termino aqui as minhas reflexões, e repito que o que disse hontem foi que — a reforma não foi reprovada pela camara, que tem disposições boas, que o actual sr. ministro da guerra poderá aproveitar seja qual for o systema que adoptar para a mesma reforma. O modo para mim é indifferente, comtanto que se aproveite o que é bom e que se rejeite o que o não for, e portanto parece-me que sem contradicção poderei seguir o actual sr. ministro da guerra n'esta questão.

O sr. Castro Ferreri: — Tarde me chegou a palavra. Já o meu nobre amigo, o sr. Quaresma, tomou a palavra segunda vez sobre este assumpto, ficando eu portanto n'uma falsa posição, porque julgariam ou que estava inteiramente convencido do que se disse hontem, ou que não tinha argumentos bastantes para rebater a censura que directamente se me dirigiu.

Declaro que sou um pouco mais forte na recalcitração do que na iniciativa, o que é filho do meu genio, e, para assim dizer, da minha propria organisação, e assim desejaria ter respondido immediatamente á arguição.

O assumpto já está, a meu ver, um pouco resfriado, porque passaram já vinte e quatro horas, comtudo passarei a responder primeiramente ao meu nobre amigo, o sr. Quaresma, a quem estimo e respeito, e depois ao sr. Sá Nogueira.

Parece-me que hontem fui mal comprehendido, e não admira, porque a minha expressão é fraca, a phrase é pouco correcta, e a dicção tambem não é boa, portanto é facil tomarem-se umas palavras por outras.

Passo pois a rectificar os factos para mostrar a sem rasão e a precipitação dos dois illustres membros da maioria. N'isto não quero fazer censura á maioria, porque ella é preponderante, e basta a palavra maioria para que a minoria lhe não possa irrogar censura com vantagem; mas o que digo é — que foram um pouco precipitados em tomarem a palavra para me censurarem com acrimonia.

Eu fallei accidentalmente da celebre organisação do exercito. Não tinha mesmo idéa alguma de entrar n'esta questão, porque não era occasião opportuna. Essa questão ha de tratar-se ainda na camara (espero-o eu) mais largamente, e com a maior amplitude; e então todos os srs. deputados têem direito de expender as suas opiniões franca e lealmente.

Foi, repito, de passagem que fallei n'este assumpto, quando, referindo-me ás medidas rasgadamente progressistas do governo, á suppressão dos monopolios e extincção da pena de morte, eu exclamei: «Oxalá que os ministros auctores d'aquella proposta sejam mais felizes do que foi o nobre visconde de Sá, que tendo estudado a organisação do exercito por espaço de tres annos, apenas a publicou foi n'esta casa estigmatizada». E servi-me das seguintes expressões: «O nobre visconde foi processado summariamente, e sem ser ouvido». Não defenderia eu por este enunciado o sr. Ex-Ministro da guerra? Ninguem o negará; porém o illustre deputado entendeu erradamente que eu tinha feito uma injustiça aquelle cavalheiro. Por essa mesma occasião acrescentei — que o sr. Ex-Ministro da guerra não devia estranhar que fosse julgado sem ser ouvida a sua defeza, porque em negocios militares de interesse individual elle os indeferia sem ouvir os interessados, como havia acontecido com um negocio meu, o qual havia sido resolvido por um decreto de annullação sem eu ser ouvido. Não venham os illustres deputados dizer = isso são interesses particulares =. Eu quero saber que melindre póde haver em um deputado ou um outro qualquer individuo, quando se julgue offendido na sua justiça, o defender-se a si proprio. Pois é melindre fallar em cousas que lhe dizem respeito quando ellas são justas e legaes? Se assim fóra, o deputado podia ser atacado nos seus direitos, na sua propriedade e na sua justiça, e ficaria impossibilitado de a reivindicar, porque o seu melindre lh'o inhibia. Isto não é uma questão que eu quizesse agora trazer ao parlamento. Fallei n'ella por acaso; mas deve entender se, que quando a questão é de interesses justos, e não é de patronato, de protecção, pedido, favor ou beneficio, ha direito, e mesmo direito de fallar n'ella n'esta casa, porque se um ministro da corôa faz uma injustiça grave a um membro do parlamento que póde aqui censura-lo e accusa-lo, que não fará a outro individuo que não póde erguer a sua voz n'este augusto recinto para proferir ou expor as suas queixas?

Mas vamos á questão. Eu não censurei o sr. Ex-Ministro da guerra, e se as minhas palavras significavam censura eram sem duvida applicadas ao proceder da maioria. A maioria entendo que não teve idéa de desconsiderar o sr. Ex-Ministro da guerra. Ha uma logica parlamentar muito commoda que eu vejo aqui pôr em pratica, e com a qual me não conformo. Pratica-se um acto em referencia a um ou a dois membros do governo, acto que os força a abandonar as cadeiras, e depois diz-se = as intenções da maioria eram outras, e eram boas, etc. = Eu não comprehendo as intenções, essas são occultas, observo os factos, elles fallam por si e não carecem de commentarios. Um homem assassina outro, diz-se = a intenção era boa, o facto em si não quer dizer cousa alguma =, se o assassino foi para o livrar de uma vida cheia de miserias, uma vida que o flagelava, que o atormentava a cada instante, porque a desgraça era o seu apanagio.

Foi um beneficio que lhe fez o assassino; elle não tinha coragem para o tomar pelas suas proprias mãos. Eis-ahi uma boa intenção que todos devemos louvar!!! O facto foi que o sr. Ex-Ministro da guerra fez uma organisação, publicou-a. Ella não era perfeita, porque era obra de homens, mas que é o que saíndo imperfeito das mãos de um homem não póde ser corrigido, melhorado e mesmo transformado? O nobre visconde de Sá apresentou a organisação do exercito, e disse: «Tem muitas cousas boas e outras que muitos não gostam, como acontece a todas as obras feitas pelos homens, que não têem nem podem ter o cunho de perfeitas, o qual só pertence á Divindade, e é a pratica e a experiencia que as modifica e as prepara».

A maioria, sobresaltada não sei porquê, disse: «A organisação não agradou, e então suspenda-se». O sr. Ministro da guerra tinha declarado aqui, docil como eu desejaria que fosse lá fóra, que = aceitava quaesquer alterações e modificações que se fizessem na organisação =, e então um sr. deputado d'este lado propoz a suspensão da mesma organisação. Depois da declaração do nobre visconde de Sá, o proceder do illustre deputado era muito regular, mas o sr. visconde de Sá saíu do ministerio, não sei porquê, nem quero saber, e o novo ministro apresentou uma proposta de lei concebida n'estes termos: «Fica annullado e de nenhum effeito o decreto que organisou o exercito em virtude da auctorisação concedida ao governo». Que quer isto dizer? Que se poz fóra do combate a analyse da organisação do exercito. Que resta? Nada (apoiados). E a proposta do actual sr. ministro da guerra é concebida em termos taes, que parece que a organisação do exercito foi uma cousa para que o governo não estava auctorisado — uma cousa illegal. Podia usar da expressão é derogado o decreto que organisou o exercito; mas emprega esta é annullado e fica sem effeito; de maneira que poderei pecar a este respeito, e peço a absolvição dos juristas, que estou cercado d'elles, mas parece que a phrase que se emprega na proposta do actual sr. ministro da guerra inculca que a organisação do exercito foi uma cousa illegal. Depois d'isto diga-me o nobre deputado, o sr. Quaresma, póde-se porventura discutir a organisação do exercito? Não póde ser, essa organisação está inteiramente fóra do combate.

O sr. presidente do conselho disse que = o ministerio não era solidario na organisação do exercito, mas que o era na proposta para a annullação d'essa organisação. N'esse caso o nobre deputado ou ha de combater essa proposta, e então está de cá (riso), ou ha de approva-la e rejeitar sem discussão a organisação. Como póde o illustre deputado discutir uma organisação do exercito que o sr. ministro da guerra entende que deve ser annullada para todos os effeitos, acrescentando s. ex.ª mais, que = as reformas necessarias hão de ser feitas a retalho pausada e reflectidamente? = Já se vê que o illustre deputado lá fóra póde entrar na apreciação da organisação do exercito, mas aqui não póde, nem ella vem á discussão, nem a commissão de guerra trata de similhante organisação, nem apresenta parecer algum sobre ella, porque a camara a poz de parte.

Quaes sejam as intenções da camara, não sei eu, nem n'ellas quero entrar, mas o facto é este. Em consequencia da organisação do exercito saíu do ministerio o sr. ministro da guerra, e o sr. ministro do reino, arrastado pelo sr. ministro da guerra, tambem saíu, porque as guardas municipaes foram mettidas na organisação. Era uma cousa insignificante, mas não obstante o sr. ministro do reino tambem saíu do ministerio. E depois d'isto, como se a saída d'aquelles cavalheiros do ministerio fosse fingida, diz o illustre deputado: «Não ha nada, a camara ainda não decidiu se a organisação era boa ou má, ella ha de examina-la e julga-la».

Tambem eu podia discutir em detalhe a organisação, tambem podia dizer o que n'ella havia de bom e de mau. O que digo ao illustre deputado é — que a organisação podia alterar-se, modificar-se e tornar-se boa. Não ha cousa alguma imperfeita no mundo que não possa corrigir-se. Pois se nós estamos procurando substituir a pena de morte pelo systema penitenciario de correcção, para entes pervertidos, e não podiamos corrigir e aperfeiçoar uma organisação do exercito apenas posta no papel, e susceptivel de todas as transformações? Perdoe-me o illustre deputado, foi uma precipitação da maioria, não foi outra cousa. A organisação tinha cousas boas e más, e era susceptivel de ser corrigida de fórma a fazer desapparecer todas as queixas, que fossem bem fundadas.

O illustre deputado, o sr. Sá Nogueira, veiu aqui com grande calor fazer um grande alarido em defeza do sr. visconde de Sá, como se alguem atacasse o seu irmão. Todos fazem justiça ao illustre cavalheiro que acabou de gerir a pasta da guerra, e eu sou o primeiro a testemunhar-lhe o meu respeito. Servi debaixo das suas ordens, nas campanhas essencialmente da liberdade e da restauração do paiz. Não servi debaixo das suas ordens nas campanhas que têem tido logar em favor d'este ou d'aquelle partido; d'esta ou d'aquella fracção politica; nestes partidinhos que se guerreavam porque um era progressista do primeiro grau, outro do terceiro, outro da sexta potencia (riso). Servi quando se tratava da restauração da liberdade e das instituições que nos regem. Não é n'estas campanhas em que tambem andei e que não significavam cousa alguma, porque não eram mais que liberaes contra liberaes a disputarem os quilates do liberalismo. Se o nobre deputado reflectir um pouco ha de fazer-me justiça, o ver que eu até senti que elle fosse julgado d'esta maneira.

Disse o illustre deputado que = ha muitos officiaes a quem desagradou a reforma, porque só serve para receberem postos e estão na secretaria para não fazer serviço algum =. Não sei até que ponto isto é exacto, mas o que sei é que se não houvesse secretarias não havia empregados publicos, se o serviço das secretarias não é importante então o nosso funccionalismo não vale nada, os tribunaes de justiça, de contas, secretarias d'estado, etc. tudo deve vir para a rua trabalhar, e até os proprios ministros não devem ter gabinetes, devem vir despachar para o meio da rua. Emfim não entro n'esta pequenissima questão, nem na analyse de quem são os officiaes que devem estar ou não nas secretarias; mas o que digo é que ha uma organisação, e que o pensamento d'essa organisação se não póde agora condemnar por conjecturas, receios ou asserções precipitadas. E necessario medita-la em todas as suas relações, em todas as suas phases; examinar se ella satisfaz a todas as condições de um exercito bem organisado; que satisfaça aos seus fins e em relação á nossa posição geographica; e medite-a quem quizer e souber.