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SESSÃO DE 4 DE ABRIL DE 1871

Presidencia do ex.mo sr. Antonio Cabral de Sá Nogueira

Secretarios — os srs.

Adriano de Abreu Cardoso Machado

Antonio Augusto de Sousa Azevedo Villaça

Summario

Apresentação de requerimentos e representações — Approvação de uma proposta para que a commissão de regimento codifique todas as disposições regimentaes e as harmonise entre si. — Ordem do dia: Approvação, sem discussão, de um projecto de lei, que auctorisa o governo a ceder à camara municipal de Lisboa o terreno do antigo forte de S. Paulo, cedendo a camara ao governo parte do antigo boqueirão do largo do Corpo Santo.

Chamada — 42 srs. deputados.

Presentes à abertura da sessão os srs.: Adriano Machado, Agostinho de Ornellas, Osorio de Vasconcellos, Soares de Moraes, Villaça, Sá Nogueira, Antunes Guerreiro, Freire Falcão, Pedroso dos Santos, Sousa de Menezes, A. Rodrigues Sampaio, Antonio Telles de Vasconcellos, Barão do Rio Zezere, Bernardino Pinheiro, Ferreira de Andrade, Pereira Brandão, Francisco Mendes, Francisco Coelho do Amaral, Caldas Aulete, Van-Zeller, G Quintino de Macedo, Santos e Silva, Candido de Moraes, Barros e Cunha, Mendonça Cortez, Alves Matheus, Nogueira Soares, Faria Guimarães, Gusmão, J. A. Maia, Bandeira Coelho, Mello e Faro, Almeida Queiroz, Mexia Salema, José Tiberio, Julio do Carvalhal, Julio Rainha, Luiz Pimentel, Affonseca, Paes Villas Boas, Thomás Lisboa, Mariano de Carvalho, D. Miguel Pereira Coutinho, Pedro Franco.

Entraram durante a sessão — os srs.: Pereira de Miranda, Antonio Augusto, Veiga Barreira, A. J. Teixeira, Barjona de Freitas, Eça e Costa, Barão do Salgueiro, Conde de Villa Real, Francisco de Albuquerque, Francisco Beirão, Francisco Pereira do Lago, F. M. da Cunha, Barros Gomes, Silveira da Mota, Freitas e Oliveira, Jayme Moniz, Zuzarte, Dias Ferreira, Elias Garcia, Mello Gouveia, Nogueira, Camara Leme, Pedro Roberto, Visconde de Moreira de Rey, Visconde dos Olivaes, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram — os srs.: Alberto Carlos, Anselmo José Braamcamp, A. M. Barreiros Arrobas, Pequito, Santos Viegas, Antonio de Vasconcellos, Cau da Costa, Falcão da Fonseca, Augusto de Faria, Saraiva de Carvalho, Pinheiro Borges, Eduardo Tavares, Costa e Silva, Pinto Bessa, Palma, Mártens Ferrão, Ulrich, J. J. de Alcantara, Augusto da Silva, Pinto de Magalhães, Lobo d'Avila, Figueiredo de Faria, Rodrigues de Freitas, José Luciano, Latino Coelho, Moraes Rego, Rodrigues de Carvalho, J. M. dos Santos, Mendes Leal, Teixeira de Queiroz, Lopo de Sampaio e Mello, Luiz de Campos, Marques Pires, Sebastião Calheiros, Visconde de Montariol, Visconde de Valmór.

Abertura — À uma hora e tres quartos da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Officios

1.° Do ministerio da marinha e ultramar, remettendo copias dos decretos de 10, 18 e 25 de janeiro do corrente anno contendo providencias legislativas para as provincias ultramarinas.

Para a secretaria.

2.° Do mesmo ministerio, participando, em satisfação ao requerimento do sr. Pinheiro Borges, que é no ministerio das obras publicas que existem os documentos relativos à vistoria que se fez ás obras executadas no rio de Oeiras, pelo proprietario da fabrica de lanificios do Arieiro, e remettendo a informação dada sobre este assumpto pelo capitão do porto de Lisboa.

Para a secretaria.

3.º Do mesmo ministerio, remettendo os documentos relativos ao requerimento de Joaquim Antonio Pontes d'Athaide e Azevedo, major reformado da provincia de Angola.

Para a secretaria.

4.º Do mesmo ministerio, remettendo os documentos relativos a um requerimento de Diniz de Castro, director interino que foi da alfandega de S. Thomé.

Para a secretaria.

Representações

Àcerca da proposta de lei do governo sobre contribuição industrial

1.ª Dos amanuenses dos cartorios de tabelliães de Lisboa.

2.ª Dos quinquilheiros, da mesma cidade.

3.ª Dos fabricantes de carruagens, idem.

4.ª Dos arameiros, idem.

5.ª Dos donos de casas de pasto, idem.

6.ª Dos bahuleiros, idem.

7.ª Dos carpinteiros de obra miuda, idem.

8.ª Dos logistas e fabricantes de moveis, idem.

9.ª Dos musicos de profissão, idem.

10.ª Da associação promotora de industria fabril, idem.

11.ª Dos mercadores de ferro em barra, idem.

12.ª Dos donos de estabelecimentos lithographicos, idem.

13.ª Dos padeiros, idem.

14.ª Dos fabricantes de chocolate, idem.

15.ª Dos algibebes, idem.

16.ª Dos donos de casas de modas, idem.

17.ª Dos donos de estabelecimentos de guarda de animaes, idem.

18.ª Dos vendedores de crystaes, idem.

19.ª Dos vidraceiros e oculistas, idem.

20.ª Dos fabricantes de sabão, idem.

21.ª Dos vendedores de rama de pinho, lenha, mato e carqueja, idem.

22.ª Dos aferidores e serralheiro com exercicio na repartição de aferição de pesos e medidas da camara municipal, idem.

23.ª Dos donos de estancias de madeiras, idem.

24.ª Dos proprietarios do concelho de Cascaes.

25.ª Dos mercieiros, do mesmo concelho.

26.ª Dos padeiros, idem.

27.ª Dos vendedores de vinho por miudo, idem.

28.ª Dos solicitadores, do Porto.

29.ª Dos fabricantes de vélas de cebo, da mesma cidade.

30.ª Dos vendedores de vinho a retalho, idem.

31.ª Dos alfaiates de medida, idem.

32.ª Dos encadernadores, idem.

33.ª Dos padeiros, idem.

34.ª Dos algibebes, idem.

Àcerca de outros assumptos

1.ª Da camara municipal da villa de Amarante, pedindo a collocação de um corpo militar permanente em Penafiel.

2.ª Dos officiaes de diligencias do juizo de direito da comarca de Barcellos, pedindo que se lhes tornem extensivas as disposições da lei de 11 de setembro de 1861.

3.ª Dos officiaes de diligencias do juizo de direito de Mafra, no mesmo sentido.

4.ª Dos officiaes de diligencias do juizo de direito de Leiria, no mesmo sentido.

5.ª Dos aspirantes de 2.ª classe da repartição de fazenda do districto de Leiria, pedindo que os seus ordenados sejam equiparados aos dos amanuenses dos governos civis.

Foram todas enviadas ás commissões respectivas.

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Requerimentos

1.° Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, seja remettido, com urgencia, a esta camara um requerimento da camara municipal de Salvaterra de Magoa, solicitando a concessão definitiva de um edificio da fazenda nacional. Este requerimento foi remettido, em 3 de dezembro de 1870, pelo ministerio do reino ao da fazenda.

Sala das sessões, em 3 de abril de 1871. = Mariano Cyrillo de Carvalho.

2.º Requeiro que o sr. ministro da fazenda envie para esta camara:

I. A copia dos officios que o delegado do thesouro do districto de Lisboa dirigiu aos escrivães de fazenda do mesmo districto, ácerca da cobrança da contribuição predial dos annos de 1854 a 1869, e com especialidade aos dos concelhos da Lourinhã e Torres Vedras.

II. Uma nota da importancia total da contribuição predial, em divida, dos sobreditos annos, incluindo a que existe nos bairros da capital e concelho de Setubal.

Sala das sessões, em 3 de abril de 1871. = O deputado por Silves, João Gualberto de Barros e Cunha.

3.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, se mande extrahir na torre do tombo, e se remetta a esta camara copia authentica das doações da villa e castello de Chaves com seus terrenos, castello e fortaleza de Montalegre e terras de Barroso, feitas por El-Rei D. João I, ao condestavel D. Nuno Álvares Pereira.

Requeiro a urgencia.

Sala das sessões, em 3 de abril de 1871. = Antonio José Antunes Guerreiro Junior.

Foram remettidos ao governo.

SEGUNDAS LEITURAS

Projecto de lei

Senhores. — Os empregados da repartição de contabilidade da direcção dos caminhos de ferro do sul e sueste, annexa ao ministerio das obras publicas, tendo sido equiparados nos seus vencimentos, pela organisação de 10 de junho de 1869, aos empregados das direcções das obras publicas, ficaram igualmente sujeitos à deducção nos seus ordenados e ao pagamento dos respectivos emolumentos; sendo por consequencia considerados, pela legislação vigente e para aquelles effeitos, funccionarios publicos e empregados do estado.

É porém certo que, definindo o decreto com força de lei de 18 de agosto de 1870, a posição dos empregados technicos (?) d'aquella direcção dos caminhos de ferro, e acautelando o futuro d'estes funccionarios, a mesma lei é omissa a respeito d'estes empregados, que estando sujeitos a todos os onus que as leis em vigor estabelecem aos empregados do estado, não auferem as vantagens concedidas a todos estes funccionarios publicos, como por exemplo a faculdade de entrarem no monte pio official, e serem garantidos os seus empregos e accessos emquanto bem servirem a nação.

Como sabeis, senhores, estes empregados pertencem a uma repartição do estado, e uma vez que até hoje têem sido considerados funccionarios do estado para se lhes exigir emolumentos pelos seus empregos e deducções nos seus ordenados, é bem e de justiça, que tambem o sejam para se lhes conceder as prerogativas e vantagens que a mesma legislação confere aos empregados do estado, definindo-se-lhes a sua posição.

Não desejando cansar mais a vossa attenção, adduzindo outras rasões que seria facil produzir, julgando necessario que se providencie sobre o assumpto em questão, e usando da iniciativa que a qualidade de deputado me confere, tenho a honra de propor à vossa approvação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° São extensivas aos empregados da repartição de contabilidade da direcção dos caminhos de ferro do sul e sueste, as disposições do artigo 8.° do decreto com força de lei de 18 de agosto de 1870.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos deputados, 28 de março de 1871. = O deputado pelo circulo de Extremoz, Augusto Cesar Falcão da Fonseca.

Foi admittido, e enviado à commissão respectiva.

Renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.º 34-C apresentado á camara na sessão de 10 de julho de 1869 pelo ex.mo sr. marquez de Sá da Bandeira.

Sala das sessões, 3 de abril de 1871. = O deputado, Candido de Moraes.

Foi admittida e enviada à commissão respectiva.

O sr. Santos e Silva: — Tenho a honra de mandar para a mesa uma representação das parteiras d'esta capital, reclamando contra a taxa da contribuição industrial que lhes foi lançada na proposta de lei do governo.

Peço a v. ex.ª que tenha a bondade de dar a esta representação o competente destino.

O sr. Gusmão: — Mando para a mesa uma representação dos empregados do governo civil do districto de Beja, reclamando contra algumas disposições da proposta de lei de reforma administrativa.

Como membro da commissão que está encarregada de examinar este negocio, hei de ter occasião de expor no seio d'ella a minha opinião a este respeito; porém limito-me agora a mandar a representação para a mesa.

O sr. Barros e Cunha: — Mando para a mesa dois requerimentos que são os seguintes (leu).

Nenhum d'estes requerimentos tem nada que se refira à nota de interpellação que annunciei ao sr. ministro da fazenda, ácerca da retenção do pagamento das quotas a alguns dos escrivães de fazenda d'este districto; os esclarecimentos que peço são talvez para que se tome providencia que tenha por fim auxiliar as intenções em que o governo está de não permittir que se concedam moratorias aos devedores do estado, porque isso é muito gravoso para aquelles que pagam as suas contribuições à bôca do cofre (apoiados) e essas moratorias têem feito com que tenham deixado de entrar nos cofres do thesouro milhares de contos de réis, os quaes têem sido representados nas contas do thesouro por divida fluctuante a juros compostos, o que tem trazido a este paiz um encargo de que estaria livre se houvesse maior pontualidade no pagamento das contribuições.

Mas é necessario saber que as moratorias não são concedidas pelos escrivães de fazenda, mas sim pelos delegados do thesouro, pelo governo, e pelos administradores de concelho, que são instrumentos do mesmo governo na occasião das eleições, para illudir a boa fé dos contribuintes; e todos concedem moratorias, excepto os escrivães de fazenda dos quaes o interesse é cobrarem sempre o mais que possam.

Os escrivães não são os juizes dos processos, os juizes são os administradores, e é preciso ter muito em vista a tendencia que ha no povo para queimar os papeis sobre contribuições, e sobretudo para queimarem os escrivães de fazenda; por consequencia, não devemos collocar aquelles empregados, por medidas arbitrarias, nas circumstancias de irem fazer execuções com que o estado não lucra cousa alguma, e que só tem por fim irritar e arruinar os particulares.

A divida dos concelhos ruraes tem muitas causas que a desculpam. Nem sempre se harmonisa a abertura dos cofres com a epocha das colheitas, que não é a mesma em toda a parte, e isso difficulta aos contribuintes o pagamento das suas collectas, e é preciso attender à especialidade das industrias e reconhecer que muitas vezes o contribuinte não paga por absoluta impossibilidade; por exemplo: no Barreiro, aonde a maior cultura é de batatas, como todos sabem, este genero está sujeito a molestia que destroe muitas vezes aquelle artigo completamente; a cebola que é hoje outro artigo de exportação importante, que se tem elevado de 40:000 a 60:000 libras, tambem está sujeita a outra molestia que muitas vezes a destroe de um dia para outro;

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por consequencia não vejo motivo para que os escrivães de fazenda, pelo prazer de arruinar os pequenos contribuintes, venham juntar se ás epidemias para pôr a ultima demão na ruina da fortuna dos homens que não têem senão o seu trabalho; isto não quer dizer que os grandes caloteiros não sejam obrigados a pagar, para esses ha porém a acção dos escrivães de fazenda, é sufficiente (apoiados). Esses têem outra protecção! For consequencia precisam de ter muito juizo. Estamos n'uma situação na qual de todos os lados nos advertem, e ao mesmo tempo é para ser aproveitada, tomando todas estas advertencias que nos vem de fóra para nos precavermos, por actos de muito juizo e muita prudencia, para casos futuros. Mostremos bem claro que não ha antagonismo entre o estado e o contribuinte, e que o estado não é outra cousa senão toda a nação portugueza, não é, como dizia um rei absoluto, l'état c'est moi. Hoje o estado somos nós, não sou eu.

É necessario que todos contribuamos para isto, e por consequencia que o arbitrio deixe de ser a norma por onde este paiz se rege, é necessario que se trate primeiramente de executar e cumprir as leis. Não ha motivo algum para que um delegado do thesouro (e de certo não espero que o sr. ministro da fazenda torne sobre sua responsabilidade taes actos despoticos), diga aos escrivães do seu districto: os senhores, emquanto não cobraram todas as contribuições desde 1854 até hoje, estão suspensos, não recebem vencimento, nem mesmo a quota das contribuições que já cobraram, e das quaes eu, delegada do thesouro, já recebi a parte que me foi arbitrada por lei. É o fructo do seu trabalho, mas não importa! Os senhores assolem o reino, se querem receber alguma cousa, aliás tomo eu tudo, quia nominor leo. Isto não se póde fazer (apoiados). Eu entendo que a camara dos deputados deve pronunciar-se energicamente, para que este procedimento se não torne a repetir (apoiados).

Quando os escrivães de fazenda faltarem ao seu dever, é necessario processa-los e puni-los, como se faz a todos os outros cidadãos. É por isso que peço estes esclarecimentos que devem ser presentes à camara.

Pois póde exigir-se dos escrivães de fazenda que arrecadem n'um mez as contribuições em divida de quinze annos?!

Supponha v. ex.ª embargos de terceiro concurso de preferencia e muitas outras cousas que podem influir para que os processos se demorem muitos mezes! De que vivem até lá os escrivães de fazenda?

Em alguns concelhos se deva ter em muita consideração o numero de inscripções das matrizes, e extensão e area dos concelhos, quando se quer tirar argumento da comparação da divida d'elles com os bairros da capital!

Não se póde dizer que na cobrança da capital, que é menor a divida do que nos concelhos, seja mais justificado o atrazo em que se acha, do que a dos outros concelhos, porque ha milhares de circumstancias a que se deve attender, na extensão da area, no numero de artigos inscriptos, na agglomeração dos contribuintes, na educação d'elles e na origem das contribuições.

Estas cousas não são agradaveis de tratar; o delegado do thesouro não as devia ter praticado, para não virem aqui perturbar-nos. Mas... se assim o querem!

Eu hei de insistir todos os dias com o sr. ministro da fazenda para saber se s. ex.ª já poz termo a estes abusos arbitrarios, ou se quer tomar a responsabilidade d'elles, porque n'esse caso hei de então provocar uma votação da camara (apoiados).

O sr. D. Miguel Coutinho: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Aviz, em que pede que da lei de 30 de julho de 1860 sejam eliminados os §§ 4.° e 5.°, e bem assim que se conceda aos municipios o privilegio para fazer a cobrança dos seus rendimentos.

Peço a v. ex.ª a bondade de lhe dar o destino competente.

O sr. Bernardino Pinheiro: — Pedi a palavra, porque desejava lembrar ao governo o requerimento que fiz para que, pelos ministerios da justiça e da fazenda, fossem remettidos a esta camara esclarecimentos sobre o valor dos bens das mitras, cabidos, collegiadas e conventos de freiras.

Na sessão em que o mandei para a mesa, pendia sobre esta sala o decreto de adiamento. A palavra — todos o sabiamos — ía-nos ser cortada de instante para instante; não julguei pois a occasião propria, para o fundamentar, e mesmo pareceu-me que o assumpto era tal que bastava a sua simples apresentação para se lhe reconhecer a importancia e a gravidade.

Mas, visto que já passaram muitas semanas sem que o governo tenha satisfeito o meu pedido, vejo me obrigado a renova-lo e a dizer algumas palavras sobre o assumpto.

O decreto de 5 de agosto de 1833 prohibiu, por modo claro e terminante, todas as admissões a ordens sacras e noviciados monasticos, e desde logo restituiu à liberdade e à vida social todos os individuos que se achavam em noviciado.

Este foi contra as ordens religiosas o primeiro golpe geral, e logo profundo e certeiro, da grande dictadura do Duque de Bragança.

Outro decreto de 9 do mesmo mez de agosto declarou extinctas todas as casas religiosas, de um e outro sexo, que tivessem menos de doze individuos professos; ordenou que os seus membros fossem reunidos aos dos conventos que devessem ficar existindo, e mandou que os bons dos mosteiros supprimidos fossem incorporados na fazenda nacional.

Mas aquella dictadura libertadora não parou, nem podia parar aqui; e por decreto de 30 de maio de 1834 extinguiu em Portugal todas as ordens religiosas do sexo masculino, e, com a unica excepção dos vasos sagrados e dos paramentos que mandou entregar aos bispos para serviço do culto, incorporou nos proprios nacionaes todos os bens usufruidos pelos conventos de frades.

Estas medidas satisfizeram então a uma necessidade grande e impreterivel.

Os frades, que primeiro tinham prestado serviços à civilisação, haviam ultimamente decaído de instrucção e moralidade, e abraçado-se, como seu unico sustentaculo, ao absolutismo ignaro e cruel.

Encontrava-se um ou outro frade illustrado e liberal, mas convento liberal não existia nenhum. Cada mosteiro era uma assembléa de conspiradores, e até um quartel militar contra a liberdade; para radicar e assegurar a liberdade foi indispensavel pois destruir aquelle vasto e numeroso acampamento inimigo. (Vozes: — Muito bem.)

Mas o decreto de 30 de maio de 1834, a par do fim politico e primario, tinha, devia ter um fim financeiro, secundario sim, mas importante. O fim politico realisou-se; o financeiro não.

Todos sabem que a enorme massa de bens, que a extincção dos frades entregou de golpe à fazenda nacional, não foi aproveitada, como devia ser, e em pouco melhorou o thesouro, arruinado com as despezas da guerra. Mas este grande erro dos governos de então deve até certo ponto desculpar-se, em vista da desordem, da confusão e da incerteza em que estavam todos os ramos do serviço publico e de actividade social. O paiz acabava de saír de uma longa e cruenta peleja civil, e estava em vesperas de uma serie de revoluções que o agitaram ainda por muitos annos.

Estes inconvenientes não existem hoje, felizmente, e aquellas grandes medidas, mal executadas em tempo tão revolto, devem ser continuadas e completadas agora, no meio da paz e da segurança em que vivemos; e se as circumstancias politicas nos não impellem, como em 1833 e 1834, as necessidades financeiras do estado, hoje mais urgentes e instantes, instigam-nos a levar por diante estas reformas.

O decreto de 30 de maio de 1834, extinguindo os frades, annullou as disposições dos decretos anteriores no que diziam respeito aos conventos do sexo masculino; mas os

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dois decretos citados de 1833 ficaram em vigor quanto aos conventos de freiras: — acham-se prohibidos os noviciados, — e devem considerar-se legalmente extinctos todos os conventos em que houver menos de doze religiosas.

A estes dois decretos cumpre que os governos dêem cabal cumprimento.

Foi n'este intuito que mandei para a mesa o meu requerimento, pedindo esclarecimentos ao governo sobre o valor dos bens das corporações religiosas, e do numero de freiras que habitam cada convento.

Não me parece que deva ser difficil trazer à camara estes esclarecimentos.

Não só com relação aos bens usufruidos pelos conventos, como em geral a todos aquelles de que a igreja gosa, se tem, mais ou menos, procedido a inventarios desde 1834.

A lei de 20 de julho de 1857 auctorisou o governo a despender até à quantia de 3:000$000 réis, com o inventario dos bens dos conventos de freiras e com o apuramento de esclarecimentos completos ácerca dos bens das mitras e cabidos.

Esta mesma lei obrigava o governo a dar conta ao parlamento do modo porque se gastasse aquella somma, e a dizer qual o estado dos inventarios. Por vezes se cumpriu esta obrigação, mas ha muito que foi esquecida, posto que a verba d'aquella despeza ainda não desappareceu dos orçamentos.

É certo que no Boletim do ministerio da justiça de 1861 a 1863 se publicou uma serie de mappas, aliás de grande interesse, com o resumo do inventario dos bens das mitras, cabidos e conventos. Mas a impressão d'estes trabalhos não chegou a concluir-se, e no decurso de oito annos, que já passaram depois da ultima publicação, o assumpto variou muito com relação, sobre tudo, aos bens usufruidos pelos conventos, porque os obitos das freiras foram tantos, que a maior parte das casas religiosas deixaram de ter o numero prescripto para a sua exstencia.

Possuo alguns dados sobre o assumpto, cuja veracidade não devo assegurar, mas que são importantes e dão uma idéa do estado da questão.

Consta-me que no reino e ilhas existem 102 conventos, que são habitados por quinhentas e sessenta e tantas freiras. D'estes 102 conventos mais de 90 têem menos de 12 religiosas. E mesmo se todas as senhoras professas que existem fossem reunidas em communidades regulares, contendo pouco mais do seu numero canonico, vagariam, devendo ser extinctos, nada menos que 50 a 70 conventos.

Ora, esta extincção, não só é ordenada pelos decretos que citei, mas tambem pelos canones, e até pela lei de 4 de abril de 1861, que é assignada pelo sr. Antonio José d'Avila, hoje marquez e presidente do conselho, — lei que não passa, n'este assumpto, de uma reacção, se a compararmos com a legislação, radicalmente liberal, da grande dictadura de D. Pedro IV.

Que cumprimento têem porém os governos dado a estas leis? Nenhum, quasi nenhum.

Desde a lei de 4 de abril de 1861 até hoje foi decretada a suppressão de quatorze conventos.

O sr. José Tiberio: — Foi decretada a suppressão de alguns em 1864.

O Orador: — N'esse anno decretou a suppressão de quatro conventos o sr. Gaspar Pereira da Silva, mas nem mesmo a extincção de doze se realisou durante os dez annos que já passaram desde 1861.

Custa a crer este profundo desleixo dos governos, mas é verdadeiro.

Não accuso por elle só os actuaes srs. ministros, mas todos os que no ultimo decennio têem gerido as pastas da justiça e da fazenda, porque todos são culpados. Não sou eu que faço esta accusação, mas a logica dos factos, que é implacavel (apoiados).

Tão deploravel desleixo causa não só um grande mal ao thesouro, mas tambem ás proprias religiosas, que, apparentemente, parece beneficiar (apoiados).

Quanto ao thesouro basta dizer que estes bens, n'uns inventarios, feitos por pessoas que não tinham desejo de lhes encarecer a importancia, foram avaliados em mais de réis 7.000:000$000. Estes 7.000:000$000 réis invertidos em inscripções renderiam para cima de 500:000$000 réis, e os bens dos conventos, no estado em que se acham, pouco mais rendem do que 200:000$000 réis.

Se as leis se cumprissem; se o governo tivesse reduzido os conventos que estão n'esse caso; se desamortisasse os seus bens; e subsidiasse, condignamente, as religiosas que restassem; o governo augmentaria os seus rendimentos em muitas dezenas de contos annuaes, e este augmento cresceria de anno para anno. No desleixo e illegalidade em que o governo está, é obrigado ainda a despender com as freiras, alem do rendimento dos conventos, alguns contos de réis em subsidios.

Este mal é grande, mas ha peior.

A proporção que n'um convento vae diminuindo o numero de freiras necessario para a administração dos seus bens, essa administração peiora, e torna se quasi n'uma delapidação completa.

Um facto recente prova esta verdade, e peço licença para o contar:

Quando o sr. Saraiva de Carvalho foi ministro da justiça, mandou tomar conta de um convento, situado, note se bem, dentro dos muros de Lisboa.

Pensava-se que o edificio era quasi sumptuoso e se achava em bom estado. A ultima freira havia morrido um ou dois annos antes; e uma irmandade, auctorisada não sei por que portaria, tinha-se apoderado do convento. Quando o illustre ministro da justiça foi visitar aquella casa para a appropriar a uma prisão correccional de mancebos, encontrou o edificio devastado, como se ali tivesse passado uma horda de selvagens: escadas de cantaria tinham sido arrancadas e vendidas, as salas achavam-se sem azulejos, e algumas sem sobrados, que eram de madeira do Bazil.

O sr. Mendonça Cortez: — É verdade, é verdade.

O Orador: — Dizia se que esta delapidação se praticára em tempo das ultimas religiosas. Em todo o caso o ministro ía mandar proceder a um inquerito, à formação de corpo de delicto, quando saíu do ministerio.

Ora, se isto succedeu a um convento, distante apenas alguns passos dos gabinetes dos ministros do reino e da justiça, e a menos passos ainda do Limoeiro, o que acontecerá aos conventos quasi sem freiras, perdidos nos confins mais afastados do reino?

Em cada dia que passa sem se cuidar d'estes bens, vão elles diminuindo de valor, o que é uma grande defraudação para o estado (apoiados).

Ha tambem um outro ponto a que é indispensavel que o governo preste attenção, porque é grave.

Sem fallarem em padroados particulares, porque foram completamente extinctos por decreto de 5 de agosto de 1833, mas com o titulo de suppostas doações e fundações, — que as leis de 1833 e 1834 não tinham reconhecido, mas que a lei de 4 de abril de 1861 imprudentemente resuscitou, — muitas casas antigas apropriaram-se e outras pretendem apropriar-se dos bens dos conventos de que a fazenda se demora a tomar posse.

Isto é gravissimo.

Pelos cargos que tenho exercido posso assegurar ao governo que é este um dos maiores meios de defraudação para os bens monasticos, e que toda a demora em providenciar sobre o caso trará grandes prejuizos ao thesouro.

Quanto ás freiras, posto que ha muitas que têem repugnancia de saír do seu convento e de verem n'elle a acção do governo; muitas ha tambem que a desejam ardentemente, porque se sentem defraudadas pelos seus administradores e procuradores, e até algumas vezes mesmo pelas proprias preladas.

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Para prova d'esta verdade apontarei outro facto.

Quando se tratou de recolher ao archivo nacional os cartorios dos conventos, o empregado da torre do tombo encarregado d'esta commissão foi rogado por algumas freiras para que pedisse ao governo que providenciasse sobre a administração do seu convento.

Encontrou, entre outros, um mosteiro que tendo de rendimento seis a sete contos de réis, era apenas habitado por cinco ou seis religiosas. Cada uma d'ellas, para todas as despezas, havia tempo, que não recebia mais de 100$000 réis por anno, quando lhe não devia competir menos de 700$000 réis annuaes. As pobres senhoras viviam em verdadeira miseria, emquanto a riqueza do convento era delapidada pelos administradores, pela prelada e escrivã da communidade (apoiados).

Devo, finalmente, notar que ao lado de conventos, ainda hoje opulentos, existem outros caídos em tal pobreza, que o subsidio do governo e a caridade dos fieis nem sempre bastam para libertar da fome as suas tristes habitadoras.

Estes factos provam exhuberantemente a gravidade do assumpto. Por elles já a camara vê, que os bens usufruidos pelos conventos nem aproveitam ás religiosas, nem aproveitam ao estado. Defraudados dia a dia, vão diminuindo de valor; e se, isto assim continua, o estado terá em breve perdido milhares de contos por mero desleixo e fraqueza dos governos. (Apoiados).

Os bens das collegiadas estão quasi no mesmo caso que os dos conventos; e o seu estravio vae sendo ainda mais rapido.

Os bens das mitras e dos cabidos, melhor administrados que os outros e mais assegurados para a nação, devem comtudo merecer tambem a attenção do governo, porque devem ser a base para uma dotação do alto clero, por cuja reforma insta a opinião publica, a justiça e o mau estado do thesouro.

A reducção de grande numero de dioceses, e uma dotação condigna e sem desigualdades injustas aos bispos e aos diversos membros dos cabidos, — é uma necessidade impreterivel e que — governo algum liberal póde, sem desaire, adiar por mais tempo. (Apoiados).

Mas para que eu chamo com mais instancia a attenção dos poderes publicos, é para o aproveitamento dos bens usufruidos pelos conventos e collegiadas.

O sr. Dias Ferreira apresentou a esta camara em 1868 um projecto de lei sobre o assumpto, que jaz esquecido no immenso limbo das commissões. O sr. Carlos Bento, porém, apesar de estar ha sete mezes gerindo os negocios da fazenda, nada tentou a este respeito que me conste. E eu não posso deixar de estranhar similhante, procedimento.

S. ex.ª para occorrer ás urgencias do thesouro, na sessão passada, foi obrigado a augmentar os direiros de generos quasi de primeira necessidade, como a manteiga, o assucar e outros; n'esta sessão viu se forçado a apresentar o seu projecto de lei sobre a contribuição industrial, que levanta irritado o espirito das populações, e vae procurar o imposto ao bolso indigente de classes cuja industria lhes não dá o sufficiente para a sua subsistencia. No entanto, s. ex.ª esquece esta massa enorme de bens, usufruidos por instituições legalmente extinctas, bens que se estão estraviando continuamente, delapidados por um bando de aves de rapina, com grave prejuizo da religião que insultam, porque se acobertam com ella para as suas fraudes, e com prejuizo mais grave ainda do estado que roubam na sua pobreza.

Rogo pois ao governo que attenda a esta questão, servindo-se d'estes bens para attenuar o deficit, que nos assoberba; não vendendo-os de chofre que isso é impossivel, mas aproveitando-os por modo apropriado; por exemplo: para base de largas transacções, como se fez em muitos paizes que tratam mais das suas cousas do que nós cuidâmos das nossas. E peço-lhe, em todo o caso, que nos envie os esclarecimentos que requeri, porque estou certo que, evidenciada a questão com os algarismos officiaes, o parlamento, na falta do governo, não deixará de adoptar as medidas necessarias para a solução vantajosa d'este negocio (apoiadas).

Vozes: — Muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados).

O sr. Camara Leme: — Participo a v. ex.ª que não compareci ás ultimas sessões por incommodo de saude.

O sr. Cortez: — Tenho a honra de mandar para a mesa duas representações. Uma da cantara municipal de Lousada, e outra da de Felgueiras.

N'estas representações pedem-se providencias especiaes para a cidade de Penafiel; e comquanto estas representações se refiram particularmente ao sr. ministro da guerra, que não está presente, rogo ao sr. ministro da marinha, que vejo nos bancos ministeriaes, como particular obsequio, o de communicar ao seu collega a parte aproveitavel das reflexões que vou fazer.

As camaras de Louzada e Felgueiras representam contra o facto do sr. ministro da guerra ter mandado saír o regimento de infanteria n.º 6 de Penafiel para Guimarães, pedem providencias, e baseiam-se em varias considerações, que por isso mesmo que interessam a uma grande, fertil e rica região, a de entre Douro e Minho, peço licença à v. ex.ª e à camara para expor, ainda que muito resumidamente.

Em primeiro logar Penafiel está a tres ou quatro horas de marcha de Amarante, 25 kilometros pouco mais ou menos pela estrada de 1.ª classe que vae pela Lixa e a 18 pela mais inferior, e ao sul pelas cumiadas do Athaide, Banho e Louredo. Em Amarante, como todos sabem, ha uma excellente ponte sobre o Tamega que é importantissima, porque vem n'ella terminar a estrada que atravessa de nordeste a sudoeste a provincia de Traz os Montes por Villa Real, Mirandella a Bragança, entroncando em Villa Real com outra tambem importante e de 1.ª classe que vem do norte parallela à fronteira de Minho, e que liga por Chaves e Villa Pouca de Aguiar a norte de Traz os Montes a Villa Real.

A sueste vem terminar à ponte de Amarante outra estrada tambem de 1.ª ordem, que por Mesão Frio ao Peso da Regua vae entroncar sobre o Douro com à que vêm do interior da Beira por Lamego e Trancoso. Mais ao sul temos, a uma hora de Penafiel, a ponte de Canavezes sobre o Tamega, d'onde tambem partem, duas estradas importantes. Uma que a este por Soalhães e Campello vae ligar se com a estrada de Mesão Frio e Peso da Regua, outra a sul que por Sinfães liga a riba esquerda do Douro com a direita.

Já v. ex.ª vê que a posição de Penafiel, considerada sob este ponto geographico, é relativamente importantissima, porque é a chave das communicações do interior da região transmontana a este com a d'entre o Douro e Minho, a oeste parada pelo Tamega, a sul com a da Beira separada pelo Douro.

A pequena distancia pois de Penafiel das duas pontes do Tamega é uma circumstancia de alto peso para ter aquella cidade sufficientemente guarnecida de tropas.

Mas não são só estas ás considerações que as duas camaras fazem; ainda fazem valer outras, que seguramente o sr. ministro da guerra ha de ter em grande consideração; assim o espero, assim o desejo, assim o peço!

Tirar as forças militares que estavam em Penafiel para um ponto distante, como é Guimarães, equivale a deixar os concelhos, que demoram nas ribas do Tamega, Douro e Sousa, completamente abandonados ás paixões ferozes que por mais de uma vez têem enlutado aquellas pacificas regiões, tornando-as sombrio theatro das façanhas horriveis de quadrilhas de salteadores que para ali devem accorrer chamados pela natureza montanhosa do solo, e pela riqueza dos seus habitantes; embora estejam bem guarnecidos os angulos do quadrilatero formado pelo Porto e Lamego a sul, Villa Real e Chaves a norte e este, e Guimarães a oeste.

Mas não é só por isto que Penafiel merece ser attendido

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no que pede. Recommenda-o ainda a excellencia do seu clima, e o facto altamente significativo de ter escapado ás febres e epidemias que tem assolado outros pontos do nosso paiz. Da gigantesca cordilheira do Gerez corre de norte a sul parallela ao Tamega uma outra que é Santa Clara, que, dobrando para oeste, vae perder-se nas cercanias do Porto. Esta cordilheira encerrada entre o Tamega, o Ave e Sousa, começando por 1:200 metros, como em Montalegre, vem baixando successivamente para o sul, e já nas proximidades do antiquissimo mosteiro de Moreira apenas attinge 700 metros de altitude e em Maurelles sómente 500 metros. D'ahi corre uma como peninsula de montes para sudoeste, no fim da qual a 300 metros approximadamente está sentada Penafiel, tendo a oeste o Sousa, a sul e éste um confluente d'este rio.

Já vê v. ex.ª que a posição de Penafiel é excellente, debaixo do ponto de vista da hygiene.

Ainda por este lado recommendo ao sr. ministro da guerra o pedido de Louzada e Felgueiras.

Mas não é isto ainda tudo, ainda ha mais. Penafiel tem um hospital militar importante, e não abundam estes estabelecimentos tanto no nosso paiz, que se possa desperdiçar e abandonar um d'esta classe. Alem d'isso tem um quartel, é verdade que provisorio, mas onde já se aquartelaram, como asseguram as camaras reclamantes, quatrocentas e tantas praças. E por esta occasião eu lembrarei ao governo a conveniencia de decidir o pedido ou representação da camara de Penafiel, que creio que está nas mãos do governo, a fim de lhe ser concedida licença para levantar um emprestimo destinado à edificação de um quartel em boas condições. Creio mesmo que, sobre isto, o meu illustrado e honrado amigo e collega, o sr. Adriano Machado, tem um projecto de lei, de accordo com o sr. ministro da guerra.

Por todas estas considerações, e outras que apresentaria com maior desenvolvimento, o pedido fosse contestado, e eu não acreditasse nas boas intenções do sr. ministro da guerra, peço ao governo que attendam à representação das duas camaras, e que faça justiça ao seu justissimo pedido.

O sr. Ministro da Marinha (José de Mello Gouveia): — Ouvi, com o prazer com que costumo ouvir sempre o illustre deputado meu amigo, a demonstração que s. ex.ª pretendeu fazer do erro estrategico, de policia e de saude militar, que quiz attribuír ao meu collega o sr. ministro da guerra, na mudança de um corpo que estava collocado em Penafiel. S. ex.ª comprehende que não estou habilitado para contestar as observações efficientes que s. ex.ª apresentou à camara para fundamentar as representações, mas é do meu dever assegurar-lhe que hei de communicar ao meu collega as considerações que s. ex.ª acaba de fazer, e estou persuadido de que elle poderá dar satisfação ao illustre deputado, justificando a rasão por que procedeu.

O sr. Pereira de Miranda: — Pedi a palavra para mandar para a mesa uma representação dos vendedores de azeite por miudo, a respeito da contribuição industrial.

O sr. Bandeira Coelho: — É para declarar a v. ex.ª que o sr. deputado Luiz de Campos faltou à sessão de hontem, falta à de hoje e infelizmente faltará a mais algumas, por se achar bastante incommodado.

O sr. Candido de Moraes: — Mando para a mesa diversas representações dos officiaes quarteis mestres do exercito que representam à camara dos senhores deputados, que cumprindo importantes funcções na administração dos corpos, todavia o seu serviço não é convenientemente remunerado.

O sr. Teixeira de Vasconcellos: — Mando para a mesa uma representação dos carvoeiros que vendem por miudo, a respeito das propostas de fazenda.

E por esta occasião sinto não estar presente o sr. ministro da fazenda, para ouvir uma pequena observação que eu desejava fazer a respeito de assumpto relativo à sua repartição; mas como vejo presente um dos seus collegas e differentes membros da commissão de fazenda, vou dizer duas palavras que desejo mereçam a sua attenção.

Quero lembrar quanto seria conveniente para as classes menos abastadas que o pagamento das contribuições tanto em Lisboa como nas terras mais populosas do reino, fosse feito por duodecimos (apoiados). Tenho ouvido lamentar a muita gente pobre a difficuldade que tem em pagar de uma só vez contribuições avultadas, observando ao mesmo tempo quanto lhe seria mais facil effectuar esse pagamento em cada um dos mezes do anno.

Creio que esta materia ha uns poucos de annos que está estudada por differentes senhores ministros da fazenda, e que no ministerio competente existem esses estudos. Parece-me que não haveria grande difficuldade em que tanto em Lisboa e Porto, como nas terras mais populosas, se fizesse em duodecimos o pagamento das contribuições: a principal difficuldade seria nos concelhos ruraes, mas eu fallo só a respeito das terras populosas, onde o encargo do pagamento das contribuições em uma só somma é pesado não só ás classes menos abastadas, porém a outras que lhes são superiores.

O sr. Barros e Cunha: — A todas.

O sr. Mariano de Carvalho: - Ouvi com toda a attenção o que disse o illustre deputado o sr. Teixeira de Vasconcellos, e devo declarar à camara que na commissão de fazenda está uma proposta do sr. ministro da fazenda para que se multipliquem as epochas para a cobrança das contribuições em todo o reino, e uma moção do sr. Costa e Silva, auctorisando as juntas geraes a marcar em cada um dos districtos as epochas do pagamento das contribuições de maneira que sejam pelo menos duas.

Não só o sr. ministro da fazenda actual apresentou proposta para multiplicar os prasos de cobranças. O mesmo fizeram os srs. Lobo d'Avila, Fontes e conde de Samodães quando geriram aquella pasta. Todos trouxeram à camara differentes propostas pedindo auctorisações para que fossem multiplicadas as epochas de cobrança das contribuições; mas essas auctorisações, apesar de concedidas facilmente pelas camaras, nunca foram levadas a effeito, porque encontraram grandissimas difficuldades nas repartições fiscaes. É tal a accumulação de formalidades e de papeis de diversas ordens de que é necessario lançar mão para extrahir os conhecimentos de cobrança, que os empregados fiscaes oppõe decidida resistencia a que se multipliquem os prasos de cobrança não só nos concelhos ruraes mas até em Lisboa e Porto.

Entretanto devo dizer que a commissão ha de apresentar com a maior brevidade possivel o seu parecer, não só com relação à proposta do sr. ministro da fazenda, mas tambem relativamente à que apresentou o sr. Costa e Silva, a fim de poderem ser brevemente discutidas.

Já que tomei a palavra, permittir-me-ha v. ex.ª que mande para a mesa um requerimento para tomar parte na interpellação annunciada pelo sr. Barros Gomes ao sr. ministro da marinha ácerca do observatorio da marinha.

Não farei n'esta occasião observação alguma a respeito d'este assumpto, porque não quero prejudicar a interpellação; o meu unico desejo é que o sr. ministro da marinha se dê o mais breve possivel por habilitado para responder a este interpellação, para que depois da discussão que haja n'esta camara, se tome uma resolução mais acertada a respeito do observatorio da marinha. Parece-me que é possivel fazer-se no serviço d'este estabelecimento uma notavel economia.

O sr. Ministro da Marinha: — Participo a v. ex.ª e à camara que ainda não tive communicação da interpellação annunciada pelo sr. Barros Gomes, mas logo que me for communicada, tomarei na secretaria as informações necessarias e dar-me-hei por habilitado para responder ao sr. deputado.

O sr. Julio Rainha: — Apesar de muito novo n'esta casa, tenho ouvido dizer a muitos parlamentares antigos,

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que o regimento actualmente em vigor tem bastantes defeitos, que precisa de modificações (apoiados) e que alem das disposições que estão codificadas, ha muitas outras dispersas que é necessario colligir. Para se conseguir isto e para que haja um regimento digno d'esta camara, tenho a honra de mandar para a mesa a seguinte proposta (leu).

Não proponho nem pretendo que se faça um regimento completamente novo, mas sim que se harmonisassem as disposições do que está em vigor, e que se façam as alterações que a experiencia tem mostrado convenientes.

Mando a proposta para a mesa, da qual peço a urgencia, a fim de que sendo admittida seja discutida e votada.

Como estou com a palavra permitta-me v. ex.ª que declare, que estimaria ver presente o sr. ministro das obras publicas, porque tencionava dirigir-lhe algumas palavras com relação à viação publica no districto da Guarda. Como s. ex.ª não está presente, reservo-me para outra occasião.

Leu se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que a commissão do regimento seja encarregada de codificar um regimento completo para esta camara, harmonisando muitas disposições antinomicas, e colligindo as que se não acham no regimento actualmente em vigor, em fórma que tenhamos um regimento digno d'esta camara. = Julio Rainha.

Foi declarada urgente e admittida à discussão.

O sr. Santos e Silva: — Peço a v. ex.ª que tenha a bondade de me dizer se está nomeada a commissão de regimento, e quaes são os seus membros.

O sr. Presidente: — A commissão de regimento já foi nomeada, e o sr. secretario vae ler os nomes dos membros que a compõem.

O sr. Secretario (Adriano Machado): — A commissão de regimento é composta dos srs. Domingos Pinheiro Borges, Joaquim Pinto de Magalhães, Antonio Augusto de Sousa Villaça, Eduardo Augusto Pereira Brandão, e Francisco Coelho do Amaral.

O sr. Santos e Silva: — Acho competentissima essa commissão, para se occupar dos trabalhos a que allude a proposta do meu illustre collega o sr. Rainha; mas parece-me que seria tambem de conveniencia e vantagem, para se poder fazer uma obra perfeita, tanto quanto for possivel, que lhe fossem aggregados os membros da mesa, por isso que estão muito ao facto de todas as circumstancias, que se dão na ordem dos trabalhos d'esta casa, e podem prevenir e acautelar no regimento novo muitas hypotheses, porque são elles que lutam com as maiores difficuldades, e melhor devem conhecer o modo pratico de as remediar (apoiados).

Parece-me, pois, que o voto e o conselho dos membros da mesa hão de auxiliar muito a commissão de regimento, para se fazer um trabalho digno d'esta camara, e para que a proposta consiga portanto em harmonia com a indole das nossas assembléas parlamentares, o seu verdadeiro fim. N'este sentido, se o illustre deputado me permittisse, mandaria para a mesa um additamento à sua proposta (apoiados).

O sr. Presidente: — Queira mandar a sua proposta para a mesa.

O sr. Sampaio: — Não me opponho a que se faça novo regimento, nem que à commissão de regimento se aggregue, se for preciso, a camara toda; mas ao que me hei de oppor é a que leve muito tempo a discussão d'esse assumpto, se tiver a desgraça de vir à camara.

Creio que a cousa mais dispensavel é um regimento, que se dispensa todos os dias. Estamos a fazer um regimento o mais perfeito; levanta-se um sr. deputado e diz: «Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se dispensa o regimento» e a camara levanta-se e dispensa-o. Invertendo os termos digo eu, e proponho, que a camara decida que dispensa o regimento, e que vá pela boa rasão, que vae muito melhor do que pelas regras restrictas do regimento, e não perca tempo com a discussão do regimento, salvo se vier à um artigo no qual se diga, que do regimento não se póde dispensar nenhum artigo. De resto, é uma cousa pouco propria estarmos a gastar muito tempo com o regimento, o qual à primeira indicação de um deputado é dispensado.

O sr. Santos e Silva: — Concordo em que a discussão do regimento não venha intercalar-se nos assumptos importantes que estão proximos a entrar em discussão, como são as reformas de fazenda e de administração; mas como vamos vendo, que nos vae faltando ás vezes materia para discussão, porque os trabalhos das commissões nem sempre podem caminhar com a rapidez, que seria para desejar, é natural que tenhamos em disponibilidade um ou outro dia para nos occuparmos do regimento, sem roubar tempo à discussão de objectos mais instantes.

Parece-me tambem que a mais forte rasão, para coordenarmos e melhorarmos o regimento, está nos argumentos produzidos em sentido contrario pelo illustre deputado, que me precedeu, e combateu a proposta do sr. Rainha. Disse o illustre deputado, que todos os dias, ou repetidas vezes, se está dispensando o regimento, saltando se por cima das suas disposições. Ora, isto não prova nada contra um regimento, mas sim contra as más disposições de qualquer regimento. Se ha prescripções, que quotidianamente se dispensam, é porque não estão em harmonia com a indole de certos trabalhos do parlamento. Melhore-se pois o regimento, para que o numero das suas dispensas seja menor (apoiados).

Faça se lei, que se possa cumprir, e revoguemos aquella que praticamente se não póde executar. Portanto as dispensas frequentes do nosso regimento, longe de provarem a sua inutilidade, provam a favor da necessidade de se fazer um regimento mais perfeito, isto é, mais em harmonia com os nossos habitos e exigencias parlamentares.

Ha ainda outras rasões que levam à urgencia de se corrigir e aperfeiçoar a lei interna d'esta casa. Em toda a parte onde ha systema parlamentar existe um regimento que regula o modo por que hão de ser dirigidas as discussões e os trabalhos do parlamento. De annos em annos, em toda a parte, se fazem novos regimentos, porque os habitos e as necessidades parlamentares modificam-se.

Se não tivermos regras escriptas e normas de proceder adaptadas a cada epocha, teremos a confusão e a insupportavel anarchia em todos os nossos trabalhos (apoiados).

Sou pois pela reforma do actual regimento.

Peço que se compile e collija tudo que seja aproveitavel e que se corrija tudo quanto não for bom.

Venham por fim novas disposições que melhorem o serviço e as funcções parlamentares. Acabem por uma vez as contradicções, as incoherencias e as desharmonias de todos os dias. Não quero com isto dizer que um parlamento fique despoticamente preso ao regulamento interno que decretar. As camaras, n'estes assumptos, são soberanas, não necessitam a sancção de outrem, e podem revogar ámanhã o que hoje legislarem. Mas eu quero que as excepções, filhas de urgentes circumstancias ou de incidentes peremptorios, confirmem e não contradigam a regra geral. Ganha com isto a respeitabilidade do systema parlamentar.

Temos ainda hoje o regimento que nasceu com o systema parlamentar. Data de 1827. Desde então até hoje têem crescido tanto os additamentos, os enxertos, e as disposições desconnexas, que são maiores os acrescentamentos do que a peça principal (apoiados). Ha falta de harmonia em muitas disposições. Umas cumprem-se, outras nunca foram postas em execução. Ainda o anno passado foi aqui votada, por iniciativa minha, uma proposta para regular as horas do trabalho, na ordem do dia, que nunca foi executada. Nem o proprio auctor da proposta tem pedido a sua execução.

Melhoremos pois o actual estado de cousas, porque não honra ninguem.

Eu não pretendo sustentar que o novo regimento ha de

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completamente extinguir a desordem e a anarchia que muitas vezes se intromettem nos nossos trabalhos e discussões, mas o mal ha de diminuir (apoiados).

Quando houver doutrinas mais claras, prescripções mais harmonicas e normas mais consentaneas à indole do systema parlamentar, ha de fortificar-se a regularidade e melhorar a boa ordem dos trabalhos parlamentares (apoiados).

Approvo portanto a proposta do sr. Rainha, e mando para a mesa o seguinte additamento.

Leu-se na mesa o seguinte

Proposta

Proponho que à commissão do regimento seja aggregada a mesa e o auctor da proposta, o sr. Rainha.

Sala das sessões, 3 de março de 1871. = João Antonio dos Santos e Silva.

Foi admittida.

O sr. Julio Rainha: — Quando eu disse ao illustre deputado o sr. Santos e Silva que estava de accordo com as suas idéas, a proposta d'esta indicação não ía envolvido o meu nome, e não podia lembrar-me de que o illustre deputado me apontasse como devendo fazer parte da commissão de regimento, porque comecei por declarar que era novo n'esta casa, e por consequencia incompetente para fazer parte de uma commissão encarregada de elaborar um trabalho que tem tudo com a praticada maneira por que os negocios correm n'esta casa.

Peço por consequencia à camara que, aceitando o additamento offerecido pelo sr. Santos e Silva, elimine o nome de quem não tem recommendação alguma para pertencer a essa commissão.

Às considerações que foram feitas pelo sr. Rodrigues Sampaio, como s. ex.ª não combateu a conveniencia da proposta que tive a honra de mandar para a mesa, julgo-me dispensado de responder; mas devo declarar que tambem não desejo que o regimento seja trazido à discussão n'esta casa, preterindo os objectos importantes de que a camara tenha de se occupar.

O sr. Presidente: — Vae-se votar.

Posta à votação a proposta do sr. Julio Rainha, foi approvada.

O additamento do sr. Santos e Silva foi tambem approvada.

O sr. Conde de Villa Real: — Mando para a mesa uma representação dos officiaes de diligencias da comarca de Villa Real, pedindo que se lhes tornem extensivas as disposições do decreto de 11 de setembro de 1861.

O sr. Cortez: — Agradeço ao illustre ministro da marinha a delicadeza que teve em responder ás breves reflexões que fiz.

Não foi minha intenção fazer acreditar que o sr. ministro da guerra tenha commettido um erro de estrategia; o que eu quiz foi fazer sentir a s. ex.ª e à camara que seria conveniente que o governo attendesse ás reclamações das camaras que representaram a respeito do assumpto a que me referi.

O sr. Teixeira de Vasconcellos: — Tinha pedido a palavra immediatamente a ter fallado o sr. Mariano de Carvalho para lhe agradecer a resposta que deu ás observações feitas por mim a respeito do pagamento dos impostas mensalmente.

S. ex.ª disse que era verdade que este negocio tinha sido já considerado por differentes ministros, e que a unica difficuldade que apparecia era levantada por parte das repartições fiscaes.

Eu conheço essa difficuldade. Mas confesso que para mim não tem grande valor o que allegam as repartições fiscaes.

Em França, onde estive oito annos, como a camara sabe, a cobrança das contribuições faz-se mensalmente com tamanha facilidade que a ninguem é permittido ficar a dever a sua contribuição quinze dias alem do mez em que devia paga-la; a escripturação a esse respeito é de tal simplicidade que espanta; qualquer requerimento, qualquer reclamação para mudanças que hajam de se fazer nas contribuições, resolve-se quando muito n'um mez, mas geralmente tem percorrido as repartições competentes em oito ou dez dias; e a despeza que ali se faz com a cobrança dos impostos é comparativamente menor que a despeza que nós fazemos.

A nossa cobrança é a mais defeituosa de todo o mundo (apoiados).

Vou citar um exemplo; succedeu commigo.

Quando voltei de França em 1862 deixei por pagar uma contribuição de 5$000 réis; queria saber, por experiencia propria, o que acontecia a um homem que não pagasse, e nunca mais ouvi fallar em similhante contribuição senão em 1870.

Em 1870 recebi um papel dizendo-me que devia pagar em cinco dias sub pena de penhora; perguntei o que tinha a fazer e disseram-me que com aquelle bilhete havia de ir buscar uma guia e com essa guia ir pagar, mas que se tirasse a guia e não fosse pagar ainda não seria executado tão cedo. Quiz experimentar. Não paguei; mandei tirar a guia e deixei-a em cima da mesa. Passaram-se alguns mezes sem que o fisco me procurasse. A final ao cabo de nove annos é que paguei os 5$000 réis de contribuição, custando-me a experiencia outros 5$000 e tantos réis.

Aqui está como são cobradas as contribuições em Portugal. Ora, quando as contribuições são cobradas assim, as repartições fiscaes não têem direito de oppor objecções de nenhuma especie; ao governo é que incumbe a obrigação de fazer com que estes factos não aconteçam e que ao contribuinte se lhe dê a maior facilidade de pagamento.

Entende, assim como entende a commissão de fazenda, a camara, o governo e todos, que ha necessidade de que o paiz pague mais, mas por isso mesmo que ha necessidade de se lhe exigir maior sacrificio, é indispensavel que se empreguem os meios necessarios para que esse sacrificio se torne o mais suave possivel. Tenho dito.

O sr. Mariano de Carvalho: — Associo-me completamente ás observações que acaba de fazer o illustre deputado; mas à commissão de fazenda não cumpre mais do que dar ao governo os meios de dividir os prasos da cobrança, providencia de que deve resultar grande beneficio para o estado, porque quando o governo se vê obrigado a levantar divida fluctuante para satisfazer aos seus encargos, é um erro demorar o recebimento das contribuições que póde em grande parte diminuir a necessidade de crear divida fluctuante.

Alem d'isto, o pagamento mais amiudado das contribuições tornaria mais difficil a repetição dos casos de alcance dos exactores, casos que se estão dando de uma maneira assustadora (apoiados). É o governo que tem principal obrigação de estudar o meio de melhorar o lançamento, arrecadação e fiscalisação dos impostos, porque do modo como está não ha nada mais imperfeito na Europa, nem mais sujeito a abusos (apoiados), nem mais caro nem mais complicado.

O sr. Nogueira: — Mando para a mesa uma representação dos officiaes de diligencias perante o juizo da comarca de Torres Vedras, pedindo que lhes seja applicado o decreto de 11 de setembro de 1861 para todos os effeitos, e se lhe dê as mesmas garantias que têem os escrivães, a fim de poderem nomear quem os substitua quando se impossibilitem para o serviço.

O sr. Dias Ferreira: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Mafra, pedindo os seus emphyteutas remir os fóros sobre a base de vinte e uma pensões, sendo uma o titulo de laudemio.

As rasões dadas na representação são dignas da maior consideração, e eu não as reproduzo agora para não fatigar a attenção da assembléa. Mas reservo-me para em occasião opportuna sustentar a justiça que assiste áquella municipalidade.

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O sr. Ministro da Marinha: — Desejo dizer duas palavras em resposta ás observações apresentadas pelos srs. Teixeira de Vasconcellos e Mariano de Carvalho.

Estou de accordo com s. ex.ªs sobre a conveniencia de facilitar ao contribuinte o pagamento das suas collectas.

O governo reconhece que o meio indicado pelos illustres deputados torna mais facil ao contribuinte o pagamento da sua contribuição e mais difficil o abuso dos recebedores; todavia devo fazer uma observação, e é, que se ha uma classe de contribuintes a quem isso póde aproveitar, ha outras que não estão n'esse caso.

As povoações ruraes, por exemplo, estão muito pouco no caso de poderem satisfazer as suas contribuições directas em tempo fóra das colheitas.

O sr. Teixeira de Vasconcellos: — Referi-me a Lisboa e Porto.

O Orador: — Bem. Como o illustre deputado diz que não falla senão em Lisboa e Porto, para estas terras não procedem as observações que ía fazer. Tomei nota de tudo que ouvi aos illustres deputados para informar o meu collega, o sr. ministro da fazenda; e estou certo que elle tomará na devida consideração as observações que s. ex.ªs apresentaram.

O sr. Presidente: — Vae ler-se a ultima redacção do projecto de lei n.º 5.

Foi approvada.

ORDEM DO DIA

Projecto auctorisando o governo a conceder à camara municipal de Lisboa o terreno do antigo forte de S. Paulo

Leu-se na mesa o seguinte

Projecto de lei

Senhores. — À vossa commissão de fazenda foi presente o projecto de lei n.º 3-A, dos srs. deputados Manuel Thomás Lisboa, Augusto Saraiva de Carvalho, Antonio Augusto Pereira de Miranda, José Maria Latino Coelho e José Elias Garcia, auctorisando o governo a ceder à camara municipal de Lisboa o terreno do antigo forte de S. Paulo, junto à praça de D. Luiz I, a fim de ser aproveitado na reconstrucção e augmento do mercado da Ribeira Nova;

A commissão, tendo em attenção os fundamentos com que em seu relatorio os illustres auctores do projecto justificam a sua necessidade; e

Considerando que, por sua parte, está o ministerio da marinha, a que pertence o terreno do demolido forte de S. Paulo, de accordo em cede-lo à camara municipal de Lisboa, para os fins enunciados, prestando-se a dita camara, por sua parte, a dar áquelle ministerio, do terreno ganho ao Tejo sobre o antigo boqueirão do Corpo Santo, uma compensação que permitta o alargamento das officinas do arsenal sem prejudicar a regularidade do largo do Corpo Santo, e ao contrario, servindo as construcções que ahi levantar o dito ministerio para aformoseamento tanto do mencionado largo, como da alameda que se estende pelo aterro da Boa Vista até ao arsenal da marinha:

Por estas rasões é a commissão de parecer, ouvido o governo e de accordo com elle, que o projecto n.º 3-A seja convertido no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º É auctorisado o governo a ceder à camara municipal de Lisboa o terreno do antigo forte de S. Paulo, junto à praça de D. Luiz I, a fim de ser aproveitado na reconstrucção e augmento do mercado da Ribeira Nova, recebendo em compensação da mesma camara do terreno immediato ao antigo boqueirão do Corpo Santo o que a camara municipal possa ceder para alargamento das officinas do arsenal da marinha, tendo em vista o aformoseamento local e a regularidade do largo do Corpo Santo.

Art. 2.° Para a reconstrucção e augmento da praça da Ribeira Nova poderá a camara municipal de Lisboa realisar, precedendo approvação do governo, qualquer operação de credito sobre a base dos rendimentos da nova praça e suas dependencias.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão, em 3 de abril de 1871. = Anselmo José Braamcamp = Henrique de Barros Gomes = João Antonio dos Santos e Silva = João Henrique Ulrich = João José de Mendonça Cortez = José Luciano de Castro = Mariano Cyrillo de Carvalho = Antonio Augusto Pereira de Miranda = José Dias Ferreira = Alberto Osorio de Vasconcellos = Antonio Rodrigues Sampaio = José Dionysio de Mello e Faro, relator.

Foi approvado na generalidade.

Entrou em discussão na especialidade.

Artigo 1.° — approvado.

Artigo 2.º — approvado.

Artigo 3.° — approvado.

O sr. Presidente: — O sr. Nogueira tinha pedido a palavra para antes da ordem do dia. Como ha tempo, dou-lhe a palavra agora.

O sr. Nogueira: — Mando para a mesa uma representação dos officiaes de diligencias de Torres Vedras, pedindo que se lhes tornem extensivas as disposições do decreto de 11 de setembro de 1861, com relação a poderem substituir-se nos seus impedimentos, legitimos.

O sr. Pereira de Miranda: — Mando para a mesa dois pareceres da commissão de fazenda: uma sobre a proposta de lei da contribuição pessoal; outro sobre a proposta de lei de augmento dos direitos do tabaco.

Pedia a v. ex.ª, sr. presidente, que os mandasse imprimir e distribuir por casa dos srs. deputados; e que, os desse para a ordem do dia da proxima sessão, que provavelmente não é senão na semana immediata.

O sr. Presidente: — Mandam-se imprimir e distribuir por casa dos srs. deputados.

Creio que a camara está de accordo em que a primeira sessão seja na segunda feira (apoiados).

Nem seria muito facil nos dias uteis d'esta semana juntar numero sufficiente de srs. deputados para nos occuparmos dos assumptos importantes que temos de tratar (apoiados).

O sr. Santos e Silva: — V. ex.ª deve dar para ordem do dia de ámanhã e de sabbado, trabalhos em commissões.

O sr. Francisco Beirão: — Mando para a mesa por parte da commissão de redacção, a ultima redacção do projecto que foi hoje approvado.

O sr. Secretario (Adriano Machado): — A commissão de redacção não fez alteração alguma no projecto de lei que foi hoje approvado.

O sr. Pedro Franco: — Peço a v. ex.ª que me inscreva para quando estiver presente o sr. ministro do reino, porque desejo tratar de um negocio urgente; e, se tanto fosse necessario, requereria que se prorogasse a sessão até que s. ex.ª comparecesse.

O sr. Presidente: — Não é preciso prorogar a sessão.

O sr. Ministro da Marinha: — Os meus collegas no gabinete não podem comparecer hoje à sessão da camara. Estão em conferencia no conselho d'estado, tratando de negocio que os demora ali toda a tarde.

O sr. Pedro Franco: — Então desisto da palavra.

O sr. Presidente: — Não ha mais trabalhos para hoje.

Vou dar a ordem do dia.

O ordem do dia para ámanhã e para sabbado é trabalhos em commissões; e para segunda feira a discussão dos pareceres da commissão de fazenda, apresentados hoje.

Está levantada a sessão.

Eram tres horas e tres quartos da tarde.

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