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SESSÃO DE 1 DE FEVEREIRO DE 1876

Presidencia do ex.mo sr. Joaquim Gonçalves Mamede

Ricardo de Mello Gouveia Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos

SUMMABIO

Apresentação de requerimentos e representações — Apresenta o sr. ministro da fazenda uma proposta para que seja auctorisada a conversão de diamantes da corôa em titulos de divida interna até ao valor nominal de 500:000$000 réis — Na ordem do dia realisa-se a interpellação do sr. Barros e Cunha sobre a concessão do ramal da linha ferrea de Cacilhas ao Pinhal Novo — Faliam sobre este assumpto os srs. Barros e Cunha, ministro das obras publicas, Pinheiro Chagas e Lourenço de Carvalho, ficando ainda a discussão pendente para 4 de fevereiro, e com a palavra o sr. Pinheiro Chagas.

Presentes á chamada 73 senhores deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs.: Adriano Sampaio, Braamcamp, Teixeira de Vasconcellos, Cardoso Avelino, Avila Junior, Boavida, A. J. de Seixas, A. J. Teixeira, Cunha Belem, Pereira Carrilho, Rodrigues Sampaio, Ferreira de Mesquita, Mello Gouveia, Zeferino Rodrigues, Barão de Ferreira dos Santos, Carlos Testa, Vieira da Mota, Conde de Bretiandos, Conde da Graciosa, Forjaz de Sampaio, Eduardo Tavares, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Fonseca Osorio, Francisco Mendes, Mouta e Vasconcellos, Francisco Costa, Pinto Bessa, Guilherme de Abreu, Quintino de Macedo, Paula Medeiros, Illidio do Valle, Barros e Cunha, J. M. de Magalhães, Vasco Leão, Gonçalves Mamede, J. J. Alves, Cardoso Klerck, Correia de Oliveira, Pereira da Costa, Guilherme Pacheco, Figueiredo de Faria, Namorado, Moraes Rego, Pereira Rodrigues, J. M. dos Santos, Mexia Salema, Pinto Bastos, Julio de Vilhena, Lourenço de Carvalho, Luiz de Lencastre, Luiz de Campos, Camara Leme, Bivar, Faria e Mello, Manuel d'Assumpção, Pires de Lima, Rocha Peixoto (Manuel), Mello Simas, Pinheiro Chagas, Mariano de Carvalho, D. Miguel Coutinho, Pedro Franco, Pedro Jacome, Julio Ferraz, Ricardo de Mello, Thomás Ribeiro, V. da Arriaga, V. da Azarujinha, V. de Carregoso, V. do Guedes Teixeira, V. de Moreira de Rey, V. de Sieuve de Menezes.

Entraram durante a sessão — Os srs.: Agostinho da Rocha, Osorio de Vasconcellos, Pereira de Miranda, Antunes Guerreiro, Arrobas, Barjona de Freitas, Sousa Lobo, Neves Carneiro, Correia da Silva, Camello Lampreia, Jeronymo Pimentel, Matos Correia, Luciano de Castro, Freitas Branco, Marçal Pacheco, Cunha Monteiro, Pedro Roberto, V. de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram á sessão — Os srs.: Rocha Peixoto (Alfredo), Telles de Vasconcellos, Falcão da Fonseca, Augusto Godinho, Francisco de Albuquerque, Van-Zeller, Palma, Perdigão, Ferreira Braga, Ribeiro dos Santos, Dias Ferreira, Nogueira, Alves Passos, Placido de Abreu, Thomás Bastos.

Abertura — A uma hora e meia da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE Officios

1.° Do ministerio do reino, acompanhando, em satisfação a um requerimento do sr. Mariano de Carvalho, nota dos emprestimos que as juntas geraes dos districtos votaram para obras de estradas, e que foram auctorisados pelo governo, nos annos de 1871e1875.

A secretaria.

2.° Do ministerio da fazenda, acompanhando a relação nominal dos fiscaes que foram nomeados em virtude do artigo 5.° da carta de lei de 18 de março de 1875, para as alfandegas ou districtos de fiscalisação auxiliar.

A secretaria. Sessão de 1 de fevereiro

3.° Do mesmo ministerio, acompanhando, em satisfação a um requerimento do sr. Mariano de Carvalho, nota das quantias recebidas até 31 de dezembro de 1875, por conta dos emprestimos para os caminhos de ferro do Douro e Minho, o outra das quantias postas por áquelle ministerio á disposição do ministerio das obras publicas até ao referido dia 31 de dezembro, para serem empregados nos ditos caminhos.

A secretaria.

Declaração

Declaro que tenho, por motivos ponderosos e justificados, faltado ás sessões d'esta camara desde 11 até 31 de janeiro findo; mas se estivesse presente á sessão de 28, rejeitaria a proposta do illustre deputado o sr. Pinheiro Chagas, sobre a nomeação de uma commissão de inquerito parlamentar ácerca da concessão do caminho de ferro de Cacilhas ao Pinhal Novo.

Camara dos senhores deputados, em 1 de fevereiro de 1876. = José Guilherme, deputado por Paredes.

Representações

1.ª Dos continuos da Torre do Tombo, pedindo para serem igualados seus ordenados aos dos continuos da bibliotheca nacional de Lisboa. (Apresentada pelo sr. deputado Namorado.)

A commissão de fazenda.

2.ª Da camara municipal do concelho de Coimbra, pedindo que por meio de uma lei seja auctorisada a cobrar um imposto sobre o transito dos carros do mesmo concelho para ser applicado ao juro e amortisação de um emprestimo destinado á construcção de um edificio para paços do concelho. (Apresentada pelo sr. presidente.)

A commissão de administração publica.

3.ª Da camara municipal do concelho de Vagos, pedindo a restauração dos antigos julgados, ou pelo menos a creação de maior numero de comarcas. (Apresentada pelo sr. deputado José Luciano.)

A commissão competente.

SEGUNDAS LEITURAS

Projecto de lei

Senhores. — Quem na capital das nossas provincias do norte visitar os estabelecimentos de instrucção publica, fica desagradavelmente surprehendido ao contemplar no primeiro de entre elles, no da academia polytechnica, uma grandiosa fabrica levantada á custa de avultadas sommas, gastas no longo periodo de tres quartos de seculo, mas em grande parte incompleta ainda, em parte arruinada já; envolvendo a antiga e irregular construcção do collegio dos orphãos; contendo dentro em si a velha igreja, que lhes tem ministrado o culto, hoje quasi impossibilitada pelo tempo de continuar a servir sem risco; e as salas do edificio no pavimento inferior pejadas com varios ramos de commercio e industria, que as transformaram e dividiram em lojas e casebres, desde o botequim e a mercearia até á venda de louça e á taberna!

Observando a frontaria do palacio voltada para o poente, e seguindo o alinhamento d'ella a partir do norte, vê-se immediatamente incidir uma fieira de predios velhos e de pequeno valor uns, outros de preço elevado e construidos de ha pouco, e todos situados entre a rua que liga o largo do Carmo com o jardim da Cordoaria, e a travessa estreita e tortuosa, denominada viella do Assis, necessitando por isso, para completar o edificio, de se proceder a uma extensa e custosa expropriação.

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Dentro do estabelecimento reflecte-se o seu estado exterior. Gabinetes, laboratórios, observatórios, officinas, o que é indispensavel para o ensino das sciencias naturaes, tudo falta ou tudo está incompletíssimo.

Mas deixemos fallar por nós um dos mais laboriosos cultores da sciencia, um espirito eminentemente observador, operario incansável no estudo e nas reformas, o antigo director geral de instrucção publica, o fallecido conselheiro José Maria de Abreu, quando por ordem do governo foi inspeccionar a academia polytechnica do Porto:

«Quando por alvará de 9 de fevereiro de 1803 se orçaram as aulas de mathematica, commercio e outras, com que se constituiu a academia real de marinha e commercio na cidade do Porto, ordenou-se que estas aulas se estabelecessem provisoriamente no collegio da Graça1 dos meninos orphãos, nas casas que melhor proporção tivessem para este fim; e que sem perda de tempo se procedesse á edificação de uma casa no terreno do dito collegio, propria para as referidas aulas. Para a despeza da construcção á este edificio estabeleceu-se por tempo de dez annos o imposto de um real em cada quartilho de vinho que se vendesse nos meze3 de junho a novembro na cidade do Porto e no districto onde a companhia da agricultura das vinhas do Alto Douro tinha privilegio exclusivo. O mesmo alvará encarregava á junta administrativa da companhia a cobrança d'esta nova contribuição, assim como a construcção do edificio, para o que devia ella mandar tirar a planta para ser submettida á approvação regia.

«Poucos mezes eram passados quando a junta, a cujo cargo estava a inspecção da nova academia, representava que o collegio dos meninos orphãos não tinha patrimonio sufficiente para as despezas necessarias para alimento e educação dos mesmos orphãos; o que deu logar a ordenar-se que as lojas do edificio mandado construir para o serviço das aulas da academia se podessem arrendar, e que, o seu producto constituisse uma parte do patrimonio do mesmo collegio para ser administrado pela camara municipal.

«Na secretaria da academia existe a planta do edificio approvada pelo governo em 2ô de setembro de 1807, sendo ministro do reino Antonio de Araujo de Azevedo; mas as obras, começadas já em 1803, proseguiam lentamente, talvez porque assim o permittia a calamidade dos tempos, distrahidos os animos com os cuidados da guerra e exhaustos os recursos do paiz pelos extraordinarios sacrificios a que nos obrigara a defeza e restauração da independencia nacional; e acaso tambem pela insuficiência dos meios votados para esta obra. E provavelmente fóra esta a causa principal do grande atrazo em que ella ficou, quando a junta administrativa da companhia dos vinhos foi extincta, porque apesar do imposto que fóra applicado pelo alvará de 1803 para a dita obra por dez annos ter continuado a cobrar-se em quanto a companhia existiu; em 1825 representava ella «que para manutenção da academia e para completar a construcção do seu edificio, não eram bastantes os subsidios que por aquelle alvará foram estabelecidos para este fim, que até ao presente se não tinha podido obter senão á custa de generosos sacrificios pecuniarios que a mesma junta lhe tinha feito dos seus proprios fundos e de que ainda se não acha indemnisada», o que deu logar a tomarem-se pelo alvará de 16 de agosto d'este mesmo anno diversas providencias para reduzir as despezas do pessoal da academia; e a ampliar-se a todos os mezes do anno o imposto estabelecido só para seis mezes pelo § 4.° do alvará de 9 de fevereiro de 1803. Mas nem assim se logrou dar grande impulso á obra, cuja grandiosa traça excedia muito os minguados recursos que, deduzidas as avultadas despezas do pessoal, a companhia podia dispensar-lhe.

1 Este collegio foi fundado em 1651 pelo padre Balthazar Guedes.

Alv. de 29 de julho de 1803.

«Assim ficou até hoje em grande parto incompleto o edificio. Os orphãos continuam a occupar ali os restos do antigo collegio que não chagaram a demolir-se, e alguns quarto3 pertencente á nova construcção. A primitiva igreja, que devia igualmente ser demolida, porque tomava grande espaço no interior do edificio o era um parlamento na nova reedificação, conserva-se tambem. As lojas da parte do edificio já acabadas segundo o plano geral, alugam-se por couta da administração do collegio, que aufere d'ali o rendimento annual de 1:563$000 réis. E o restante do edificio, que n'e3t3 estado mal podia bastar para as limitadas exigencias do ensino na antiga academia de marinha o commercio, é occupado hoje pela academia polytechnica e escola industrial, e por duas aulas da academia portuense das bellas artes, quando só para um d'estes estabelecimentos era insufficiente.

«Faltam ali quasi todas as officinas e gabinetes para os trabalhos praticos e lições experimentaes; as aulas são pouca3 e acanhadas e estão em mau estado. Uma mesma sala que serve para aula da physica e para as lições de chimica da academia polytechnica e da escola industrial, é tambem gabinete em que se guardam os poucos instrumentos e machinas que a academia possue. Contigua a esta sala está uma casa onde se fazem algumas preparações chimicas e a que faltam todas as condições para que possa merecer o nome de laboratório. Parte do edificio occupado pela academia ameaça grande ruina, e já por este motivo d'ali saíu o lyceu. Havia um pequeno observatorio, onde já se não póde subir, porque as escadas e vigamentos estão a caír aos pedaços.

«As aulas da escola industrial são insufficientes para conter os numerosos ouvintes que ali concorrem ás lições, a ponto que todos os annos é forçoso recusar a admissão á matricula a muitos alumnos, que não raro esperam um ou mais annos para terem logar nos bancos da escola.

«O edificio, parte arruinado, parte incompleto, e ainda assim applicado a diversos destinos, é um obstaculo para todos os melhoramentos scientificos e a todo o desenvolvimento pratico que o ensino académico reclama, e que é para este instituto condição essencial de vida e progresso.

« Seu museu de productos naturaes, sem collecções scientificas, sem gabinetes para estudo3 de observações, sem laboratórios para ensaios, sem machinas e sem modelos não ha verdadeiro ensino industrial nem solida instrucção technica; o debalde a academia procuraria prover-se de todos esses meios, sr. a tanto chegasse a sua minguada dotação, quando no proprio edificio nem para um laboratório de analyse chimica ou para um gabinete de historia natural ha uma unica sala disponivel com a capacidade e condições indispensaveis.

«N'este ponto são justas e completamente fundadas as reiteradas representações do conselho académico para que se leve ao cabo a construcção do edificio, de que ha sessenta anuos se lançaram os primeiros alicerces. Este assumpto tem por diversas vezes merecido a attenção dos poderes publicos, mas é necessario não levantar mão d'elle. E para mim tenho que da melhor e mais prompta solução d'esta questão mui particularmente depende a completa reforma dos estudos na academia polytechnica, e o aperfeiçoamento do ensino na escola e hoje instituto industrial portuense.

«A lei de 23 do junho de 1857 destinou a somma de 4:000$000 réis no anno economico de 1857-1858 para a continuação das obras no edificio da academia polytechnica, podendo o governo, sem detrimento do dito edificio, fazer no plano d'ella3 as alterações que parecessem necessarias. Esta verba continuou a votar-se nos orçamentos dos seguintes annos economicos.

«Por portaria de 27 de agosto do referido anno de 1857, expedida á academia, lhe foi ordenado, que informasse mui circumstanciadamente sobre o plano que con-

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vinha adoptar para a continuação d'aquellas obras; e em virtude do parecer do director e do conselho superior de instrucção publica do 22 de dezembro do mesmo anno se expediu nova portaria com data de 10 de janeiro de 1853, em que se determinava obras do edificio continuassem segundo o primitivo projecto na parte que devia subsistir5 nomeando o conselho da academia polytechnica do Porto d'entre os seus membros uma commissão para presidir á projecto, direcção e fiscalisação das obras, e propôr pelo ministerio do reino o que tivesse por conveniente para a conclusão do edificio, em ordem a que n'elle se possam accommodar todos os estabelecimentos scientificos do Porto. O director das obras publicas do districto da membro da commissão, como fiscal por parte do governo. As outras providencias contidas n'esta portaria referiam-se ao processo e fiscalisação das despezas da obra.

« Nomeou-se a commissão em 29 de janeiro do mesmo anno; e em 30 de outubro da 1860 satisfazia o director da academia ao disposto no artigo 3.° d'aquella portaria, enviando ao governo a proposta a que elle se referia Uma nova commissão, porém, foi nomeada por portaria de 31 de dezembro de 1860, a qual devia organisar o plano geral da obra, tanto exterior como interior, com os necessarios esclarecimentos o descjnho3 parciaes, e o seu orçamento.

«Ordenava-se na mesma portaria «que a commissão, no caso de reconhecer que todo o edificio deve ser occupado pelos dois estabelecimentos scientificos, a academia polytechnica, e a escola industrial portuense, para que as aulas, gabinetes e officinas tenham a indispensavel largueza que requer o ensino das sciencias industriaes, a que pela sua, organisação foram especialmente destinados, consultasse sobre as providencias que convinha adoptar para dar outra collocação aos estabelecimentos existentes no mesmo edifício». Eram estes estabelecimentos a academia portuense das bellas artes, que ali tem duas aulas, e o lyceu nacional, que posteriormente se trasladou para uma casa, do que o estado paga renda.

«Em 26 de janeiro da 1863 deu esta commissão conta dos seus trabalhos, apresentando o plano geral da obra que deve completar o edificio da academia polytechnica do Porto, distribuido de modo que possam commodamente reunir-se n'elle as duas academias polytechnica, e de bellas artes, a escola, hoje instituto industrial e a bibliotheca publica.

«A commissão expoz no seu relatorio os motivos que a decidiram a adoptar este plano, que reune, quanto a mim, rasSe3 de conveniencia publica e de interesse scientifico, expostas n'este documento com tanta clareza e exacção, que ocioso seria querer demonstra-las. A execução, porém, d'este plano encontra difficuldades, que certo não escaparam á illustração da commissão; e talvez por isso o governo na portaria de 19 de setembro do mesmo anno se limitou a auctorisar a continuação das obras no edificio da academia polytechnica na fachada voltada para o norte, mandando pôr á disposição da academia a quantia de réis 8:000$000 incluida nos orçamentos dos annos economicos de 1862-1863 e 1863-1864.

«A importancia de toda a obra está calculada em réis 234:929$550 a, alem de 346$904 réis, em que foram avaliadas as expropriações dos predios situados entre o passeio da Graça e a travessa do Carmo, que segundo a planta de edificio têem de ser demolidos3; e da indemnisação ao collegio dos orphãos pela renda das lojas de que está de posse, na importancia de 1:563$000 réis4, a que

1 «3.° Que a commissão proponha, pelo ministerio do reino, o que tiver per conveniente para a conclusão do edificio, em ordem a que n'elle se possam accommodar todos os estabelecimentos scientificos do Porto.» (P. de 19 de janeiro de 1858.)

2 Orçamento da commissão de 26 de janeiro de 1863. Doe. vi.

' Mappa da junta das obras da camara municipal appenso ao relatorio da commissão.

4 Officio da commissão de.20 de janeiro de 1863.

correspondo um capital em inscripções de 52:000$000 réis, ou cerca de 24:960$000 réis em metal; ao todo réis 291:793$550, sem comprehender n'esta somma as despezas de trasladar para outro edificio publico o collegio de meninos orphãos, ou de adquirir, o que ainda é muito mais custoso, edificio que possa accommodar-se áquelle fim, e que tenha igreja para celebração dos encargos pios d'este instituto. E não são ainda estas as unicas despezas de obra tão vasta, porque, acabada ella, a mudança e collocação da bibliotheca publica, e o arranjamento dos museus, gabinetes, aulas, officinas, e diversos outros estabelecimentos, como o exige a grandeza de tal edificio, o os serviços publicos a que e destinado, não podem deixar de despender avultadas sommas, que não será exagerado orçar em 50:000$000 réis.

«A applicação portanto de uma tão diminuta somma, como foi estabelecida pela lei de 23 de junho de 1857, para esta obra, quando se não podia então calcular toda a sua importancia, póde significar, e creio que significa de corto, os bons desejos da administração; mas a expectativa de tres quartos do seculo para levar ao cabo essa obra do tão reconhecida o urgente necessidade, é demasiado longa para não aconselhar como indispensavel o emprego de meios mais efficazes.

«Pelo que respeita ao acabamento exterior do edificio, e ás obras no interior, o unico alvitre, que parece mais conveniente, é a auctorisação para contrahir um emprestimo por series, com juro e amortisação; e creio não ser difficil realisar esta operação em condições favoraveis na praça commercial do Porto, que tão generosa sempre em tomar parte nas grande3 emprezas de interesse publico, não se mostrará menos empenhada n'esta que mais de perto lhe toca.

«Esta obra fóra começada pela junta da companhia do Alto Douro, e por ella continuada á custa de um imposto local, que abrangia a cidade do Porto, e o districto privilegiado da mesma companhia, e que durou por todo o tempo que esta existiu; e não só as obras, mas todo o custeio de pessoal e material da academia era pago por esse imposto, que a principio fóra considerado como temporario, e justificado com o fundamento de que o beneficio resultante do estabelecimento d'esta academia era perpetuo, e da maior vantagem e proveito para os habitantes das provincias do norte 2.

«Esta intervenção directa dos districtos e dos municipios, levantando a expensas suas escolas e institutos de instrucção publica, e provendo á conservação dos edificios, e ás vezes tambem a parte das suas despezas ordinarias, como fóra estabelecido pelos alvarás de 9 de fevereiro de 1803 e 16 de agosto de 1825, para a academia real de marinha e commercio do Porto, tem por si o auctorisado exemplo das nações, que mais desveladamente se empenham nos progressos das sciencia3, na cultura das boas letras e das bellas artes, e no aperfeiçoamento e diffusão do ensino industrial. E este systema adoptado na Belgica, em relação ás universidades de Gand e Liege pelo artigo 7.° da lei de 15 de julho de 1849, e aos atheneus reaes, e escolas medias pelos artigos 20.° e 25.° da lei do 1.° de junho de 1850. A mesma disposição se encontra no reino de Italia na lei de 13 de novembro de 1859, quanto aos lyceus e gymnasios, ás escolas e institutos technicos3. São de iniciativa e fundação particular as universidades de Londres e Bruxellas. Este systema é igualmente seguido na maior parte dos estados da Allemanha e na Hollanda, e praticado em França, não só na instrucção secundaria, mas tambem na superior. Ainda quando ultimamente o governo imperial creou uma faculdade de direito em Nancy4,

» Alv. de 16 de agosto de 1825 § 1.»

2 Alv. de 9 de fevereiro de 1803 § 4.º

3 Legge, 13 novembro 1859, articolos 196.°, 201.°, 280.º e 284.»

4 Decreta du 9 janvier et du 17 septembre 1864. (Bulletin administratif du ministère de 1'Jnstruccion Publique, nº1 et 37.)

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cidade que fóra séde de uma universidade celebre, o illustrado ministro da instrucção publica dizia ao imperador no seu relatorio: «A creação de uma faculdade exige consideraveis despezas, e eu não ousaria n'este momento pedir a Vossa Magestade que esta somma fosse incluida no orçamento; graças, porém, ao espirito liberal d'esta cidade, nenhum sacrificio se imporá ao thesouro. Nancy aceita a condição de fazer todas as despezas do novo estabelecimento, tendo empregado um milhão no edificio destinado para as faculdades, etc.»

«Este generoso concurso, e esta feliz alliança das localidades com o governo no commum empenho de diffundir a instrucção publica e de proporcionar a todas as classes os meios de aperfeiçoamento moral e de desenvolvimento intellectual, é a base de toda a educação nacional, e condição essencial de progresso e prosperidade publica; porque se ao nobre e poderoso espirito de associação deve a moderna civilisação as suas mais gloriosas conquistas, e os seus mais optimos fructos, é comtudo certo que na propria Inglaterra, onde mais efficaz é a iniciativa individual, a necessidade da intervenção official do governo na instrucção nacional foi reconhecida depois da exposição universal de 1859, e do inquerito parlamentar de 1861

«Se pois estes são os principios e os factos confirmados até pela lei da creação da academia real de marinha e commercio do Porto, denominada hoje academia polytechnica, seria estranho que por outros meios se procurasse hoje completar obra começada por iniciativa particular, e á custa de um imposto local, quando as primeiras nações do mundo não ousam inscrever estas despezas nos seus orçamentos. O governo concorrendo com toda a dotação do pessoal d'esta academia, e do expediente material e scientifico doa seus estabelecimentos, toma já um avultado encargo permanente, que durante a administração da junta da companhia dos vinhos do Alto Douro saíra sempre da contribuição local, estabelecida pelo alvará de 1803 e ampliada pelo de 1825.

«Adoptado o plano proposto pela commissão, o edificio de S. Lazaro, onde actualmente está collocada a bibliotheca publica e a academia das bellas artes, e o terreno que lhe pertence, encontrará facilmente compradores e o producto d'esta venda, que a mesma commissão calcula em mais de 80:000$000 réis, applicado ás obras dos paços dos estudos, diminuirá consideravelmente os encargos da execução d'aquelle vasto plano. A immediata remoção dos orphãos para outra casa, e a demolição da igreja, que é pertença d'este collegio, são os primeiros passos que é indispensavel dar para que a obra possa proseguir no interior do edificio, construindo-se quanto antes, e com preferencia a tudo, as aulas, gabinetes, laboratórios e officinas para a academia polytechnica e instituto industrial, porque d'aqui depende todo o desenvolvimento do ensino pratico nos dois estabelecimentos; e, emquanto ali existir o collegio e igreja dos orphãos, é impossivel levar por diante o plano traçado. Foi por isto que este ponto me mereceu particular cuidado, e que procurei colher informações que podessem servir de esclarecimento para a sua resolução, que me parece fóra facil, se alguns mezes atrás se tivesse lançado mão do antigo convento de Santa Thereza, proximo da academia, e que reunia todas as condições para boa accommodação do collegio doa meninos orphãos, com mui pequena despeza.

«Até ha pouco tempo era aquelle edificio occupado com a repartição das obras publicas do districto, e aula de ensino mutuo, ficando por isso devoluto uma parte d'elle. A repartição das obras publicas podia remover-se d'ali, ou para uma parte do antigo convento do Carmo, ou do extincto mosteiro dos benedictinos; e a escola de ensino mutuo podia conservar-se onde estava e servir tambem para

1 No anno economico de 1863-1864, o orçamento da instrucção publica em Inglaterra montava a 1.386:417 libras esterlinas. (Estimates civil services for the year ending, 31 march 1868.)

instrucção dos orphãos. Quando, porém, eu fui encarregado de inspeccionar a academia polytechnica, já pelo ministerio das obras publicas estava destinado o convento de Santa Thereza para estação do telegrapho n'aquella cidade, o haviam para cate fim começado obras na igreja, ha muito profanada. Forçoso era por isso lançar as vistas para outro edificio.

«A commissão que ordenou o plano da obra dos paços dos estudos lembrava para os orphãos o edificio do convento do Carmo, actual quartel da guarda municipal, que as regras e conveniencia do serviço policial recommendavam fosse dividida em estações pela cidade, para mais facilmente poder acudir com presteza aos diversos pontos em que o seu auxilio for reclamado. O edificio é de feito excellente, mas não era mais facil, nem menos dispendioso construir quarteis para o estado maior e secretaria da guarda municipal, e para as companhias nos locaes onde devessem estacionar. Talvez o estado maior e secretaria podesse ficar em parte do actual quartel do Carmo, occupando os orphãos a outra parte do edificio; mas a reunião de um collegio de educação e de um corpo militar no mesmo edificio é contraria a todas as regras de disciplina escolar.

«De outros edificios publicos que estejam desoccupados não dou noticia no Porto; vejo paio contrario que o estado paga aluguer das casas em que está o lyceu nacional e o correio pejas não possuir proprias. Ha porém n'aquella cidade alguns recolhimentos de meninas pobres e desamparadas, e outros estabelecimentos de beneficencia que estão sujeitos a diversas administrações, porque são fundações de origens differentes. Reuni-los todos, ou alguns d'elle3 em parte do convento de Santa Clara, que não for occupado pelas poucas religiosas que ali existem, até que pela sua extincção todo aquelle convento possa converter-se n'uma casa de educação do sexo feminino, dividida em tantas classes quantos forem os diversos fins d'essas instituições, e constituir ali com o tempo uma escola normal, destinando desde já para habitação dos orphãos um dos edificios occupados por algum d'aquelles recolhimentos, e que mais bem talhado for para e3se fim, parece-me pensamento digno de attenção l.

«Ê natural que a sua execução encontre a reluctancia de antigos habitos, ou de interesses e pretensões individuaes, que por via de regra buscam acobertar-se com as piedosas intenções dos fundadores d'esses institutos, como se a diversidade de meios convergindo para o mesmo pio e religioso fim, não se traduzisse sempre pela pratica sublime da caridade evangélica, que inspirara essas beneficas instituições. E quem sabe quantas d'ellas podiam alargar o beneficio da educação, tornando-a mais solida o completa, se o isolamento era que vivem, e a escassez de recursos as não privasse dos valioso3 meios e mutuos auxilios de que uma direcção commum póde dispor n'um só estabelecimento, organisado segundo as necessidades da epocha, e as condições economicas da sociedade actual.»

Não é preciso acrescentar mais. D'e3ta luminosa exposição resultam fundadas rasões para justificar as providencias que tenho a honra de submetter ao vosso esclarecido voto.

Artigo 1.° O governo é auctorisado a contrahir um emprestimo até á quantia de 300:000$000 réis, com juro que não exceda a 6 por cento ao anno.

Art. 2.° O producto d'este emprestimo, realisado em

1 O convento de Santa Clara é edificio tão vasto, que passavam de trezentas, entre religiosas, educandas, seculares e serventes, as pessoas do sexo feminino que n'elle residiam. Só as religiosas professas eram noventa e nove — Rebello da Costa, Descripção do Porto, 1789, 1 vol. 8.º

Entre os recolhimentos do sexo feminino que podiam transferir-se para este convento ha o das orphãs de Nossa Senhora da Esperança, que tem vinte e tres orphãs, e quarenta porcionistas; e o das meninas desamparas, sito no Postigo do Sol, que couta trinta e uma alumnas, e cuja casa podia servir para collegio dos meninos orphãos, que actualmente não chegam aquelle numero.

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prestações ou series, conforme se convencionar será exclusivamente applicado á conclusão do edificio da academia polytechnica do Porto, segundo o projecto e orçamento apresentados ao governo em 26 de janeiro de 1863.

Art. 3.° O governo é auctorisado a applicar ao pagamento dos juros e amortisação de capital do emprestimo a verba de 27:000$000 réis, que será annualmente votada pelas côrtes.

Art. 4.° O governo é auctorisado a reunir no convento de Santa Clara os recolhimentos de sexo feminino que existem actualmente na cidade do Porto, e a transferir para qualquer dos edificios, que ficarem desoccupados, e se julgar mais apropriado, o collegio dos meninos orphãos, que está dentro do estabelecimento da academia polytechnica.

Art. 5.° Logo que esteja acabada a parte exterior da nova construcção, será vendido o palacio de S. Lazaro, onde estão actualmente a bibliotheca publica e a academia das bellas artes, bem como o terreno pertencente ao mesmo predio, e o producto da venda será empregado na conclusão daquellas obras.

Art. 6.° O novo edificio será destinado para a academia polytechnica, para o instituto industrial, para a academia das bellas artes e para a bibliotheca publica, e denominar-se-ha paços dos estudos no Porto.

Art. 7.° A administração dos fundos levantados em virtude das auctorisações concedidas pela presente lei, e a direcção e fiscalisação das obras a que são destinados, serão commettidos a uma commissão de cinco membros sob a inspecção do governo, ao qual a mesma commissão prestará regularmente conta do emprego que for dando aos fundos.

§ unico. A academia polytechnica elegerá para esta commissão dois dos seus vogaes, o instituto industrial um, a academia das bellas artes outro e a camara municipal a pessoa que julgar competente.

Art. 8.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos deputados, 31 de janeiro de 1876. = O deputado por Pombal, Antonio José Teixeira = Antonio Maria Pereira Carrilho.

A commissão de fazenda ouvida a de instrucção publica.

A camara decidiu que fosse publicada no Diario do governo uma representação da camara municipal de Óbidos, apresentada na sessão antecedente pelo sr. Luciano de Castro.

O sr. Ministro da Fazenda (Serpa Pimentel): — Mando para a mesa a seguinte proposta de lei:

N.° 10-0

Senhores. — Foi pela administração da casa real indicada ao governo a conveniencia de se permutar, por titulos de divida publica consolidada, uma porção de diamantes em bruto e alguns lapidados sem applicação provavel, e cujo valor, hoje improductivo, póde pela permutação proposta contribuir para facilitar a administração da fazenda real.

Outros diamantes da corôa nas mesmas circumstancias têem tido a applicação que se pretende dar a estes, em virtude das leis de 23 de maio de 1859, de 30 de junho de 1860 e de 28 de maio de 1863.

Sendo certo que o preço que actualmente têem as pedras preciosas torna vantajosa esta operação, que ella de nenhum modo prejudica o esplendor da corôa portugueza, por isso que as joias de que se trata não servem para o seu uso, e que os bens da corôa, sem ficarem desfalcados no seu capital, obtém d'esta maneira um acrescimo no seu rendimento; tenho a honra de propôr á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É permittida a venda de tantos diamantes em bruto e lapidados, pertencentes á corôa d'estes reinos, quantos necessarios forem para com o seu producto se comprarem para a mesma corôa titulos de divida interna consolidada de assentamento e juro de 3 por cento ao anno, até o valor nominal de 500:000$000 réis.

Art. 2.° São em tudo applicaveis á venda auctorisada pelo artigo antecedente as disposições dos artigos 2.°, 3.°, 4.°, 5.° e 6.° da carta de lei de 23 de maio de 1859.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Ministerio dos negocios da fazenda, gabinete do ministro em 1 de fevereiro de 1876. = Antonio de Serpa Pimentel.

Foi enviada á commissão de fazenda.

O sr. Secretario (Ricardo de Mello): — Foi remettida á mesa uma representação que o sr. João Lupi Esteves de Carvalho dirige a esta camara. Vae ser enviada á commissão de administração publica.

O sr. José Guilherme: — Mando para a mesa uma declaração, de que não tenho comparecido ás sessões da camara, desde 11 de janeiro passado, por motivos justificados, e de que, se estivesse presente na sessão de 28 do mesmo mez, teria votado contra a proposta do sr. Pinheiro Chagas, para o inquerito parlamentar.

O sr. Thomás Ribeiro: — Mando para a mesa uma representação dos amanuenses das secretaria d'estado, que pedem augmento de vencimento.

As rasões em que se funda este pedido fallam mais alto do que o que eu poderia dizer agora; mas reservo-me para quando vier á discussão o parecer da commissão respectiva, apresentar as considerações que se me offerecerem.

O sr. Pinheiro Chagas: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Ministro das Obras Publicas (Cardoso Avelino): — Em respostas ás considerações que acabou de fazer o illustre deputado, tenho a declarar que s. ex.ª está equivocado.

Quando s. ex.ª se referiu á falta em que o governo estava por não ter apresentado o bill de indemnidade pelas despezas feitas com a exposição de Vienna de Austria, respondi que a proposta para o governo ser auctorisado a fazer estas despezas estava na camara.

Effectivamente ella foi apresentada na sessão de 1875, creio que teve parecer da respectiva commissão, mas a sessão fechou-se e o governo não ficou auctorisado por este modo a fazer estas despezas.

Não me referi ao bill da indemnidade, porque isto era uma inexactidão, que eu não podia proferir, referi-me á proposta para o governo ser auctorisado a fazer as despezas necessarias com a exposição de Vienna. Ainda não apresentei a proposta para legalisar estas despezas, porque depois da infausta morte do sr. Fradesso, que foi nosso commissario n'aquella exposição, ainda isso se não se póde fazer, mas logo que esteja feito hei de apresentar a proposta para ellas serem legalisadas.

Por consequencia, repito, não me referi ao bill de indemnidade, referi-ma á proposta para o governo ser auctorisado a fazer as despezas com a exposição de Vienna.

O sr. Ministro da Marinha (Andrade Corvo): — O illustre deputado o sr. Pinheiro Chagas acaba de chamar a attenção do governo para o facto extremamente notavel da viagem do celebre explorador inglez Cameron, que atravessou a Africa de um a outro lado.

Disse s. ex.ª que n'essas circumstancias o governo portuguez não se devia mostrar estranho a este facto, que tanto interessa ao paiz e á sciencia.

Quando o celebre explorador Cameron começou a sua viagem, o governo inglez e a sociedade geographica de Londres participaram-no ao governo portuguez, e este fez as recommendações mais explicitas a todas as suas auctoridades, a fim de auxiliarem e apoiarem por todas as formas o illustre explorador; e na historia da sua viagem se vê a cada passo o fructo que tivera esta recommendação do governo o que o illustre explorador da sociedade geo-

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graphica de Londres reconheceu do um modo honroso pura essa sociedade e para o governo portuguez.

Esta exploração foi do certo uma das mais importantes que se têem feito n'estes ultimos tempos, mas tinha sido precedida por outra portugueza, não menos importante para a sciencia.

Ha a attender á differença que resulta do progresso dos tempos e da marcha da sciencia, á maior precisão no methodo de observação, á exactidão dos determinos geographicos, essenciaes para a sciencia, e emfim aos recursos de que podia dispor o explorador inglez e que infelizmente não estavam ao alcance dos exploradores portuguezes.

Sempre que uma sociedade scientifica ou um governo manda emissarios seus fazer explorações á Africa, nunca o governo portuguez, pelo menos durante o tempo que tenho gerido a pasta da marinha, deixou de prestar a essas commissões scientificas o mais completo auxilio, o que tem merecido, tanto d'esse3 governos como das sociedades scientificas, as maiores provas de gratidão, que são principalmente honrosas para o paiz.

Referiu-se o illustre deputado á importancia que os descobrimentos na Africa têem para os portuguezes mais que para as outras nações. Isso é perfeitamente exacto; mas o illustre deputado sabe muito bem que nós estamos passando por uma transformação nas nossas colonias, que de corto caminhará mais rapida do que a que se tem feito no reino.

Era preciso primeiro estudar a nossa administração e os nossos meios de organisação, antes da entrarmos em um caminho, que de certo surgirá em breve, que nos levasse a occuparmo-nos de explorar para o progresso da sciencia.

Devemos promover uma exploração «scientifica para reconhecer a possibilidade de enunciar por meio de um canal de navegação 03 rios Zambeze e Zaire. Segundo observações do explorador Cameron, a possibilidade de se poder estabelecer communicação entre estes dois rios é da tal ordem, que póde ser qw-.1 navegação de um para outro lado se faça sem o emprego de grandes capitães. affirma-se que a communicação entre os dois rios se póde fazer por meio de um canal, que pouco excederá a 30 ou 40 milhas.

É difficil a era preza de certo, mas parece não haver accidentes de terreno que obriguem a obras de arte de tal importancia, que se possa suppor que e seu canal custe sommas extraordinariamente consideraveis, e que o governo portuguez não possa propor-se a estudar a sua exequibilidade.

Conseguida a união dos dois rios, terá esse facto summa importancia fluvial; a verdadeira fronteira da Africa será a linha portugueza no norte.

Eis o que eu desejava dizer ao illustre deputado para tranquillisar o seu amor á sciencia, que muito prezo e considero, e para illustrar a camara sobre os factos anteriores, que provam que o governo portuguez nem uma só vez se desinteressou das explorações scientificas feitas na Africa e lhes prestou sempre o auxilio que nenhum outro governo poderia prestar-lhes com tão bom exito.

O sr. Boavida: — Li ha pouco no Diario do governo de 24 de janeiro ultimo uma portaria asnignad.1 pelo sr. ministro do reino, a qual me parece illegal, pois que tende a restabelecer as remissões por dinheiro no recrutamento, que se acham abolidas pela lei do 17 de abril de 1873.

Como é esta uma questão grave de administração, e eu não posso convencer-me de que o illustre ministro do reino quizesse arvorar-3e em dictador, assumindo ou usurpando attribuições legislativas, espero que s. ex.ª dê ao parlamento e ao paiz as explicações convenientes, e declare se está, ou não, resolvido a executar a lei a que me referi.

Depois das explicações do illustre ministro, peço a V. ex.ª que me permitta usar da palavra, dando-m'e para responder a s. ex.ª, se assim for necessario.

O sr. Ministro do Reino (Rodrigues Sampaio): — Eu creio que a portaria a que o illustre deputado se referiu é

uma consequencia da lei e não é a sua alteração. Não se falla ali, creio eu, de remissões. Foi elle que, onde estava substituições, poz, mas não fui eu, remissões.

N'aquella portaria não se faz senão corrigir os resultados de uma portaria anterior, que, em beneficio dos proprios recrutados se tinha expedido, obrigando todos os meu cubos ao recrutamento nos oito dias que se davam para elles apresentarem substitutos. (Apoiados.)

Para obstar a es3e mal, disse-se: «Continuam os oito dias, mas hão de prestar uma fiança».

Foi isto o que se fez. Não ha remissão. Podem apresentar os substitutos, porque as substituições estão permittidas. O meio de regular o pagamento dessas substituições é da attribuição do governo. (Apoiados.)

Creio que todos querem que a lei do recrutamento seja executada, e que ninguem quererá favorecer a fuga dos que verdadeiramente devem fazer o serviço, para este ir recaír sobra aquelles que, se não houvesse os substitutos, seriam sujeitos a elle. (Apoiados.)

Foi essa a intenção e creio que é a letra.

Se houver alguma palavra que indique a remissão, eu reformarei o meu juizo, porque sei que não são admittidas as remissões, mas que são admittidas as substituições, o é este o processo para que não se eximam ao serviço aquelles que o devem fazer.

O sr. Vieira das Neves: — Mando para a mesa o seguinte requerimento. (Leu.)

O sr. D. Miguel Coutinho: — Sr. presidente, a bondade e as bellezas da lei de 16 de abril de 1874, vão-se manifestando. Aqui, n'esta casa, já alguns deputados da maioria pedem a sua alteração; lá fóra, os povoo no uso do direito que lhes confere a constituição do estado, tambem reclamam contra as suas principaes disposições. Ainda hontem começou a ostentar-se esta lei e já os seus funestos resultados começam a sentir-se! Santa o justa lei!! (Apoiados.)

Quando em 1874 se discutia n'esta casa a respectiva proposta, a opposição cumpria o seu dever, demonstrando até á evidencia os prejuizos que ella havia do causar forçosamente aos interesses dos povos. Foi vencida então, é verdade, não pela luz da rasão, mas pela força do numero. (Apoiados.)

Lá fóra os povos da maior parte dos concelhos tambem reclamaram contra tal proposta, apesar do pomo com que o sr. Barjona os tentava, a creação de comarcas; e todavia ella foi convertida era lei. A vaidade triumphou da justeza dos principios, e a antiquissima instituição dos julgados, que o illustre deputado o sr. Luciano de Castro, quando ministro da justiça, modificara tão sabiamente, foi imolada.

Ressurgirão elles porém um dia?

Os povos desejam-os, a sã rasão aconselha-os, por isso que a experiencia está demonstrando que a execução d'esta lei, não trazendo para os povos vantagem alguma, antes os onera com pesadíssimos encargos o grandes incommodos I (Apoiados.)

Ha dias tive a honra de mandar para a mesa duas representações reclamando contra esta lei, sendo uma da camara municipal e outra dos quarenta maiores contribuintes do concelho de Ponte do Sor, hoje cabe-mo a honra de mandar outra sobre o mesmo assumpto, firmada pelos illustres membro3 da camara municipal do concelho de Constança, pertencente ao circulo que tenho a honra do representar.

Peço a V. ex.ª, a exemplo do que se tem praticado com outras desta natureza, que seja publicada no Diario do governo.

E a respeito d'esta questão, que ha de ser tratada aqui brevemente, concluo, affirmando, porém, d'aqui ao meu paiz que hei de combater com todas as forças da minha humilde intelligencia para que justiça seja feita aos povos, revogando-se finalmente tão prejudicial lei.

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Desejava tambem dirigir-se ao illustre ministro da guerra; mas visto s. ex.ª não estar presente, peço a V. ex.ª que, no caso de s. ex.ª comparecer antes da ordem do dia, me conceda novamente a palavra.

O sr. Presidente: — Passa-se á ordem do dia.

ORDEM DO DIA

Interpellação do sr. Barros e Cunha ácerca da concessão do ramal da linha ferrea de Cacilhas ao Pinhal Novo

O sr. Barros e Cunha: — A minha nota de interpellação encerra-se em saber se por acaso uma concessão feita pelo ministerio das obras publicas, do ramal do caminho de ferro do Pinhal Novo, dirigindo-se a um outro caminho de ferro já concedido, de Cacilhas a Cezimbra, carece ou não carece, para ser definitiva, da approvação do parlamento. Liga-se com esta questão, que é questão de lei, a questão de facto, qual é conhecer se o contrato feito, mesmo quando podesse ser legal, foi vantajoso para o estado.

Os documentos fornecidos á camara pelo sr. ministro das obras publicas são tão variados e de tal maneira confusos, que terei alguma difficuldade em os expor ao parlamento, e sobretudo em especificar os pontos precisos que no meu espirito, e na opinião de todo o paiz, levantaram duvidas com respeito á ultima parte d'esta complicadíssima concessão ao sr. Filippe Augusto de Carvalho.

Requereu este concessionario em 10 do fevereiro de 1874 que lhe fosse permittido fazer, em leito proprio e sem subvenção do estado, uma linha ferrea de via reduzida entre Cacilhas e Cezimbra.

Em 12 de fevereiro fez o mesmo concessionario uma declaração annexa, na qual submettia a linha ferrea que elle pedíra ás condições já estabelecidas, para uma concessão identica feita anteriormente na Povoa de Varzim.

Foi consultada a junta consultiva das obras publicas. Em 22 de abril deu ella pareceu favoravel á concessão pedida. Por decreto de 22 do mesmo mez e anno diz o sr. ministro, que tendo ouvido a junta consultiva, e conformando-se com o parecer d'ella, houve por bem fazer a concessão.

Mas, sr. presidente, esta linha de Cacilhas a Cezimbra era uma illusão completa, porque logo em seguida, em 5 de agosto de 1874, requer de novo o sr. Filippe Augusto de Sousa Carvalho para que o governo lhe concedesse a alteração na largura da via, firmando-se nas indicações dos engenheiros a quem tinha encarregado os estudos, e allegando ao mesmo tempo que a conveniencia na transformação para a construcção da via larga, residia principalmente no entroncamento que se devia fazer com o caminho de ferro do Barreiro.

Lançando-se a vista sobre os estudos que acompanham esta petição e sobre o projecto d'ella se vê que eu não vou muito longe da verdade classificando de illusão completa a construcção do ramal de Cesimbra; porquanto, sendo uma das maiores vantagens, segundo allega o mesmo concessionario, o transporte do peixe para o fornecimento da capital, pelos estudos e planos do engenheiro encarregado d'este trabalho, se conhece a impossibilidade absoluta de ligar com o terminus da linha a villa de Cezimbra (apoiados), e que a estação ultima d'esta linha fica estabelecida em Sant'Anna, a mais de tres kilometros de Cezimbra!

Já V. ex.ª e a camara vêem que depois d'este facto ser conhecido pelo sr. Filippe de Carvalho e pelo governo, não podia ser séria a pretensão de fazer transportar o peixe de Cezimbra por aquella linha ferrea, tanto mais que por outro qualquer modo, ou dirigindo em barcos pelo Tejo ou dirigindo-se logo a Setubal, teria mais facil e barato transporte pela linha de sul e sueste que o governo possue, chegaria muito mais facilmente, fosse a Lisboa fosse aos pontos do Alemtejo e do Hespanha.

Consultada, sr. presidente, pelos documentos que tenho juntos, a junta consultiva, ella foi tambem de opinião contraria á utilidade do alargamento da via; mas referindo-se

ás suas manifestações anteriores, fazia chegar ao conhecimento do governo que o alargamento da linha só poderia ser feito por nova concessão, e que o entroncamento com o caminho de ferro do Barreiro a mesma junta considerava contrario aos interesses do thesouro.

Apesar d'isso, por decreto de 29 de dezembro de 1874, o sr. ministro das obra3 publicas concedeu a auctorisação pedida pelo concessionario. E verdade que ha uma grande differença n'este decreto e no outro. No primeiro decreto o sr. ministro declara que concorda com a opinião da junta consultiva de obras publicas; no segundo declara apenas que ouviu a mesma junta. Os requerimentos succederam-se. O sr. Filippe de Carvalho requereu posteriormente o entroncamento da linha do Barreiro, e requereu igualmente uma variante pelo Alfeite.

O decreto de 15 de julho de 1875, contrariando tambem as indicações do corpo consultivo junto do ministerio das obras publicas, investiu o mesmo concessionario, o sr. Filippe de Carvalho, no usufructo da linha que o estado possue, permittindo-lhe ligasse da quinta do Conde, no Pinhal Novo, a mesma linha com a phantastica linha de Cacilhas a Cezimbra.

Eu não sei se será de mais mostrar á camara a planta e o mappa em que estão traçadas estas linhas; mas o caso não está unicamente no facto d'esta concessão gratuita feita pelo sr. ministro contra a opinião dos corpos consultivos, que elle no seu ministerio deve ouvir sobre assumpto tão importante e tão grave; eu considero igualmente que o governo depreciou a propriedade do estado, comprometteu o seu valor e creou difficuldades para a sua alienação futura (apoiados), concedendo n'uma zona de menos de 40 kilometros, conforme está estabelecido no contrato de 1860, uma linha parallela que deve approximar a testa da linha ferrea do Barreiro ao ponto mais estreito do Tejo para o ligar a Lisboa.

Os contratos celebrados pelo governo com as emprezas a quem se fizeram estas concessões estabelecem terminantemente o seguinte: por exemplo, no contrato de 1860 estabelece-se no artigo 28.° que quando o governo viesse a fazer a concessão de qualquer linha ligando-se com a linha ferrea do Barreiro em communicação com outra linha ferrea ou com algum ponto principal, esta empreza concessionaria teria preferencia; e que o governo só a mandaria construir ou concederia a sua construcção no caso de a empreza não ter conveniencia ou não julgar util adquirir a posse d'aquella linha.

O artigo 29.° declara que o governo não póde conceder durante noventa e nove annos, isto é, durante todo o praso da concessão, excepto a distancia maior de 40 kilometros, qualquer outra linha parallela. O artigo 33.° estabelece para o governo e para a empreza a faculdade reciproca de fazer transitar pela linha principal os trens pertencentes a qualquer outro ramal que vá entroncar na linha principal; e isto tambem é outra vantagem que adquiriu o sr. Filippe de Carvalho. Estas estipulações passaram todas para o contrato de 23 de maio de 1864, no qual contrato o governo tinha estabelecido no artigo 19.°, conforme é mencionado no parecer dos distinctos engenheiros que compõem o conselho consultivo junto ao ministerio das obras publicas, que se o governo decidisse em qualquer tempo intentar a construcção da linha ferrea de Cacilhas, formando juncção com a linha do Barreiro, a empreza teria a preferencia d'essa linha.

Todas estas condições passaram para o contrato de 14 de outubro de 1865; foram approvadas por lei do parlamento, foram todas ellas consideradas em vigor pelo decreto de 25 de janeiro de 1866: e ainda depois de rescindido o contrato, quando o caminho de ferro do sul e sueste foi posto em praça, foi-o.com todas as condições que estão estabelecidas nos contratos, que citei ha pouco, conforme manda o decreto de 4 de abril de 1867.

Sendo o estado hoje o proprietario d'aquella linha, e

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tendo sido o sr. Cardoso Avelino signatario, por parte da corôa, dos contratos a que me refiro, eu desejo saber que conveniencia levou o sr. ministro a alienar eu a transferir para terceiro o direito de preferencia na construcção dos ramaes que prejudicam a propriedade que aquellas emprezas usufruiam, e que foi transferida para a posse do estado pela rescisão do contrato de 14 de outubro de 1865.

Que não foi o interesse do paiz, parece-me estar demonstrado; parece-me catar demonstrado que não foi o interesse do thesouro; parece-me tambem estar demonstrado, a não querer pôr em duvida o juizo, o discernimento do proprio sr. ministro, quando por parto da corôa estabeleceu como concessão ás differentes emprezas que se succediam na posse e administração do caminho de ferro do sul e sueste, o direito de preferencia que o estado gratuitamente annullou. (Apoiados.) Não foi o interesso do thesouro, dizem-no os corpos consultivos o a junta do ministerio a que preside o sr. Antonio Cardoso Avelino. O que foi, pois?!

Desejo que o governo ache justificação possivel para este facto; desejo que as explicações do sr. ministro possam satisfazer a representação nacional, e esperando por ellas, peço a V. ex.ª que me reserve a palavra.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Não acompanharei o illustre deputado nas considerações que s. ex.ª desenvolveu para demonstrar que a linha de Cacilhas a Cezimbra é uma linha phantastica, o que a infecção de quem a requereu foi, não o estabelecimento d'esta linha, mas obter aquillo que o sr. deputado alcunhou já, e disse que eram os direitos do estado, consignados nos contratos que ainda estão em vigor a respeito d'aquella lei; não acompanharei s. ex.ª n'essas considerações, porque isso é uma questão completamente alheia para mim. Não indago aqui as intenções de ninguem.

A linha de Cacilhas a Cezimbra foi pedida, foi requerida, foi concedida, e foi consultada do mesmo modo, nos mesmos termos, com as mcsma3 condições com que outras muitas linhas o foram em differentes pontos do paiz; foram exactamente requeridas, consultadas e concedidas. (Apoiados.) se as emprezas antes de fazerem esse pedido erraram na apreciação economica, no verdadeiro valor das concessões que pediram ao governo, a responsabilidade é d'ellas; o seu erro, o futuro lh'o demonstrará; mas a responsabilidade não é do governo, que n'estas concessões todas não attende senão unicamente ás vantagens que ellas podem trazer ao paiz; porque cada uma d'estas linhas tem as suas funcções proprias.

Portanto, o governo, quando se lho apresenta um podido para a concessão do um caminho de ferro, ou seja de via estreita, de via larga ou americano, não aconselha os concessionarios a que pensem bem, que meditem e que estudem se d'ali podem tirar o proveito que calculam. Isso é funcção do proprio interessado, e se acertem melhor para o paiz, se não acertam peior para elles, e virá depois outra empreza mais feliz que realise os beneficios que a primeira teve em vista e não póde levar por diante.

Portanto, eu, ministro das obras publicas, não era encarregado de estudar as condições domesticas da empreza do sr. Filippe de Carvalho; eu, ministro das obra3 publicas, não sei nem quero saber como se chama o concessionario. (Muitos apoiados.) Vejo se a concessão se póde fazer; vejo se o interesse publico póde aproveitar o desde que d'isso me convenço não tenho duvida em fazer a concessão.

Mas diz-se «não seguiu o parecer do conselho das obras publicas». Tive essa audacia, como disse o sr. Pinheiro Chagas, e eu confesso esse grande defeito. Tive a audacia de sustentar os meus actos: como tenho a audacia dos meus actos, tenho a audacia de não resolver se não pela minha rasão (apoiados).

A junta consultiva de obras publicas, effectivamente antes de ser pedido o ramal do Pinhal Novo, disso ao governo que essa concessão poderia ter graves inconvenientes para

o estado; mas como essas rasões não ma convenceram o a responsabilidade era minha, da mesma maneira que se algum ministro viesse aqui desculpar-se com o parecer dos corpos consultivos, todos lhe diziam que a responsabilidade era d'elle (apoiados), eu resolvi conformo entendi.

Respeito todos os membros do conselho de obras publicas, e sou o primeiro a dar testemunho da sua isenção e do seu interesso pelos negocios do estado, mas respeito mais ainda a minha opinião, o como a responsabilidade e só minha, eu quero responder por aquillo que eu entendo, e não por o que entendem os outros (apoiados).

Diz se «esta concessão depreciou as linhas do estado e depreciou-as porque, estabelecida aquella linha de Cacilhas a Cezimbra e construido que seja o ramal de Pinhal Novo, o preço do caminho de ferro do sul para o caso do estado o querer vender ha do ser por força diminuido.» Mas, pergunto eu, que rasão haverá para uma linha que é phantastica, na opinião dos illustres deputados, que rasão haverá, digo, para ella ter lai importancia na opinião dos homens que quizerem fazer qualquer operação sobre aquelle caminho de ferro? (Apoiados.) Naturalmente os homens que quizessem comprar o caminho haviam de ser individuos que conhecessem bem os seus interesses, e então que rasão póde haver para que uma linha phantastica vá prejudicar uma linha que tem um grande valor? Tem um tão grande valor, que levanta, não digo uma accusação, mas suspeita contra o ministro por não ter malvado os interesses do thesouro.

A linha é fraca. O que é que prejudica? E o ramal do Pinhal Novo? Como é que o ramal do Pinhal Novo póde prejudicar o caminho de ferro do sul?

Ò illustre deputado não foi bem explicito n'este ponto S. ex.ª ha de fallar outra vez, e eu hei de responder a esta ou outro qualquer enunciado do illustre deputado. Mas desde já digo á camara, que o ramal do Pinhal Novo não póde de fórma alguma prejudicar a linha do sul, que pertence ao estado. E esta proposição que avanço desde já, eu a demonstrarei quando a isso for provocado pelo illustre deputado na continuação do debate.

O illustre deputado diste tambem que aquella linha era illegal, prejudicava a outra, porque era uma linha parallela. Disse que eu tinha concedido uma linha parallela. Não sei se s. ex.ª disse bem isto; se não disse, retiro. V. ex.ª disse que era uma linha parallela, ou não? (Dirigindo-se ao sr. Barros e Cunha) Se não disse...

(Interrupção do sr. Barros e Cunha, que não se ouviu.)

Eu tomei nota assim.

Vozes: — É exacto.

O Orador: — Creio que escapou ao sr. Barros e Cunha esta phrase. O governo não estabeleceu linha alguma parallela.

(Interrupção do sr. Barros e Cunha, que não se ouviu.) S. ex.ª diz que não se lembra, e eu não insisto n'este parallelismo.

O illustre deputado argumentou contra mim tambem com o artigo 28.° do contrato de 29 de maio de 1860, com o artigo 29.° e com o artigo í>3,°

Peço á camara que tenha a paciencia do ouvir a leitura dos artigos; é quasi o fim d'esta minha oração. O artigo 28.° diz assim: «Concedo mais o governo á empreza a faculdade de construir todos os ramaes que possam alimentar a circulação das linhas concedidas por este contrato, excepto se estes ramaes excederem 18 kilometros ou conduzirem a povoações ou quaesquer pontos por onde passe outro caminho de feiro, precedendo sempre o respectivo contraio especial com o governo, e será que este pela dita construcção lhe pague subsidio algum, ou lhe garanta qualquer beneficio. Quando porém o governo julgar necessario construir alguns d'estes ramaes, e a empreza se não prestar a isso, o governo reserva-se muito expressamente o direito de construir, ou contratar a sua construcção com qualquer empreza, nos termos que lhe aprouver».

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N'este artigo ha dois pontos distinctos. No primeiro concede á empreza que estivesse na fruição d'este contrato a faculdade da construir os ramaes que não excedessem 18 kilometros; e em segundo logar, se o governo entendesse que alguns desses ramaes deviam ser construidos, e a empreza 03 não construísse, o governo reservava-se o direito da construir ou contratar com alguma empresa nos termos que lhe aprouvesse. O principio geral que resulta d'este artigo é que o governo tinha a faculdade incontestavel de conceder ramaes contratando-os com emprezas ou construindo-os por conta do estado.

A citação que o illustre deputado fez do artigo 29.° fez-me pensar que s. ex.ª se tinha referido ás linhas parallelas, porque se não fosse assim, não teria citado este artigo, que trata d'essas linhas.

O sr. Barros e Cunha: — Fallei em parallelas e tornarei a fallar.

O Orador: — Muito bem; então vamo3 ás parallelas. O artigo 29.° diz o seguinte: «O governo não poderá conceder, durante o tempo d'esta concessão, linha alguma parallela, ou que fazem objecto do presente contrato, sem consentimento da empreza, excepto a uma distancia d'estas superior a 40 kilometros».

E um artigo que está em quasi todos os contratos que se têem feito com as emprezas de caminhos de forro. E uma garantia que se dá a todas ellas. O governo concedeu alguma linha parallela no sentido em que esta palavra se deve entender na construcção do caminho de ferro, a respeito da linha do sul? No sentido em que esta palavra se deve entender, não é o parallelismo geométrico.

Linhas parallelas são um caminho de ferro, já se vê parallelo a outro, e é preciso que parta do mesmo ponto e que termine em ponto igual. Se o caminho partir de um ponto e for acabar em outro differente, é uma linha divergente; portanto a linha de Cacilhas a Cezimbra é divergente, porque nem parte do mesmo ponto no Barreiro, nem se dirige para Evora, Beja, Algarve, Guadiana, nem para Extremoz, portanto não é linha parallela, no sentido em que esta palavra se costuma entender nos contratos.

Podemos suppor que este caminho de ferro, partindo de Cacilhas, parte de Lisboa e termina em Cezimbra, e o caminho do sul nem para lá caminha.

Querem dizer que a linha de Cacilhas a Cezimbra está ligada com o caminho da ferro do sul, pelo ramal do Pinhal Novo; pois nem is30 mesmo poda ser rasão para se dizer que essa linha é parallela; n'esse caso fica sendo uma linha convergente.

Parece-me pois que o artigo 29.° não e argumento contra o governo.

O artigo 33.° diz: (leu).

Este artigo creio que foi citado pelo illustre deputado para demonstrar que o governo concedeu ao sr. Filippe Augusto de Carvalho a faculdade de transitar por cima das linhas do estado.

Ora, se o sr. Filippe da Carvalho construir o caminho por fórma que a circulação das suas carruagens não traga prejuizo para o estado, e que seja uma conciliação de interesses, e não prejudique o publico, conciliação da interesses, que em uma das ultimas sessões mereceu uma especial attenção ao sr. Pinheiro Chagas...

Mas no artigo 19.° do contrato de 1864 diz-se o seguinte: (leu).

Este direito do preferencia vem annullado? Não vem, o governo não o annullou.

O direito de preferencia não era do governo, era da uma companhia que já não existe, e o governo não annullou similhante direito.

Eu declaro aos illustres deputados, apesar de ha pouco tempo a camara ouvir dizer que o ministro das obras publicas não tinha opinião segura sobre a questão da lesta da linha do sul, eu desde já apresento a minha opinião, que sempre tive e continuarei a ter até declaração em concessão de 1 de fevereiro

contrario, de que a testa da linha não poda ser senão no Barreiro, porque é mais barato para o estado fazer uma estação com verdadeiras condições de embarque e desembarque, e de commodidade para o publico, do que vir a Cacilhas, o sobrecarregar o estado com enormes despezas, fazer ali does, caes e os armazens indispensaveis para o caminho de ferro.

O sr. Pinheiro Chagas: —V. ex.ª tom a bondade do me explicar porque é que na portaria se diz entre Barreiro o Cacilhas?

O Orador: — Não é em Cacilhas, é no Barreiro.

(Interrupção.)

Eu já disse que a consulta da junta consultiva tem para mim grande valor pela respeitabilidade dos seus membros. (Interrupção.)

Peço perdão. O ministro quando manda estudar dá toda a latitude aos engenheiros encarregados d'esses estudos, e depois reserva-se para resolver conforme entendo mais conveniente.

Eu podia ler a minha opinião fixa para a ultima resolução, mas não a podia nem devia ter para os estudos.

Pois os governos d'esta terra não têem tido opinião quando, antes de mandarem fazer 03 estudos, tratavam da construcção dos caminhos de ferro do norte o lesta, do sul a sueste sobre a conveniencia d'esses mesmos caminhos? Pois o governo não tinha opinião a respeito da conveniencia do caminho de ferro da Beira Alta e da Beira Baixa? Tinha-a a respeito da utilidade, mas a respeito dos estudos não a podia ler. O governo póde ter opinião fixa no traçado que mais ou menos se póde seguir depois de receber as informações dos engenheiros.

Acrescentando ainda algumas pequenas considerações direi que a junta consultiva não dizia aonde devia ser a testa da linha.

O sr. Pinheiro Chagas: — Entre o Barreiro e Cacilhas.

O Orador: — Mas entre o Barreiro e Cacilhas aonde e? Não é Barreiro nem Cacilhas. (Interrupção.)

O sr. Presidente: — Peço aos sra. deputados ordem; quem tem a palavra é o sr. ministro das obras publicas. (Apoiados.)

O Orador: — A junta consultiva dizia n'uma Consulta que a estação do Barreiro nas suas condições actuaes não satisfazia ás necessidades da exploração.

O sr. Pinheiro Chagas: — Dizia mais.

O Orador: — Dizia que era preciso estudar a maneira de obviar a este inconveniente. Eu estou convencido, como está toda a gente, que a estação do Barreiro nas suas condições actuaes não satisfaz ás necessidades do serviço, mas não estou convencido que seja precÍ30 muda-la para Cacilhas ou para outro ponto; estou convencido que se aproveita muito mais em fazer as obra3 indispensaveis para a alargar e estabelecer officinas e armazens, e aproveitar a bacia do rio com 8 ou 10 melros da profundidade nas marés baixas para poderem fundear os navios de grande porte que vão ali buscar minerio.

Limito aqui as minhas observações e reservo-lhe para depois, se for preciso.

O sr. Barros e Cunha: — Creio que a phrase linha phantastica, com que classifiquei o caminho de ferro de Cacilhas a Cezimbra, não podia de modo nenhum confundir-se nem prestar-se a que o sr. ministro das obras publicas se entrincheirasse n'ella para tirar o valor que dei á que por opposição a essa sempre classifiquei e considerei como sendo o objecto principal dos requerimentos, transformações e petições feitas pelo concessionario, o sr. Filippe da Carvalho, a quem o sr. ministro concedeu o ramal que liga a linha ferrea do Barreiro á famosa linha de Cacilhas.

Portanto não é phantastica a linha do Barreiro a Cacilhas; mas o que eu sempre considerei phantastico foi a

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proposta da linha de Cacilhas a Cezimbra, porque pelo estudo do proprio engenheiro que o concessionario encarregou d'aquelle trabalho, se mostra que essa linha não póde chegar a Cezimbra.

O sr. ministro julgou tambem que devia esclarecer me ácerca do modo por que elle considera pessoalmente, individualmente, em relação aos interesses que podem ter, ou não podem ter, as pessoas que no seu ministerio são partes para obter qualquer concessão.

A camara já e3tava certa d'isso, pois o sr. ministro nem sequer se lembrava de que tinha feito a concessão ao sr. Filippe de Carvalho, como podia eu querer que se lembrasse dos interesses dos concessionarios; o sr. ministro faz as concessões por ellas e não por quem as pede. A camara está certa d'isso; eu estou certissimo e o paiz tambem o está.

O sr. ministro declara que tem a responsabilidade dos seus actos e como tem a responsabilidade dos seus actos entende melhor não se conformar, quando quer assumir essa responsabilidade, com as consultas que faz a corporação que o aconselha no seu ministerio. O que eu acho notavel é que o sr. ministro n'uns decretos julgue tão essencial dizer que se conforma com a opinião da junta consultiva de obras publicas, e que não julgue da mesma fórma essencial declarar nos outros que se não conforma com ella. Porque é que o sr. ministro, assim como, quando se conforma com a opinião da junta consultiva, diz que se conforma, não vem dizer que a ouviu, mas não se conforma com ella, quando se não conforma? Porque é que não diz: «Não me conformo com a opinião da junta e hei por bem fazer a concessão pedida?»

Assim ficariamos nós esclarecidos desde logo e sabendo que o illustre ministro n'essa occasião tinha assumido a sua responsabilidade; emquanto que todas as vezes que se conforma com a opinião da junta partilha com ella a responsabilidade que nos outros casos assume.

Mas não se trata da responsabilidade do sr. ministro, nem das considerações que presidem aos seus actos para se conformar ou não com a opinião dos corpos consultivos. O sr. ministro é responsavel, como parte do poder executivo, para com a representação nacional e a nação portugueza.

E estando s. ex.ª em contradicção com a opinião dos corpos consultivos, sendo deteriorados os valores das propriedades que lhe estão confiadas, a nação portugueza tem direito de lhe pedir contas da rasão porque procedeu de uma maneira differente d'aquella por que entendiam os corpos que a mesma nação paga para o aconselhar sobre este e outros assumptos. (Muitos apoiados.)

O sr. ministro não tem ali a sua propriedade, de que póde dispor caprichosamente, a seu talante (apoiados); o sr. ministro tem responsabilidades e responsabilidades tanto mais graves, quando pelo contrato que acaba de citar o sr. ministro das obras publicas, por parte da corôa, estipulou e estabeleceu como vantagem para as emprezas que tenham a construcção e exploração da linha do Barreiro o direito de preferencia na construcção e exploração dos ramaes que fossem entroncar-se n'essa mesma linha.

O artigo que o sr. ministro citou tem duas partes, é verdade; uma é a que permitte á empreza construir até 18 kilometros; e a outra é a que permitte ao governo conceder ou construir os ramae3 que forem entroncar n'essa linha a uma distancia maior. Mas o sr. ministro occultou habilmente, que só póde fazer essa concessão quando a empreza que estiver em posse da linha não quizer, ella mesma, essa posse e propriedade. Isto é o que está no artigo 28.°

Vozes: — Qual empreza?

O Orador: — Os illustres deputados perguntam: «Qual empreza?!»

O sr. ministro podia fazer aquella concessão? Não podia. E porque e que não podia? Porque ía atacar os interesses e os direitos da empreza exploradora. Esta é a differença. Pois porque o thesouro é proprietario de um direito que tinha concedido, de uma vantagem que tinha estipulado, póde o sr. ministro dar essa vantagem a terceiro? Essa é a minha pergunta e a minha questão. (Apoiados.) Pôde e tanto póde que o fez!

(Interrupção que não se percebeu.)

Pôde, sim senhor, e póde fazer muitas outras cousas, mas a representação nacional, quando tiver conhecimento d'ellas, tem direito, tem obrigação de dizer ao ministro que lhe mostre quaes as vantagens por que cedeu dos direitos de que era depositario e que o paiz pagou com sommas avultadas e sacrificios enormes. (Apoiados.)

E o sr. ministro declinou habilmente o dever que tem de explicar isto ao parlamento! Por ora o sr. ministro disse-nos sómente: «que não havia desvantagem para o estado; e que a linha não era parallela, porque linha parallela era aquella que partia do mesmo ponto.» Por mais que queira illudir-me e acceitar a explicação do sr. ministro, não posso, como não posso acceitar a sua geometria, quando, explicando-nos a accepção em que deve ser tomado o artigo 33.°, nos diz que considerava de uma grande vantagem para a nação e para o thesouro que o sr. Filippe Augusto de Carvalho (vejo que não posso deixar de referir este nome, porque se refere ao concessionario), que o sr. Filippe Augusto de Carvalho fizesse transitar os seus trens pela linha ferrea do estado, que os trouxesse pela linha a que o sr. ministro chamou divergente, desviando em toda a extensão da linha ferrea do Pinhal Novo até Cacilhas as mercadorias e passageiros que de outra sorte teriam ido do Pinhal Novo pela linha ferrea do Barreiro. (Apoiados.) O sr. ministro diz-nos que não haverá perda na construcção do ramal do Pinhal Novo, porque a testa da linha será sempre no Barreiro. E disse mais s. ex.ª, que teve sempre esta opinião, embora a junta consultiva de obras publicas a não tivesse nem os homens technicos. O sr. ministro, que professou e teve sempre esta opinião, mandou ha pouco tempo estudar a ponte na margem esquerda do Tejo, onde se devia fazer e estação terminus, por ser inconveniente aquella que actualmente existe no Barreiro. A estação do Barreiro é o ponto principal e o unico. Era esta a opinião do sr. ministro, mas s. ex.ª no mesmo tempo mandou estudar o ponto em que o terminus do caminho de ferro fosse mais vantajosamente construido. Ora, porque eu não entendia nem entendo o que se passa n'esta complicadíssima evolução de regulamentos, portarias, consultas e pareceres com que o sr. ministro se conforma umas vezes e se não conforma outras; d'essas consultas sobre linhas ferreas estreitas e linhas ferreas largas, que não posso comprehender cousa alguma d'ellas, é que pedi ao sr. ministro me desse explicações, que sinto muito dizer, que as que s. ex.ª me deu não me satisfizeram, antes pelo contrario, confirmaram ainda mais e mais no meu animo a idéa em que estava de que o governo comprometteu a propriedade que o estado possue, que o sr. ministro devia ser o primeiro a fiscalisar. (Apoiados.) Eu fico seguro de que a concessão feita só dará em resultado deprecia-la, e tanto mais reprehensivel me parece o acto, que nós só estavamos esperando opportunidade de vender aquella linha ferrea, deliberação esta que não está senão adiada para occasião favoravel. Não posso conformar-me de modo algum de que os interesses de uma companhia possam ser differentes dos interesses do governo, quando o governo foi substituir essa companhia n'uma propriedade que por concessão do estado lhe tinha sido dada com certas e determinadas vantagens, cedendo d'essas vantagens em beneficio de terceiro.

Reservo-me para ouvir novas explicações do governo, se por acaso elle as quizer dar, para seguir esta discussão, visto que acaba de ser feito um requerimento para que os outros membros do parlamento tomem parte na interpellação que annunciei.

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E rc3ervo-mo tambem para depois mandar para a mesa uma moção, a qual de certo não será de louvor para o governo, nem de confiança no gabinete. (Muitos apoiados.)

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Luiz de Campos: — Satisfazendo ás prescripções do regimento, mando para a mesa o meu requerimento, que é para que V. ex.ª consulte a camara se consente que de um e do outro lado possam os differentes deputados tomar parte n'esta interpellação.

Consultada, a camara decidiu afirmativamente.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Pinheiro Chagas.

O sr. Pinheiro Chagas: — Parecia-me melhor que V. ex.ª concedesse agora a palavra a algum sr. deputado que a tivesse pedido contra a proposta do sr. Barros e Cunha.

(Differentes srs. deputados pedem a palavra.) O sr. Ministro das Obras Publicas: — Peço a palavra.

O sr. Presidente: — Na fórma do regimento, concedo a palavra a favor e contra. Agora tem a palavra o sr. ministro das obras publicas.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Desejo sómente dar breves explicações ás ultimas observações do sr. Barros e Cunha.

S. ex.ª estranhou que não declarasse clara, categorica e positivamente que me não conformava com a opinião da junta consultiva. Mas devo dizer a s. ex.ª, que não é delicado dizer em um documento publico, que me não conformo com a opinião do corpo consultivo e do procurador geral da corôa. (Apoiados.) Entretanto, ou me conforme ou não, a minha responsabilidade lá está.

Tambem me parece que o illustre deputado está em equivoco quando diz que, em virtude do artigo 28.°, se existisse uma empreza, o governo não podia construir aquelle ramal.

(Interrupção do sr. Barros e Cunha.)

S. ex.ª póde dizer tambem isso, mas essa não é a sua verdadeira interpretação.

O artigo estabelece claramente na primeira parte, que a empreza tinha o direito de construir um ramal que não excedesse 18 kilometros; e depois na segunda parte do artigo dá o direito ao governo de mandar construir ou contratar a construcção do ramal, se acaso a empreza se recusar a construir o ramal que o governo julga vantajoso.

O sr. Barros e Cunha: — Exactamente. O Orador: — Portanto, existindo uma empreza, mas uma empreza que não quizesse construir aquella obra... (Interrupção.)

Como estamos de accordo limitto aqui as minhas observações.

O sr. Pinheiro Chagas: — De modo nenhum contesto a s. ex.ª o sr. ministro das obras publicas o direito plenissimo de se conformar ou não com os pareceres da junta consultiva de obras publicas; s. ex.ª é responsavel pelos seus actos, ou acceite a opinião das consultas ou a rejeite. É certo porém que a sua responsabilidade moral cresce muito no momento em que se afasta, de um modo tão evidente, de opiniões tão respeitaveis como são as dos membros da junta consultiva de obras publicas, opiniões expressas não uma vez mas muitas vezes e sempre com energia e insistencia. (Muitos apoiados.)

Não entro na questão de discutir se o governo não tem mais que fazer no que respeita a concessões de caminhos de ferro do que ouvir simplesmente as propostas que se lhe fazem e acceita-las sem hesitação, sem attender ás conveniencias do paiz, sem attender ao modo por que esses poderosos instrumentos de civilisação e progresso, que se chamam caminhos de ferro, devem ser distribuidos no territorio nacional, circumstancias a que se attende muitissimo lá fóra e a que se está attendendo cada vez mais.

(Apoiados.) Em toda a parte se cuida em se organisar um plano geral de caminhos de ferro ao qual devem subordinar-se as concessões. Na Inglaterra lamenta-se e muito actualmente não se ter tratado d'esse assumpto em tempo opportuno, e procura-se remediar o mal feito. Esta questão porém e uma questão geral, a que não podia referir-me senão incidentalmente na questão especialissima que nos occupa.

Quando, porém, o sr. ministro declarou que no momento em que se lhe requereu a concessão do caminho de ferro de Cacilhas a Cezimbra, entendeu que era legal a concessão e que portanto a podia fazer, não tinha de certo lido o decreto de 31 de dezembro de 1864, que diz o seguinte. (Leu.)

A lei, como se vê, prohibe ao governo, terminante e explicitamente, conceder, sem auctorisação parlamentar, caminhos de ferro superiores a 20 kilometros. A linha de Cacilhas a Cezimbra tem 34 a 36 kilometros: logo a illegalidade é flagrante. A linha, bem sei, era requerida sem se pedir subsidio, mas o artigo da lei já citado prohibe ao governo a concessão de linhas superiores, ainda que sejam construidas sem o minimo auxilio do thesouro. Eis a situação!

Um caminho de ferro de via larga; um caminho de ferro com todas as condições de um caminho de ferro de 1.ª ordem, superior a 20 kilometros, superior em 14 ou 16 kilometros ao maximum que a lei estabelece; um caminho de ferro n'estas condições foi concedido pelo sr. ministro sem lei que o auctorisasse, sem ter vindo pedir ao parlamento que sanccionasse o contrato feito por elle. (Muitos apoiados.)

Veja bem a camara o que vae sanccionar n'esta occasião.

Se concede que o governo possa arbitrariamente conceder caminhos de ferro em condições de caminhos de primeira ordem excedendo os limites da lei, hoje o governo concede 34 kilometros, ámanhã 50 e depois 100, e d'aqui a pouco toda a rede dos nossos caminhos de ferro póde ser concedida á vontade pelo governo, sem o parlamento ter; n'isso a menor ingerencia. (Muitos apoiados.)

É indispensavel que se respeite a letra da lei. E não se citem exemplos; não ha uma só concessão em condições iguaes a esta que se fez agora.

Podem ter-se concedido tramais, caminhos de ferro de via reduzida, mas conceder um caminho de ferro nas mesmas condições do caminho de ferro do sul, ou do caminho de ferro do norte, superior a 20 kilometros, é o que se não fez até hoje, e nunca portanto se violou tão abertamente a lei. (Apoiados.) E eu estranho tanto mais que o sr. Avelino procedesse assim, quanto pelo seu caracter e pela posição que tem occupado de procurador geral da corôa junto do ministerio das obras publicas, tinha o dever de prezar e de aconselhar o respeito da letra da lei, que era chamado, como ministro, a zelar, a considerar, a guardar e a fazer cumprir. (Muitos apoiados.)

Diz tambem o sr. ministro que não viu o nome do homem que pediu a concessão, viu a concessão apenas.

Não quero contesta-lo, creio até que assim fosse. Quero suppor que o nome do concessionario em nada influiu no espirito do sr. ministro das obras publicas, mas comtudo devo dizer, para ficar com a minha consciencia completamente desaffrontada, que na informação do sr. director do caminho de ferro do sul e sueste vi uma observação que me surprehendeu.

Este cavalheiro diz: como já informei a V. ex.ª sobre o requerimento identico do sr. Jorge Elliott, acho que esta concessão é inconveniente, etc.. Logo houve requerimento anterior do sr. Jorge Elliott. Ora agora o sr. Jorge Elliott foi menos feliz do que o sr. Filippe de Carvalho. O sr. Filippe de Carvalho foi attendido, fez-se-lhe a concessão contra as mesmas informações da mesma auctoridade, do mesmo director, informações que prejudicaram o sr. Elliott, e não prejudicaram o sr. Filippe de Carvalho. (Apoiados.)

Sessão de 1 de fevereiro

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Não quero dizer que houve preferencia, de um a outro nome, mas é realmente deploravel que o sr. director do caminho de ferro do sul e sueste não fosse o feliz no resultado das suas informações com o sr. Filippe de, Carvalho como foi com o sr. Jorge Elliott. (Apoiados.)

O sr. Avelino contesta que uma das linhas concedidas fosse, como muito bem tinha dito o nosso collega o sr. Barros e Cunha, parallela á linha do governo, confessando que, se o fosse, não deveria concede-la por ficar dentro da zona de kilometros, e definiu o que se entendia geralmente por linhas ferreas parallelas, que eram as que, partindo de um mesmo ponto, vinham entroncar no me3mo ponto...

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Se V. ex.ª me dá licença, eu me explico melhor. Eu entendo que linhas parallelas são duas linhas que, partindo na mesma direcção, por exemplo, de Lisboa para Badajoz, vão ambas directamente a Badajoz; e não o são quando partindo uma de Lisboa para Badajoz e outra de Lisboa para o Porto.

O Orador: — Excellentemente! Applaudo a definição. Linhas parallelas são as que, partindo do mesmo ponto, vão por differentes caminhos para o mesmo ponto. Temos exactamente n'este caso duas linhas partindo de Lisboa para o Pinhal Novo, uma pelo Barreiro, outra por Cacilhas: logo e3tas duas linhas são parallelas, segundo a definição do sr. ministro das obras publicas. (Muitos apoiados. — Vozes: — Muito bem.) Logo, segundo a sua confissão, o sr. ministro não podia conceder a linha pedida pelo sr. Filippe de Carvalho. (Apoiados.)

Eu não sei se a linha do caminho de ferro de Cacilhas póde ou não lutar vantajosamente com a linha do caminho de ferro do Barreiro, mas sei que me impressionou profundamente ver que nem a junta consultiva de obras publicas, nem o director do caminho de ferro do sul e sueste nem o chefe da exploração fizessem caso d'este argumento, e comtudo continuassem a votar contra a concessão.

E porque? E porque o caminho de ferro do sul e sueste quando tiver de ser reunido leva uma linha concorrente mais ou menos vantajosa, mas que tira á companhia que vier licitar o direito de preferencia que lhe pertencer, como o sr. Barros e Cunha mostrou, não podia ser considerado por uma empreza que viesse comprar ao governo o caminho de ferro do sul e sueste, isto é, quando o governo quizer fazer uma operação financeira qualquer sobre este caminho de ferro, quando o quizer levar á praça ha de levar sensivelmente depreciado; a depreciação resultante de ter perdido antecipadamente o comprador a vantagem dada outra pelo governo á empreza que em tempo tomou o caminho de ferro do sul e sueste, o não poder ser concedido este ramal, ou outro qualquer a nenhuma outra empreza, sem que a empreza proprietária do caminho declarasse que não tencionava estabelece-lo. Foi esta vantagem que todas as emprezas guardavam para si, a que o sr. Avelino desde já alienou. (Apoiados.)

Diz s. ex.ª que isso era uma obrigação do governo, e que as suas obrigações annullaram se, por isso que recuperou a plena posse do caminho? Mas se uma nova companhia podesse de novo impor essa obrigação para ella vantajosa, avaliava de certo o caminho em maior preço do que no momento em que está na impossibilidade de impor essa ' obrigação.

Não sei se o ramal do Pinhal Novo a Cacilhas poderá ou não lutar vantajosamente com o caminho do Barreiro; mas vejo pelas informações que não é esse o principal receio da junta consultiva, e creio que s. ex.ª me permittirá que me refira frequentemente e com certo respeito á junta consultiva, composta de homens competentissimos e cujas opiniões tenho em grande apreço, fazendo no meu espirito uma impressão até profunda, que lamento que não tivessem feito no espirito do sr. ministro.

Já estava concedida a linha do caminho de ferro de

Cacilhas a Cezimbra, já estava concedido o ramal do Pinhal Novo, e comtudo.1 junta suppunha que a questão não estava em Cacilhas, estava n'outro ponto intermediario; qual é esse ponto? Não sei porque devo notar que em todo este negocio reinou e com um mysterio incrivel! E as declarações do sr. Filippe de Carvalho ainda mais o vem complicar.

Eu não desejava entrar do maneira alguma nas apreciações dos interesses e desejos do sr. Filippe de Carvalho, mas realmente elles estão por tal modo entrelaçados fatalmente com os interesses do estado, que, tendo de discutir uns, vejo-me forçado a discutir os outros, sou obrigado a isso pela3 condições da argumentação.

O sr. Filippe de Carvalho pediu primeiro que tudo o caminho de ferro de via reduzida de Cacilhas a Cezimbra, o depois pediu a transformação do caminho de via reduzida em via larga, não dizendo já que a sua tenção era fazer o ramal, mas allegando que era levado a essa pedido por ponderações technicas dos engenheiros que estudavam o caminho, como se vê do seguinte trecho do requerimento (Leu,)

Desde o principio este negocio do ramal deixa de se apresentar clara e francamente. Quem vir os requerimentos do sr. Filippe de Carvalho conhecerá que só a pouco e pouco se foi lembrando dos diversos elementos de concessão.

S. ex.ª diz primeiro que o seu principal intuito é aproveitar as grandes pescarias de Cezimbra, e que tem desde já organisada uma companhia para desenvolver as pescarias nas costas de Hespanha o Portugal; e agora n'um impresso distribuido hontem diz que ainda é outra cousa o que deseja; é o estabelecimento de um deposito de carvão na estação principal de Cacilhas para fornecimento dos navios.

Ou isto é uma enxadreza colossal, que vae assombrar todo o paiz, ou então realmente no fundo da todo este apparato esconde-se um mysterio, que não podemos revelar, mas que o sr. Avelino se compraz em tornar cada vez mais denso, mas que nos fez suspeitar que estão realmente em perigo os interesses do estado.

Sr. presidente, volto ainda a esta questão de legalidade que me parece importante, a questão da infracção absoluta das leis existentes, infracção que o sr. Filippe de Carvalho percebia perfeitamente, porque na occasião wn que requeria o ramal, onde essa illegalidade não era tão flagrante, citava então o decreto de 31 de dezembro de 1864. (Leu.) No ponto em que convinha citar a lei, a lei era citada, dizia que o ramal não era superior a 20 kilometros, mas o que não dizia era que o caminho de ferro de Cacilhas a Cezimbra, sendo-o e muito, não podia ser concedido sem auctorisação do parlamento.

Portanto, o sr. ministro viu a lei, conheceu-a e saltou por cima d'ella, como saltou por cima dos pareceres da junta consultiva de obras publicas, de tudo para satisfazer um capricho.

Mas supponhâmos que é problemático o resultado do ramal concedido, e que nunca poderá fazer mal ao caminho de ferro do governo; mas o que é verdade é que de toda a parte se levantavam suspeitas de que este mal existia, e partiam essas suspeitas de pessoas auctorisadas.

O sr. ministro das obras publicas podia não seguir o caminho que a junta consultiva lhe aconselhava; mas tem obrigação de dizer quaes foram os altos interesses do estado que o levaram a desprezar esses conselhos, a não fazer caso d'essas suspeitas. (Apoiados.) Desde o momento em que se levantava a desconfiança de que este ramal ía prejudicar o caminho de ferro do sueste era evidente que o sr. ministro tinha obrigação de o não affrontar sem motivos fortes. Quaes foram as conveniencias que levaram o sr. ministro a fazer a concessão, passando por cima de todos os obstaculos, como se estivesse dependente d'esta concessão a salvação do paiz?

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Sr. presidente, disse-se aqui em tempo, quando a concessão se foz, que o sr. ministro salvaguardara os interesses do estado, porque tinha determinado que as tarifas não seriam inferiores ás do caminho do ferro do governo, e que te subordinaria a empreza aos regulamentos do ministro. Sr. presidente, essas precauções não foram condições especiaes d'esta concessão, estão estabelecidas na lei geral que regula os caminhos de ferro do paiz.

O systema do sr. ministro, de não responder com argumentos ás accusações que lhe ião feitas, obriga-me a terminar, pedindo a V. ex.ª que me inscreva para continuar com a palavra depois do S. Lourenço de Carvalho, que de certo saberá sustentar com argumentos mais Feries esta causa, que o sr. ministro das obras publicas tem deixado correr á revelia.

Vozes: — Muito muito.

O sr. Lourenço de Carvalho: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O et. Presidente: — A mesa tem de nomear uma deputação que ha de apresentar a Sua Magestade El-Rei dois authographos de lei para a sancção regia, e nomeia para ella os srs.:

Anseio José Braamcamp.

Luiz de Freitas Branco.

Adriano Carneiro de Sampaio.

Barão de Ferreira dos Santos.

João Vasco Ferreira Leão.

José Baptista Cardoso Klerck.

Francisco Antonio Pinheiro da Fonseca Osorio.

Joaquim José Alves.

José Guilherme Pacheco. O sr. Ministro do Reino: — -Estou auctorisado por Sua Magestade a declarar, que a deputação será recebida no paço da Ajuda na quinta feira proxima, pela uma hora da tarde.

O sr. Mariano de Carvalho: —...(O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho, como questão previa, que o sr. ministro das obras publicas seja convidado a declarar quaes foram as rasões que teve para se não conformar com o parecer da corporação technica competente, tanto a respeito da concessão do ramal da quinta do Conde ao Pinhal Novo, como ácerca da largura da via de Cacilhas a Cezimbra e da variante do Alfeite. = Mariano de Carvalho.

Foi admittida.

O sr. Pinheiro Chagas: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Presidente: — A ordem do dia para quinta feira é trabalhos em commissões, e para sexta feira a continuação da que estava dada.

Está fechada a sessão.

Eram cinco horas menos um quarto da tarde.

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