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N.° 20

SESSÃO DE 16 DE FEVEREIRO DE 1898

Presidencia do exmo. sr. Eduardo José Coelho

Secretarios os exmos srs.

Joaquim Paes de Abranches
Frederico Alexandre Garcia Ramires

SUMMARIO

Lida e approvada a acta tem a segunda leitura o projecto do sr. Francisco Machado, creado nas guardas municipaes o serviço do inspecção do material do guerra.- O sr. Ferreira da Cunha annuncia que na sessão seguinte, ainda que não esteja presente o sr. ministro do reino, fallará sobre o aviso previo que lhe fez annunciar. - O sr. Figueiredo Mascarenhas falla sobre o caminho de ferro de Tunis a Portimão. - O sr. Mello e Sousa refere-se ao relatorio do banco de Portugal. - O sr. conde da Serra de Touraga occupa-se do melhoramentos no Redondo - É a aggregado á commissão da agricultura o sr. Lopes de Carvalho. - O sr. Antonio Cabral refere-se ao estado das cadeias comarcãs. - O sr. Teixeira de Sousa dá explicações sobre allusões anteriores, suas, á construcção do caminho de ferro de Portimão. - O sr. Luciano Monteiro faz um requerimento, pedindo a planta dos terrenos arrematados ao sr. Izidro dos Reis na margem do Tejo. - O sr. Luiz José Dias refere-se tambem ao estado das cadeias e á criminalidade no paiz. - Apresenta um requerimento de Cypriano do Nascimento o sr. Ravasco, e outro, de Cassiano Marques, o sr. Joaquim Tello.

Ordem do dia (continuação da discussão do projecto de lei n.º 5, conversão). - Têem leitura na mesa a moção e proposta de substituição apresentadas pelo sr. conde de Burnay, e em seguida fallam successivamente os srs. Teixeira de Vasconcellos, Moreira Junior e Luciano Monteiro. - Têem a palavra para explicações no final da sessão os srs. Ministro da fazenda e Marianno de Carvalho.

Primeira chamada - Ás duas horas da tarde. Presentes, 7 srs. Deputados.

Abertura da sessão - Ás tres horas.

Presentes á segunda chamada - 48 srs. deputados. São os seguintes: - Adriano Anthero de Sousa, Pinto, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alfredo Carlos Le-Cooq, Alfredo Cesar de Oliveira, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Maximo Lopes de Carvalho, Antonio Simões da Reis, Antonio Teixeira de Sousa, Carlos Augusto Ferreira, Conde da Serra de Tonrega, Conde de Silves, Eduardo José Coelho, Eusebio David Nunes da Silva, Francisco de Almeida e Brito, Francisco de Castro Mattoso da Silva Côrte Real, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco João Machado, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Manuel de Almeida, Francisco Pessanha Vilhegas do Casal, Frederico Alexandrino Garcia Ramires, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Jacinto Simões Ferreira da Cunha, Jeronymo Barbosa de Abreu Lima Vieira, João Catanho de Menezes, João Lobo de Santiago Gouveia, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim Paes de Abranches, Joaquim Saraiva de Oliveira Baptista, José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José Augusto Correia de Barros, José Benedicto de Almeida Pessanha, José da Cruz Caldeira, José Estevão de Moraes Sarmento, José da Fonseca abreu Castello Branco, José Frederico Laranjo, José Gil de Borja Macedo e Menezes, (D.), José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Malheiro Reymão, José Mathias Nunes, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayola, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Fischer Berquó Poças Falcão, Luiz José Dias, Manuel Affonso da Espregueira, Manuel Telles de Vasconcellos e Martinho Augusto da Cruz Tenreiro.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, Antonio Eduardo Villaça, Antonio de Menezes e Vasconcellos, Arnaldo Novaes Guedes Rebello, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto José da Cunha, Bernardo Homem Machado, Carlos José de Oliveira, Conde do Alto Mearim, Conde de Burnay, Elvino José do Sousa e Brito, Frederico Ressano Garcia, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Henrique da Cunha Matos de Mendia, José Abel da Silva Fonseca, João Baptista Ribeiro Coelho, Joaquim Heliodoro Veiga, Joaquim José Pimenta Tello, Joaquim Simões Ferreira, José Adolpho de Mello e Sousa, José Alves Pimenta do Avellar, José Capello Franco Frazão, José Dias Ferreira, José Eduardo Simões Baião, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim da Silva Amado, José Ferreira, Freire, José Maria de Oliveira Matos, José Maria Pereira de Lima, Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro, Manuel Antonio Moreira Junior, Marianno Cyrillo de Carvalho, Sertorio do Monte Pereira e Visconde de Melicio.

Não compareceram d sessão os srs.: - Abel da Silva, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alvaro de Castellões, Antonio Carneiro de Oliveira Pacheco, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Tavares Festas, Arthur Alberto do Campos Henriques, Augusto Cesar Claro da Ricca, Conde de Idanha a Nova, Conde de Paçô Vieira, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Barbosa do Couto Cunha Sotto Major, Francisco Furtado de Mello, Francisco Silveira Vianna, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Jacinto Condido da Silva, Jeronymo Barbosa Pereira Cabral Abreu e Lima, João Antonio de Sepulveda, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Joaquim Izidro dos Reis, João do Mello Pereira Sampaio, João Monteiro Vieira de Castro, Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca, Joaquim Ornellas de Matos, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José Bento Ferreira de Almeida, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria Barbosa de Magalhães, Leopoldo José do Oliveira Mourão, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luiz Cypriano Coelho de Magalhães, Manuel Pinto de Almeida, Sebastião de Sousa Dantas Baracho e Visconde da Ribeira Brava.

Segunda leitura

Projecto de lei

Senhores. - Constituindo o material de guerra um dos componentes da força armada, é intuitivo que sobre elle deve recair a mais particular attenção e os maiores cuidados, para a sua boa conservação e funccionamento.

Justificada por sua natureza tal necessidade, incumbiu-se á arma da artilheria, pela sua competencia profissional, a inspecção de todo o material de guerra, serviço que representa para o estado, a par de uma economia considera-

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vel no orçamento do mesmo material, a segurança na efficiencia dos elementos materiaes de combate em qualquer momento.

São seis as inspecções do material de guerra ao serviço do exercito. De sobra têem ellas justificado a necessidade da sua existencia, necessidade crescente por um acrescimo de responsabilidades e de trabalho ante as exigencias da guerra moderna.

Se pois o serviço das inspecções é importante pelas suas responsabilidades technicas, não o é menos pela grande economia que traz ao estado, evitando-lhe a renovação frequento do material de guerra pelos seus cuidados immediatos na inspecção do mesmo material.

Esta asserção acha-se plenamente comprovada, nos prejuizos aturados que o estado tem tido com a ruina do importantissimo material de guerra em serviço em as nossas possessões ultramarinas, onde por falta de um serviço de inspecção, este material se encontra em grande parte incapaz de beneficiamento e de concerto, e a restante extraviada ou em taes condições de conservação, que o seu concerto e beneficiamento, a fazer-se, ficará pelo custo approximado dos artigos novos.

Tão ponderosas são as rasões de ordem technica e economica que recommendam a importancia do serviço das inspecções ao material de guerra, que o titular da pasta da fazenda, ao organisar militarmente as guardas fiscaes, não esqueceu de as dotar com o serviço da inspecção, orçando um locar de director do deposito do material de guerra, e requisitando para o desempenhar um official superior da arma de artilheria.

A circumstancia de, mais tarde, ter sido requisitado mais um official da mesma arma para adjunto ao serviço da inspecção, parece dever tornar-se como prova da importancia de tal serviço e do trabalho exigido para o sen cabal desempenho.

Se se julgou indispensavel dotar as guardas fiscaes com um tal ramo de serviço, e parece que bem, pelo que se póde deprehender do augmento de mais um official da arma de artilheria no quadro do mesmo serviço, iguaes rasões devem existir para, a exemplo do exercito e das guardas fiscaes, se organisar pelo ministerio do reino no serviço de inspecção para o material de guerra a cargo das guardas municipaes.

Efectivamente, comparando as organisações das duas guardas e a natureza dos seus serviços especiaes, nenhum argumento se deduz em contrario, tão approximados estão nas suas organisações como nos seus serviços.

Sendo pois as guardas municipaes a unica força armada do continente que se encontra privada de um tal ramo de serviço, o que é injustificavel attendendo a que ao mesmo estado pertence todo o material de guerra a seu cargo, parece que, com as mesmas rasões de economia e segurança, deverá o ministerio do reino, a exemplo do que fez o ministerio da fazenda, dotar as referidas guardas com um director do deposito do material de guerra e respectivo adjunto.

Os encargos resultantes para o estado com a creação d'este ramo de serviço nas guardas municipaes serão larga e fartamente compensados com os beneficias da inspecção, como fica demonstrado, e, firmado n'estas rasões, tenho a honra, senhores, de submetter á vossa justa e elevada apreciação e exame o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º É creado nas guardas municipaes o serviço de inspecção do material de guerra.

§ unico. Este serviço será desempenhado por um official superior da arma de artilheria, tendo por adjunto um capitão da mesma arma.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario. Sala das sessões da camara dos senhores deputados, em 15 de fevereiro do 1898. = Francisco José Machado.

Lido na mesa, foi admittido e enviado ás commissões de guerra, de administração publica é de fazenda.

O sr. Presidente: - Na inscripção da avisos previos está inscripto o sr. Ferreira da Cunha, que deseja interrogar o sr. ministro do reino. Como o sr. ministro não está presente, não sei se o sr. deputado quererá fazer uso da palavra?

O sr. Ferreira da Cunha: - Sr. presidente, não desejo tratar do assumpto, que se prende com o meu aviso previo, na ausencia do sr. ministro do reino; mas admiro-me que s. exa. ainda não tenha comparecido á sessão, antes da ordem do dia, para me responder, visto que mandei para a mesa o meu aviso previo na sessão do dia 8 do corrente.

Como, provavelmente, amanhã é o ultimo dia de sessão, antes das ferias carnavalescas, usarei da palavra sobre o meu aviso previo, ainda que o sr. ministro do reino, a quem desejo interrogar, não esteja presente.

O sr. Figueiredo Mascarennhas: - Disse que precisava fazer algumas reflexões, relativamente a um assumpto de que se occupára hontem, antes da ordem do dia, o illustre deputado o sr. Teixeira de Sousa.

S. exa., referindo-se á noticia, publicada nos jornaes, de que o sr. ministro das obras publicas mandara começar o ramal do caminho de ferro de Tunis a Portimão, condemnou acremente esse acto, por entender que nas circumstancias actuaes do thesouro não era licito proceder-se a construcções d'esta natureza.

Pela sua parte, conhecendo muito de perto este assumpto, não queria com o seu silencio deixar antever que compartilhava as apreciações do seu illustre correligionario, com as quaes estava longe de concordar.

Evidentemente, no momento actual impõe-se mais do que nunca a maior parcimonia em toda as despezas, e é preciso evitar a todo o custo, assim o reconhece, quaesquer obras que aggravem a situação financeira do paiz.

Succede, porém, que o ramal em:- questão nem de leve póde affectar o thesouro publico, ou acarretar-lhe algum encargo, como adiante provará.

Este ramal foi auctorisado em 1883 pelo mesmo decreto que mandou construir a linha até Faro.

Construiu-se esta, e em vez de se seguir a construcção do ramal, como se devia ter feito, porque era elle que mais podia valorisar a linha principal, succederam-se os governos durante dez annos, e essa construcção não se realisou.

Se todas as obras, observa o orador, feitas no paiz depois de trinta annos, estivessem nas condições relativas do ramal de Tunis, não estariamos nós aqui a lastimar tanto o estado angustioso das nossas finanças.

Vae provar que o rendimento immediato produzido pela exploração do ramal cobrirá fartamente os encargos do capital preciso para a construcção.

Segundo o orçamento do projecto, o custo da construcção do ramal está calculado em 400:000$000 réis, e suppondo que a construcção leva dois annos, e que o capital é despendido metade no primeiro anno e metade no segundo, ficava o capital em 433:650$000 réis, reputando-lhe o juro de 5 1/2 por cento.

Para calcular o rendimento provavel do ramal, diz que o rendimento kilometrico da rede do sul e sueste no anno de 1897 foi de 1:832$183 réis, como consta da nota que recebeu da direcção do caminho de ferro, e que se póde supppor que, depois da construcção feita, o rendimento kilometrico em toda a rede se manterá. Ora, suppondo tambem que as despezas de exploração do ramal serão 700$000 réis, como calcula o illustre engenheiro o sr. Fernando de Sousa, que tem uma competencia incontestavel na materia, teremos 1:132$183 réis, rendimento liquido por kilometrico, e para todo o ramal 29x1.130:183 = 32.833:307, que representa 7,6 por cento do capital despendido. E se addicionarmos a verba de 14:000$000 réis, subsidio á companhia de navegação que termina com a abertura do ramal, teremos como rendimento proveniente, do, ramal réis

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46:888$307, o que representa 10,8 por cento do capital despendido, isto é, que chega para o amortisar em quinze annos. N’estas condições ninguem em boa consciencia poderá julgar que esta construcção trará o menor encargo ao thesouro.

Pelo contrario, a thesouro não soffre o menor desfalque. Durante quinze annos recebe tudo o que recebia antes, e mais o augmento progressivo do rendimento do ramal sobre o inicial.

Passados os quinze annos recebe a mais todo o rendimento do ramal, que n’essa occasião deve approximar-se de 60:000$000 réis.

Posto isto, entende elle, orador, que o sr. ministro praticou um acto de boa administração, mandando proceder a esta construcção; e parece-lhe sufficientemente justificada a rasão por que não concorda com o modo de ver do sr. Teixeira de Sousa.

(O discurso será publicado na integra quando o orador o restituir.}

A justificação mu publicada no fim, a pag. 342.

O sr. Mello e Sousa: — No relatorio do banco de Portugal, que hoje, por acaso, me veiu ás mãos, entre outras cousas, referindo-se ao emprestimo das classes inactivas, feito em dezembro do anno passado, lê-se o seguinte.

(Leu.)

Este assumpto, como v. exa. sem duvida se recorda, foi tratado n’esta casa do parlamento, e como eu vejo agora uma allusão á supposição que se tinha feito de que o banco do Portugal procedêra menos correctamente para se locupletar com quaesquer juros, venho muito espontaneamente declarar a v. exa. e á camara que, pela minha parte, quando tratei de tal assumpto, não pensava alludir ao banco de Portugal, propriamente dito; eu tratei de um contrato feito pelo sr. ministro da fazenda com aquelle estabelecimento, como podia ter sido com qualquer outro; apreciei, conforme entendi, a bem dos interesses do estado.

Não pensava de modo algum arrogar censura, nem mesmo simples observação de qualquer natureza, ao procedimento do banco do Portugal, cuja administração muito prazo e considero e no numero dos individuos que a compõem conto verdadeiros amigos.

Nada tenho com o procedimento do banco de Portugal, e nunca disse, nem quiz dizer, que elle se locupletava com o juro das obrigações.

Posto isto, e feita a declaração, clara e positiva, de que nunca pensei em tal, devo dizer ao sr. ministro da fazenda que sinto que a administração do banco de Portugal pense como eu pensava, isto é: que tinha lucrou superiores aos que ficavam em carteira.

E tanto pensa assim, que diz «que empregou todos os meios para collocar o papel e não ter mais juros do que devia ter.»

D’aqui resulta evidentemente um inconveniente grave; é que, assim como ficou estabelecido que não podiamos apresentar á camara algarismos sem ouvir o sr. ministro da fazenda, notabilissimo professor de mathematica, o mesmo terá do se estabelecer em relação ao banco, que se vê ter na sua administração individuos que não foram leccionados em mathematica por s. exa.

Isto é uma falta grave; e lembrava pois a s. exa. a conveniencia de tomar providencias, para que de futuro nem a administração do banco, nem qualquer outra administração de sociedade anonyma, ignore os principios de mathetica em que s. exa. se funda, porque realmente é bastante desagradavel ver um documento desta ordem, emanado da administração do banco, dizer o contrario de que disse o sr. ministro da fazenda.

Assim, é preciso que todos sejam leccionados, como disse, por s. exa., sob pena do se darem contradicções como a que deixo assignalada.

(S. e xa. não reviu.}

O sr. Conde da Serra de Tourega: - Sr. presidente, na sessão passada, em 27 de julho de 1897, apresentou o illustre deputado e meu amigo o sr. Tavares Festas um projecto de lei para ser dispensada a camara municipal do concelho do Redondo da contribuição de registo por titulo gratuito, referente a um legado de 6 contos de réis.

Nada mais justo e, por isso, eu vou pedir, com o maximo empenho, que aquelle projecto não fique no esquecimento.

Sr. presidente, a importante e florescente villa do Redondo tem sempre luctado com a escassez de agua, e esse acto levou uma benemerita senhora, D. Antonia Luciana Tocha de Moraes, a instituir o referido legado, com o intuito do remediar aquella grande falta.

Proceder tão generoso captivou em extremo os beneficiados e será eterna a gratidão dos redondenses e profundo o seu respeito para com a memoria do tão illustre dama; urge, porém, que não surjam obstaculos ao cumprimento das obrigações impostas pela instituidora do legado.

Ora, sr. presidente, não são precisos grandes calculos para se reconhecer que a quantia de 6 centos de réis é diminuta para levar a cabo uma obra tão dispendiosa como é sempre o encanamento do aguas. O legado só póde considerar-se como um importantissimo auxilio e, porque a camara municipal do Redondo não é rica, necessario se torna que, em tudo, se proceda com o maximo cuidado e economia.

Se houvesse qualquer obstaculo ou difficuldade, embora de pequena monta, isso seria o bastante para privar, por muito tempo, uma população laboriosa e honesta de um melhoramento utilissimo.

É indispensavel que do legado se não desvie, seja a que titulo for, qualquer parcella, para que os obras projectadas tenham realisação, e, tratando-se de um fim tão justo, não ha de certo quem negue o preciso auxilio, e, do facto, até hoje não tem sido recusado.

Não posso, n’este momento, deixar de significar bem alto o sincero e profundo reconhecimento que anima os habitantes do Redondo para com todos os que se têem interessado pela realisação do melhoramento, que elles tanto e com tanta justiça desejam.

Grande tem sido o empenho, a boa vontade do todos e é justo fazer referencia a promptidão e generosidade com que o actual administrador da serenissima casa de Bragança cedeu, a fim de serem conduzidas para aquella villa, as aguas que nascem nas herdades situadas na serra de Casa e são pertencentes á mesma serenissima casa. Este auxilio o importantissimo e muito ha de concorrer para facilitar a execução do encanamento.

Quando tantos reconhecem a importancia de tal melhoramento e para elle desejam concorrer, não é muito que o estado tambem contribua por uma fórma aliás facil.

Dispensar-se a contribuição de registo, correspodente ao legado de 6 contos de réis, é sacrificio insensivel o bem justificado pelos motivos que o impõem.

Tratando-se do outras obras de menor urgencia o de contestavel utilidade, eu nobre o assumpto não levantaria a voz n’esta casa do parlamento. Mas, sr. presidente, o melhoramento reclamado pelos habitantes do Redondo é de primeira necessidade, e quem, como eu, conhece aquella importante villa alomtejana não póde deixar do instar por elle.

O alludido projecto de lei, apresentado pelo sr. Tavares Festas, encontra-se, actualmente entregue á illustre commissão de fazenda, á qual muito insistentemente peço que, com brevidade, se digne dar o seu parecer.

O meu pedido é tão sómente baseado no desejo do cumprir um dever, imposto pelos incontestaveis direitos de um povo, que merece a maior sympathia pela sua dedicação ao trabalho, pela bondade da seus costumes, e é tão

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justo, tão facil o que peço que conto com a benevolencia da illustre commissão, á qual me dirijo, e, assim, espero que em breve será convertido em lei benefica um projecto bem justificado.

O sr. Almeida e Brito: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que seja aggregado á commissão de agricultura o sr. deputado Antonio Maximo Lopes de Carvalho. = F. de Almeida e Brito.

Foi approvada.

O sr. Antonio Cabral: - Pedi a palavra para chamar a attenção do sr. ministro da justiça para o estado deploravel em que se encontram as cadeias comarcas de todo o paiz.

V. exa. sr. presidente, e de certo todos os que me ouvem, têem conhecimento do estado de verdadeira pobreza em que se acham as cadeias publicas. Aquillo não são cadeias: são antros que mais se assimelham a immundas habitações de feras ou de animaes selvagens.

A miseria nas cadeias da maioria das comarcas do paiz é extrema, e os presos sentem a falta de tudo o que é mais necessario á vida.

Durante a minha curta carreira de delegado do procurador regio, por mais esforços que empreguei, nunca pude conseguir para a cadeia da comarca em que tive a honra de representar o ministerio publico as cousas mais necessarias e indispensaveis para a vida dos presos.

Quer-me parecer que os poderes publicos não têem o direito de aggravar a situação dos presos que estão cumprindo uma pena. Basta isso para elles serem dignos de lastima e por consequencia não póde nem deve o estado, por fórma alguma, subtrahir-lhes aquillo de que elles indispensavelmente carecem.

Eu tive occasião de observar que nas cadeias comarcas não ha enxergas, nem mantas, nem mesmo aquelles utensilios e moveis insignificantes e ordinarios que os pobres mais miseraveis têem nas suas cabanas.

Para este assumpto desejava eu, pois, chamar a attenção do sr. ministro da justiça e tambem a do sr. ministro do reino, (visto que os governadores civis sito os superintendentes das cadeias dos seus districtos) para que, conjugando os seus esforços, podessem dar ás cadeias comarcãs tudo o que é indispensavel para a relativa commodidade dos presos.

Alem d'isso, desejava tambem chamar a attenção do sr. ministro da justiça para a regulamentação do trabalho dos presos nas cadeias, pois, como v. exa., sr. presidente, muito bem sabe, as cadeias comarcas, com a actual organisação, são uma perfeita escola de vícios, e qualquer preso que n'ellas seja recluso, pela primeira vez, depois do conviver com os verdadeiros acelerados que ali se encontram, entrando para ali um cidadão bom o honesto, sáe de lá um miseravel eivado de vicios.

V. exa. comprehende que isto deve ter um termo. O sr. ministro da justiça, que tantas provas tem dado do seu zelo pelos serviços publicos, não deve deixar de tomar em consideração este assumpto, que reputo importantissimo.

Alem das cadeias comarcas, ha a da relação, do Porto, e a do Limoeiro, de Lisboa, que v. exa., sr. presidente, sabe que são verdadeiros antros de vicias, que estão reclamando uma profunda reforma.

Ali encontra-se tudo o que ha de peor nas baixas camadas sociaes, e v. exa. sr. presidente, devo ter observado perfeitamente, na sua longa carreira de magistrado distinctissimo, que d'aquellas duas cadeias saem individuos completamente pervertidos e inaptos para poderem conviver com gente civilisada.

Era para estes pontos que eu desejava chamar attenção dos illustres ministros da justiça e do reino, mas como a. Exa. não estio presentes, peço ao nobre ministro da marinha a fineza de communicar ao sr. ministro da justiça, assim como ao sr. presidente do conselho, estas minhas considerações, para que s. exa. provejam de remedio a este mal, que reputo grave e que me parece deve merecer a attenção dos nobres ministros.

O sr. Ministro da Marinha (Dias Costa).- Communicarei ao sr. presidente do conselho e ao sr. ministro da justiça as judiciosas considerações que s. exa. fez com respeito aos presos das cadeias comarcas, da relação do Porto e do Limoeiro de Lisboa.

O sr. Teixeira de Sousa: - Como v. exa. ouviu, em hontem não puz em duvida nem as legitimas aspirações dos povos do Algarve, que vão ser serviços com o caminho de ferro de Tunis a Villa Nova de Portimão, nem que esse caminho de ferro podia desenvolver as condições economicas d'aquella registo, o que quiz significar foi a injustiça relativa que se fazia aos povos do districto de Villa Real, preterindo-os n'uma justissima aspiração, qual é a da construcção do caminho de ferro de Chaves á Regua; eu pedi a attenção de v. exa. n'esta occasião para a affirmação que o sr. ministro das obras publicas havia feito quando em resposta ao sr. Ribeiro Coelho aqui declarava que achava antipathica a garantia do juro para a construção d'aquella linha, e eu estranhava, por isso, que o sr. ministro das obras publicas mandasse construir por conta do estado o caminho de ferro do Algarve, quando elle reconhecia que as circunstancias do thesouro não permittiam sequer garantir o juro para a construção do caminho de ferro de Chaves á Regua.

Eu ouvi com muitissima attenção o meu amigo o sr. Figueiredo Mascarenhas; s. exa. fallou pro domo sua, a bem povos que do distanciamento tem representado n'esta camara, (Apoiados) por isso felicito-o.

Os argumentos que militam a favor da pausa que s. exa. sustenta, são os mesmos que militam a favor da causa que tive a honra de advogar aqui n'esta casa do parlamento.

O sr. Figueiredo Mascarenhas mostrou-nos que esse caminho de ferro póde concorrer poderosamente para o desenvolvimento economico de uma parte do Algarve e que a sua construcção não era enormemente dispendiosa.

V. exa. que é da provincia de Traz os Montes, como tive occasião de dizer se honra de ter sido o seu berço, v. exa., que conhece e sabe que poucas provincias do nosso paiz dispõem de elementos de riqueza de que aquella provincia dispõe, elementos até certo ponto prejudicadas, consideravelmente prejudicados, pela falta da viação accelerada. (Apoiados.}

V. exa. sabe que aquella provincia tem estabelecimentos thermaes de muitissimo valor. V. exa. sabe que aquella provincia abriga jazigos mineiros tambem de um grandissimo valor, sobretudo uma parte d'ella é constituída por uma região vinicola que se durante uma certa epocha ficou abatida em consequencia dos estragos produzidos pelo phylloxera, hoje devido á replantação pela vinha americana, está tomando um consideravel desenvolvimento.

V. exa. sabe mais que em 1890, pela direcção do caminho de ferro do Douro, se procedeu aos estudos de uma linha ferrea de Chaves á Regua, fixando para cada kilometro o custo de 40 contos de réis, para o troço comprehendido entre a Regua e Villa Real. Mais de uma vez eu ouvi fazer a demonstração de que, mesmo com o custo tão elevado e despendioso, o rendimento da linha podia cobrir os encargos dos capitães empregados na construcção.

Se isso era assim, nenhuma duvida deve haver hoje ácerca do custo da construcção.

O orçamento para a construcção d'essa linha está consideravelmente reduzido em virtude do estudos feitos por um engenheiro notavel e distincto, o sr. António Maria de Carvalho, director das obras publicas de Villa Real, orçamento em que o custo kilometrico passou de 40 a 15 contos de réis; e esses estudos são tão brilhantemente

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feitos, que ha poucos dias era louvado por uma portaria do sr. ministro das obras publicas, que vem publicada no Diario do governo.

E se esse caminho de ferro produzia o rendimento preciso para o capital empregado na construcção, sendo o custo kilometrico de 40 contos de réis, nenhuma duvida deve haver hoje de que renderá o sufficiente, mais do que o sufficiente mesmo, para cobrir o juro de 16 contos de réis empregados na sua construcção; e sendo assim, afiguro-se-me que nenhum encargo viria para o thesouro se porventura á construcção d'aquelle caminho de ferro fosse concedida garantia de juro.

Vê v. exa., sr. presidente, que ha uma completa paridade entre as condições em que se encontram as pretensões dos povos do Algarve o as circumstancias em que se encontram os povos da provincia de Traz os Montes.

E eu dizia hontem " não sei se o sr. ministro da obras publicas, tendo em consideração a gravidado das circumstancias financeiras do thesouro, poderá trazer a esta camara um projecto de lei, com garantia de juro, para a construcção d'aquelle caminho de ferro ".

Não ha duvida nenhuma (não tenho eu pelo menos) de que esse encargo não se tornaria effectivo para o thesouro, por isso que a linha atravessa uma região de grande valor economico. Mas poderia acontecer n'esta occasião, em que nós estamos a exigir sacrificios aos credores externos, corrermos o perigo de levantar dificuldades com o seguinte fundamento: se não podiamos satisfazer os encargos externos, como é que o thesouro se propunha garantir o juro para a construcção d'esse caminho do ferro?

Por ser assim, é que eu disse, sr. presidente, que mal me parecia que o sr. ministro das obras publicas pondo de parte a penuria em que se encontra o thesouro publico, sem attentar na enorme divida fluctuante, sem tomar em consideração que o orçamento accusa um notavel desequilibrio, sem reparar em que o sr. ministro da fazenda tem tido enormes dificuldades para solver os encargos do thesouro no estrangeiro ao ponto de vender 967:000 libras de titulos da divida externa até ao ponto de empenhar as obrigações do caminho de ferro que constituiam o mais precioso recurso do thesouro para uma ocasião afflictiva.

Dizia eu que mal mo parecia que o sr. ministro das obras publicas, pondo de parte as circumstancias graves, em que se encontra o thesouro, determinasse a construcção do caminho de ferro por conta, do estado, ao mesmo tempo que preteria as justas aspirações dos povoa do districto de Villa Real, uma parte dos quaes tenho a honra de representar n'este casa.

Mas, se me refiro hoje a este assumpto, é pela muita consideração que me merecem os illustres deputados que a este respeito têem fallado e para lhes significar que por modo nenhum me quero oppor ás justas pretensões dos povos do Algarve, nem ainda ás vantagens que porventura, possam resultar para a economia da região atravessada pela linha ferrea que vae construir-se do Tunis a Portimão.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Luciano Monteiro: - Vi hoje na folha official alguns dos documentos relativos ao arrendamento feito pelo sr. ministro das obras publicas ao vosso estimavel e feliz collega (Apoiados.) o sr. Izidro dos Réis.

V.exa. póde certificar o verificar que em alguns dos documentos publicados no Diario do governo se faz referencia a uma planta de terrenos que constituem o arrendamento.

E claro que esta planta não póde ser publicada no Diario do governo, e por isso pedia a v. exa. que me dissesse se na mesa, a que dignamente preside, está essa planta.

O sr. Presidente: - Não está na mesa planta alguma.

O Orador: - N'esse caso vou mandar um requerimento para que seja enviada, pelo ministerio da obras publicas, a planta a que me refiro.

É o seguinte

Requerimento

Requeiro que seja remettida a esta camara a planta a que alludem as consultas em que se fundou o despacho ministerial sobre arrendamento de terrenos na margem do Tejo ao exmo. sr. Izidro dos Reis = Luciano Monteiro.

Mandou-se expedir.

O sr. Luiz José Dias - Mando para a mesa uma representação que se refere a um projecto de lei que teve a sua approvação na camara dos dignos pares.

A mesa da santa casa da misericordia de Braga, que assigna esta representação, expõe os motivos que a obrigaram a dirigir-se ao parlamento.

Ella é senhora e dona de uma propriedade em que é incluido parte do terreno e edificio do convento dos Remedios d'aquella cidade.

O convento foi dado á santa casa da misericordia pelo bispo Torquemada, com a clausula de reversão, que se verificou pela extincção das ordens religiosas.

Aquella corporação é, pois, senhora e proprietaria de todo ou parte do convento dos Remedios e annexo; mas não entrou ainda na posse definitiva d'aquelle convento, porque aguardou o ensejo propicio, esperando pelo fallecimento da ultima religiosa que lá existia.

Esta propriedade acha-se registada na conservatoria respectiva em nome da irmandade da santa casa da mesericordia, e por isso, se, porventura, for submettido á approvação d'esta camara o parecer relativo á concessão d'aquelle convento e da propriedade annexa, como já o foi na camara dos dignos pares, peço que se tenha a bondade de tomar em consideração as rasões e argumentos que se apresentam n'esta representação e que fundamentam bem a justiça do pedido da santa casa da misericordia de Braga.

Peço a v. exa. que se digne consultar a camara sobre se permitte que esta representação seja publicada no Diario do governo.

Aproveito a occasião de estar com a palavra para não deixar sem referencio as justas consideração que o meu nobre amigo o distincto deputado sr. Cabral fez relativamente ás circumstancias em que se encontram os presos das cadeias civis do continente e ilhas adjacentes.

Com relação a este ponto posso assegurar a s. exa. que uma das verbas que nos ultimas tempos tem sobrecarregado o orçamento d'aquelle ministerio é a destinada á manutenção dos presos das cadeias.

Essa verba tem augmentado de um modo assustador, e a commissão do orçamento chamou a attenção do sr. ministro da justiça sobre este ponto, e s. exa. está bastante preoccupado com esse phenomeno sociologico da maior gravidade.

O nobre ministro já tinha feito algum estudo a esse respeito e prometteu continuar a estudar a origem dessa doença social.

Desde o momento em que esse phenomeno se manifesta com tanta intensidade no orçamento d'aquelle ministerio, temos a prova plena de que necessariamente o nosso estado social, sob este ponto de vista, adoece de uma molestia grave que exige serios cuidados e attenções. Se por um lado crescem as despezas com a sustentação dos presos noa nossas cadeias, por outro lado o phenomeno correlativo, que não póde deixar do inspirar cuidados aos poderes publicos, é o augmento correspondente de salarios e emolumentos provenientes dos processos crimes

É claro que o augmento da despeza que o estado faz com a alimentação dos prosas nas cadeias corresponde ao augmento real dos criminosos - porque a traducção d'este numero está bem significado pelo augmento d'aquelle e de emolumentos e salarios que provém dos processos cri-

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336 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

minaes. Portanto temos dados serios e positivos, que nos collocam em frente de uma doença social da maxima gravidade.

Como v. exa. vê e a camara não ignora, as receitas que significam melhoria no orçamento, nem sempre significam melhoria no estado social dos povos; às vezes a melhoria no orçamento representa uma verdadeira desgraça, um verdadeiro estado anomalo da sociedade, de que o orçamento traduz mais ou menos fielmente as forças economicas e as condições de salubridade e de hygiene.

O augmento das despezas com a alimentação dos presos e o parallelo crescimento das receitas que prendem com os processos crimes são um bem triste indicio do mal estar moral da nossa sociedade.

Devia referir-me a outros pontos, que com este se ligam, para provar a necessidade de estabelecermos o nosso equilibrio moral, mas não o faço e apenas digo ao illustre deputado, pelos conhecimentos que tenho do assumpto, que o sr. ministro da justiça se interessa pela melhor sustentação dos presos, facto que já o anno passado o tinha preocupado, e por isso se tem dedicado ao estudo do assumpto, a fim de se habilitar para adoptar providencias.

Quanto a s. exa. dizer que as cadeias do Limoeiro e da relação do Porto são verdadeiros antros e escolas de vicios, posso reforçar as suas considerações com factos visiveis e claros que resaltam do confronto do corpo de delicto com o que os presos respondem nas audiencias. As respostas que os presos dão ás perguntas que lhes são feitas por occasião da formação do corpo de delicto divergem consideravelmente das que dão quando respondem em audiencia de julgamento, o que prova que, desde a primeira phase até á segunda, se transformaram em habilissimos advogados da sua innocencia e inculpabilidade. Isto demonstra que effectivamente essas casas são em verdade escolas de vicios, como o meu illustre collega disse, e que, longe de attingir o fim da pena, não só quanto ao restabelecimento da ordem social, mas ainda á regeneração do proprio individuo, antes pelo contrario annullam os intuitos do legislador e frustam as vistas com que se crearam esses estabelecimentos.

Ponho aqui termo ás minhas considerações, e peço desculpa á camara por lhe tomar estes minutos.

Vozes: - Muito bem.

Consultada a camara, resolveu-se que a representação fosse publicada no Diario do governo.

Vae por extracto a pag. 342 d'esta sessão.

O sr. Ravasco: - Vou mandar deitar na caixa de petições um requerimento de Cypriano do Nascimento, continuo do ministerio da guerra, que representa contra uma violencia que diz ter-lhe sido feita, tendo sido esbulhado do emprego que tinha.

O requerente junta uma petição que fez o anno passado á camara, e eu peço a v. exa. que lhe mande dar o devido destino.

O sr. Joaquim Tello: - Vou mandar deitar na caixa um requerimento de Cassiano Marques, pedindo melhoria de reforma; e peço a v. exa. que lhe mande dar o destino conveniente.

Aproveito a occasião para declarar ao meu collega e amigo o sr. Teixeira de Sousa, que folguei muito por ver que s, exa. veiu n'esta sessão fazer justiça aos deputados que ha muito tempo pugnam pela conclusão do caminho de ferro do Algarve, que ha mais de vinte annos está por concluir.

Ha pouco o meu velho amigo, Figueiredo de Mascarenhas, demonstrou proficientemente que esta medida governativa não trazia encargo algum para o estado, o que aliás já estava officialmente demonstrado.

Devo pois n'este momento agradecer ao sr. Teixeira de Sousa a maneira como n'esta questão se poz ao nosso lado, acceitando o nosso empenho na conclusão d'este caminho de ferro, sem prejuizo de qualquer outro, que igualmente se traduza em vantagens reaes para o estado. (Apoiados.)

Entendemos que a provincia de Traz os Montes tem tanto direito como a provincia do Algarve ou como outra qualquer a promover os seus melhoramentos materiaes; faço votos para que o governo empregue todos os meios para realisar esses melhoramentos que são realmente de uma grande utilidade. Mas o que reclamamos é um melhoramento que está decretado ha muito, e que é a conclusão do caminho de ferro, e não a construcção d'elle, dando-se a circumstancia, repito, de que não traz nenhum encargo para o thesouro. (Apoiados.)

Sr. presidente. É lamentavel que a administração publica muitas vezes se prenda em motivos pueris para embaraçar a resolução de questões de incontestavel e incontestada utilidade publica. A conclusão dos dois lances do caminho de ferro, entre Tunis o Lagos e entre Faro e Villa Real de Santo António, estilo precisamente n'este caso; é o emprego de um capital fartamente remunerado. Não só as linhas a construir possuem, em si todos os elementos de successo economico, mas valorisam extraordinariamente o troço geral das linhas do caminho de ferro do Algarve. Bastava esta circumstancia ultima para recommendar, como excellente medida administrativa, a conclusão d'estas linhas. Só o augmento calculado nas linhas já construidas se avalia, justamente, numa verba muito superior ao juro regular do capital empregado nas linhas a construir. (Apoiados.}

N'estas condições, sr. presidente, o despacho do sr. ministro das obras publicas, mandando abrir esses trabalhos, tem apenas o defeito de ser tardio e pouco desafogado na verba arbitrada.

Ha muitos annos que o estado está desfalcado num rendimento importante por descurar este assumpto, e sinto que se limite á quantia de 30 contos de réis a verba destinada, n'este anno economico, aos referidos trabalhos. Mas a resolução tomada pelo meu illustre amigo, o sr. ministro das obras publicas, garante-me o seu convencimento das vantagens d'esta obra importante, o portanto a consignação de uma verba, no futuro anno economico, mais adequada á urgencia e conveniencia do terminar, em periodo, curto, este melhoramento de uma instante necessidade para aquella rica provincia e verdadeiramente reproductiva para o thesouro publico. (Apoiados.)

Aqui deixo, pois, o meu agradecimento, em nome da provincia que tenho a honra de representar no parlamento, ao nobre ministro pela sua fecunda e justificada iniciativa, sem esquecer os sentimentos de acquiescencia que noto com satisfação de todos os lados da camara.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Antonio Cabral: - Eu quero apenas, e em poucas palavras, reforçar o pedido que o sr. deputado Luiz José Dias acaba de fazer á camara para não ser por ella approvado sem algumas modificações o projecto de lei já approvado na camara dos dignos pares, em virtude do qual se cede o convento dos Remedios, em Braga, ás irmãs missionarias de Maria.

O illustre deputado mandou para a mesa uma representação da santa casa da misericordia de Braga, pedindo que esse projecto não seja approvado nesta camara, quando elle aqui venha, por isso que aquella misericordia tem direito a uma parte do referido convento. Eu apenas sinto que a mesa da misericordia de Braga não enviasse á camara dos dignos pares essa representação, quando; viu que ali estava para ser discutido o projecto a que me refiro; comtudo, mais vale tarde do que nunca, e por isso muito estimo que a mesa da misericordia enviasse essa representação a esta camara, porque ainda estamos a tempo de fazer no projecto as modificações de que elle carece.

Quando esse projecto vier á discussão terei ocasião do justificar as modificações que lhe devem ser introduzidas, porque entendo que elle não deve ser approvado tal qual o

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fui na outra camara, por isso que é de alta vantagem para o estado e para Braga que aquelle convento não seja cedido todo as irmãs missionarios de Maria.

Póde o estado ceder-lhes parte, comtanto que se reserve para o mesmo estado para a camara municipal de Braga a outra parte do convento de que um e outra precisam.

No ministerio das obras publicas existe ama lucida exposição feita pelo illustre director das obras publicas do districto de Braga, na qual aquelle distincto funccionario pode ao respectivo ministro qne o convento dos Remedios seja destinado para n'elle serem installadas as repartições de obras publicas districtaes e dos correios e telegraphos, sendo tambem uma parte destinada ao alargamento da rua das Aguas, uma das mais importantes de Braga. Alem d'isso, consta-me que a uma parte do referido convento tem direito a misericordia de Braga, pela doação que lhe fez o celebre inquisidor Torquemada. Não tenho, porém, completo conhecimento do assumpto, n'este ponto.

Em vista do que deixo exposto, não me parece que se possa ceder o convento, por completo, às irmãs missionarias de Maria. Era isto que eu desejava fazer. E quando n'este camara entrar em discussão aquelle projecto do lei já approvado na camara dos dignos pares, e a qne ha pouco me referi, explanarei então largamente este assumpto.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 5

(conversão)

(Substituição ao projecto de lei n.º 40, Ao 1897)

O sr. Presidente : - Vae ler-se o que a mesa classificou como proposta de substituição ao projecto que se discute e a moção de ordem que o sr. conde de Burnay mandou para a mesa, leitura que se devia fazer na sessão de hontem, mas não se fez por ter já dado a hora,

Le-se a seguinte

Moção de ordem

A camara, reconhecendo que é conveniente aos interesses publicos definir e precisar, tanto quanto possivel, as condições e limites da auctorisação para o accordo com os portadores da divida externa, passa á ordem do dia. = Conde de Burnay, deputado por Pombal.

Foi admittida e ficou em discussão conjunctamente com o projecto.

Leu-se o seguinte

Projecto de lei

Proposta de substituição ao projecto de lei nº 5 (conversão)

Considerando que qualquer acordo com os portadores da divida publica externa deve ter por base o pagamento do maximo que os recursos do paiz rasoavelmente permittem no presente o tornam possivel no futuro, mas que seria todavia uma feita grave comprometter-se a mais do que se póde garantidamente cumprir;

Considerando que, não se podendo satisfazer integralmente os encargos assumidos nos differentes emprestimos, só torna por isso mesmo da mais essencial equidade procurar garantir, na fórma mais satisfactoria, mas sem prejuizo de completa independência administrativa, a regular satisfação dos novos compromissos a contrahir;

Considerando que o ensejo do projectado accordo convem ser aproveitado para se regular, na forma mais satisfactoria aos interesses publicos, tudo quanto respeite aos serviços da divida publica do estado, ou de qualquer outra de que elle tenha assumido a responsabilidade :

Tenho a honra de enviar para a mesa o adjunto projecto de lei, que, dentro das idéas geraes constantes da proposta ministerial, e por meio de algumas modificações e additamentos, attende mais completamente ás condições essenciaes a observar.

N'este projecto, os principaes resultados podem ser facilmente apreciados, mediante as seguintes considerações:

O capital da divida publica externa discrimina-se nas seguintes cifras:

Divida de 3 por cento perpetua - capital

nominal £.......................... 41.724:120

Obrigações de 4 por cento amortisaveis.... 1.841:340

Obrigações de 4 1/2 por cento amortisaveis.. 12.910:920

50.476:380

Pela transformação da divida perpetua em divida amortisavel, como faculta o § 3º do artigo 1.° do projecto, e sendo o reembolso feito a 50 por cento, a reducção de capital obtida pela amortisação é de........ 20.862:060

e o capital total a amortisar de........... 35.614:320

A rasão que justifica a amortisação da divida de 3 por cento a 50 por cento do nominal, ao passo que fica mantido o actual capital nominal da divida amortisavel, procede da equidade com que devem ser tratados todos os credores, attendendo as condições especiaes dos titulos dos diversos typos.

Effectivamente, o preço medio real por que foram emittidas os titulos de 3 por cento, foi de 41 1/2 por cento do nominal, tendo sido o preço mais elevado de 50 por cento, emquanto qne as obrigações amortizaveis de 4 1/2 por cento de 1889, foram emittidas a 94,84 por cento, as de 1889 a 96,71 por cento e as de 4 por cento de 1890 a 87,30 por cento, sendo a media 93 por cento e tendo os tomadores tido em vista a amortisação ao par. Não seria, pois, equitativo mas até altamente injusto fixar para os titulos amortisaveis, no capital a reembolsar, diminuição igual á adoptada para o reembolso da divida perpetua, que foi emittida muito mais barata o sem esperança de amortisação.

Dada a faculdade, fixada no mesmo artigo 1.° do projecto, do reembolso dos titulos a amortisar se poder fazer por sorteio ou por compra no mercado, e sendo actualmente as percentagens das cotações approximadamente as seguintes:

Divida perpetua de 3 por cento, 20 por cento.

Divida amortisavel de 4 por cento, 28 por cento.

Divida amortisavel de 4 1/2 por cento, 32 por cento.

As margens que d'estas taxas resultam, tanto para o lucro dos cortadoras, como para economia do thesouro, são respectivamente do 30, 72 e 80 por cento.
É, pois, licito calcular, que pela compra no mercado o thesouro economise metade d'essas margens, e assim realise mais uma economia de:

15 por cento no fundo de 3 por cento ou sejam
£.............................. 3.129:309

36 por cento no fundo de 4 por cento ou sejam
................................ 662:882

34 por cento no fundo de 4 1/2 Por cento ou sejam
.............................. 4.398:712

perfazendo a economia total............ 8.181:903

Juntando a esta economia a reducção acima indicada de
............,............ 20.862:060
a reducção total, do capital, obtida pela amortisação seria de...................... 29.043:963

e o capital a amortisar de............... 27.432:417

De onde se conclue, que o total nominal da divida
externa de.................... 56.476:380

poderá extinguir-se por completo com o dispendio de. £ 27.432:417. menos de metade, por meio de 90 annuidades a partir de 1910

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A annuidade seria, alem do juro constante, apenas, de £ 45:000, approximadamente.

Com relação ao capital nominal da divida interna em circulação, a situação é esta:

Divida de 3 por cento..... 341.958:357$000

Divida de 4 por cento amortisavel...2.827:907$500

Divida de 4 1/2 por cento amortisavel...21.705:750$000

Divida de 4 por cento amortisavel com
Premio.....3.380.000$000

Transformado o capital nominal da
Divida perpetua em 50 por cento
Amortisavel, a reducção de.....170.979:178$500

e o nominal da divida total ficará em.......198.892:836$000

A mesma rasão de equidade invocada para não adoptar, em relação á divida amortisavel externa, a mesma fórma de redacção applicada á perpetua, subsiste para o tratamento dos titulos amortisaveis internos de 4 4 1/2 por cento e para o emprestimo de 4 por cento com premios, que devem continuar no regimen actual.

A differença entre os systemas propostos tanto para a divida externa como para a interna está em que para os títulos internos de 3 por cento a reducção do capital é obrigatoria e decretada desde já, emquanto para os externos não ha redacção do capital, e apenas se consigna o direito de poder amortisar o 3 por cento externo, a 50 por cento e que para a divida externa os pagamentos do juro e amortisação têem de ser feitos em oiro, emquanto que para a interna esses pagamentos são em moeda corrente.

A situação para os portadores da divida interna não obstante a reducção do valor nominal das inscripção de 3 a 50 por cento ainda apresenta bastante margem para melhoria, comparadas as cotações actuaes com os valores nominaes dos respectivos títulos como se vê do seguinte :

O 3 por cento cotado a 32 por cento, deixa a margem de 18 por cento.

O 4 por cento cotado a 40 por cento, deixa a margem de 60 por cento.

O 4 1/2 por cento cotado a 50 por cento deixa a margem de 50 por cento.

Dadas estas margens, tambem é licito calcular que, pelas compras no mercado, a amortisação d'esses titulos dará uma economia para o thesouro, que se póde calcular em metade das margens, sendo essa metade respectivamente de:

9 por cento no 3 por cento perpetuo
corresponde a..................30.776:252$000

30 por cento no 4 por cento amortisavel
corresponde a...............848:370$000

25 por cento no 4 1/2 por cento amortisavel
corresponde a.............5.051:059$000

Juntando a esta economia de........37.051:059$000

a reducção do capital da renda de 3
por cento......................170.979:178$500

obtem-se uma redacção total de.......208.030:237$500

e assim se demonstra que o capital nominal da divida interna, que é hoje de.......................369.872:014$500

poderá ser amortisado por......... 161.841:777$000

por meio de 90 annuidades de cerca de 100 contos de réis, apenas, alem do juro constante.

Para combater os calculos da economia na amortisação abaixo do nominal só se póde allegar que de futuro os preços dos títulos da divida externa e interna podem subir, a ponto de já então se não poder realisar por completo toda a prevista economia no capital a amortisar.

Oxalá que assim succedesse para o paiz e para os seus credores. Seria prova de estarem as, nossas finanças em plena regeneração, e então nada mais justo do que d'essa feliz situação aproveitem tambem os credores do estado.

Quanto ao juro: o da divida interna continua sujeito ao imposto actual do rendimento; o juro ida divida externa é mantido n'um terço em oiro até 1909 inclusivamente e depois augmentado de 1/2 por cento em periodos de cinco annos, até attingir mais 50 por cento; da taxa primitiva.

Poderia parecer que por equidade o juro da divida interna devesse tambem ser reduzido.

A desigualdade apparentemente existente justifica-se, porém, pelas seguintes rasões:

1.° O juro e amortisação da divida externa são pagos em oiro, emquanto que os da internai, em moeda corrente ;

2.° Ao juro da divida externa fica assegurado um augmento progressivo até mais 50 por cento do terço, o que não succede com a divida interna;

3.° A divida externa é livre de todo é qualquer imposto presente ou futuro, emquanto que a divida interna é affectada pelo imposto de rendimento, que póde ser augmentado;

4.° A divida externa são affectas garantias especiaes, de que a interna não participa.

Duas outras circumstancias especiaes , têem tambem de ser consideradas:

1.° Muitos estabelecimentos de beneficencia de varia natureza têem o seu principal rendimento em titulos da divida interna;

2.° Muitos fundos de rendimento, depositos etc. são, por força de lei, obrigatoriamente constituidos por titulos da divida interna;

3.° Sobre a generalidade dos portadores da divida interna, a crise pesa, não só pela redacção dos juros da divida, mas tambem pelo reflexo do agio do oiro sobre os artigos de consumo de primeira necessidade.

Por todos estes motivos, uma nova reducção do rendimento da divida interna, não só não corresponderia a um acto de equidade que se tivesse em vista, toas concorreria, com prejuizo de todos, para o aggravamento da situação geral.

A partilha no augmento das receitas das alfandegas e na melhoria do ágio do oiro fica definitivamente supprimida.

Os motivos que recommendam a suppressão da partilha no augmento da receita das alfandegas e na melhoria do agio do oiro, são obvios para o primeiro caso, pois todos reconhecem que esses augmentos não representam melhoria da situação financeira do paiz, mas antes maior necessidade de oiro para fazer face ás importações. Emquanto á suppressão da partilha proveniente da melhoria do agio sobre o oiro, parece á primeira vista injustificada, mas por um lado, o limite de 22 por cento fixado em 1893 está de longe de se attingir, pois o agio está hoje ,a mais do dobro, e por outro lado essa disposição da partilha poderia vir a obstar ou contrariar qualquer modificação do systema monetario, ou da relação entre o valor do oiro e da prata, que porventura se venha a tornar necessaria.

Estas duas partilhas foram substituidas no presente projecto por uma escala ascendente, a juro que garante uma progressão de rendimento aos portadores da divida externa, em harmonia com os recursos de que no futuro o paiz poderá dispor.

As amortisações são suspensas por completo até 1909 inclusive, alliviando assim o estado d'esse encargo, n'este momento, pesado para elle, e praticamente imperceptivel para os portadores individualmente considerados.

Começando, a partir de 1910, as amortisações a funccionar regularmente, tanto para a divida externa como

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para a interna, toda a divida se deverá achar amortisada no praso do noventa annos.

O projecto estabelece a consignação especial de rendimentos do estado. Nenhum inconveniente póde haver em dar essa garantia em termos decorosos aos nossos credores externos, desde que lhe pedimos mais sacrificios e lhes queremos provar que estamos resolvidos a fazer o necessario para satisfazer os novos compromissos resultantes do accordo.

O projecto, emfim, define a situação dos emprestimos da camara municipal de Lisboa, hoje a cargo do thesouro.

Comparando agora a situação dos ultimos annos com a que resultaria da adopção do presente temos durante os doze annos desde hoje até fins de 1909:

Economia annual na partilha-media £ 71:000

Economia na amortisação externa....37:400

108:400

que ao cambio actual de 36 dão....722:666$666

A economia na amortisação de 4 1/2 e 4 por cento internas
será de...178:300$000

Total da economia annual..900:966$666

O reembolso do capital actual da divida publica, que é de:

Externa £ 56.500:000 (oiro) ou..... 254.250:000$000

Interna (moeda corrente)...........369.872:000$000

624.122:000$000:

onsegue-se mediante o pagamento de

Externa £ 27.500:000 (oiro) ou..... 123.750:000$000

Interna (moeda corrente) ........... 161.841;777$000

286.591:777$000

A partir de 1910, o reembolso, alem do juro constante, exigirá em media durante noventa annos as duas seguintes annuidades:

para a divida externa £ 45:000 (oiro) ou.. 202:500$000

para a divida interna (papel)........... 100:000$000

A diminuição de 333.530:223$000 réis que se realisa pelo reembolso no capital nominal actual de toda a divida publica representa, em relação á população do continente e ilhas adjacentes, uma melhoria de capitação de cerca de 70:000 para habitante.

Nos calculos aqui apresentados, não entraram propositadamente em linha de conta os encargos do novo emprestimo previsto no projecto, porque estas se devem_ contra-balançar naturalmente pelo desapparecimento dos juros da divida fluctuante externa e por outras applicações productivas em que esse emprestimo tem de ser utilisado melhor ainda pela conversão das obrigações dos tabacos.

São estas, salvo melhor aviso, as mais apropriadas bases em que o governo poderia ficar auctorisado a tratar o accordo com os portadores da divida fundada externa, e que a discussão poderá ainda concorrer para aperfeiçoar.

Cumpre, porém, advertir, que nem o compromisso que possa resultar da adopção do presente projecto, nem qualquer outro, por mais reduzido que ainda seja, só poderá cumprir, se não se adoptarem durante os annos de resfolgo que se requerem aos nossos credores, novas medidas, destinadas a equilibrar o orçamento interno, desenvolver a nossa exportação do continente, valorisar o commercio colonial e se, sobretudo, se não passar a administrar, por fórma completamente diferente da que se tem seguido ha dezenas de annos, e que nos trouxe fatalmente á contingencia presente.

Artigo 1.º É o governo auctorisado a fixar, de accordo com os representantes, officialmente reconhecidos nos respectivos pataca, dos portadores da divida fundada externa, actualmente sujeita ao regimen da lei de 20 de maio de 1893, novas condições relativos ao capital nominal, juro, partilha e amortisação dos titulos dessa divida, tendo em especial attenção, no que respeita ao estado, as numerosas necessidades presentes do thesouro, e no que respeita aos portadores da divida, a sua participação na melhoria futura das finanças publicas.

§ 1.° O juro annual da divida a que se refere o presente artigo será mantido no terço em oiro até 31 de dezembro do 1909; augmentado de 12 1/2 por cento sobre esse terço de 1910 a 1914; de 25 por cento de 1915 a 1919; de 37 1/2 por cento de 1920 até 1924 e de 50 por cento de 1925 em diante.

§ 2.º A partilha no augmento das receitas das alfandegas e na diminuição do agio sobre oiro, a que se refere a supracitada lei, ficará supprimida por completo.

§ 3.º A. amortisação dos titulos da divida externa amortisavel ficará suspensa até 1909, e a partir de 1910 o governo applicará uniformente á amortisação de toda a divida externa a somma necessaria para a sua completa extinção em noventa annos; podendo a dita amortisação ser feita por compras no mercado ou sorteio, e n'este ultimo caso fixando-se para a divida de 3 por cento o preço do 50 por cento do nominal, que foi o preço maximo do das diversas emissões publicas.

§ 4.° Desde que se torne effectivo o referido accordo, serão nossa conformidade estampilhados ou carimbados os actuaes titulos da divida externa, podendo tambem a respectiva folha de coupons ser substituida por outra com os juros reduzidos.
Este serviço realisar-se-ha nas praças de Londres, Paris, Berlim, Amstardam, Bruxellas e Lisboa, correndo todas as despezas por conta do governo portuguez.

Art. 2.° O governo consignará por fórma especial as receitas das alfandegas do continente e ilhas adjacentes (excluidos os rendimentos alfandegarios dos tabacos), até á importancia da somma necessaria para o pagamento dos encargos em oiro da divida externa fundada.

§ 1.º As receitas a que se refere este artigo serão recolhidas á medida que forem cobradas, em conta de deposito especial, pela junta do credito publico, banco de Portugal, ou analoga instituição nacional, a cargo da qual, pelo accordo, fique a cobrança, guarda o transferencia dos fundos destinados ao serviço da divida nas praças estrangeiras, onde actualmente se realisa o seu pagamento ou em quaesquer outras onda seja conveniente de futuro.

§ 2.° As sommas depositadas no estabelecimento nacional para o serviço da divida externa serão opportunamente por elle transportadas para os estabelecimentos estrangeiros encarregados sob sua responsabilidade da guarda da fundos e dos pagamentos aos portadores dos titulos nas differentes praças estrangeiras.

§ 3.º A consignação especial dos rendimentos da alfandegas á garantia dos encargos da divida publica não inhibirá o estado de alterar, sempre que o julgar conveniente, os direitos de importação ou exportação, desde que a alteração deixe amplamente assegurados rendimentos que possam fazer face aos referidos encargos.

§ 4.° Os emprestimos internos de 4 porcento da camara municipal do Lisboa, actualmente a cargo do estado, o cujo juro e amortisação não soffre alteração, gosarão igualmente das garantias consignadas no presente artigo.

Art. 3.° Ultimado o accordo com os credores externos, o governo simultaneamente decretará a redacção do

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50 por cento no capital nominal da divida interna de 3 por cento e a suspensão até 1909, inclusivamente, da amortisação das obrigações de 4 por cento e 4 1/2 por cento de 1888, 1889 e 1890, começando em 1910 a amortisação de toda a divida interna por compra no mercado ou sorteio, de fórma a ficar extincta ao cabo de noventa annos.

§ unico. O pagamento dos juros da divida interna e o serviço dos premios do emprestimo interno de 4 por cento de 1388 continuarão a ser feitos em moeda corrente nos termos do regimen vigente.

Art. 4.° Não fica o governo por esta lei inhibido, mas antes auctorisado, a adoptar outras condições financeiras do accordo com os portadores dos titulos externos dos diversos typos de juro para os emprestimos externos, comtanto que do conjuncto das modificações não venha a resultar para o estado maior encargo total, nem aggravamento das condições n'esta lei previstas para os primeiros dez annos do accordo a celebrar.

Art. 5.° Se, para assegurar o pagamento dos primeiros Coupons de divida externa, reembolsar os credores da divida fluctuante externa, e reforçar a reserva metallica do banco de Portugal, o governo carecer de contrahir um emprestimo externo, é pela presente lei auctorisado a realisar a referida operação, pela fórma e nas condições que julgar mais convenientes, e até á quantia que julgar indispensavel, não podendo o encargo exceder 1/2 por cento do juro effectivo correspondente á cotação de fundos consolidados portuguezes, no momento de só realisar a operação, e ficando aos respectivos encargos annualmente consignadas as receitas alfandegarias nos termos do artigo 2.º e seus paragraphos, ou outras que mais convenha ao governo consignar.

Art. 6.° Não conseguindo o governo realisar accordo nas condições constantes na presente lei, e um emprestimo externo, só elle se tornar necessario para a efficacia do dito accordo, fica o governo auctorisado, dado o caso de na occasião se não acharem reunidas as côrtes, emquanto não melhorar a situação financeira do estado, a decretar o pagamento do terço do juro da divida externa em certificados, que emittirá nas condições e com as garantias que julgar convenientes, ouvindo sobre o assumpto o conselho d'estado.

Art. 7.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer das auctorisações que lhe são concedidas por esta lei.

Art. 8.° Fica revogada a legislação em contrario. = Conde de Burnay, deputado por Pombal.

Foi admittida.

O sr. Adriano Anthero (relator): - Pedi a palavra para propor que esse projecto de emenda, ou como lhe queiram chamar, do sr. conde de Burnay, bem como a emenda apresentada pelo sr. Dias Ferreira, ou outras apresentadas por quaesquer srs. deputados, sejam remettidas á commissão para lá serem devidamente estudadas.

O sr. Teixeira de Vasconcellos: - É com supremo desprazer e enorme mágua que entra no debate.

Depois de quarenta e cinco annos de desvarios, chegou o momento da liquidação final, mas de uma liquidação feita por forma que não se póde dizer como Francisco I - Tout est perda, hormis l'honneur! - Effectivamente nada se salva. Não encontramos homens que nos queiram salvar.

Todas as nações têem crises profundas que por vezes ameaçam a sua existencia, mas encontram corações patrioticos e espiritos levantados que se concentram para as salvar.

Entre nós parece que o que se quer é cavar mais fundo o abysmo para nos precipitarmos n'elle.

Todas as nações commettem faltas, todas estão sujeitas a graves provações, mas nem todas se vêem obrigadas a apresentar-se na historia cobertas com um véu para occultarem a sua vergonha.

A Grecia caiu na sua actual situação, porque teve de luctar com o estrangeiro e libertar-se de uma occupação que a humilhava: a Hespanha, cujo estado financeiro e economico não é bom, tem a defendel-a perante a historia o brilho com que manda para Cuba homens aos milhares e dinheiro até ao ultimo ceitil; mas nós o que temos para nos defender da vergonha a que chegámos? Nada.

O que é que justifica a intervenção estrangeira em Portugal? Unicamente o querer-se arranjar dinheiro para continuar a agonia de um povo que sé julga feliz pelas apparencias.

Amanha, porém, virá a realidade, e, então talvez surja um protesto violento, uma corrente de opinião que diga a todos os homens ser necessario um esforço collectivo para se salvar uma nacionalidade, que não deve morrer vergonhosamente, porque viveu sempre coberta de gloria immaculada.

Quizera ver em todo o paiz um movimento de concentração para dar aos negocios publicos outra orientação.

É bem pequeno elle, orador; mas, se estivesse na sua mão, o paiz havia de salvar-se com os recursos que tem.

Alludindo depois á Italia, ella recorda as dificuldades que teve de vencer e os sacrificios que teve de fazer para realisar a sua unidade, ao passo que nós para explicarmos a nossa situação temos apenas os enormes deficits orçamentaes, que não representam um adiantamento sobre o futuro, porque não temos os melhoramentos materiaes que deviamos ter, não temos exercito, não temos marinha, não temos escolas devidamente organisadas e dotadas. O thesouro pobre, e nós sem nada. E isto com um povo que é por indole honesto, honrado, laborioso e submisso á lei, como não ha outro igual no mundo.

O estrangeiro entra na administração do paiz desde que se consignem os rendimentos das alfandegas.

Esta consignação é um crime que só póde ter desculpa na indifferença em que vamos indo.

Não sabe como isto acabará; mas, se fosse elle, orador, que escolhesse a final, afiança que, não havia de fazer rir.

Consignados os rendimentos das alfandegas, não sabe como se ha de proteger o trabalho e a agricultura. Quando se queira fazer tratados de commercio, quando se queira abolir direitos de exportação para favorecer a saida dos nossos productos, hão de apparecer ciumes noa comités e as resistencias serão grandes.

Aquella consignação é um golpe mortal na economia nacional. Se nos deixam alguma cousa na Africa, só nos resta emigrar para lá.

Não acredita que com ella se estabeleça o credito nacional, porque ha de influir muito nas outras receitas.

E o que tem feito em doze mezes o governo, que promettêra desenvolver a riqueza publica e debellar a crise?

No anno passado o contrato de emprestimo para as classes inactivas; este anno o projecto em discussão, que é a mortalha onde o futuro da nação ha de envolver-se.

Passa o orador em seguida a mostrar que o estado não póde por muito tempo com os encargos a que vão obrigar-se. Talvez possa durante dois annos, sustentando-se assim o governo, mas não comprehende como se póde apresentar nas actuaes circumstancias um projecto tão perigoso para a segurança do paiz.

Pensa o sr. ministro da fazenda que o projecto ha de trazer como consequencia a entrada de oiro, não tendo o governo durante dois ou tres annos que apesar no mercado cambial. Mas depois o que succede? O paiz fica mais pobre e com uma divida maior.

O caminho a seguir seria desenvolver a exportação doe nossos productos, que é o que podo corrigir os cambios. Contrahir emprestimos, concedendo penhores, á expediente que esta muito abaixo da intelligencia do sr. ministro da fazenda.

A elle, orador, parece que a culpa da nossa situação é

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SESSÃO N.º 20 DE 16 DE FEVEREIRO DE 1898 341

menos da homens do que dos principios. No seu entender, morremos de um envenenamento constitucional.

O sr. Presidente: - Pede ao orador que não ataque as instituições.

O Orador: - Contesta que as suas palavras signifiquem um ataque ás instituições; apenas quiz dizer que o paiz não usa da arma poderosa que tem nas suas mãos. Termina dizendo que não póde encarar o projecto, senão com o mesmo terror pavoroso com que qualquer individuo encara o caixão que o ha de levar á sepultura, o que ainda espera que um momento de boa impressão leve o governo e a maioria a substituil-o por outro que seja mais harmonico com os interesses e com a dignidade da nação.

(O discurso será publicado na integra, se s. exa. o restituir.)

O sr. Moreira Junior: - Começa dizendo que lhe causou profundissima impressão ver que, ao appello do sr. ministro da fazenda, para que todos collaborassem n'este projecto, correspondesse uma opposição violenta e intransigente, porque se ha assumpto que, pela sua importancia, devesse ser discutido serenamente, é este, que se prende com os mais caros interesses do paiz.

O projecto que se discute, affirma, não fere os brios nacionaes; em primeiro logar, porque a disposição que mais tem sido combatida, a de consignação de rendimentos publicos ao serviço da divida, não é mais do que a reproducção do processo historico da dotação da nossa divida; pois é de todos sabido que, antigamente, era consignado o rendimento das alfandegas á junta do credito dos reaes emprestimos, e tambem que uma identica disposição se encontra nas bases do convenio, ajustado pelo sr. Pimentel.

E, não será roais facil a entrada da fiscalisação estrangeira, com o regimen em vigor, do que com o que se pretende estabelecer com o projecto em discussão?

Crê que sim.

Quando se falla em intervenção estrangeira, observa o orador, é preciso ter muito cuidado, para que ninguem possa suppor que no nosso espirito pairou, sequer por um momento, a possibilidade de uma tal humilhação.

A interferencia do banco de Portugal no serviço da divida externa tambem não lhe parece que possa ser condemnada, nem que d'ahi nos possam advir dissabores, porque se aquelle estabelecimento de credito póde, sem difficuldade, satisfazer o serviço da divida interna, não vê porque não lhe ha de ser tambem conferido o da externa.

Em todo o caso, o facto tambem não é novo, porque figurava igualmente nas bases do convenio ajustado pelo sr. Serpa Pimentel, chefe supremo do partido regenerador.

A estampilhagem dos titulos, que tão grande impugnação tem soffrido, apresentando-a como um padrão perpetuo do nosso descredito, tambem não constitue uma novidade, visto que ella figurava igualmente nas bases d'esse mesmo convenio, como já anteriormente figurava no accordo feito por Fontes Pereira de Mello em 1861. E quando taes estadistas, com tão larga folha do serviços ao seu paiz, a acceitaram, não lhe parece que possa merecer as acerbas criticas que n'esta occasião lhe têem sido feitas.

O nosso descredito, acrescenta, não provém de quaesquer dizeres dos nossos titulos, por mais dolorosos que elles nos sejam, mas sim de não termos um accordo com os credores, de não termos querido discutir com elles, e é a isso que o projecto visa; isto é, a regularisar a nossa situação para com os credores e habilitarmo-nos a poder consolidar a divida.

Que a essas operações venha junto um emprestimo, não lhe parece tambem que possa ser isso motivo para censuras, pois só lhe afigura que um emprestimo n'estas condições é vantajoso; e tanto assim que já emittiram igual opinião dois financeiros illustres, o sr. Oliveira Martins e o sr. Marianno de Carvalho.

E a proposito, dirá aos que condemnam em absoluto os emprestimos, que se é perigoso adoptar como principio o recurso ao credito, não é comtudo conveniente cortar abruptamente com o systema seguido, porque assim como ao alcoolico seria perigoso impedir-lhe bruscamente o não d'aquelle excitante, porque lhe poderia trazer como consequencia immediata o delirium tremens, assim abandonar-se de repente o recurso ao credito poderia lançar uma perturbarão na vida economica do paiz.

Conta depois o que succedeu com um commerciante de Lisboa, que, tendo obtido n'um concordata dos credores e o perdão de uma parte do debito, continuara trabalhando afincadamente, passando só a gosar o fructo do seu trabalho depois do ter satisfeito aos credores tudo quanto ajustára e mais ainda o que lhe haviam perdoado.

É seu desejo que Portugal chegue á situação de poder proceder como aquelle honrado commerciante portuguez de velha raça.

(O discurso será publicado na integra, se s. exa. o restituir.)

O sr. Luciano Monteiro: - Não sabe bem como qualificar o projecto, porque não sendo elle de conversão, nem de concordata, como vão demonstrar, só se lhe poderá, chamar projecto de conversa, como disse o sr. Dias Ferreira.

Não é um projecto de conversão, porque esta só se faz quando o devedor se apresenta perante os portadores da divida com o dinheiro n'uma das mãos e as condições na outra, e diz aos credores: ou o dinheiro ou estas condições; escolha.

Não é igualmente de concordata, porque esta só se dá quando o devedor cita a um accordo, não apenas uns determinados credores, mas a todos, e expondo-lhes lealmente a situação, pode-lhes uma reducção nos encargos que o oneram e com que não póde.

Que nenhum d'estes dois casos se dá, prova-se em poucas palavras. Não ha conversão, porque não temos dinheiro para resgatar os titulos, e não ha concordata, porque tratamos só com parto dos credores e não lhe pedimos reducção de encargos, mas, pelo contrario, lhe offerecemos mais do que elles hoje recebem.

O projecto constitue, pois, a seu ver, uma fraude, uma borla, porque vae desapossar dos seus legitimos direitos o credor da divida interna, em beneficio do da externa, e serve apenas de mascara para a consignação do mais importante e seguro dos rendimentos publicos a um emprestimo.

E porque esta consignação não podia ser feita senão com o consentimento dos credores externos, só com elles se tratou.

O governo contrahiu responsabilidades importantes, dispoz do que tinha á mão, empenhou on vendeu aquillo com que ainda podia contar, e quando se viu n'uma situação embaraçada, com a divida fluctuante acrescer, lembrou-se de que o que lhe convinha era arranjar um emprestimo. Bateu então a todas os portas, mas sendo-lhe perguntado o que é que dava ora troca, como não podia dispor dos rendimentos publicou nem consentimento das côrtes, lembrou-se d'este projecto. E esta é, ia jural-o, a historia do projecto.

O que lamenta é que o espirito do paiz esteja tão abatido que perante a declaração do sr. ministro da fazenda, em resposta ao sr. Marianno de Carvalho, de que não sabia onde paravam au 72:718 obrigações da companhia real dos caminhos de ferro, se conservasse mudo e indifferente, como o se o caso lhe fosso perfeitamente estranho e regular.

(O discurso será publicado na integra, se s. exa. o restituir.)

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O sr. Presidente: - Faltam apenas dez minutos para dar a hora.

O sr. Ministro da Fazenda (Ressono Garcia): - Não pedi a palavra para entrar no debato, nem para responder ao discurso brilhantissimo do illustre deputado que acabou de faltar, mas para dar explicações sobre um incidente que se levantou ha pouco.

O illustre deputado, o sr. Marianno de Carvalho, dirigiu-me um aviso previo para eu vir á camara prestar esclarecimentos sobre a nota da divida fluctuante, relativa a dezembro do anno findo, e publicada no Diario do governo.

Combinei com s. exa. comparecemos aqui ambos, na segunda feira d'esta semana. S. exa. a proposito do aviso previo, sob o titulo, muito suave, do alguns esclarecimentos ácerca da divida fluctuante publicada no Diario do governo, desembestou contra mim umas quatorze perguntas, qual d'ellas a mais difficil de responder. Até se referiu a actos da gerencia do ministerio transacto; pedia numeros, sommas, quantias e eu respondia ao illustre deputado:- não trago commigo o registo, nem a escripta do ministerio da fazenda o ae s. exa. quer esclarece-se a si proprio; a camara e o paiz, parece-me que não é por esta fórma que obtem uma resposta precisa e concisa ás suas perguntas. Era melhor transformal-as por escripto n'outros tantos avisos previos, ou transformal-as n'um requerimento, que mandasse para a mesa. São esclarecimentos que o ministro não tem obrigação de prestar ao parlamento, porque eu não sou o repositorio da escripta e do registo do ministerio da fazenda.

Esses esclarecimentos prestam-se pelas repartições respectivas. O requerimento segue os devidos tramites o n'elle se responde ao que s. exa. deseja saber.

Tenho pelo sr. Marianno do Carvalho, meu antigo mestre e sempre meu bom amigo, a consideração que merece, o disse-lhe que ia responder ás suas perguntas n'aquillo em que podia satisfazere. Ora s. exa. entre outras, insistiu na relativa ás obrigações do caminho de ferro.

Eu nunca occulto os actos que pratico, porque tenho a convicção do que são justos e necessarios. Declarei que essas obrigações serviam de caução a um contrato, em conta corrente, para acudir ás urgencias do thesouro. S. exa. interrompendo-me, quiz saber aonde estavam. E eu disse e repito agora, que o governo estava tratando com um grupo de banqueiros (não é um só), que esse grupo de banqueiros garante ao governo uma certa somma, em conta corrente, mediante a caução das obrigações do caminho do ferro, e esses banqueiros repartem entre si o encargo e a caução, sendo esse supprimento feito em condições que julgo vantajosas para o estado.

E disse ao illustre deputado: «que se s. exa. para satisfazer a sua curiosidade vae até á minucia de querer saber quaes as obrigações que garantem as diversas repartições d'esse supprimento, como o contrato se fez em globo, não sei como elle se repartiu em operações subsequentes, porque tivemos de recorrer a um grupo de banqueiros para satisfazer ás necessidades do thesouro».

Aqui está a resposta que dei ás perguntas que me foram dirigidas pelo sr. Marianno de Carvalho, apesar da interpretação differente que pelos jornaes lhe foi dada.

Esta é a explicação sincera, o lealissima do que fez o governo.

Devo dizer ao illustre deputado, que já foi ministro da fazenda, para bem do paiz, que não é costume trazer á camara a nota das operações de thesouraria que se fazem, e sobretudo de operações pendentes. Nunca se fez isso.

Portanto, as operações de thesouraria não são simplesmente sagradas para o thesouro,-são tambem sagradas para os banqueiros com quem o thesouro trata e não póde o governo, n'um contrato que está pendente, usar de publicidade, que póde muitas vezes prejudicar aquelles, com quem trata.

(S. exa. não reviu.}

O sr. Marianno de Carvalho: - Não vae desembestar contra o sr. ministro da fazenda, porque não esta nos seus habitos nem nos seus costumes desembestar ainda mesmo que ás bestas, que não eram bestas, quizesse s. exa. referir-se.

Perguntou, com effeito, onde estavam as obrigações da companhia dos caminhos de ferro, não obtendo resposta, mas insistindo por ella foi-lhe dito pelo, sr. ministro da fazenda que requeresse por escripto.

Requereu-o, como já referiu á camara, dizendo-lhe s. exa. que só talvez podesse na segunda feira enviar o esclarecimento pedido, por isso que tinha, de telegraphar para Paris para lhe enviarem uma nota detalhada da sua situação.

Agora, pelo que s. exa. disse, a conclusão a tirar é que o sr. ministro da fazenda entregou a um banqueiro incognito, chefe de um grupo de banqueiros igualmente, incognitos, as 72:000 obrigações do caminho de ferro, que esse tal banqueiro incognito distribuiu como quiz, sem que o sr. ministro da fazenda saiba presentemente onde é que estão essas obrigações, que constituiam um fundo do estado.

(O discurso será publicado na integra, quando, s. exa. o restituir.}

O sr. Presidente: - Ámanhã ha sessão. A ordem do dia é a mesma que vinha para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas e quarenta minutos da tarde.

Documentos apresentados n'esta sessão

Representação

Da mesa da santa casa da misericordia da cidade de Braga, pedindo que não seja approvado o projecto de lei já votado na camara dos dignos pares, que concede o convento dos Remedios e suas pertenças ás irmãs missionarias franciscanas e á camara municipal d'esta cidade.

Apresentada pelo sr. deputado Luiz José Dias enviada á commissão de fazenda e mandada publicarão Diario do governo.

Justificação de falta

Declaro que por motivo justificado deixei ide comparecer ás sessões dos dias 11, 12 e 14 do corrente mez. = O deputado, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas.

Para a secretaria.

O redactor = Barbosa Colen.

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