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SESSÃO N.° 20 DE 19 DE FEVEREIRO DE 1902 5

possivel, mantida por meio de boias prosas ás tralhas da rede, tralhas que são constituidas por fortes cabos de arame. Dá-se o nome de tralhas aos cabos que bordam ou que involvem as velas dos navios e assim se aplica por analogia a mesma denominação á tralha ou cabo que orla a rede.

Ora, estas duas paredes de rede, o quartel de fora e a rabeira, cortam em dois pontos os enfiamentos da barra do Guadiana, que, como disse a V. Exa., é a unica que hoje dá accesso aquelle rio.

Este simples facto, assim singelamente enunciado sem refolhos, por desnecessarios e porque ou os não sei ter, mostra a v. Exa. e a Camara o enorme e grave inconveniente que ha para toda a navegação na permanencia de um tal apparelho de pesca na embocadura de um rio tão importante como é o Guadiana, por isso que é muito frequentado por navios de varias nacionalidades, o maior numero dos quaes vão carregar de mineral ao Pomarão.

Este motivo, Sr. Presidente, quando outros não houvesse, que os ha, justificaria, creio eu, e sobejamente, o chamamento da attenção do Sr. Ministro que estou tendo a honra de fazer neste momento. (Apoiados).

Sr. Presidente: este impedimento á navegação não é pura previsão minha, é mais do que mera possibilidade, é um facto, e é um facto comprovado, visto como dois navios de nacionalidades diversas, que agora não me recorda quaes são, enrascaram-se-empregando o proprio termo maritimo - na armação Rainha Regente quando demandavam a barra do Guadiana. Isto é a prova provada de que ella impede a navegação.

E nem diversamente poderia ou deveria acontecer. Sr. Presidente, um apparelho fixo ao fundo do mar, junto á foz de um rio tão importante como o Guadiana, forçosamente ha do obstar d navegação. (Apoiados). Não pode haver duas opiniões a este respeito. (Apoiados).

É contra este estado de cousas que eu reclamo e com este principal fundamento; mas ha mais.

Como V. Exa. sabe, o limite marcado em direito internacional para as aguas territoriaes esta numa linha traçada a 3 milhas da costa, contadas a partir de uma outra que só chama a linha da maior baixamar. Dentro d'esta faixa do Oceano pode cada nação exercer a sua industria de pesca como melhor lhe aprouver, tanto usando de apparelhos moveis, como empregando os fixos.

Fora d'aquella faixa, não.

Pois a armação Rainha Regente não só corta em dois pontos o eixo da barra do Guadiana, como tem o ferro do pego, ferro que fica no extremo do quartel de fora, a 4 1/2 milhas ou n 5 milhas da costa.

Tem, pois, mais de milha e meia do seu apparelho em aguas extra-territoriaes.

Vê, pois, V. Exa. bom que isto não pode ser. (Apoiados).

Poderá alguem julgar, que esta existencia de milha e meia de quartel de fora, alem das aguas territoriaes, encontra fundamento ou justificação nas disposições do tratado em vigor com a Hespanha desde 1893, que estende ou amplia a area de pesca de 3 a 6 milhos nos dois países.

Não é assim.

Evidentemente, esta ampliação refere-se unica e exclusivamente a apparelhos volantes e nunca a apparelhos fixos, como não pode deixar de ser do acordo com a boa doutrina.

Esta jurisprudencia não é minha, foi a propria Hespanha que a estabeleceu, que a fixou em documento publico official, que vou ter a honra de ler á Camara:

«Real ordem de 19 de setembro de 1899, dirigida ao Capitão General de Cadiz:

Ex.mo Sr. - Inteirada a Rainha Regente do Reino do pedido feito por D. José Millá y Pinoll, propondo-se estabelecer uma armação para a pesca do atum, em
aguas extra-territoriaes a mais de 3 milhas da costa de Nossa Senhora da Ilha Canela, districto maritimo do Ayamonte, Sua Majestade, em nome de seu Augusto Filho El-Rei (que Deus guarde), e em harmonia com as informações que lhe prestou o Centro Consultivo d'este Ministerio, ha por bem ordenar se declare ao requerente que o Governo Hespanhol não pode conceder nem auctorizar estabelecimentos de pesca fixos em aguas extra-territoriaes.

Madrid, 19 de setembro de 1899. = Manuel I. Mazo, sub-secretario».

Está pois demonstrado, Sr. Presidente, que é a propria Hespanha que entende que, fora dos limites das 3 milhas não pode existir apparelho algum fixo. Como é, pois, que a Hespanha, sem atacar a coherencia, sem a fazer cambalear, nos vem declarar aqui, num documento publico official, que não podo auctorizar, em aguas extra-territoriaes, apparelho algum fixo e consentiu no anno passado, e diz-se que vão consentir este anno, no lançamento de uma armação com milha e meia de rede em aguas extra-territoriaes? (Apoiados).

Não se comprehende; não ha coherencia. E, Sr. Presidente, devo dizer a V. Exa. e á Camara que esta real ordem não foi descoberta por ruim; foi citada no parecer da commissão central de pescarias, que está primorosamente elaborado, e nem outra cousa era de esperar, Sr. Presidente, de uma commissão composta de distinctos officiaes da armada (Apoiados), que tem no seu seio um distinctissimo naturalista, e que é presidida pelo Sr. Contra-Almirante Chagas Roquette, official da nossa armada, conhecedor como poucos dos assumptos de pesca no nosso país (Apoiados), e posso dizer, sem receio de errar, um dos funccionarios mais distinctos do Ministerio da Marinha. (Apoiados).

Esta real ordem está citada nesse parecer, e devo crer que é conhecida no Ministerio dos Estrangeiros, e se não é devia sê-lo, por isso que este parecer tem a data de 17 de agosto e foi feito a requisição daquelle Ministerio, formulada em 14 do mesmo mês.

E, Sr. Presidente, a commissão de pescarias cumprindo as ordens urgentes do illustre Ministro da Marinha, tinha no prazo curto de 10 dias, em 27 de agosto, reunido, estudado, elaborada, assignado e entregue o seu parecer na Direcção Geral do Marinha, parecendo, porem, quem elle só chegou ao outro lado do Terreiro do Paço cinco meses depois.

Recapitulando, creio ter demonstrado: 1.°, que a armação Rainha Regente impede a navegação que se faz pela barra do rio Guadiana, navegação muito importante, por isso que, como já disse, aquelle rio é muitissimo frequentado por navios de differentes nacionalidades, muitos dos quaes vão carregar de mineiro ao Pomarão; 2.°, que esta armação, por mal lançada, tem uma grande parte da sua rede fora, milha e meia, dos limites das aguas territoriaes, o que a propria Hespanha reconhece e declara não poder nem dever auctorizar.

Resta-me dizer mais que esta armação está affectando a pesca que se faz nas costas do Algarve, principalmente desde Faro até Villa Real.

O atum é um peixe de apparecimento periodico, de maio a agosto, e o seu habitat é no Oceano Atlantico, quasi todo para oeste, até á costa da America. Em chegando a epoca de desovar, dirige-se para a nossa costa, com a direcção approximada de NE., em procura do menores fundos e de mais elevada temperatura; percorre a costa do Algarve e atravessa, segundo uns, o Estreito de Gibraltar, e segundo outros não o atravessa, espalhando-se, disseminando-se até á costa norte da Africa. Eu sou, Sr. Presidente, dos que crêem que o atum atravessa o Estreito de Gibraltar e vão desovar no Mediterraneo.

Sua Majestade El-Rei, que é auctoridade na materia, de incontestavel e incontestado merito (Apoiados), assim o parece entender tambem.