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Senhores deputados da nação portugueza. — Na sessão de 25 de janeiro ultimo vos foi apresentada uma proposta de lei, ampliando as disposições da lei de 4 de abril de 1861, que estabeleceu a desamortisação dos bens de raiz das igrejas e corporações religiosas, e reduzindo os laudemios á quarentena.

O cabido da cathedral do Porto, como já outr'ora o fizera, vos apresenta agora a sua necessaria e muito fundada reclamação contra essa proposta, na parte em que vem consideravelmente aggravar os damnos e vexações que está experimentando; necessaria, porque todos os membros do cabido juraram defender, por todos os meios licitos e honestos, o patrimonio da mesa capitular, tal qual se acha constituido desde muitos seculos, e porque o silencio viria a importar o reconhecimento tacito da exactidão e justiça dos principios consignados no relatorio da proposta e dos respectivos artigos da lei em projecto; e muito fundada, como vos convencereis pelas considerações seguintes, que temos a honra de expender-vos.

Segundo os principios rigorosos e invariaveis da jurisprudencia, a nomenclatura e graduação dos bens é em escala descendente de mais para menos apreciavel, na seguinte fórma: bens de raiz ou immoveis, bens moveis e semoventes, direitos e acções; e d'aqui resulta que não póde ser beneficio para o cabido a apregoada desamortisação, a qual importa a conversão dos bens da primeira e melhor especie para inscripções, que estão na classe intima de direitos e acções.

E na verdade quem haverá que possa cordata e convictamente sustentar que dá provas de bom administrador o proprietario que vender, para converter em inscripções, todos os seus bens de raiz? Quem haverá que desconheça a melhoria, solidez e firmeza do patrimonio em bens da primeira especie, e o precario, vacillante e eventual das inscripções? E n'esta eventualidade, que tão natural póde dar-se, quem prevenirá inauditas, incriveis e infindas calamidades, quem poderá impedir as suas tristes consequencias naturaes, os horrores da miseria, da desgraça e da fome?!

A desamortisação, pois, dos bens de raiz, e a sua conversão em inscripções, poderá ser conveniente para alguem, mas não é por certo para esta corporação, a qual decididamente se convence de que não incorrerá em responsabilidade, mas merecerá applausos dos vindouros, declarando, como formal e decretoriamente declara, que quer ser mantida na justa posse de seus bens, taes quaes os adquiriu, e tem conservado; e que renuncia o beneficio da conversão, e invicto non confertur beneficium.

A desamortisação, na verdade, convirá aos interesses publicos, segundo o pensamento ostensivo do relatorio com relação aos bens de raiz, que se conservem no dominio pleno das corporações de mão morta, visto que por virtude d'ella são esses bens habilitados para successivas transmissões sujeitas aos impostos publicos; mas esta conveniencia é diminutíssima ou nenhuma com relação aos bens que essas corporações largaram por contratos de emprasamento e de censo, pois que n'esses bens se dão sempre essas successivas transmissões, e apenas se conserva amortisado o direito á percepção dos fóros e laudemios.

Mas quem não vê que, convertido o valor d'esse direito em inscripções, continua ainda a amortisação n'estas e ficam ellas fóra do giro do commercio, e por isso infructiferas para os cofres publicos? Idem per idem. Poderá, pois, civilmente demonstrar-se que têem sido proficuos e beneficos os resultados das desamortisações effectuadas quanto aquelles bens, nunca, porém, essa demonstração pôde abranger as desamortisações, quanto aos fóros e direitos dominicaes, e é nestes (o que necessariamente convem notar) que consiste a quasi totalidade do patrimonio do cabido portuense.

E o cabido pondera, maguadamente, esta circumstancia notavel, porque antevê em grave risco a honesta sustentação de cada um de seus membros; e é indisputavelmente certo que, na conjunctura presente, tem elle a cogitar não só dos alimentos indispensaveis á sua vida physica, mas dos alimentos civis precisos á sua posição hierarchica, porque jamais deverá esquecer que fórma com o bispo um conselho natural, que conserva in actu a jurisdicção ordinaria; que a exerce nas vacaturas da sé, per si e pelo seu vigario capitular; que conta entre os seus prelados e dignidades um pontifice, um principe portuguez, varios cardeaes e muitos varões esclarecidos tanto em virtudes como em letras; e que, finalmente, vive na segunda cidade d'este paiz, onde as despezas de um tratamento decente, posto que moderado, não são inferiores ás da capital.

Pelo que respeita a reducção dos laudemios á quarentena em todos os casos, em que outro maior seja devido, invoca-se no relatorio da proposta o unico fundamento de que o exagerado d'elles afugenta os rémidores, e afasta da praça os licitantes, tendo por isso havido poucas vendas de fóros, e justificando-se pela pratica que sem essa reducção se torna difficillima a desamortisação. Mas se nada importa que tal desamortisação se não effectue, pois que ella não tem conveniencia alguma justificada, nem quanto aos particulares, nem quanto ao publico, e se reduz a um ataque contra o direito da propriedade, segue-se que a providencia da reducção dos laudemios carece de fundamento attendivel, ao passo que tanto mais precisava d'elle quanto essa reducção vem a importar nada mais e nada menos que uma verdadeira expropriação e usurpação, quanto aos senhorios, e uma doação, sem causa alguma, aos foreiros, pois que sendo de quatro um a generalidade dos prásos do cabido do Porto, e sendo pela lei em projecto reduzidos á quarentena, priva-se o cabido de 22 1/2 por cento, e vem os foreiros a ser agraciados com essa differença, e de mais a mais é privado o cabido dos apreciaveis direitos dominicaes da luctuosa opção e consolidação por commisso. Defraudar o cabido senhorio, para agraciar os foreiros, e tudo sem utilidade publica, é mais que absurdo, e é ainda mais que injustiça!! Depaupera-se e pune-se o cabido sem delictos, locupletam-se os caseiros sem serviços, e nem se quer são respectivamente onerados para satisfação dos encargos.

Às leis do reino, senhores, permittem a estipulação de laudemios excedentes á quarentena, os foreiros preferiram fóros annuaes diminutos com laudemios pesados, pois que aquelles eram certos e continuos, e estes eram eventuaes, e tão eventuaes que decorrem longos seculos, sem que se vençam de alguns prasos.

O cabido sempre foi, e ainda hoje é, uma individualidade juridica, aceitou os contratos, e contratou, não podia depois alterar ás pensões annuaes, nem os laudemios; é consocio com os foreiros nos terrenos emprazados; nenhum dos

socios póde ser melhorado, nem prejudicado, á custa do outro; ambos têem o respectivo direito de propriedade, e no caso, não concedido, de que o bem publico, legalmente verificado, tornasse indispensavel a expropriação de parte ou do todo d'essa propriedade, era rigorosamente indispensavel uma previa indemnisação; pois que o artigo 145.°, § 2.°, da carta constitucional, garantindo a todos, e em toda a sua plenitude, o direito de propriedade, assim o determina; indemnisação porem de que se não cogitou em 1865 na referida proposta de lei, ao passo que d'ella não olvidou em 1832 o decreto de 30 de julho, que extinguiu os dizimos, e manda indemnisar com uma congrua os ecclesiasticos prejudicados com essa extincção.

Senhores deputados da nação portugueza, o cabido da santa igreja cathedral do Porto confia da vossa illustração e prudencia que jamais consentireis que os ministros do culto sejam por esta fórma reduzidos a mendicantes, e que a igreja depois de despojada de seus bens venha a ser declarada livre em estado livre; sois catholicos, nascidos em um paiz eminentemente religioso, que vivendo á sombra da bandeira fidelissima sempre se ufanou de ter as sagradas