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APPENDICE Á SESSÃO DE 20 DE MAIO DE 1890 330-A

O sr. Francisco Machado: - Sr. presidente, desejava fazer algumas perguntas aos srs. ministros mas não estando nenhum d'elles presente peço a v. exa. a fineza de interromper, a sessão até que o governo esteja representado.
O sr. Presidente: - Ha mais assumptos a tratar que não demandam a comparencia dos srs. ministros e por isso não interrompo a sessão.
O Orador: - Sr. presidente, tenho muito que dizer, tenho muitas accusações a formular ao governo, mas não vendo presente nenhum dos srs. ministros, não tendo portanto quem me responda e por isso v. exa. vê que é inutil estar a fallar para as paredes.
V. exa. sabe que se concede pouco tempo para se tratar dos assumptos antes da ordem do dia, e se mesmo n'esse pouco tempo não apparecem os ministros, de nada serve o que eu e os meus collegas aqui dissermos. O parlamento será então uma mera formalidade de que nada serve, porque nem ao menos os ministros aqui estão para responderem ás perguntas que os deputados no legitimo uso dos seus direitos lhes quizerem fazer.
No anno passado e nos anteriores, varias vezes os deputados que se sentavam d'este lado da camara pediam que estivessem presentes os srs. ministros e a sessão interrompeu-se até que algum d'elles chegasse.
Isto não é fazer o mais simples reparo á maneira de proceder de v. ex.ª; tenho por v. exa. o maior respeito e a maior consideração, sei que v. exa. preside ás sessões com a mais completa imparcialidade, mas tendo muitissima necessidade de me dirigir ao governo, e não vendo presente ninguem que me possa responder, v. exa. comprehende que não estou para fallar para as paredes: estou a fallar para
o paiz e é preciso, que os srs. ministros respondam ás accusações, que lhes faço. Isto não é novo, no anno passado repetiu-se muitas vezes. (Apoiados.) V. exa. naturalmente sabe aonde estão os srs. ministros e um d'elles, pelo menos, podia vir aqui responder ás perguntas que cada um de nós lhes fizer ou em fim communicar aos seus collegas as perguntas que lhes desejâmos fazer.
Então, se. v. exa. condescender, póde suspender a sessão por algum tempo até vir algum dos srs. ministros.
(Entrou na sala o sr. presidente do conselho.)
O pedido que estava fazendo a v. exa. não tem logar visto que entrou na sala o sr. presidente do conselho.
Começo por agradecer ao sr. presidente do conselho as declarações que s. exa. fez hontem na camara dos pares relativamente à providencias que s. exa. mandou adoptar para suffocar o estado anarchico em que se encontra o concelho de Obidos.
Folgo que s. exa. se faça obedecer pelas suas auctoridades, no interesse de s. exa., do paiz e de todos nós.
Hoje não recebi, noticias de Obidos, o que me prova, que o estado d'aquelle concelho vae tranquillisador.
Ainda hontem, como v. exa. e a camara sabem, aqui participei que um empregado das obras publicas tinha uma lista de amigos meus, para que fossem immediatamente presos onde apparecessem; e um influente regenerador dava uma libra a cada policia que prendesse cada um dos individuos incluidos n'aquella lista!
Este empregado das obras publicas anda com os policias, que são novos em Obidos e não conhecem ninguem, para lhes indicar os individuos constantes da relação.
Desejo que este estado de cousas cesse e felicito o sr. presidente do conselho por ter dado as ordens n'esse sentido.
O que estimo é que s. exa. se faça obedecer dos seus subordinados.
Mas, disse s. exa. outro dia, que os individuos presos estavam pronunciados!
Eu n'essa occasião não tinha documentos para provara a s. exa. que tinha sido menos bem informado.
Creio que s. exa. é incapaz de faltar á verdade, mas sei que os seus agentes o informam menos convenientemente.
Tenho aqui documentos passados pelo juiz substituto da comarca das Caldas da Rainha, pelo qual se vê que os presos não estavam pronunciados.
E posso dizer a s. exa., com solidos fundamentos, que tenho a suspeita de que os factos ali praticados foram premeditados e o governo, talvez conscientemente, se associou a elles e deu força aos que já se preparavam para praticar d'estas gentilezas.
Poucos dias antes de ser julgada no tribunal, a eleição das Caldas da Rainha, quasi todas as auctoridades judiciaes pediram licença ou deram parte de doente.
O juiz de direito da comarca das Caldas está com licença.
O delegado está ou esteve com licença. E não sei se está n'este momento.
O juiz municipal do concelho de Obidos deu tambem parte de doente, sendo nomeado no dia 8 um juiz substituto que é chefe do partido regenerador no concelho das Caldas.
Note v. exa. que no dia 12 se julgava a eleição.
Portanto, todos, estes factos me levam a concluir que tudo foi premeditado e encommendado, e porque as auctoridades não se prestavam a um certo numero de cousas é que foi arranjado fim juiz ad hoc para pronunciar os meus amigos.
Como disse a v. exa. tenho alguns documentos para pronunciados como individuos presos não o foram por estarem pronunciados como por mal informado, de certo, disse o sr. presidente do conselho.
Um d'esses documentos diz o seguinte:

«O dr. José Filippe de Andrade Rebello, juiz de direito na comarca das Caldas da Rainha, no impedimento do proprietario no goso de licença:

«Faço saber que José Ferreira Nabiça, solteiro; sapateiro, residente em Obidos, está preso por ter na noite de 11 do corrente, em Obidos, insultado os guardas de policia civil, chamando-lhes malandros na occasião em que por suspeita era apalpado pelos mesmos, sendo testemunhas de tal facto os guardas n.ºs 40, 50 e 62 da primeira divisão policial de Lisboa.
«Caldas da Rainha, em 13 de maio de 1890. = José Filippe de Andrade Rebello.»

Como este tenho aqui mais documentos analogos, em que se prova á evidencia que os individos presos não estavam pronunciados sem fiança, como falsamente informaram o sr. presidente do conselho.
Pela natureza do documento que acabo de ler á camara vê v. exa. que inventaram pretexto para prender este individuo, pois que o foram apalpar por suspeita.
Processo do mesmo modo futil e provocador se usou para com os outros presos. Felicito-me, portanto e felicito o sr. presidente do conselho por ter dado ordens para que volte ao estado normal o concelho de Obidos.
Temos todos a lucrar com isso e v. exa. mais que ninguem.
Ha tambem um outro facto para o qual desejo chamar a attenção da camara.
Quando eu fallei aqui na ultima sessão, disse-me o sr. ministro das Obras publicas que não tinham sido transferidos nenhuns empregados no meu circulo. Eu desejava immediatamente replicar a s. exa. dizendo-lhe que estava enganado; mas como v. ex. ª sr. presidente, me pediu, visto a hora estar muito adiantada, que resumisse as considerações que estava fazendo, e eu desejando agradar a v. exa. e sentindo-me extremamente fatigado, não tomei

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS 330-B

n'essa occasião mais tempo á camara para demonstrar que o sr. ministro estava enganado, por isso que effectivamente grande numero de empregados tinham realmente sido transferidos e demittidos durante o periodo eleitoral, como posso provar com documentos que tenho aqui.
Já disse outro dia que tenho o orgulho de não faltar á verdade, posso uma ou outra vez enganar-me por qualquer circumstancia, ou por não estar bem informado; mas não costumo nunca faltar á verdade conscientemente.
Como s. exa. fez aquellas declarações, eu tenho obrigação de provar immediatamente que s. exa. estava enganado, naturalmente por mal informado.
O primeiro individuo transferido no meu circulo foi um irmão meu, que é engenheiro, e estava servindo no districto de Leiria. Deve notar-se que nem sequer estava ali recenseado, nem tinha politica, nem influia na marcha dos negocios politicos do districto.
Perguntando elle por que tinha sido transferido, disseram-lhe que era por ser meu irmão. (Riso.) Já n'este paiz é um crime ser-se meu irmão. (Riso.) Foi transferido para as ilhas; mas vindo a Lisboa, e expondo as rasões que tinha de queixa contra o governo, de alguma maneira foi attendido, commutando-se-lhe a pena em transferencia para Santarem. Não se contentaram, de encarregado de outro serviço em outro ponto do districto, por ser, como disse, meu irmão.
O segundo transferido foi o sr. Antonio José de Nascimento Waddington, conductor das obras publicas, que ha muitos annos estava occupando o logar de chefe de secção no concelho de Obidos. Foi tambem immediatamente transferido por declarar que era meu amigo. Não sei se é ou não meu amigo. Creio que fallei uma ou duas vezes com elle em objectos completamente estranhos a assumptos politicos. Sou apenas conhecido d'elle, e sei que foi transferido unicamente por se dizer que era meu amigo.
O terceiro, foi o sr. José Amancio Branco Gomes de Amorim, apontador de 1.ª classe nas obras publicas.
Este individuo foi chamado a casa de um influente do partido regenerador, e intimado a trabalhar com o governo. Como declarasse que não podia, foi immediatamente licenciado sem vencimento, situação em que está até agora, e naturalmente estará emquanto durar este governo.
O quarto foi o sr. Adelino Faria Pimentel, apontador de 3.ª classe das obras publicas, que igualmente foi licenciada, sendo do mesmo modo chamado e intimado a trabalhar com o governo, offerecendo-se-lhe até um logar mais remunerador se tal fizesse.
O quinto foi o sr. Reynaldo Augusto Dias, apontador de 3.ª classe das obras publicas.
O sexto foi o sr. José Leandro dos Santos Pereira, tambem apontador de 3.ª classe.
O setimo foi o sr. Francisco. Gregorio de Castro, amanuense da administração, que foi demittido.
O oitavo foi o sr. Antonio Manuel da Costa Campos, sub-delegado do julgado municipal, que foi transferido para, em seu logar, ser nomeado um feitor do mandão regenerador do concelho.
Tenho aqui um officio mandado a um d'estes individuos, dizendo-se-lhe que ficava suspenso até que houvesse serviço onde, elle fosse outra vez admittido. Este individuo foi primeiramente chamado, offerecendo-se-lhe um logar, que elle não quiz acceitar porque não desejava trabalhar pelo governo, e mandaram-n'o immediatamente suspender.
(Entrou o sr. ministro das obras publicas.)
Folgo muitissimo de ver entrar n'esta casa o sr. ministro das obras publicas. Estava eu a demonstrar que não era exacto o que s. exa. disse o outro dia, que não tinham sido transferidos nem demittidos nenhuns empregados do meu circulo; eu desejei immediatamente responder a s. exa., mas a hora estava já muito adiantada, e desejava satisfazer ao pedido do sr. presidente, para que me restringisse nas minhas observações, por isso não respondi.
Tinha eu dito antes de chegar o sr. ministro das obras publicas, que trazia uma nota dos individuos que tinham sido (transferidos, suspensos ou demittidos. O primeiro individuo que foi transferido foi o meu irmão, que era engenheiro civil, no districto de Leiria, e disse-se que fôra transferido por ser meu irmão, o segundo transferido foi o sr. Waddington, conductor, que é meu amigo, dizem, e por esse facto não podia continuar em Obidos, onde ha muitos annos estava dirigindo aquella secção de obras publicas sem nunca se ter mettido em politica.
Os outros são os seguintes:
(Leu.)
Sr. presidente, não foi demittido mais ninguem, porque não existiam lá mais empregados progressistas.
Eu tenho aqui um officio, que comprova o que affirmo.
«Illmo. sr.- Em vista das ordens superiores dadas em officio com data de 5 do corrente sobre licenciamento de empregados mais modernos dispensaveis, por este meio fica v. exa. licenciado, podendo ser readmittido logo que as circumstancias do serviço o exijam.
«Deus guarde a v. exa. Illmo. sr. Reynaldo Augusto Dias, apontador de 3.ª classe.
«S. Mamede, 8 de fevereiro de 1890. = José Joaquim Alves.»
Officios iguaes a este receberam os outros empregados meus amigos porque, os li eu.
Até hoje ainda não foi readmittido nenhum e para o logar d'estes individuos foram immediatamente nomeados outros; e nem podia deixar de ser para vigiarem o trabalho das estradas que estão em construcção no meu circulo.
Assim como este officio, hão de chegar-me ás mãos, todos os outros, transferindo, demittindo ou licenciando os restantes empregados progressistas.
Eu presenciei os factos que ficam relatados, assisti a elles, sabem todos bem, que eu não vinha aqui asseverar factos que não tivessem succedido, que não fossem completamente verdadeiros.
Os individuos que foram presos não estavam pronunciados, e as unicas testemunhas que apparecem são policias.
V. exa. sabe perfeitamente que quando a policia pretende, fazer, uma parte carregada é eximia n'esse serviço, principalmente policias de Lisboa, que estão adestrados n'essas artimanhas.
O que assevero a v. exa. é que os individuos presos, não estavam pronunciados.
Estes é que são os factos: os empregados, progressistas foram transferidos e demittidos, e os regeneradores por lá andaram, á sua vontade fazendo politica sem ninguem os deter.
Sobre este ponto não insisto mais, porque estando annunciada uma interpellação, quando ella se verificar então me explanarei mais desenvolvidamente.

enho muitos assumptos a tratar, e aproveito, por tanto, a occasião de estar com a palavra para declarar a v. exa. que fiquei hontem surprehendido quando ouvi ler as propostas de fazenda apresentadas pelo sr. ministro á camara em seu nome e em nome do governo, e hoje maguado quando li nos jornaes aquelle estendal de propostas de que s. exa. tão ufano se mostrou, e de que tanto parece gloriar-se.
É necessario desconhecer completamente o estado do paiz para se apresentarem medidas d'aquella ordem, é necessario desconhecer que o nosso povo está a morrer de fome em muitos pontos do paiz, para se lhe querer arrancar mais alguns reaes ou vintes!
Nas provincias, os paes luctam com difficuldades para sustentarem seus filhos; vão trabalhar todo o dia com uma enchada, e á noite encontram em casa um caldo verde com uma duzia de feijões. Quasi todos os funccionarios publicos têem difficuldade em viver. N'estas circumstan-

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cias, como é que o governo se julga com auctoridade moral para arrancar ao povo mais 3.000:000$000 de impostos? Como é que o governo, que ha quatro mezes está no poder, e tem augmentado as despezas em uns poucos de mil contos, gastando em eleições mais de 2.000:000$000 réis, tem auctoridade moral para nos pedir mais impostos?
Vozes: - Prove isso.
O Orador: - Os meus collegas, duvidam? Houve circulos em que se gastou mais de 100:000$000 réis! Não é exagerada a cifra se formos fazer as contas minuciosamente de tudo quanto se gastou.
Como é, que depois, das enormissimas despezas, e esbanjamentos que o governo tem feito, se julga com auctoridade moral para pedir mais sacrificios ao paiz?
É a primeira vez que tenho a palavra depois de serem apresentadas as medidas do sr. ministro da fazenda, não posso portanto deixar, em nome do povo portuguez, de protestar contra este; attentado que o governo pretende praticar. (Apoiados.)
O povo não póde, nem deve, nem quer pagar mais. Sou contra o thema do partido regenerador de que o povo póde e deve pagar mais. O paiz não póde, não deve e não quer pagar mais, o que é mais alguma cousa.
A força reside no povo; o povo tem meio de recorrer aos seus representantes n'esta casa; e se não tiver mais ninguem que advogue a sua causa, tem a minha voz humilde, mas convicta.
Eu vou mostrar á camara com dados officiaes que o governo não tem auctoridade moral para pedir mais impostos. E quando quizesse pedir mais sacrificios ao paiz fizesse primeiro as economias necessarias, e não augmentasse a despeza publica n'uns poucos de mil contos. Assim e só assim é que podia vir dizer: nós fizemos as economias possiveis mas isto não salva o paiz da bancarrota e portanto recorremos agora ao patriotismo de todos, por isso que essas economias não chegam para realisar o nosso intento.
Para governar, a primeira cousa que é preciso, é ter auctoridade moral, e essa auctoridade moral é que o governo não tem porque a perdeu.
Tenho ouvido dizer aqui a homens importantes que tres factores são necessarios para governar: confiança da corôa, confiança das camaras e confiança do paiz. A confiança do paiz não a têem os srs. ministros.
A confiança do paiz não a têem os srs. ministros, repito, porque não se adquire a confiança do paiz suffocando-lhe os seus direitos á força das baionetas.
O sr. Presidente: - Devo observar ao sr. deputado que não estão em discussão as propostas de fazenda. Ha apenas uma hora para os assumptos de antes da ordem do dia, e o sr. deputado alongando as suas observações está prejudicando os seus collegas que estão inscriptos e ainda outros que se aguardaram para quando estivessem presentes alguns srs. ministros.
O Orador: - Já hontem disse a v. exa. que os meus collegas haviam de ser prejudicados por se ter marcado tão pouco tempo para antes da ordem do dia.
O sr. Presidente: - A resolução da camara não é mais do que a disposição já consignada no regimento.
O Orador: - Respeito muito v. exa. e folgo immenso que v. exa. invoque as disposições do regimento; mas declaro a v. exa. que não posso deixar de protestar energicamente contra as propostas do sr. ministro da fazenda.
Isto não é discutir as propostas, é mostrar á camara que hei de protestar contra todas as violencias praticadas pelo governo, quando e conforme ás minhas forças m'o permittirem.
Eu quero provar que, o governo actual não tem força moral.
Vozes: - Ordem, ordem.
O Orador: - Eu quero, mostrar que o paiz não tem direito de pagar mais.
O sr. Presidente: - V. exa. não tem direito de discutir o que não está dado para discussão.
O Orador: - Se a camara não quer deixar ouvir à minha voz, eu hei de fazel-a ouvir em outra parte. Eu hei de dizer a verdade, porque foi para isso que o paiz me elegeu. Estou aqui para sustentar os direitos do povo.
Vozes: - Ordem, ordem.
O Orador: - Então eu estou fóra da ordem quando digo a verdade? Não posso, antes da ordem do dia dirigir-me ao governo sobre assumptos de interesse geral?
Chamam-me á ordem? Sempre desejava que s. ex.ªs me dissessem porque é que eu estou fóra da ordem? Qual é então a ordem? S. ex.ªs têem medo que eu diga a verdade ao paiz?
Vozes da direita: - Não senhor.
O Orador: - Então deixem-me fallar. Têem medo que eu diga a verdade?
O sr. Pedro Victor: - Diga, sr. capitão Machado, diga a verdade ao paiz, diga tudo e ainda mais do que souber. (Riso.)
O Orador: - S. ex.ªs podem contradictar-me; podem tambem rir, têem a liberdade para isso e para muito mais. O paiz nos, julgará a todos. O que eu posso dizer a s. ex.ªs , é que o deficit confessado pelo sr. ministro da fazenda, e que era apresentado no principio d'este anno pelo partido progressista, era de 839:000$000 e tantos mil réis e o deficit apresentado n'este orçamento para este mesmo anno para a gerencia, regeneradora é de 3.407:000$000 e tantos mil réis, fóra as despezas chamadas extraordinarias que montam a um deficit confessado pelo governo na quantia de 5.913:000$000 e tantos mil réis, ou perto de réis. 6.000:000$000.
O governo fez uma despeza enorme augmentando as guardas municipaes, creando o ministerio de instrucção publica, augmentando os vencimentos da magistratura judiciaria, cujos empregados tinham muito direito, mas que devia ser feito aqui por nós e não em dictadura. (Apoiados.) O governo tem feito grande despeza com os reformados; basta dizer a v. exa. que estão reformados officiaes validos è a despeza feita com a reforma dos officiaes do exercito e da marinha, desde o principio do anno até 30 de abril, importa já em 63:828$000 réis.
Em nome d'estes esbanjamentos e de outros que a camara não me deixa apontar, pergunto, com que auctoridade se vae pedir impostos ao paiz para serem gastos em enormes esbanjamentos e enormes augmentos de despeza.?
Basta dizer a v. exa. que só no ministerio da justiça augmentou a despeza no orçamento do anno passado para este anno em 198:000$000 réis.
É em nome d'estas despezas que o governo vem pedir ao paiz que faça mais sacrificios? Isto não póde ser e eu hei de protestar e dizer ao paiz que proteste energicamente e que se levante como um só homem, porque o governo não póde permanecer n'aquelles logares depois dos esbanjamentos que tem praticado, e dos attentados que tem commettido, suffocando as liberdades publicas, atropelando as leis, rasgando a carta constitucional e depois de fazer tudo. isto vir pedir-lhe novos impostos. (Apoiados.) Em nome de que? Em nome de que projectos? Em nome de que idéas de salvação publica? Em nome de que principios? (Apoiados.} Não comprehendo e por isso protesto com toda á força da minha indignação dizendo ao paiz que se levante como um só homem, que mande a esta casa representações e se não houver aqui muitas vozes que advoguem os seus interesses, ha de haver pelo menos, aqui uma que advogue a sua causa com todas as suas forças até ficar extenuado no cumprimento do seu dever. Essa voz será a minha.
Desejo ainda referir á camara uma verba, visto que ella não me deixa dizer tudo, mas ha de vir tempo em que o possa fazer durante a discussão do bill. É a verba de réis 513:000$000 em que o sr. ministro das obras publicas augmentou as despezas do seu ministerio.

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N'um anno só, augmentou o sr. Arouca as despezas do ministerio das obras publicas em 513:000$000 réis? E é em nome d'estas exageradissimas despezas que se vem pedir mais dinheiro ao paiz. Não pôde ser e não ha de ser. Só se o paiz estiver tão anemico que não tenha forças para protestar.
Isto é o que o sr. Arouca confessa; o que fará a realidade! (Apoiados.)
Portanto, é em nome d'estas despezas exageradas, é em nome d'estes principios que o governo vem pedir impostos ao paiz; mas creio bem que o paiz não lhes dará força para cobrar os impostos, antes d'isso ha de impor-se-lhes para fazer com que saiam d'aquellas cadeiras como fez com o sr. Hintze Ribeiro, quando apresentou o celebre plano de Canecas. (Riso.) Parece que o sr. Franco Castello Branco apresentou o seu plano financeiro para sair do ministerio, porque s. exa. devo ter a consciencia de que o paiz não o tolerará mais.
Não serei mais extenso; mas creia a camara que as apreciações que desejava fazer agora, e que não faço porque parece que s. exa. me querem metter a rolha na boca como fizeram á imprensa, hei de fazel-as em tempo, competente, porque assim terei mais tempo para estender e para explanar melhor as minhas considerações mostrando ao paiz os escandalos do governo.
Querem-me suffocar a voz, mas creiam que não o conseguem, porque, emquanto eu estiver dentro da lei e da ordem ninguem me poderá deter, e hei de mostrar ao paiz este estendal de despezas e de inconveniencias praticadas pelo governo actual.
Não quero alongar-me, visto que v. exa. me pediu com tanta amabilidade para ser laconico; mas creia v. exa. que faço esforços para resumir as considerações que tenho a fazer.
Aproveito a occasião para mandar para a mesa a seguinte nota do interpellação:
Declaro a v. exa. que desejo interpellar o governo relativamente aos actos praticados com os estudantes do paiz e sobre a dissolução da associação academica de Lisboa; Este facto foi de tal maneira attentatorio e impressionou de tal modo o paiz que é preciso que cada um de nós levante aqui a sua voz para fazer com que o governo declare os motivos que teve para praticar um tal attentado.
O governo saiu fôra da lei, quer agora continuar no mesmo caminho, e pretende que o parlamento sanccione os seus actos dictatoriaes. E estes actos que elle praticou são tantos que é de a gente pôr as mãos na cabeça e perguntar a si mesmo se vive n'um paiz de gente de juízo ou se está em Rilhafolles. (Riso e apoiados.)
Eu hei de usar da palavra na discussão dos actos da dictadura e hei de fazer sobre elles largas considerações, mas o que digo agora é que parece impossivel que o governo commettesse os attentados que commetteu e queira prescindir do parlamento, porque a dictadura substituiu-se ao parlamento, ficando o governo auctorisado a promulgar umas certas medidas e a praticar uns certos actos, que deviam ser sanccionados por nós.
A dictadura ainda não acabou; parece que se quer prolongar por todas as gerações. (Apoiados.)
Todas as auctorisações dictatoriaes hão de elevar a despeza publica a dezenas de milhares de contos; e pedir sacrificios ao paiz com novos impostos para os entregar em mãos que não tratam convenientemente da administração publica, isto não se póde admittir.
Por isso, repito, que os attentados praticados para com a associação academica revoltaram o paiz, porque o interesse d'aquelles nobres e sympathicos rapazes era simplesmente o interesse patriotico e com o fim de dar força ao governo. (Apoiados.) E os actos do governo podiam fazer com que os estudantes seguissem outro caminho porque, quando a gente se vê irritada, passam-nos cousas pela cabeça que não pensavamos fazer. (Apoiados.)
O governo com os seus actos podia compeliu os rapazes para um caminho que elles nunca imaginaram trilhar, mas tudo ha de vir a seu tempo; quando se realisar a interpellação, então mostrarei que o governo praticou um attentado monstruoso lançando aquelles rapazes em um caminho menos conveniente para o nosso paiz e para as instituições que nós desejâmos acatar e respeitar. (Apoiados.)
E em nome das instituições, que eu desejo ver fortalecidas, que estigmatiso o procedimento do governo. (Apoiados.) A maior parte das familias d'aquelles rapazes, que são monarchicas convictas, pediam-lhes que não seguissem um caminho menos conveniente e elles não teriam seguido um caminho contrario áquelle que lhes era aconselhado pelas suas famílias se não fossem as provocações do governo. (Apoiados.)
Quando eu realisar a interpellação se discutirá tudo isso.
Mando tambem para a mesa uma nota renovando a iniciativa do seguinte projecto de lei:
«Renovo a iniciativa de um projecto de lei de 1888, apresentado a esta camara pelo nosso collega o sr. Alfredo Pereira e que tem por fim reformar o quadro dos correios e telegraphos.
Sr. presidente, estou inteiramente convicto de que se áquelle nosso, illustre ex-collega se sentasse ainda n'estas cadeiras, ao que tinha direito (Apoiados.) renovaria a iniciativa d'este projecto de lei. Faço-o em nome de s. exa., convicto de que elle pugnou com todo o interesse por esta classe, em que, segundo li outro dia em um jornal, tem havido uma tal contradança que mais de 60 por cento dos empregados têem sido demittidos, transferidos ou suspensos.
Estes empregados estão em circumstancias muito desfavoraveis, e é tempo do governo attender a sua situação; já que tem feito tanta cousa má, pratique ao menos um acto de justiça pelo qual ou o possa applaudir.
Mando para a mesa os seguintes requerimentos:
«Requeiro que, pela repartição de contabilidade do ministerio das obras publicas, me seja enviado:
«1.° Copia dos despachos que concederam subsidios a differentes juntas de parochia durante os mezes de fevereiro e março do corrente anno, com designação da data do despacho, data do pagamento e localidade em que foram pagos, assim como os nomes dos individuos que receberam e se eram ou não membros das respectivas juntas a quem foram dados os subsidios;
«2.° Que, pelo ministerio das obras publicas, me seja enviada nota de todos os despachos de nomeações de pessoal, tanto jornaleiro como da propria secretaria, effectuados durante a actual gerencia;
«3.° Nota das gratificações mandadas abonar durante a mesma gerencia, e quaes as de caracter permanente e temporario;
«4.° Nota de todos os empregados que foram transferidos, demittidos e suspensos e quaes os motivos que originaram essas occorrencias;
«5.° Quaes os subsidios concedidos pela gerencia progressista ás differentes juntas de parochia, e cujo pagamento foi mandado suspender pelo actual ministro, declarando-se as rasões em que se fundou para tal fim;
«6.° Quaes as obras que estavam em execução e foram mandadas suspender pelo actual ministro, o motivo d'essa ordem, e quaes as que foram depois mandadas executar.»
«Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, me sejam remettidos todos os documentos relativos aos subsidios estabelecidos para a fundação de um deposito de productos nacionaes para serem vendidos em Paris; nota do programma para a adjudicação dos mesmos subsidios; e os nomes dos individuos que a elles concorreram, e quaes as garantias que offereceram.
«Requeiro que me seja enviada copia de um officio que o sr. ministro das obras publicas enviou á associação dos

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trabalhadores, pedindo lhe indicasse os nomes de cinco operarios, para d'entre elles serem escolhidos dois vogaes para fazerem parte de uma commissão encarregada de estudar o trabalho dos menores na industria.»
Quando se tratar da interpellação relativamente aos actos praticados durante a eleição no meu circulo, hei de mostrar a v. exa. e á camara cousas verdadeiramente funambulescas.
Relativamente a estes, subsidios basta dizer a v. exa. e á camara que chegando-se a uma povoação, á qual se queria impingir á força um subsidio que se mandára dar como ninguem o queria receber andavam de porta em porta chegando a offerecer-se vinte libras a, quem quizesse ficar depositario d'aquella quantia.
O sr. Serpa Pinto: - Não admira, porque vinte libras não é dinheiro portuguez. (Riso.)
O Orador: - Não sei se é ou não, mas parece-me, que é porque corre como tal.
(Continua a leitura.)
Aqui está onde o sr. ministro das obras publicas gastou 500 e tantos contos de réis, que s. exa. pede de augmento no orçamento para pagar a uma infinidade de empregados que nomeou, e para poder corromper os eleitores.
(Continua a ler:)
Visto estar presente o sr. ministro das obras publicas, preciso fazer uma declaração para que s. exa. rectifique senão é verdadeira.
Antes do governo progressista cair, foi concedido um subsidio para a construcção de uma avenida destinada a ligar a estação do caminho de ferro no Bombarral com a estrada real, avenida que era absolutamente indispensavel visto ser impossivel transitar de noite por aquella estação, principalmente no inverno.
Mais de uma vez me tem sido preciso servir-me de lanternas para poder seguir do Bombarral para aquella estação, por ser intransitavel o caminho sem isso.
O ex-ministro das obras publicas e meu amigo, o sr. Eduardo José Coelho, expondo-lhe eu estes factos e apresentando-lhe uma representação dos povos do Bombarral, s. exa. auctorisou a verba necessaria para a construcção d'esta avenida.
A verba era pequena, não chegava, a 2:000$000 réis. Pois o primeiro cuidado do actual sr. ministro das obras publicas, assim que tomou conta da pasta, foi mandar suspender esta obra para ver se assim captava os votos, dos eleitores.
Pois perdeu o tempo e o feitio, porque por mais tentativas que s. exa. fez junto dos eleitores, elles votaram com toda a independencia e em quem muito bem quizeram.
Eu tenho conhecimento d'estes factos, porque assisti a tudo isto, e o que aconteceu no Bombarral aconteceu por todo o paiz. De fórma que o governo mandou suspender todas as obras, á excepção das estradas que se estavam construindo em virtude das empreitadas contratadas por lei, porque n'essas os empreiteiros não se importavam e não queriam saber nem de politica nem de eleições.
Mando mais para a mesa outro requerimento.
(Leu.)
Sr. presidente, querendo satisfazer ao pedido que tão amavelmente me foi feito por v. exa. termino aqui; porque Roma não se fez n'um dia; tenho muito que fazer, e espero que Deus me ha de dar vida e saude para continuar a expôr ao paiz as gentilezas dos ministros, que ali se sentam, com os quaes o paiz deve estar muito contente. E eu não hei de deixar de apresentar um só dos actos praticados por este governo, quer antes da ordem do dia, quer na ordem do dia, a fim de que o paiz saiba o bello governo que tem.
Vozes: - Muito bem.

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APPENDICE Á SESSÃO DE 20 DE MAIO DE 1890 330-G

O sr. Manuel da Arriaga: - Leu e mandou para a mesa a seguinte moção:
«Os eleitos do povo, representantes da nação em côrtes, reconhecendo:
«1.° Que nos actos e decretos da dictadura do actual governo, este, no que diz respeito aos direitos individuaes, suspendeu a constituição fóra dos casos especificados no § 34.° do artigo 145.° da carta constitucional;
«2.° Que os referidos actos e decretos synthetisam e completam uma serie de golpes d'estado iniciados na conspiração de Villa Franca para, pela força ou pela astucia, anteporem a soberania do Rei á soberania do povo, derrubando nos periodos mais gloriosos da liberdade e independencia da patria as constituições de 1822 e 1833;
«3.° Que pela voz auctorisada do um dos chefes da opposição progressista já foram denunciadas na sessão anterior nova dictaduras e proclamadas as exequias do systema parlamentar;
«4.° Que todos estes novos attentados contra a soberania da nação, em menoscabo d'esta e em beneficio exclusivo do poder real, desde 1852 para cá, se estão operando, na quasi totalidade, com o accordo tacito e muitas vezes confesso dos partidos monarchicos que se succedem na rotação do poder;
«5.° Que todos estes attentados se operam viciando e violando o suffragio popular e adulterando o systema representativo por meio das candidaturas officiaes, que fazem com que só o poder executivo, de onde ellas emanam, tenha representação bastante no parlamento e poder na feitura das leis e na boa ou má administração do estado;
«6.° Que nem a liberdade nem a patria, nem o systema representativo, que os une na mesma aspiração democratica, podem e devem responder pelos erros e crimes que se commettem contra, ella, pela forma e processos já indicados, para se pedir, como já se faz, ao menos o seu recerceamento n'uma guerra surda e tenaz, que só agora se declarou sem ambages no seio da propria representação nacional;
«7.° Que de todas as dictaduras é a actual, depois da de outubro de 1846, a que mais accentuadamente revestiu o caracter antipatriotico em face do estrangeiro que nos ultrajou; e mais dividiu as forcas de que a nação carece para tirar o indeclinavel desforço da sua honra offendida;
«8.° Que os decretos referentes á liberdade de pensamento, de reunião e de associação, inspirados, nascidos e mantidos no odio á democracia, alem de serem uma verdadeira provocação á guerra intestina e exactamente na crise em que mais se carece da união de todos são uma anomalia no movimento geral da Europa e em muitas, das suas principaes disposições; risiveis, immoraes e irrealisaveis;
«9.° Finalmente, que a camara popular não poderá votar a sua propria exauctoração: obrigados pela necessidade de legitima defeza da suas prerogativas, do seu decoro, da liberdade, independencia e honra da nação com elles solidaria, rejeitam o bill de indemnidade e julgam que os actuaes ministros d'estado devem responder pelos abusos de poder, pela falta de observancia da lei, pelo que obraram contra a liberdade, segurança e prosperidade dos cidadãos nos termos dos §§ 3.°, 4.° e 5.° do artigo 103.° da citada carta constitucional e mais legislação correlativa. = O deputado por Lisboa, Manuel da Arriaga.»
Disse que a sua moção punha a questão da dictadura no campo em que ella devia ser collocada depois do discurso do sr. Emygdio Navarro na sessão anterior e dos actos e medidas da dictadura que se discutiam.
Trata-se de um mal grave que perturba a vida normal da nação; e, segundo os actos do governo e as declarações de um dos chefes auctorisados da minoria progressista, o mal tem de continuar, impondo-se como norma de governo, e já até se annunciam, como consequencia, fatal d'este estado de cousas, as exequias do systema parlamentar, celebradas por aquelles mesmos a quem a nação confiou a defeza dos seus direitos e interesses mais sagrados!
A audacia chega ao ponto de se dizer sem ambages aos representantes do povo - o vosso direito carece, cada vez mais ao correctivo das dictaduras, que tendem a exautorar-vos; votae pois a vossa exautoração!.
Eis o lado grave da questão, e honra seja feita ao sr. Navarro, foi elle quem com o seu temperamento impetuoso e genio desassombrado, sem reluctancia e sem rodeios, descobriu as baterias até agora occultas e declarou a guerra que ha muito tempo se andava urdindo n'esta casa tenaz surdamente contra as liberdades publicas!
Caso extraordinario, caso anormal, talvez unico nos annaes do parlamento: querendo elle, orador, penetrar nos reconditos e segredos dos planos liberticidas do governo, não o conseguiu lendo os relatorios que precedem as medidas da dictadura ou o parecer do illustre relator que hoje se discute: Não o conseguiu ainda acabando de ouvir as explicações dadas pelo chefe do gabinete: a alma inspiradora de toda esta urdidura liberticida, foi encontral-a nas bancadas da opposição!
As explicações do presidente do conselho mais pareciam a confissão dos erros commettidos, um resto de pudor politico, um simulacro de homenagem ás prerogativas do parlamento. O sr. Navarro, porém, que é um dos chefes do partido progressista que faz opposição ao governo, dá-lhe alento, força e impulso, e, apontando-lhe o rumo, grita-lhe d'aquelle lado da camara - é para diante, e no caminho das dictaduras que se caminha.
E para se não perderem no roteiro, lembra-lhes que a necessidade das dictaduras coincido com a maior expansão dos movimentos populares, e, desfilando uma serie quasi interminavel d'esses abusos do poder desde 1868 para cá, do alto da sua cadeira já estendeu, por cima da cabeça dos srs. ministros a continuação das mesmas, com o ar firme e altivo de um triumphador e de um convicto!
A sua aspiração, a realisação da sua prophecia, está, observou o orador, no aniquilamento da independencia e do decoro, parlamentar, cujo cerceamento pediu em nome da sciencia!
A photographia nitida dos planos liberticidas do governo, a sua causa a sua justificação, e quem sabe se a sua força, está pois d'aquelle lado da camara, se a opposição progressista perfilha, como parece, as idéas do sr. Navarro!
Eis a gravidade da situação!
Eis os motivos por que formulava n'aquelles termos a sua moção de ordem: desejava encarar de frente a difficuldade, e denunciar a origem do mal aos eleitos do povo para ver como elles procediam. Mais nada.
Os factos estavam confirmando as palavras d'elle orador, nas sessões, anteriores, quando lembrava ao parlamento que esta legislatura seria revestida de circumstancias extraordinarias que haviam de obrigar muitos deputados a quebrar de todo os vinculos partidarios que os escravisavam áquellas cadeiras, para em obediencia aos dictames da sua consciencia bem servirem a patria é honrarem o mandato que o povo lhes confiou.
Que era chegado um dos momentos em que esses vinculos deviam ser partidos: a approvação do bill de indemnidade implicava nada menos de que a exautoração das immunidades parlamentares, e a sancção de medidas que trazem comsigo a divisão da familia portugueza e a guerra civil, com o nosso descredito e a nossa deshonra perante o estrangeiro.
Qual era a causa primordial, a causa originaria d'este mal estar da nação, que motivava as dictaduras denunciadas pelo sr. Navarro, desde 1868 para cá?!
Segundo o sr. Navarro, foram os movimentos populares de 1868, 1869 e 1870, em que as ruas e os comicios populares governaram.
Segundo s. exa. o predominio das correntes populares produz a dictadura e é esta a regra que elle aconselha

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380-H DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

como norma a todos os governos monarchicos o republicanos.
Para a serie das dictaduras denunciada pelo sr. Navarro ser completa era absolutamente necessario, exclama o orador, remontar para, alem de 1852, onde estava a sua verdadeira origem e escripta com as lagrimas, o sangue e os sacrificios de muitas gerações heroicas e benemeritas; e tambem para a sua nefasta influencia nos destinos d'esta nação.
Era necessario descriminar as dictaduras revolucionarias que foram feitas pela nação em nome do ideal moderno, a liberdade, das contra revoluções ou golpes d'estado, que vieram de cima em nome do poder real, para desvirtuarem, subjugarem e reduzirem ao silencio as reivindicações populares.
São os taes correctivos do governo preconisados pelo sr. Navarro.
É preciso mais do que remontar á sua origem é preciso conhecer as circumstancias especiaes do paiz, quando esses golpes foram vibrados para assim definir-se a sua indole e comprehenderem-se e explicarem-se melhor os intuitos liberticidas em que ultimamente andam empenhados os governos de um e de outro lado da camara.
Para elle, orador, a, causa das nossas perturbações sociaes, e que tem motivado os golpes de estado e as taes dictaduras nascidas e por nascer em que fallou o sr. Navarro, essa causa que lança luz completa nos planos do actual governo, e nos actos e decretos da dictadura em questão, está na pretensão da corôa em antepor-se e subjugar a soberania da nação.
São duas soberanias em litigio, incompativeis entre si, em conflicto e guerra permanente.
Quando o braço popular, em defeza propria, se arma da espada do seu direito eterno, cruza-se com elle o sceptro da realeza, symbolo de uma civilisação já morta na consciencia universal, e desarma-o, não pela virtude da força intrínseca, que já não tem, mas pelo auxilio externo, e pelos processos preconisados pelo orador que abriu o debate sobre os actos da dictadura e de que os decretos d'esta são, como diz na sua moção, a continuação e o complemento.
Que a camara lhe permitta que elle, orador, lhe traga á memoria o primeiro golpe d'estado, origem de todas as dictaduras que no regimen monarchico liberal formam a serie denunciada imperfeitamente pelo sr. Emygdio Navarro de, 1868 para cá: refere-se á conspiração de 26 de maio de 1823, conhecida na historia pela jornada de Villa Franca ou pela Villa Francada, a que derrubou a constituição de 1822.
Ahi é que está a origem do mal que ainda hoje perturba, e cada mais aggravada, a vida da nação.
Parecerá á primeira vista um exagero nascido de uma paixão partidaria, no entanto a approximação dos factos embora de epochas distantes da nossa, não só dará razão a elle, orador, mas o que é mais singular, lançará muita luz na revolução que se está operando audaz e cavillosamente nas regiões do poder, á sombra da força armada, da ignorancia e ingenuidade de povo, e do conluio e fraqueza dos partidos monarchicos.
Pela dupla logica dos factos e dos principios, encontramos-nos em 1890 como em 1823, 1826, 1842, 1846, 1849 n'um conflicto aberto entre o poder real e a soberania da nação, pretendendo aquelle subjugar, illudir e vencer a esta, e, vergonha e escarmento dos tempos flacidos e doentios que se atravessam, e gloria dos nossos honrados e valorosos maiores, exclama o orador, eu dou mais por estes do que por vós na lucta que vedes travada de novo entre as duas soberanias, e em que tão pouco confiam nas vossas energias e no vosso proprio decoro os vossos dirigentes, que vos mandam submetter ao jugo que estes decretos vos impõem, e como escravos entoar ao Cesar que pretendem resuscitar o morituri te salutant!!
Srs. deputados, exclama o orador, pelos interesses sagrados da patria que vos foram confiados, pelo vosso proprio decoro, emancipae o vosso espirito da humilhante e ultrajosa tutela que vos querem impor, e vede nos factos que vos vou denunciar que ha motivo assas justificado para vos dizer que n'esta casa se conspira contra a liberdade, contra a soberania da nação, e que se pretende que as mãos que vão descarregar-lhe os golpes traiçoeiros sejam as mesmas que receberam do povo o mandato que vos deu aqui ingresso!
O orador recorda que exactamente nos periodos mais patrioticos da historia contemporanea, em que a nação portugueza chamou a si os fóros da sua indomavel dignidade, e, pautando a sua vida por um ideal de justiça e de honra muito differente do da realeza, se tornou credora de admiração do mundo, que foi exactamente n'esses periodos que a realeza investiu com o povo e lhe rasgou por duas vezes os codigos onde elle tinha consignado, e bem merecido pelas suas façanhas, a sua soberania!!
A dictadura actual obedece ao mesmo plano, e, fatal coincidencia dos homens e dos tempos, quasi que se consuma em identicas circumstancias !!
Quando no abrir do seculo que vae findar, o grande perturbador dos povos, o legendario heroe de Waterlitz, medindo a sua ambição pelo ambito do grande circulo que o direito revolucionario de 1789 traçara sobre o mundo, retalhou, dividiu e subjugou a Europa, fazendo d'ella o tablado das suas façanhas, onde jogava com as nações como com as peças de um xadrez, este pequeno povo lusitano, inspirando-se no valor dos seus primeiros tempos, foi um dos primeiros a dar-lhe cheque e a abrir o caminho que o derrubou para sempre, e restituiu aos povos o livre exercicio dos seus direitos.
Para o conseguir, teve de tomar para norma dos seus actos exactamente o contrario do que lhe aconselhara e fizera o seu Rei, fugindo para o Brazil e entregando-o desarmado á invasão estrangeira!!
Teve de apear a bandeira inimiga, que um acto de fraqueza consentiu se arvorasse nos nossos castellos!
Teve de fazer frente aos invasores e através de uma serie innarravel de sacrificios, de heroicidades e batalhas, por tres vezes os fez recuar para alem das fronteiras e cooperou assim com a civilisação do mundo, em ver-se livre d'aquelle semi-deus da guerra, que após as falsas apotheoses de gloria, a sciencia e o direito quasi reduzem hoje ás devidas proporções de um ambicioso mesquinho.
Não contente com as glorias que alcançara desde 1808 a 1810, libertando o solo da patria dos tres invasões estrangeiras, sentindo passar por elle o espirito do seculo, libertou tambem as consciencias, abandonando os velhos moldes de absolutismo e lançando as bases do seu direito moderno.
Tal é a alma da revolução de 1820, cujo codigo politico se denominou a constituição de 1822.
Tal é o ponto de partida da democracia portugueza, a causa primordial que prende a dictadura em discussão com o golpe de estado de 1823.
Se os acontecimentos de hoje estão setenta e tres annos distantes dos acontecimentos de então, não o está a data da constituição actual, que apenas se afasta d'ella tres annos incompletos! Talvez ahi os incredulos vejam melhor a chave do enigma!
O povo, que tinha apeado, como uma affronta para os seus brios, a bandeira inimiga que o Rei portuguez tinha auctorisado se arvorasse no castello de S. Jorge; o povo que tinha anteposto á fuga do Rei perante os exercitos invasores, a guerra pertinaz, temerosa, implacavel, contra estes, até os fazer cair extenuados e vencidos; o povo que, abrindo os olhos conheceu, por uma durissima experiencia, que expulsando um inimigo, havia deixado dentro da fronteira um outro mais abusivo, implacavel e ultrajante, que o primeiro o inglez, que se lhe introduzira em todos os actos da sua vida politica e civil, em todas as manifestações

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da sua actividade, para enfraquecel-o e mutilal e; esse povo glorioso; e glorificado n'umas constituintes, para sempre memoraveis, firmou a sua independencia n'um pacto politico, em que a soberania do Rei se submetteu o conciliou com a soberania da nação.
Este pacto, que é a base do direito moderno portuguez, só reconhece, como origem e escudo da lei, a vontade da nação!!
Perante esta carta dos nossos direitos politicos, duas vezes já jurada pelos Reis do chamado regimen liberal, não poderiam ter rasão o justificação plausivel os decretos de dictadura, porque são emanados da vontade dos ministros, como estes o são da vontade do principe.!!
Srs. deputados, exclama o orador, apesar de mais do meio século de constitucionalismo, voltámos aos tempos em que a lei é a vontade do principe.!!
Todos estes, decretos de dictadura são a reacção do poder real contra á soberania da nação, para serem por vós convertidos em leis do estado, chamando vós sobre vós mesmos o odioso do crime, para salvardes, com o sacrificio, da vossa dignidade, as prerogativas da realeza!!
É por isto, e é para este fim, que se vibra mais este golpe de estado, filiado como vedes, no primordial que rasgou a constituição de 1822; a famosa jornada de Villa Franca!
Que o primeiro golpe, d'estado atacando, á soberania da nação foi dado quasi exactamente como agora quando se tinha coberto de gloria nas campanhas da independência, e conscia dos seus direitos os tinha consignado na constituição de 1822.
Que é, pois, este golpe d'estado, o de Villa Franca, o ponto de partida de dois caminhos differentes por onde o poder real tratou de salvaguardar as suas prerogativas contra ás invasões da democracia nascente: um d'esses caminhos começou na abrilada, atravessou o periodo sinistro e sanguinario que vae de 1828 a 1834 e acabou na convenção de Evora Monte; o seu programma, o seu processo de governar resume-se no posso quero e mando dos antigos reis absolutos, isto é, no preceito de que a lei é a vontade do principe e não a vontade, da nação o segundo caminho percorrendo no principio a trajectoria gloriosa que vae desde a Praia da Victoria até ao cerco do Porto, segue com a carta de l826 atravez de convulções populares era 1839, 1842, 1344, 1846, 1849 e outros até aos actuaes decretos de dictadura; o seu programma, o seu processo de governar consiste em alcançar, sob as apparencias fallazes da liberdade, o predomínio, da vontade do Rei sobre a vontade da nação.
A preoccupação de todos os chamados governos liberaes que seguem n'este rumo, é salvar, note-se bem, a constituição de 1826, que é dadiva de um príncipe, pelo que a lei organica d'este paiz não é a traducção da vontade do povo, como a nação o reclamou em 1822, 1836 e 1846, mas a traducção da vontade do Rei.
Como vêem a questão no fundo é quasi a mesma. Uns querem o poder absoluto do Rei sem disfarces; outros sob apparencias enganadoras de liberdade uns não acceitam outra soberania senão a que vem de cima, a do direito divino; outros querem, salvar, tambem esta, confessando ao mesmo tempo a soberania do povo para depois á sacrificarem áquella.
Que a camara devia attender a que se tratava de uma questão tão grave para todos, que a realeza constitucional não hesitou em empregar os processos violentos das dictaduras cabralistas, para, a todo o custo, com o ateamento da guerra civil e o derramamento de sangue de irmãos e a intervenção estrangeira, evitar que a nação consignasse no seu codigo politico que a soberania só vinha d'ellas e não da vontade do principe!!
O que está hoje em litigio n'estes decretos, diz o orador, é ainda a mesma questão, e quasi empregando-se os mesmos processos violentos dos periodos agitados de D. Maria II.
Que elle, orador chamava especialmente a attenção da camara para as epochas e as circumstancias em que foi dado o segundo golpe d'estado de 1842, que restaurou a carta de 1826 e derogou a constituição de 1838; para a affrontosa intervenção estrangeira em 1846 que terminou na convenção de Gramido, para todos se convencerem de que o poder real não dorme nem se intimida para salvar as suas prerogativas através de todos os sacrificios, mesmo o da honra da nação!
Que exactamente, como na jornada de Villa Franca, em que foi derrubada a constituição de 1822, o golpe d'estado de 1842 veiu derrubar a constituição de 1838, quando a nação portugueza se achava coberta novamente do gloria com as façanhas memoraveis da campanha liberal, e tinha affirmado na chamada revolução de setembro, o principio de que a liberdade era para ella ainda a sua aspiração suprema e a melhor, garantia da sua independencia e da sua dignidade!
Quando se vê livre do inimigo e sente-se glorificada e forte, celebra, o seu pacto politico duas vezes com a realeza constitucional, em 1822 e em 1838, e de ambas as vezes a realeza responde-lhe rasgando-lhe esses pactos depois de os havei jurado, para antepor, a sua soberania á soberania da nação.
Agora mesmo, quando o ultimatum da Inglaterra despertou, o paiz inteiro da morbida e criminosa indifferença pela causa publica em que caíra, e pela voz sympathica da juventude academica e pelo auxilio desinteressado do povo, todos se congrassaram n'uma só familia, e se uniram deliberados a salvar á honra nacional; quando, finalmente, parecia aberto um periodo novo á segurança e regeneração da patria, e o accordo de todas as vontades podia servir de base a medidas rasgadas e patrioticas: é que, surge um terceiro golpe d'estado, com o intuito exclusivo de engrandecer aquelle poder que menos se distinguiu na defeza da patria, e para abater, deshonrar e inutilisar as liberdades publicas!!
Que a approximação d'estes factos revelia um perigo muito grave, contra o qual devem estar todos precavidos. A triplico coincidencia da liberdade ser ferida; exactamente quando a nação mais se honrou pugnando pelo seu direito e pela sua dignidade, era lição cheia de amargo ensinamento!
Que a gravidade do mal estava confessada pelo proprio presidente do conselho, quando n'uma candura de alma inexplicavel na sua posição e na sua idade; elle notara com estranheza que a agitação do paiz não cedêra, como era de esperar ante a mudança do governo, e que este tivera; por este motivo de recorrer á dictadura!!
A agitação não só não cedera, nota o orador, mas até se aggravára com: a actual dictadura, porque esta pertence á serie dos golpes d'estado que pretendem corrigir ás expansões populares, e impor e fortalecer a soberania regia, com menoscabo da soberania popular.
Que elle, orador, reconhece na, historia patria, depois do golpe d'estado de 1823, e dentro do systema monarchico constitucional, duas correntes de dictaduras de indole e intentos diametralmente oppostos: uma que segue a lei natural do progresso humano e tende a pôr as leis em harmonia com, o modo de pensar e sentir dos tempos, com os habitos e costumes dos povos. Iniciada na ilha Terceira, com os immortaes decretos de Mousinho da Silveira teve o seu periodo aureo nos tempos de Passos Manuel, e apparece de quando em quando nos governos revolucionarios que se lhe seguiram, todas ellas só pugnam pelas franquias populares. Outra corrente que tende a contrariar a primeira, a antepor o passado ao presente, e este, como ultimo recurso, ao porvir, foi iniciada com a outorga da carta de 1826, que ainda vigora, e tendo tido o seu periodo triumphante nas epochas sinistras dos Cabraes,

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que deixaram o paiz acceso em guerra civil, desmoralisado e exangue, reaurge hoje completa e aperfeiçoada nos decretos que se discutem!!
O orador fez a critica das reformas de Mousinho da Silveira e de Passos Manuel, cuja dictadura denominou de redemptora para a regeneração do seu paiz; e bem assim das luctas grandiosas que a nação inteira empenhara para acabar com o imperio da carta de 1826, e affirmar a sua soberania perante o mundo, e pediu aos scepticos de hoje, aos vencidos da vida, que envenenam a educação da mocidade e o povo com os seus livros doentios, mais nascidos d'elles proprios, do que da observação justa dos factos, que aprendessem na historia patria o que vale a fé viva de um povo no ideal da justiça, na defeza do seu direito, da sua soberania, da sua dignidade para a qual desarmarem e vencerem tiveram de recorrer em defeza da mesma carta, á colligação armada de tres nações poderosas!
Para elle, orador, os actuaes decretos de dictadura só podem explicar-se pelo desmantelamento do actual partido progressista, que tendo adoptado um programma onde com inteira exactidão e justiça reconheceu a necessidade de investir com as invasões sempre crescentes do poder real, enrolou a sua bandeira diante d'este, e entrou no caminho immoralissimo dos accordos politicos, para, a contento da realeza, succederem-se na rotação do poder.
Recordou o accordo politico que se seguiu á sua entrada no parlamento na legislatura de 1883 e de que resultou a colligação de todas as forças monarchicas na ilha da Madeira para impedirem para o futuro o seu regresso áquella casa, accordo que ainda hoje subsiste com os seus perniciosos effeitos.
Citou o facto d'elle, do alto d'aquella mesma tribuna, vendo cerceadas as prorogativas populares com a proposta da reforma penal que hoje appareceu ampliada e completa nos decretos dictatoriaes, ter appellado em vão para a opposição liberal e ver mais tarde, como consequencia do accordo, todos unidos nos horrorosos morticinios da Ribeira Brava para, por cima de um monte de cadaveres, lhe arrancarem o mandato popular com que era certo ia ser investido!
Estas circumstancias ponderosas juntas ao discurso pronunciado na sessão anterior por um chefe do partido progressista levam a elle, orador, a acreditar que as liberdades publicas estão em perigo, se os deputados de um e de outro lado da camara, por um esforço patriotico, não se antepozerem á vontade dos ministros e dos dirigentes dos seus partidos para só curarem dos interesses mais altos e mais sagrados da patria.
O povo que se revolucionou em 1833 e 1846 para salvar as prerogativas da sua soberania contra as invasões do poder regio, ha de, sob pena de ficar deshonrado na historia, entrar em novas luctas para rasgar, se forem votados, cada um d'esses decretos que lhe usurpam os seus direitos constitucionaes!
Que taes eram as considerações geraes com que justificava a sua moção de ordem.
Faria a apreciação rapida de cada um d'esses decretos, porque reservava a sua critica especial para a discussão na especialidade em que carece e pretende entrar.
Responderia a cada um dos argumentos que o sr. presidente do conselho deduzira em defeza da dictadura e que lhe mereceram mais reparo.
Que o conjuncto das respostas dadas pelo chefe do gabinete lançava muita luz, não só sobre a completa carência de fundamento político legal da dictadura, mas sobre os intuitos d'esta e os auxiliares com que conta.
Começa s. exa. por condemnar, em principio, a dictadura, e reconhecer a sua incompatibilidade na funcção normal da machina politica, mas confessa que é mal de que quasi todos lançam mão:
Logo, s. exa. confessa a existencia de uma causa perturbadora dentro das instituições, que as não deixa bem funccionar.
Essa causa perturbadora não a póde encontrar na actual conjunctura em frente do conflicto com a Inglaterra, nem na perspectiva de guerra com esta nação, porque todos estavam no mais unanime e estreito accordo em zelar e defender a honra nacional.
Essa causa perturbadora está, pois, como elle, orador, o acabára de de monstrar, no desaccordo entre a nação e o throno, no conflicto das duas soberanias, em que uma, a do povo, não quer, n'esta crise difficil, os exemplos da fuga para o Brazil, da conspiração de Belem, á sombra das tropas inglezas, em 1836, nem o da colligação das esquadras inimigas em 1846, para suffocarem pela força os seus pundonores e os seus brios, como nação independente.
Se a causa perturbadora está na invasão pelo poder real da soberania da nação, as medidas da dictadura, tornando as instituições indiscutiveis e protegendo com as postergações dos direitos constitucionaes, as prerogativas regias, não faz mais do que aggravar o mal que se reconhece e se lamenta.
Que s. exa. tinha invocado tambem como justificação da dictadura a revolução do Brazil que tivera grande echo em Portugal, e o receio de que ella influisse no partido republicano.
Em primeiro logar, lembraria que esta rasão d'estado não só não apparece no relatorio que precedeu os respectivos decretos, mas tambem nas rasões invocadas no projecto do bill o no parecer da commissão parlamentar que se discute.
Que elle, orador, já tinha notado a completa falta de referencia que a tal respeito se notava no discurso da corôa e na resposta que lhe deu o parlamento.
Em segundo logar, lembraria que se por um lado o illustre presidente do conselho achava rasão justificativa de dictadura na revolução do Brazil, e ao mesmo tempo a omittia no discurso da corôa, por outro lado tornava-se contradictorio comsigo mesmo quando affirmava no parlamento que o partido republicano representava uma parte minima da opinião publica do paiz.
Se essa parte era minima, como se armava de poderes discricionarios contra ella?!
Não se comprehendia.
Que no emtanto era digna de louvor a sinceridade do chefe do gabinete em vir agora, perante a camara confessar que a dictadura fôra feita para conter o espirito publico que, sob as influencias da nação brazileira e do ultimatum inglez, se inclinava a favor da republica.
Esta confissão á ultima hora feita, alem do valor da sinceridade, tem a vantagem do lançar toda a luz sobre o caracter das medidas de dictadura.
São no seu conjuncto uma serie de medidas para confiscar a opinião liberal do paiz. São uma das taes correcções que devem servir de norma a todos os governos, perante as manifestações populares, na phrase do sr. Emygdio Navarro.
Está, pois, confessado que a dictadura é liberticida, é mais uma conspiração que vem de cima para refrear a expansão da alma popular; tal é o pensamento capital da sua moção. Não careço, pois, para a justificar de mais nada.
Alem da confissão do sr. presidente do conselho vir só agora e já tardiamente, elle, orador, lhe lembraria que não só se punha em contradição comsigo mesmo, declarando a breve trecho que o partido republicano representava uma parte minima da nação, mas em maior contradição caíra quando, confessando a grande influencia que a revolução brazileira exercêra, e ainda exerce, nos destinos do paiz, estava por todos os meios alienando as sympathias d'aquelle grande povo, impugnando até a admisão á discussão da proposta d'elle, orador, para o reconhecimento official da mesma pelo governo.
Se, como s. exa. confessou, a acção do cambio sobre os

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capitaes brazileiros póde desviar de Portugal grande somma de capitaes; se as influencias das sympathias entre os dois povos irmãos são tão estreitas, não comprehendia elle, orador, por que, é que o governo e a maioria do parlamento hostilisavam de uma maneira tão systematica e tenaz a remoção de quaesquer difficuldades ou attritos que se tenham levantado entre as duas nações amigas, ficando assim, em manifesta opposição á corrente geral da opinião.
Invocou s. exa., como justificação da dictadura a inexperiencia do Rei, que succedêra a um Rei prudente o experimentado era que a nação confiava.
Para elle; orador era este o facto mais grave e melindroso da actual dictadura e que o obrigara a discutir com o maximo desassombro e desenvolvimento a resposta ao discurso da corôa.
O Rei fallecido era experimentado e prudente, o a nação n'elle confiava, diz-se. O Rei actual não tem a experiencia de negocios e carece de conselho.
Se os conselhos que lhe deram estão compendiados nos decretos da dictadura e nos actos violentos contra as liberdades publicas que a precederam, como a prohibição do comicio no Golyseu para agradecer ás nações amigas o apoio moral que nos deram, e a prisão arbitraria d'elle, orador, e de dezenas de cidadãos pacificos no mesmo dia, e a sua detenção á bordo de um navio de guerra; póde-se desde já afirmar que esses, conselhos miram á nova direcção, dada ao governo da nação, e que se marcha para o passado, desviando a nau do estado do rumo que lhe havia dado o Rei defunto, que se diz ser experimentado e prudente e ter merecido a confiança da nação.
Não lhe apontaram, de certo, exclama-o orador, esses rochedos sagrados da Terceira, irmãos da ilha onde elle nascera, e onde costumam pairar as aves batidas pelas tempestades, é aonde foram encontrar refugio e baluarte inexpugnavel os patriarchas da liberdade portugueza, quando perseguidos pelos sinistros e sanguinarios ministros de D. Miguel.
Não lhe fizeram de certo comprehender toda a grandeza da epopéa liberal do cerco do Porto, onde os convictos, os crentes, os fortes, combateram através da peste, da fome, da guerra, para desforçarem e manterem a liberdade apunhalada na conspiração de Villa Franca.
Desviaram-lhe talvez da mente, os desserviços prestados ao throno è á liberdade por medidas descricionarias identicas ás dos actuaes decretos que parece quererem continuar as tradições sinistras dos Maniques, dos Condes de Bastos e dos Cabraes.
Tenho medo do desconhecido para, onde encaminham a nossa politica, exclama o orador, e era em volta d'este enygma que eu desejava ver congraçados todos os grupos da familia liberal para ouvir da sua justiça e julgar da causa popular que dizem defender.
Se hão o consegui, continua o orador, pelo silencio que a opposição monarchica guardou na resposta ao discurso da corôa, espero ainda que as circumstancias hão de fallar mais alto e claro que os meus argumentos, o que não ha do lograr exito feliz por muito tempo o plano liberticida do governo.
Disse ainda o illustre chefe do gabinete que tinha, em sou poder cartas de membros do partido progressista, apoiando-lhe as medidas de dictadura!
Ouve-se e não se acredita!!
Esta revelação inesperada, alem de assumir as proporções de um verdadeiro escandalo parlamentar, implicava a honra do partido progressista, que se apressaria de certo a repellir a affronta e a exigir do sr. presidente do conselho explicações claras e categoricas, para não aggravar ainda mais a situação em que o deixara o sr. Navarro.
Para elle, orador, era manifesto que desde 1884 para cá havia pacto politico entre as facções monarchicas para acudirem ás prerogativas regias, no risco que ellas correm ante as conquistas democraticas, mas nunca julgou que esse pacto chegasse até ao ponto do cooperarem solidariamente contra as prerogativas da carta constitucional, que tendo a data de 1826, e sendo já na sua origem um violento retrocesso á constituição de 1822, já de per si estava atrás e fóra do modo de pensar e sentir da nação, sendo essa a causa do nosso mal-estar politico de ha muito tempo!!...
Que o accordo das facções monarchicas chegasse ao cerceamento das poucas franquias politicas de 1826, para até se inutilisarem as leis que nos garantem a plena liberdade de pensamento, de reunião, e o que elle, orador, nunca esperara, quando formulou a sua moção de ordem, limitando-se a pedir a accusação dos srs. ministros.
É preciso que se faça luz completa sobre essas cartas, para o parlamento e a nação saberem quem está pela liberdade e quem contra ella.
Elle, orador, appellára já umas poucas de vezes para que se considerasse esta legislatura como excepcional em face do conflicto com a Inglaterra, e para que assim os srs. deputados só tomassem compromissos com a patria ameaçada e não com os partidos que a não sabem defender.
Assim, esperava ainda que não seriam muitos os progressistas que abandonariam a sua bandeira politica para saudarem as medidas reaccionarias da dictadura.
Que cada qual, no em tanto, sobre este ponto melindroso das declarações do sr. presidente do conselho, devia sem rodeios varrer a sua testada, para a nação saber onde se escondiam os que, contra os principios que pregam, vão coadjuvando o confisco das liberdades publicas. Que viria agora a proposito lembrar aos que combatera o partido republicano e não cessam de insinuar que elle em nome dos immortaes principios nenhum serviço presta á causa popular, que desde que se celebrou o primeiro accordo politico para o combaterem, accordo de que o sr. Navarro dissera ter saído com as mãos vasias, a nação só tem hoje n'este partido o fiel de balança da sua justiça, o defensor imparcial dos seus interesses.
Desde que haja accordo que chegue aos conselhos da corôa para a rotação das facções monarchicas, é preciso que haja um terceiro partido, inteiramente fôra d'essa acção nefasta, para julgar de uns e de outros em nome da nação. Esse partido, só póde ser o que elle, orador, tem a honra de representar no parlamento e só d'elle pôde confiar o paiz n'uma crise como a actual, para denunciar com desassombro os que conspirarem contra os seus interesses maisagrados.
O argumento de s. exa., de que o governo, exercendo, a dictadura, fôra tão escrupuloso que orçando o novo ministerio dar instrucção publica, nem sequer dera auctorisação para a nomeação de um continuo, parecia a elle, orador, um pouco esdruxulo e contradictorio, pois se a nomeação de um continuo lhe merecêra tanto escrupulo, a nomeação do novo ministro lh'a devia merecer muito mais, a não ser que queira fazer acreditar que o ministro valha menos do que o continuo, e n'este caso que o novo nomeado lh'o agradeça.
Menos feliz fôra o argumento de que o governo, para resolver o conflicto entre Arruda e Sobral, buscara lição no preceito da lei civil que auctorisa a separação dos conjugues por incompatibilidade de genios, porquanto para desespero das hystericas e ainda mais dos infelizes que as aturam, entre os casos taxativos para a separação de pessoa e bens não figura-a, invocada incompatibilidade.
Motivavam-a o adulterio do marido com escandalo publico, o adulterio da mulher mesmo sem escandalo; a condemnação de um conjugue a pena perpetua; as sevicias e as injurias graves.
Que mal iria ao governo em recorrer a argumentos d'aquella ordem para justificar medidas de dictadura que

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envolvem violação das leis vigentes, e as attribuições de quem as faz.
Entrando na apreciação, nos seus traços geraes, dos decretos da dictadura, que mais de perto violaram os direitos constitucionaes, apesar do adiantado da hora, seria facil a elle, orador, demonstrar a procedencia da sua accusação, porque ella se impõe com todos os signaes da evidencia.
Bastava para o demonstrar a consideração de se pretender impor ao paiz pela pressão, pela força armada e pelos tribunaes instituidos ad hoc o statu quo creado pela carta de 1826 e os seus dois actos addicionaes, e isto alcançado por medidas tão reaccionarias, que para serem decretadas tiveram até de violar a propria constituição, que já representa a parte mais atrazada e reaccionaria do paiz!
Quando a propria constituição de 1826, nascida de uma reacção do poder real contra a constituição democratica de 1822, prevê expressamente a necessidade da sua reforma, e indica o processo de ser alterada, artigo 140.º; quando a nação inteira por duas gloriosas revoluções, a de 1836 e a de 1846, a pretendeu rasgar e substituir pela de 1822 e a de 1838; quando os dois proprios actos addicionaes estão demonstrando que ella está fóra do estado mental do nosso tempo, e a corrente caudalosa da democracia, que ninguem póde conter, por toda a parte renova as leis organicas dos povos, é então que apparece como um phenomeno sporadico no movimento geral da Europa, a pretensão da actual dictadura, para que a carta constitucional não seja discutida e criticada e antes se imponha como dogma a todo o paiz.
Para o conseguirem serão sempre dissolvidas, é expresso no decreto n.° l, artigo 3°, § 3.º, todas as reuniões em que se exponham idéas tendentes a derrubar o systema monarchico representativo, fundado na carta e seus actos addicionaes, e bem assim todas as associações que se convertam em instrumento de propaganda ou de acção para derrubar a referida carta e seus actos addicionaes, idem, artigo 4.°
Para o mesmo fim ficam prohibidos os espectaculos que contenham offensas ou criticas injuriosas á mesma carta e respectivos actos addicionaes, decreto n.° 2, artigo 1.°
Ainda para o mesmo fim cria-se uma legislação ad odium, contra a liberdade de imprensa, designadamente contra os jornalistas politicos.
Começa-se por converter em crime toda e qualquer offensa feita por meio de publicação ou por qualquer outro meio, a alguns dos poderes politicos legitimamente constituidos, decreto n.° l, artigo 7.° § 2.°;
Todas as phrases subversivas da segurança do estado ou da ordem, publica, posto que não constituam incitamento ou provocação ao crime, idem § 3.º
Todas as reproducções de offensas ou de aggressões injuriosas ou de quaesquer artigos que por outro motivo recaiam sob a esphera da acção penal, são para todos os effeitos consideradas como offensa, diffamação, injuria, etc., idem § 4.°;
Por cima de tudo isto acrescenta-se depois á penalidade respectiva uma nova penalidade a de multa de 30$000 réis a 500$000 réis conforme as circumstancias, para todos os crimes por abuso de liberdade da imprensa, idem, artigo 8.º
Para enfraquecer a imprensa na sua lucta contra as instituições e deixal-a desacompanhada ou pol-a mesmo em fuga, torna-se solidario com ella, alem do editor do jornal, o dono ou o administrador da officina em que se fez a impressão, na falta de editor susceptivel de imputação ou quando não for encontrado, idem, artigo 3.°, § 1.°. E sobretudo torna-se o material typographico ou lytographico da officina responsavel pelo pagamento das multas e das perdas e damnos em que tenham sido condemnados os responsaveis.
Aberto o expediente de exhaurir a imprensa por meio de grandes multas, que representam o fructo difficil o honesto do seu trabalho, é-lhe prohibido sob pena de novo crime, o de desobediencia, a abertura de subescripções publicas para acudir ás despezas relativas a processos, fianças criminaes, idem, artigo 7.°, § 5.°;
Para que o escriptor não possa mover-se e lançar mão de meio natural de ligitima defeza, é-lhe negado o recurso do despacho que o manda responder por mais que elle seja iniquo, decreto n.° 2, artigo 2.° que revogou a artigo 8.° da lei de 15 de abril de 1886; e como complemento d'esta obra de iniquidade é-lhe tambem negado o recurso da sentença que o condemna sempre que o juiz lhe applique prisão até um mez, artigo 5.º;
N'estas condições o jornalista, atado de pés e mãos, como o maior dos scelerados e com menos garantias do que este, é, por um delicto de imprensa, confiscado ás prerogativas do jury, e entregue a um juiz singular da confiança, escolha e nomeação do governo!'
Decreto n.° 2, artigos 1.°, 5.° o outros.
Taes são as condições oppressoras, liberticidas, com que são entregues aos julgadores singulares os que bem se podem denominar sacerdotes, juizes e arbitros da opinião!! Como complemento d'esta obra reaccionaria lembrou o crador a disposição draconiana do artigo 8.°, §§ 2.° 3.° e 4.º do mesmo decreto, que auctorisa a suppressão do jornal que offenda as instituições, o que aliás é o alvo a que principalmente se mira.
Que nada mais seria necessario para medir-se todo o alcance das medidas reaccionarias da dictadura.
Que embora tivesse já ultrapassado a hora da sessão e elle orador na discussão da especialidade dos decretos tivesse de entrar na apreciação rigorosa de cada um dos decretos referente á liberdade de imprensa, de reunião e associação, não queria terminar, apesar de se sentir muito fatigado, sem apontar ao parlamento o lado immoral d'estas medidas reaccionarias do governo.
Pedia-lhe licença para chamar a sua attenção sobre o seguinte:
Pelo decreto n.° 2 relativo á liberdade de imprensa, artigo 6.° § 2.°, quando um artigo publicado ou outra qualquer publicação contenha injuria procede a accusação por este crime ainda que em outra parte da mesma publicação ou artigo haja imputação de um facto offensivo da honra e consideração do ofendido: e promovido o processo de injuria não se poderá promover o processo pelo crime de diffamação ainda que o réu de injuria seja absolvido.
O crime de diffamação distingue-se do de injuria em se imputar ao queixoso um facto determinado offensivo da sua honra e consideração.
A injuria importa a offensa da honra e consideração do queixoso sem designação de facto.
Se eu chamar publicamente ladrão a Pedro, embora elle o seja, serei por esse facto condemnado no tribunal pelo crime de injuria previsto e fundado no artigo 410.° do codigo penal.
Se eu denunciar pela imprensa alguem como ladrão e no mesmo artigo em que o classifiquei como tal der a rasão do meu dito, isto é, se lhe chamei ladrão por que elle me roubou por exemplo um relogio, commetto alem do crime de injuria o de diffamação, previsto e punido no artigo 408.° do mesmo codigo.
O ladrão que se julga ferido na sua honra e consideração por eu lhe chamar o que na verdade elle é, escolhe dos dois crimes do artigo incriminado aquelle que não admitte prova, o da injuria, codigo penal, artigo 410.° § unico, e chama-me aos tribunaes por elle e eu sou irremessivelmente condemnado.
Pelo citado artigo do decreto não se póde mais promover o processo pelo crime de diffamação, ainda que o réu seja absolvido da injuria.
Fica, pois, pelo decreto fechada pelo proprio ladrão a porta do tribunal para que eu lhe possa provar o facto incontestavel de que elle me roubou o relogio!
Mas condemnado eu pelo crime de injuria a pedido do

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ladrão, ainda pela actual medida de dictadura, o ladrão fica tendo sobre mim o direito de me pedir uma indemnisação até 100$000 réis pelo abuso de liberdade de imprensa que commetti. Decreto n.° 1.° artigo 9.° que diz: O queixoso offendido pelo crime de abuso de liberdade de imprensa poderá reclamar indemnisação de perdas e damnos pelos prejuizos soffridos no seu interesse ou consideração. Esta indemnisação será decretada na sentença do julgamento do crime quando para ella haja motivo e não exceda a 100$000 réis.
Effectivamente observa o orador, o ladrão que é denunciado como tal pela imprensa soffre nos seus interesses e consideração, e não é de mais, que se eu commetti o crime de injuria o indemnise e assim ficarei sem o meu relogio e sem o meu dinheiro! Honra aos decretos de dictadura.
Tal é a consequencia logica e juridica a que levava a guerra feita contra os abusos da liberdade de imprensa.
Observou ainda o orador a hypothese de um ministro da corôa ou qualquer funccionario publico, abusando das suas attribuições, ser denunciado por um jornal independente, como prevaricador.
Pelo systema penal da dictadura essa alto funccionario do estado teria todos os meios de fazer punir o seu accusador e de lhe exigir taes perdas e damnos que equivaleria a eliminar o jornal, emquanto elle se conservaria á sombra dos mesmos decretos inexpugnavel nos seus maleficios, zombando dos seus inimigos.
Nada mais acrescentaria por ora para condemnar os decretos em discussão:
Encerraria a serie justa e longa das suas observações com á observação final do isolamento e do antagonismo em que era operado este movimento de reacção em Portugal no meio do concerto geral do mundo.
Quando todos os povos avançam levados na corrente geral do progresso, quando na Allemanha o movimento operario obrigou o imperio a attendel-o e a fazer-lhe concessões, apoiando o homem de ferro que tentou fazer-lhe frente, Bismark; quando a Italia na guerra contra o papado vae tambem firmando as conquistas do credo democratico, emancipando-se dos preconceitos do sobrenaturalismo; quando a França duplamente triumphante pela liberdade e pela industria assombra o mundo com as maravilhas da sua regeneração moral e politica, e, pondo termo ás dictaduras sob o imperio e influxo da democracia, impera entre os povos altiva, serena e forte, dando a todos o exemplo da maneira porque um povo se salva, quando emana e fixa as suas leis na alma do povos quando a Hespanha está-nos dando o exemplo da tolerancia pelo credo democratico e abrindo as portas ao suffragio universal para a sua sombra salvar o infante que occupa o throno; quando o Brazil acaba de encher o mundo com o prodigio da sua revolução pacifica, abrindo ampla entrada a todas as conquistas democraticas, para ali o ideal moderno assentar em bases definitivas e com todos os resplendores que o direito e a rasão lhe emprestam: não comprehende elle, orador, como a nação portugueza, fraca e abatida, sem recursos externos que a protejam contra a cobiça de fóra, exactamente quando mais carecia da união de todos para fazer frente ao inimigo, havia do consentir nas medidas da nova dictadura, que alem de trazerem comsigo a deshonra do parlamento, se as votasse, seriam, o pronuncio de discordias intestinas que poderiam converter-se n'uma calamidade nacional.
Podia, pois, ao descer da tribuna, que a nação se pozesse de accordo comsigo mesma, repellindo pelos seus legitimos representantes o bill que se discute, porque a nação não póde separar-se da liberdade e só com ella e por ella conseguirá conjurar, dentro dos seus recursos, o perigo que está imminente.

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APPENCICE Á SESSÃO DE 20 DE MAIO DE 1890 380-0

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (António de Serpa): - Sr. presidente, eu tambem sou inimigo das dictaduras, tambem desejaria que as nossas
circumstancias fossem sempre tão regulares e tão normaes, que os nossos costumes publicos fossem tão excellentes e estivessem tão radicados, que a machina constitucional entre nós funccionasse de uma maneira tão correcta) que nunca fosse possivel, no intervallo das sessões legislativas, o governo ter necessidade de usar de poderes extraordinarios, para depois ter de vir pedir a absolvição da camara.

Sr. presidente, o que nós estamos discutindo é uma questão grave, a que se dá entre nós, vulgarmente, um nome que não é portuguez, o bill de indemnidade.

O que diz esta phrase?

Diz que o paiz que primeiro estabeleceu o systema representativo e parlamentar, o paiz que é citado como o mais correcto na sua vida constitucional, o paiz em que passa como dogma a omnipotencia parlamentar, esse paiz mesmo reconheceu a necessidade de que em dadas circumstancias, o governo tenha de decretar providencias extraordinárias do que depois vem pedir absolvição ás camaras.

Qual é a questão que se discute?

Não fallo na especialidade em que se póde discutir a maior ou menor conveniencia das disposições que constam dos differentes decretos do governo.

A questão politica é unicamente saber se as circumstancias justificam e determinaram os actos do governo.

O illustre deputado que encetou esta discussão, o sr. Emygdio Navarro, condemnando severamente os actos do governo pela sua forma, foi todavia benévolo para com os ministros, e não serei portanto eu quem venha aqui usar de represálias, lembrando os actos dictatoriaes de que o illustre deputado tem uma parte de responsabilidade.

Não posso, porem, deixar de me referir a elles, porque não é possivel avaliar os actos praticados por este governo, ou por outro qualquer, separados, sem relação com as circumstancias, com o meio, com as tradições, com os precedentes e com os acontecimentos que os determinaram.

Não posso deixar de me referir de algum modo aos actos dictatoriaes do governo de que o illustre deputado fazia parte.

Vejamos as circumstancias.

Q governo progressista ultimo entrou no poder nas circumstancias mais normaes, mais regulares, mais tranquillas; veio á camara, cuja política tinha outra, feição, e essa camara concedeu-lhe, como era natural, e como se tem feito sempre em casos analogos, as leis constitucionaes, e á sombra dessas algumas outras de somenos importancia.

Fecharam-se as camaras. O paiz acabava de estar entregue ao jubilo, às festas por occasião do casamento do Principe D. Carlos, e o governo sem qualquer outra circumstancia, sem nenhuma urgencia manifesta, começou a legislar sobre todas as cousas, algumas de importância, outras sem ella, e sobretudo sem urgencia nenhuma.

Não vou discutir, nem sobretudo censurar os actos praticados pelo governo anterior, e não fallarei mesmo do primeiro, que tinha uma certa importancia política de, occasião.

O governo, que então se sentava n'estas cadeiras, deu como rasão d'esse primeiro acto de dictadura que era necessario alterar o codigo administrativo, influencia que tinha nas eleições, e para que o poder não fosse apanagio de um partido só.

Esta rasão póde discutir-se e este acto defender-se.

Mas que rasões militaram para que o governo começasse a reformar secretarias, e a reorganisar os quadros do pessoal do varios serviços publicos, que não me parece que estivessem, regulados de uma maneira absurda, porque com elles tinhamos vivido, e á, sombra d'elles a nação tinha prosperado. Não me parece tambem que as reformas d'esses serviços tenham valido, a somma que custaram.

Creou-se um numero avultadissimo de empregados, e para se ver a importancia das despezas que trouxe aquella creação, não é preciso mais do que comparar o numero do empregados que havia no anno seguinte com o do anterior comparar as despezas do exercicio do anno económico seguinte com as do precedente.

Eu não quero, porém, discutir esses actos, quero só mostrar quaes as circumstancias muito diversas em que o governo actual entrou na gerencia dos negocios.

O governo progressista abandonou o poder, e quando uso d'esta phrase não é minha intenção censurar aquelle acto estou completamente convencido de que o ministerio progressista fez o que no seu patriotismo julgou dever, fazer, mas o facto é que abandonou, o poder, e abandonou-o inesperadamente, porquanto ainda pouco tempo antes tinha feito uma eleição que lhe dava uma grande maioria.

Inesperadamente herdou este poder o partido regenerador; herdou-o, quando as paixões partidárias ainda naturalmente estavam um pouco irritadas, como sempre succede depois de uma eleição. E não é este o facto que costuma dar-se ordinariamente. Saem os governos quando estão gastos: gastam-se às vezes com a iniciativa que têem tido, não em seguida às eleições, mas depois que a camara tem dois ou tres annos de existencia.

Então as paixões estão um pouco mais acalmadas, e ordinariamente a mudança ministerial significa uma nova acalmação.

D'esta vez não podia ser assim, porque, exactamente depois das eleições, é que as paixões partidarias estão um pouco mais accesas.

Isto, porém, era o menos. Este governo acceitou o poder nas circunstancias mais graves, mais difficeis e mais angustiosas de que nunca succedeu a governo nenhum, dos ultimos quarenta annos, desde que eu tenho conhecimento dos factos políticos da nossa terra; (Apoiados.) e todos sabem quaes eram essas circumstancias.

O patriotismo, o nosso patriotismo acabava de soffrer um, profundo golpe.

É o patriotismo uma bella e nobre paixão, mas por mais bella e nobre que seja, não deixa de ser paixão, e a paixão, muitas vezes obseca o entendimento e desnorteia o espirito.

Não ha nada mais difficil de governar do que um paiz, quando está apaixonado. Mas a esta grande e justificada paixão patriotica, e á irritação partidaria, acresciam ainda outras circumstancias que tornavam o momento angustioso e grave.

Havia pouco tempo que tinha fallecido El-Rei D. Luiz, que tinha fallecido um Rei, no fim de um longo, prospero e feliz reinado.

Tinha fallecido um Rei, em cuja experiência todos confiavam, e subia ao throno um Principe, no verdor da idade, sem experiencia, porque a experiência só os annos a dão; um Principe cujas qualidades de caracter e de intelligencia ninguem podia conhecer senão as poucas pessoas que tinham vivido na sua intimidade; um Principe sem pratica dos negocios publicos.

A este facto acrescia ainda outro. Tinha havido num paiz, com o qual o nosso tem as mais intimas relações, um paiz que é nosso irmão de raça, tinha havido um acontecimento, tinha havido uma revolução, que tinha derribado um throno e uma dynastia!

Não temos nada com isso; não temos nada com a forma como se governa o Brazil ou qualquer outra nação independente; não temos nada com a sua forma de governo nem com as suas revoluções. Mas n'este momento os acontecimentos do Brazil tinham para nós duas consequencias, uma d'ellas de ordem economica e financeira, e a outra de ordem politica. A de ordem económica o financeira era a seguinte:

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Antes do se darem aquelles acontecimentos, parecia que as finanças do Brazil tinham entrado n'uma epocha de grande e verdadeira prosperidade, que ia augmentando todos os dias.

Fallava-se até por aquelle tempo no grande desideratum do Brazil, desideratum que para nós tinha um grande alcance; fallava-se na substituição do curso do papel pelo curso metallico, que era para nós do uma grandissima vantagem.

Tudo isto se traduzia de certo modo na elevação dos cambios, e todos sabem a importancia que esto facto tem para as nossas praças.

Pelos grandes interesses que ligam Portugal ao Brazil, pelas grandes fortunas portuguezas que estão n'aquelle paiz, a elevação dos cambios significa uma grande corrente de dinheiro derivada para Portugal, e todos sabem qual é O grande desafogo que este facto traz às nossas praças commerciaes e indirectamente às nossas finanças.

Depois d'aquelles acontecimentos, e isto não admira nada, porque, quando ha importantes acontecimentos politicos, as finanças resentem-se logo; o que se deu immediamente foi o começo da depressão dos cambios, depressão que hoje chegou a ponto tal que aquella fonte temporaria de recursos está completamente secca;

Lá estão naturalmente os capitães das pessoas que para aqui vieram, lá estão os seus rendimentos; mas de momento está parada a corrente, o que tem inconvenientes gravissimos, porque ninguem ignora que o mal estar financeiro se reflecte na politica.

Pelo lado politico aquelles acontecimentos tambem tiveram consequencias importantes para nós.

Existe no nosso paiz uma minoria, aliás insignificantissima, numericamente fallando, que teve a louca idéa de que aquelles acontecimentos podiam aqui repetir-se; que teve a louca idéa de que podia aqui haver uma indisciplina no exercito, e de que podiam dar-se outros factos similhantes aos que se deram no Brazi.

Era louca e vã esta idéa, repito; mas só a possibilidade de que alguém podia pensar na sua realisação, chegou a intimidar, como sempre succede em casos similhantes, uma parte das classes que tinham que perder.

O unico perigo que existia era haver quem imaginasse que o perigo podia existir.

Alem d'isto a imprensa tinha chegado entre nós a um tal grau de licença e de anarchia, por falta de responsabilidade effectiva, que o governo viu se obrigado a dar um remedio a este estado de cousas.

Todos os dias se fazia propaganda da desordem, da indisciplina do exercito e da guerra às instituições. Tudo isto não tanto pelo que era em si, mas pelo que influía no animo dos mais tímidos, tinha a sua natural importancia.

Da concorrencia de todos estes variados factos resultou que poucos dias antes do dia 11 de fevereiro, era opinião talvez quasi geral de que o governo não tinha força para manter a ordem. (Apoiados da direita.}

Ora, um governo que não tem força para manter a ordem, não é governo; a sua obrigação é ir-se embora se não podo mantel-a. (Apoiados da direita.}

Manter a ordem publica é a primeira condição do governo.

Os srs. deputados são muito illustrados e sabem que tem havido publicistas ou philosophos, posto que isto já tem passado um pouco de moda, que entendem que num futuro mais ou menos longinquo, quando a instrucção publica estiver derramada por todas as classes, quando todos os interesses estiverem equilibrados, quando a iniciativa individual, que já hoje é poderosissima, for omnipotente, o governo ha de ficar reduzido á única funcção de manter, a ordem publica.

Esse facto não se dá hoje, e creio que não se dar nunca; mas a verdade é que em todo o caso a manutenção da ordem publica é a primeira funcção do governo, porque sem ella não ha progresso, nem liberdade. (Apoiados da direita.)

Era, pois, esta a primeira obrigação do governo, e não me refiro só á manutenção da ordem material no momento, porque isso não era difficil.

Eu sempre estive convencido que à questão não era só manter num dado momento a ordem, era sobretudo fazer perceber ao publico, â nação, que o governo podia, e tinha força para manter a ordem publica. (Apoiados da direita.)

Era esta persuasão que havia de trazer a tranquillidade geral, e assim foi.

Esta é a origem dos primeiros actos praticados pelo governo, e dos primeiros decretos dictatoriaes que elle publicou, os oito decretos que têem a data do dia 10 de fevereiro.

Mas dirão os illustres deputados o que têem os decretos dictatoriaes, decretos que têem principalmente por fim a defeza nacional, com a sustentação da ordem publica?

Têem muito.

A ordem publica não se mantem sómente pela força material, pelas baionetas; precisa de manter-se pela força moral; e n'aquella occasião, nas circumstancias que já descrevi á camara, era necessario responder às reclamações do espirito publico (Apoiados da direita.) e essas reclamações que se encontram nos jornaes d'aquella epocha eram no sentido de se acudir immediatamente á defeza nacional. (Muitos apoiados da direita.)

Os actos praticados pelo governo tinham este importantissimo fim de interesse publico.

Sinto muito não poder mostrar á camara as cartas particulares que recebi, que ou assevero, e espero que elle não duvide d'esta minha asserção, que não eram só de amigos politicos, mas até algumas de adversários, direi mais, de progressistas, cartas que tenho em meu poder, que applaudem as providencias tomadas pelo governo, sem excluir as que constam dos oito primeiros decretos, e de outros de que fallarei mais tarde.

E não foram só cartas; muitos individuos do partido progressista de viva voz me disseram, que julgavam que tinham sido salutares os actos praticados pelo governo.

Em todo o caso o que ninguém póde dizer é que aquelles actos tiveram um fim partidário. (Apoiados.)

Não se póde dizer isso; porque o governo teve tanta cautela que em nenhum d'esses decretos se auctorisou a crear empregos de livre nomeação.

Infelizmente no nosso paiz uma grande arma política do governo é, sobretudo nas vésperas de eleições, poder fazer favores a amigos, a indifferentes, e até a adversários. Mas nós fomos tão escrupulosos, que mesmo na creação de uma junta ou conselho de funccionarios que se fez num d'aquelles decretos declaramos que as suas funcções seriam gratuitas.

Mais tarde, quando o governo em outro decreto teve de crear uma commissão de censura litteraria facultativa, declarou que aquella commissão seria gratuita. Mas foz mais, porque quando tratou de crear o ministerio, da instrucção publica muito de propósito deixou para as camaras a auctorisação de organisar a nova secretaria, constituindo-o apenas no momento com a direcção da instrucção publica que existia no ministerio do reino.

Seguiu-se depois, na ordem chronologica das providencias extraordinarias que o governo se viu obrigado a tomar, o decreto que dissolveu a camara municipal de Lisboa.

Dizia-se, e eu tenho aqui os jornaes que o provam, corria por toda a parte, que a camara municipal de Lisboa pretendia resistir pela força ao acto do governo, que suppunha que elle praticaria, de a dissolver. (Apoiados.)

Foi espalhada na imprensa a falsidade, a calumnia de que o governo queria dissolver a camara municipal de Lisboa, porque ella tinha feito um emprestimo para a defeza nacional; e até se dizia, sobretudo para animar a

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camara na sua resistencia, que o decreto estava lavrado e que tinha sido communicado ao governo inglez. (Riso.)

Quem inventava isto não era o patriotismo, era a especulação politica.
Mas uma camara municipal que protesta resistir pela força aos actos do governo, é inadmissivel.

Não me refiro agora ás outras rasões que são dadas no relatorio e que justificam a reforma do municipio de Lisboa, porque essas podiam ser apresentadas em uma proposta de lei que o governo trouxesse á camara, mas a urgencia era o facto de se acreditar geralmente que era dito por pessoas insuspeitas, de que a camara municipal resistiria pela força ás ordens do governo.

E o que lucrou o partido regenerador? Porventura teve este acto por fim alguma vantagem partidaria? Podémos fazer por este acto alguns favores aos nossos amigos? (Apoiados.)

Está foi uma providencia de ordem publica e que acabou de convencer o publico de que o governo tinha força para manter a ordem.
O governo tem no seu seio homens com certa pratica politica, e eu, infelizmente pela minha idade, sou o que tenho mais, e sei bem que os governos se gastam pela sua iniciativa, e se a melhor, maneira de durar é fazer o menos possivel, se o governo olhasse só para as suas conveniencias partidarias, de certo teria posto de parte as conveniencias publicas e não tinha praticado aquelles actos de dictadura. Podia ser que o paiz perdesse com isso, que a ordem publica podesse mais ou menos ser alterada, mas o governo lucrava em não se gastar, porque todos os actos de iniciativa, por mais uteis que sejam, e talvez até por serem uteis, gastam as situações. (Apoiados.)

Segue-se na ordem chronologica dos actos dictatoriaes o que diz respeito aos cereaes. Isto é um assumpto em que todos os governos usam de meios extraordinarios, quando receiam que appareça a fome. Este é, sempre, em caso de força maior, e é por isso que o governo tratou de examinar as existencias do trigo nacional e do trigo importado, para evitar a elevação do preço do pão, o que é uma grande desgraça para o povo, e em especial para as classes operarias. É um dos casos extraordinarios em que se impõe aos governos tomar uma providencia extraordinaria.

Mas agora vejo que me esqueci ainda de lembrar um acto dictatorial, dos poucos de 10 de fevereiro, e é o que diz respeito ás sociedades cooperativas.
A primeira vista poder-se-ha dizer: o que tem aquella providencia a respeito das sociedades cooperativas, com a manutenção da ordem publica, e o que tem com a defeza do paiz?

Tem alguma cousa; é que nós, tendo adoptado providencias para manter a ordem publica, providencias que satisfizeram, tenho a plena convicção, as classes que vulgarmente se diz que têem de perder, era necessario n'aquelle momento que nós provassemos que attendiamos a todas as classes.

Eu não sou socialista na significação que vulgarmente se dá a essa palavra, mas entendo que os governos têem obrigação de assistir aos fracos em presença dos fortes, os desvalidos em presença dos que o não são. Os governos mais ou menos sempre attenderam a este principio; mas entendeu-se em tempo que os desvalidos eram apenas os orphãos, as viuvas, os desamparados, os doentes, mas hoje não se entende assim. (Apoiados da direita.)

A grande classe operaria, a classe dos homens que têem só o seu trabalho e os seus braços precisam, de ser assistidos em frente das classes que têem os capitaes. (Apoiados da direita.) Não digo que aquella providencia tomada pelo governo, resolva essa grande questão, que está longe de ser resolvida, e não o foi ainda em parte alguma, mas foi o começo, e sobretudo a manifestação, n'aquelle momento opportuno, de que o governo tratava do interesse do paiz,
e não de nenhum partido, nem de nenhuma classe em especial.

Seguem se agora, creio eu, chronologicamente, os decretos de 29. Pedra de escandalo para muitos jornalistas. Refiro-me aos decretos a respeito do direito de reunião e dos espectaculos publicos e da imprensa.
A respeito do direito de reunião, permitta-me a camara que eu lhe conte um facto.

Quando na competente estação burocratica tive de mandar lavrar o decreto em que se deviam conter as providencias relativas ao direito de reunião, um funccionario distincto que tinha de dirigir aquelle trabalho, leu-as e disse-me: «Isto já está legislado; aqui não vem nada de novo, póde ser que esteja aqui alguma cousa que tenha caído em desuso.» É facto que estas providencias estão espalhadas pelos diversos diplomas de caracter legislativo, incluindo o artigo do codigo administrativo da responsabilidade do governo transacto.
O que succedia é que parte estava em desuso, e parte estava espalhada em diversos diplomas.

A camara sabe que muitas vezes o governo publica decretos que só têem por fim suscitar a observancia de leis e decretos anteriores; mas como se tratava de uma materia essencialmente legislativa, como ao mesmo tempo era conveniente reunir todas as disposições legaes relativas ao assumpto, o governo julgou que lhe devia dar a fórma de decreto sem a natureza dos outros que publicou na mesma data.

Com o decreto a respeito dos theatros estabelece-se ali menos do que n'outros paizes que se dizem mais liberaes e democraticos, os quaes têem a censura obrigatoria. N'este estabelece-se a censura facultativa, e um tribunal de appellação dos actos da auctoridade administrativa, o que é uma disposição liberal.

O illustre deputado a quem estou respondendo é o unico que por ora ainda fallou n'esta questão, condemnando os decretos apenas pela fórma dictatorial, porque na essencia não se mostrou contrario a elles, nem contrario a outro, o da imprensa, pelo qual o governo é accusado de idéas reaccionarias e de ter provocado á guerra civil, como aqui nos disse d'aquella tribuna um illustre deputado;
Eu, sr. presidente, sou como sempre fui partidario da ampla liberdade de imprensa.

E devo dizer que a nossa legislação, tanto antes como depois d'aquelle decreto, continua a ser uma das mais liberaes, se não a mais liberal do mundo. (Apoiados.) O que nós fizemos foi com que se tornasse effectiva a responsabilidade; e n'este ponto admitto completamente as idéas do illustre deputado que me precedeu. Quero para a imprensa a maxima liberdade com alguma responsabilidade. Não direi que a quero com a maxima responsabilidade; contento-me com alguma. (Apoiados.)

Eu acceito a idéa de Chateaubriand, de que a liberdade de imprensa só por si vale uma constituição. E uma idéa já velha, mas ha idéas velhas que são sempre novas (Apoiados.)

Eu quero a liberdade de imprensa, quero que os jornaes republicanos, democratas, conservadores, absolutistas, catholicos, protestantes, possam todos defender amplamente as suas idéas, porque d'este facto tem resultado um grande progresso moral, mas não quero que haja a irresponsabilidade, porque eu não sou da opinião d'aquelle jornalista muito conhecido em França que queria para a imprensa a completa irresponsabilidade e a completa impunidade. Ahi não chego eu. (Apoiados.)

Quero a liberdade mais ampla, mas, como disse o illustre deputado, com alguma responsabilidade.

Ora as disposições do decreto não se referem senão exactamente á responsabilidade.

N'este seculo todas as questões tendem a tomar uma certa fórma, que é a fórma do lucro, do interesse mate-

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330-R DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

rial. Antigamente quando se fallava na imprensa ninguem fallava senão no escriptor que queria defender as suas idéas.

Hoje não; hoje ao lado do escriptor ha o editor interessado que o que quer é vender o maior numero de exemplares do seu jornal. O que resulta d'aqui? Resulta muitas vezes a especulação com o escandalo. É sabido que um jornal que injuria e calumnia todos os dias, seja quem for, tem um grandissimo numero de leitores e de compradores.

Ao lado da propaganda das idéas, ha hoje a especulação dos lucros pelo escandalo. Isso foi o que nós queria-mos evitar, porque é contrario á verdadeira instrucção do povo e á verdadeira liberdade. (Apoiados.)

Nas disposições d'este decreto nada ha que restrinja a liberdade de discussão; mas ha a responsabilidade effectiva que cohibe os abusos.
Mas não havia até aqui só a falta de responsabilidade. Quando se instaurava um processo por abuso de liberdade de imprensa, havia, como quasi sempre acontece, grandes delongas entre o começo d'esse processo e a sentença.
Acontecia decorrer um ou dois mezes. Pois o mesmo delicto, o mesmo abuso repetido todos os dias não tinha maior sancção penal. Foi isto que nós tratámos de evitar em um dos decretos de 29 de março.

Com este decreto sobre a liberdade da imprensa têem intima relação os outros que dizem respeito ao poder judicial, e relativamente a estes tres decretos nada mais direi, porque na discussão ainda não fallou senão um illustre deputado, e este censurando, emquanto a elles, a fórma dictatorial, mas não se mostrando muito contrario á sua doutrina.

Até a dictadura minuscula do Sobral de Monte Agraço teve por fim o conseguir-se manter a ordem. Disse aqui que este decreto tivera um fim eleitoral. Em primeiro logar direi, para provar o contrario, que o governo não fez o que lhe pediram os seus amigos politicos da localidade. O que; elles lhe pediam era uma cousa muito simples, e para isso nem o governo tinha necessidade de usar de meios dictatoriaes, era que as cousas voltassem á antiga, sendo a sede do concelho na Arruda em vez de ser no Sobral de Monte Agraço. Mas o governo não o fez, não podia nem devia fazel-o, porque seria continuar, ou talvez augmentar a desordem. Digamos as cousas como são; aquelle concelho estava na mais completa anarchia desde que se mudara a séde do concelho.

Basta dizer-se que havia povoações, havia freguesias, que nunca mais tornaram a pagar os seus impostos municipaes. Isto não se podia tolerar. (Apoiados.} O governo não o podia tolerar. (Apoiados.)

E não era só isto. Acontecia que, quando individuos de umas povoações iam ás outras, eram não só injuriados, mas espancados. (Apoiados.)

Ora, se o governo tivesse mudado de séde do concelho as cousas ficavam no mesmo estado. O que fez o governo? Fez uma cousa com que manteve a ordem. (Apoiados.)
A camara sabe que a nossa legislação civil, ou a de outros paizes, permitte a separação entre os conjuges por incompatibilidade de humores. (Riso.) Aquellas duas povoações, o Sobral e a Arruda, reunidas ao mesmo concelho, tinham completa incompatibilidade, e por isso o governo não fez mais do que voltar ao estado anterior de 1854 ou 1855, quando se supprimiu o concelho do Sobral; restabeleceu dois concelhos separados, deixando para mais tarde examinar mais maduramente e ver se é possivel fazer uma remodelação que obvie aos inconvenientes que se notaram em 1855, de ser muito pequeno o concelho do Sobral.

E estes inconvenientes já hoje não são tão grandes, porque aquelle concelho augmentou não só em população, mas em riqueza. A falta de meios foi o que fez supprimir em 1855 o concelho do Sobral.

Portanto, a rasão por que o governo tomou a resolução de promulgar esse decreto foi unicamente para manter a ordem (Apoiados) e conseguiu-o. (Apoiados.)
Eu tenho a plena convicção de que, se o governo não fizesse isto, e se as cousas continuassem como estavam com a séde do concelho no Sobral, ou se fizesse o que lhe pediam os seus amigos politicos, que era mudar a séde do concelho para Arruda, havia desordens e desordens grandes.

Ora o governo, tinha obrigação, sobretudo n'aquellas graves circumstancias, de manter a ordem publica, e para esse fim publicou o decreto de que se trata, e conseguiu esse resultado.(Apoiados.)

E não se diga que foi porque havia um grande fim eleitoral. Em primeiro logar, o Sobral e Arruda não formam a, maioria do circulo, formam apenas uma parte do circulo.

Pelo lado do governo propunha-se um cavalheiro muito distincto, que eu não tenho a honra de conhecer, e pelo lado da opposição propunha-se um amigo meu, desde a sua infancia.

Ora, para excluir d'esta camara aquelle illustre deputado e que o governo havia de fazer um acto de dictadura?! O governo fel-o para manter a ordem publica e creio que o conseguiu. (Apoiados.)

Creio ter demonstrado que as circumstancias em que o governo decretou providencias que são dictatoriaes, nunca se deram, nem que se assimilhassem com ellas, em nenhumas das outras dictaduras, e sobretudo nas ultimas, e nunca aqui se fallou n'ellas; (Apoiados) e tenho sobretudo a convicção intima, e creio quo tenho demonstrado que não houve nenhuma em que o governo tivesse por fim beneficiar o seu partido. (Apoiados.)

O governo póde ter-se enganado e nós não temos a pretensão absurda de ser infalliveis: mas, não se póde dizer que praticamos qualquer acto em beneficio partidario do governo; pelo contrario, estes actos que servem para gastar os governos, que os praticam, porque se gastam os governos quando tomam a iniciativa de certas medidas, estes actos digo, tiveram por fim, no pensamento do governo, os interesses da nação.

O illustre deputado que encetou o debate, lembrou que na occasião da dictadura não havia camaras, e é verdade; mas esta circumstancia mais nos justifica.
Disse o illustre deputado que o governo podia vir á camara antiga pedir a lei de meios e as leis constitucionaes, e podia até pedir a essa camara a votação de medidas que reputasse urgentes de interesse publico; mas quando o governo aconselhou a El Rei a dissolução da camara, ainda não pensava na necessidade d'estes decretos dictatoriaes.

O illustre deputado entende que seria talvez conveniente ao governo viver por algum tempo com a antiga camara, quo estava disposta a votar as leis constitucionaes. Eu sou completamente contrario em principio a este modo de proceder.

Quando a camara e o governo são de politica diversa, ou a camara ou o governo hão de sair.
O governo não podia sair porque o seu antecessor entendeu que não podia continuar a governar, e nós entendemos que o que era logico, justo e constitucional, era dissolver a camara; appellando para o paiz, e quando o fizemos não pensavamos na necessidade de usar de poderes dictatoriaes.
Disse tambem o illustre deputado que nós podiamos encurtar o periodo eleitoral. O periodo já era muito curto, comparado com todos eu outros periodos que em casos similhantes tem havido, (Apoiados.) e nós não pensámos em preparar a machina eleitoral, como é costume dizer-se, e como é costume fazer-se.
Um governo sobe ao poder, o parlamento vota-lhe as medidas constitucionaes, e esse governo tem depois muito tempo diante de si e reserva-se o direito de dissolver a camara quando o entender; mas nós entendemos que não deviamos seguir esta pratica, que não é a mais sincera, nem a mais constitucional.

Disse o illustre deputado ainda, referindo-se a um outro

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dos decretos do governo, áquelle a respeito da eleição dos delegados para a eleição dos pares, que o governo aggravou uru principio que s. exa. julgava prejudicial!

Neste momento não me parece opportuno discutir as opiniões do illustre deputado, nem vem isso perfeitamente para o caso que estamos discutindo; mas se o governo aggravou o principio que s. exa. julga já prejudicial, o governo não fez mais do que copiar um projecto de lei da iniciativa do governo de que s. exa. fazia parte! A alteração feita na lei eleitoral, para que os delegados que nomeiam os pares, .em vez de serem nomeados pelas camarás, fossem nomeados pelos eleitores, era um principio, que estava no programma eleitoral do partido progressista, de que s. exa. fez parte no governo. (Apoiados.)

Diz ainda o illustre deputado, referindo-se a certos decretos, que ainda não estão em execução, ou que s. exa. diz, que não estão em execução, ou que não produziram ainda os seus effeitos: anos vamos sanccionar aquillo que ainda não sabemos".

Ora, eu pergunto a s. exa., quando se pede uma auctorisação á camara o que faz cila? Faz o mesmo, sancciona aquillo que não conhece, auctorisa o governo a legislar sobre certo assumpto, porque confia n'elle, e quando muito determina certas bases, exactamente como se faz nos nossos decretos, declarando nos relatórios qual era o fim que tínhamos em vista com a sua promulgação.

Mas o que no discurso do illustre deputado acho de mais importante, é a contradição que manifesta nas idéas da opposição.

Nós temos sido aggredidos pela imprensa da maneira a mais acerba e violenta por commettermos actos tyrannicos, por sermos reaccionários, por attentarmos contra as liberdades publicas nos decretos que publicámos; e o illustre deputado vem dizer-nos: "isto não vale nada, o que o governo fez é a cousa mais innocente deste mundo; o governo publicou uns decretos que não estão ainda em execução e que não se executam naturalmente, antes de serem approvados pela camara, se o forem".

De maneira que o governo, em vez de ter dito que eram decretos com poderes extraordinarios, se dissesse que eram propostas de lei, e todos os governos têem direito de fazer propostas de lei, ninguém tinha que censurar-lhe. (Apoiados.)

Ora, compare a camara as aggressões que se nos fazem dizendo-se ainda ha pouco, do alto d'aquella tribuna, que nós estávamos alimentando a guerra civil, dizendo-se nos jornaes que este é um governo reaccionario, que attenta contra as liberdades publicas, vem agora o illustre deputado e diz: que isto é uma, cousa que não tem importancia alguma, porque a final de contas não se põe em execução sem que a camara o approve! (Apoiados.)

Pelo que respeita a outros decretos que alteram a legislação, o illustre deputado censura á forma dictatorial, mas não a doutrina.

Creio ter demonstrado que as circumstancias que determinaram o governo a usar de medidas extraordinárias foram as circumstancias, como disse, graves, difficeis e angustiosas como aquellas em que nunca se viu ha longos annos nenhum governo neste paiz.

Creio sobretudo ter demonstrado que nenhum dos actos praticados pelo governo teve por fim beneficiar o partido a que pertence. (Apoiados.)

Torno a dizel-o, podemos ter-nos enganado, podemos ter errado, mas não se poderá dizer que praticámos estes actos em beneficio partidario nosso.

Sr. presidente, a camara vae julgar-nos. Estou persuadido que ella ha do approvar os nossos actos, assim como tenho plena convicção de que a consciencia publica já os approvou.

Vozes: - Muito bem.

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