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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso que devia ser transcripto a pag. 252, col. 1.ª, lin. 104.ª no Diario de Lisboa, na sessão de 27 de janeiro

O sr. Torres e Almeida: — Sr. presidente, annunciára-nos para esta epocha a meteorologia politica um temeroso furacão. Realisaram-se as tuas predicções, Ei-lo rugindo em torno de nós, emquanto não surgir Neptuno, que, pronunciando o quos ego pacificador, serene os elementos em desordem.

Já não é moda considerar a resposta ao discurso do throno, como mero cumprimento á corôa. Houve n'este ponto um reviramento completo de opinião, o qual se procura attenuar, dizendo que = o governo e a maioria deliberadamente provocaram o debate, com perda de tempo e duplicação das discussões =; como se nós não estivessemos principalmente discutindo o emprestimo de 1862, do qual o projecto de resposta ao discurso da corôa nem sequer faz menção! (Apoiados.)

Não é muito tenaz a minha memoria, mas são ainda de tão recente data os successos da ultima sessão, que não posso deixar de os ter presentes e de os recordar á camara. A organisação do gabinete, e o enviamento dos caçadores para Africa, foram aqui descutidos largamente em occasião analoga a esta, e comtudo ficaram em permanente ordem do dia, sem que então se lamentasse a duplicação dos debates e a perda de tempo esterilmente consumida no emprego de quantos meios impeditivos tem a estrategia parlamentar até hoje inventado.

Estranha-se que a commissão de resposta ao discurso da corôa consignasse abertamente o seu voto ácerca do emprestimo, e se exprimisse com reserva ácerca da organisação do exercito.

O discurso do throno punha francamente a questão do emprestimo, e á camara cumpria francamente aceita la. O emprestimo havia-se realisado mezes antes da abertura das côrtes; ácerca d'elle tinham-se publicado os documentos mais importantes; sobre elle abrira se um largo debate na imprensa, e os membros da commissão de resposta deviam por isso estar habilitados a formar o seu juizo.

Da organisação do exercito semente se fazia menção no discurso do throno, sem a apreciar, sem a elogiar, como aliás inexactamente asseverou ha pouco o sr. Casal Ribeiro.

O decreto havia sido publicado nas vesperas da abertura das côrtes. A imprensa começava apenas a occupar-se d'elle, e o nobre ministro vindo aqui dar conta do uso que tinha feito da auctorisação conferida, tanto julgava essa organisação menos perfeita, que se promptificou a aceitar quaesquer emendas que o parlamento julgasse necessario fazer-lhe.

Não se infira do que ha pouco disse, que não desejo a discussão do projecto da resposta ao discurso da corôa, discussão que acho util e talvez necessaria, porque nada mais rasoavel do que o poder legislativo, ao reassumir as suas graves funcções, proceder ao exame retrospectivo dos actos praticados pelo executivo durante o interregno parlamentar, exercer sobre elles rigorosa syndicancia, formar o seu juizo sobre o systema do gabinete e direcção dada aos negocios publicos, e manifesta-lo francamente ao soberano e ao paiz. O parlamento não é apenas uma officina de leis, é mais alguma cousa, é a atalaia zelosa da liberdade e o fiscal severo dos interesses publicos, confiados na sua ausencia á guarda e vigilancia da imprensa.

E assim pelo menos nos paizes em que o systema representativo e uma verdade; e por isso dizia Canning mos primeiros seis mezes do anno governa o parlamento, e nos outros seis mezes a imprensa.

É claro porém que applaudo o uso e não o abuso que condemno. Eu amo estes debates com a largueza suficiente para que o paiz possa saber o que deve aos ministros e o que tem a esperar dos que aspiram a sê-lo; para que o paiz, presenceando estes certames da palavra, possa avaliar o systema do governo e o da opposição, e confrontando os escolher o melhor. Mas desadoro a prolixidade esteril que confunde em logar de esclarecer, e acarreta sobre nós a indeclinavel responsabilidade pelo tempo malbaratado em agitar paixões, avultar pequenas fraquezas, reaccender odios, esmerilhar insignificancias, expandir coleras pessoaes, assoprar ambições nem sempre justificadas, e satisfazer vaidades muitas vezes mal cabidas (apoiados).

Pois ha assumpto que se não possa discutir até á saciedade em tres ou quatro sessões? Pois ha debates que passado este tempo se não tornem sobre posse e tediosos? Era excellente que, por um accordo tacito, adoptassemos algumas praticas que o bom senso está recommendando. Vem um assumpto á téla do debate; escolham-se dois oradores por parte dá opposição e dois por parte do governo, para o discutir, como se faz no parlamento inglez, onde a muitos respeitos devemos ir procurar lição e conselho.

É tempo de deixarmos as fachas infantis. O systema representativo ao cabo de trinta annos deve entrar na epocha da sua virilidade. Não devemos vir para aqui fazer exercicios de rhetorica sobre themas de imaginação (apoiados). Se fossemos menos prodigos de tropos e figuras haviamos de ser mais uteis para o paiz (apoiados): res non verba. O paiz quer obras e não palavras (apoiados); o paiz quer trabalho e não discursos; mais medidas uteis e civilisadoras e menos doestos e retaliações (apoiados).

Vozes: — Muito bem.

O Orador: — As nossas veleidades oratorias saem-lhe muito caras. Oxalá que esta discussão se mantenha na altura dos principios. Oxalá que as questões que estamos discutindo fiquem de uma vez resolvidas e passem em julgado; as questões que nós estamos discutindo, repito, como esclarecimento e resposta ás observações ha pouco feitas pelo sr. Casal Ribeiro. Já se vê que me não refiro ás questões que podem ter ligação com o discurso do throno, e que se não tratam n'este debate, as quaes não devem ficar prejudicadas.

Este debate foi galhardamente encetado pelo sr. Serpa, cujo discurso se substancia em uma phrase muito singela: «Abaixo o ministerio» (apoiados). É a de lenda Carthago do general romano. Os discursos de s. ex.ª não podem deixar de ter esta peroração fatal, inevitavel, que é tambem a de todos os discursos dos seus amigos politicos. Abaixo o ministerio: porque? Porque fez um emprestimo desvantajoso para o paiz, e porque em nome da solidariedade ministerial devia todo ter resignado as pastas em companhia do nobre visconde de Sá e do sr. Anselmo José Braamcamp.

Não careço de fazer a historia dos factos, porque são muito recentes, estão na memoria de todos, e adquiriram tal notoriedade que ninguem pôde dizer-se mal informado ácerca d'elles. Mas como os factos se deturpam e desfiguram, vistos pelo prisma da paixão politica!

O sr. visconde de Sá, no uso de uma auctorisação que o parlamento lhe tinha conferido, decretou a reorganisação do exercito, sem ouvir os seus collegas, sendo por isso essa medida da sua responsabilidade propria, pessoal e exclusiva.

Apenas publicado o decreto da organisação, levantaram-se contra elle grandes clamores, que chegaram ao conhecimento do sr. ministro, e então s. ex.ª veiu á camara dizer que = não teria duvida em aceitar quaesquer alterações que se julgassem necessarias. = N'este procedimento não havia desaire para o honrado ministro. N'este procedimento havia só o desejo de acertar, desejo louvavel; e a este proposito peço licença para ler á camara alguns trechos de um jornal, que é um dos mais illustrados orgãos da opposição n'esta capital. Diz a Gazeta de Portugal o seguinte:

«Mostrou o sr. ministro da guerra que o seu desejo é acertar, e não impor á camara as suas idéas, escudando-as da estima e veneração que s. ex.ª merece aos seus amigos politicos e a todos os seus adversarios.

«Nas questões de governo o amor proprio sacrifica o paiz á vaidade dos individuos, e alevanta hoje o que forçosamente só ha de derrubar ámanhã. O empenho de reformar com acerto inspira mui diversamente os homens, porque lhes dirige as vistas para o bem publico, e eleva-lhes o espirito a ponto de lhes cerem suaves todos os sacrificios uteis ao paiz.

«Errâmos todos, mas nem todos nos sujeitâmos do bom grado ás observações alheias, apesar de ser da natureza do governo constitucional que tudo se faça pela vontade de todos. O sr. ministro da guerra, juntou hoje essa prova de valor ás muitas que tem dado em outras circumstancias.

«O governo não diminuiu a sua força moral. Perde-a quando erra, mas reconquista a quando se presta a emendar o erro. O paiz avalia desde logo que não ha falta de vontade onde ella se mostra tão disposta a aceitar os bons conselhos.

«Insistimos neste ponto, porque vemos n'elle uma lição salutar para os que julgam desairoso confessar o desvio dos bons principios, e voltar ao seu exacto cumprimento. Esta orgulhosa opinião tem sido causa do grandes desastres politicos, e não podia achar acolhimento em animo tão elevado e nobre como é, e sempre foi, o do sr. visconde de Sá da Bandeira.»

Registo a declaração. Mas o sr. visconde de Sá, como os clamores cresciam todos os dias, e os seus collegas não approvavam em grande parte as disposições contidas n'esse decreto, julgou do seu dever pedir a sua demissão, que lhe foi aceita, saíndo assim do gabinete com muita magoa minha e de certo de nós todos, que em s. ex.ª reconhecemos o typo da probidade, e o considerámos como uma das glorias e ornamentos do partido progressista (muitos apoiados); magoa que só podia até certo ponto ser compensada ou attenuada pela escolha acertadissima, que a corôa fez do cavalheiro chamado a substitui-lo (muitos apoiados — Vozes: — Muito bem).

O illustre ministro do reino, que tinha tambem referendado aquelle decreto, mais por satisfazer a uma pratica burocrática do que por outro motivo; o sr. ministro do reino que não podia ter outra responsabilidade senão no que dizia respeito ás guardas municipaes, sobre o que não havia reclamações (apoiados), pondunoroso como é, seguiu as pisadas do sr. visconde de Sá, e pediu igualmente a sua demissão.

Onde está aqui offendido o principio da solidariedade ministerial? Não interpretemos cerebrinamente este principio. Havia uma questão sobre que a maioria dos ministros tinha uma opinião e a minoria outra. Pergunto — quem devia saír? Devia saír a maioria ou a minoria? Devendo alguem saír, era de certo a minoria (apoiados), e a minoria saíndo deu uma prova de desprendimento, do abnegação e de respeito pelo systema representativo, o que faria o elogio da honestidade de caracter dos ministros demittidos, da rectidão das suas intenções, da pureza dos seus principios liberaes, se porventura os actos passados da e na vida publica não tivessem attestado já as suas altas qualidades, os seus distinctos dotes e os seus tão louvaveis sentimentos (muitos apoiados).

«... No discurso do throno faz se menção d'aquelle decreto.» É verdade; constata-te um acto, que não se podia sonegar ao conhecimento do parlamento, porque acabava de ser publicado. D'ahi a fazer-se a apreciação d'esse acto vae uma grande differença.

Diz se que a auctorisação para a reorganisação do exercito foi concedida ao governo, e não a um dos ministros.

Essa é a formula consagrada pela pratica. Foi concedida ao governo; mas o sr. visconde de Sá, só por si, não é o governo, mas o governo é o conselho de ministros, o a maioria do ministerio não approvou a reorganisação tal qual foi decretada por s. ex.ª

Este appello ao principio da solidariedade tem muita graça, quando todos os dias se está pedindo a saída do sr. ministro da fazenda em nome do principio opposto! (Apoiados.) Quando resurge a fagueira esperança da queda do todo o gabinete, invoca-se o principio da solidariedade ministerial; quando essa esperança se extingue, nos dias de desalento, appella-se para o principio contrario, pede-se a queda do sr. ministro da fazenda, embora se conserve na presidencia do gabinete o sr. duque de Loulé, a quem se fazem então as mais respeitosas zumbaias, deixando calcar aos pés o principio da solidariedade ministerial! Não comprehendo (apoiados).

Passo a aventurar algumas reflexões sobre o emprestimo, ariete com que a opposição conta derrubar o baluarte do gabinete. Ainda bem que as muralhas do poder não esbroam ao som de declamações vagas, e asseverações gratuitas, como as muralhas de Jericó ao clangor das trombetas sagradas.

A camara, costumada a ouvir discutir as questões de fazenda por tres ou quatro cavalheiros, competentes na especialidade, a que rarissimos se dedicam, ha de estranhar que eu, incompetente a todos os respeitos, em todos os assumptos, e designadamente n'este, alheio aos meus estudos, ouse occupar a sua attenção; mas sendo este o unico, ou pelo menos o principal capitulo de accusação ao governo, comprehende-se bem que não posso deixar de o apreciar.

Não me proponho tratar a questão com profundeza, apenas procurarei apresenta-la como a entendo na minha supina ignorancia de cousas de fazenda, expondo-a á luz do bom senso, sem preoccupações partidarias, nem apparato de sciencia.

Ou a minha rasão é muito pouco clara, o que é prova-