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Sou chegado a tratar das famosas cartas que ahi se publicaram, as quaes dizem principalmente respeito ao emprestimo de 1862. Esse emprestimo estava morto; mas foi exhumado e trazido para o amphitheatro da dissecção. Corriam vozes vagas de que tinha havido envenenamento e os peritos julgaram conveniente proceder a autopsia, está feita a autopsia, e reconhece-se quão fallazes eram as apprehensões, quão destituidos de fundamento os boatos que serviam de pabulo saboroso a certos politicos que andam sempre forrageando nos maninhos da maledicencia.

Vozes: — Muito bem.

O Orador: — E a este proposito não posso passar adiante, sem dizer ao illustre deputado por Moimenta, que sinto que s. ex.ª cujo caracter respeito e cuja intelligencia admiro desde os mais verdes annos, não quizesse pelejar sempre com as armas da rasão, e brandisse algumas vezes a espada das insinuações, espada de dois gumes que fere tanto aquelle que a emprega, como aquelle contra quem se quer empregar (apoiados).

Não se podem aqui fazer insinuações; essas cumpre a camara repelli-las (apoiados). Nem deve tambem haver accusações encapotadas; quando se quer accusar, accusa-se, mas categorica e lealmente, com documentos irrefragaveis na mão, com provas á vista; e as cartas não contêem provas e apenas arguições. Ainda bem que appareceram essas cartas, porque caíram todos os mexericos, todas as injurias que ahi se andavam mysteriosamente segredando ao ouvido contra a reputação do sr. ministro da fazenda; ainda bem que caíram todos elles (apoiados).

Mas não me admira de que o sr. ministro tenha sido victima de insinuações as mais pérfidas, mais torpes e mais malevolas. S. ex.ª tem muito merecimento para não ser alvo de injurias, para não ser victima de calumnias; da qual se póde dizer, como o poeta latino dizia da Messalina: nondum satiata.

Sabem-no os mais conspicuos membros da opposição e todos aquelles que têem exercido funcções publicas. A hora da reparação chega sempre, mas chega a maior parte das vezes tão tarde que só serve de honrar a memoria do offendido, como aconteceu ao sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, e como tem succedido a muitos outros que baixaram ao sepulchro sem a grata certeza de que os contemporaneos lhes faziam inteira justiça.

A opposição não perdia em ser mais comedida tanto na phrase, como na intenção; assim não abdicava nunca o direito de ser respeitada.

Ainda bem e felizmente o nobre ministro soube manter-se sempre na esphera dos principios. Ainda bem que o nobre ministro não faltou uma só vez ás conveniencias parlamentares (apoiados), e todavia se elle fosse violento, a camara não teria direito de estranha-lo, porque o fazia em defeza da sua honra aggravada (muitos apoiados). Todos sabem que a defeza tem fóros e franquias que nunca se reconheceram á accusação.

Sobre estas cartas levantaram-se principalmente quatro accusações: primeira, a tentativa de burla feita pelo sr. ministro á casa Knowles & Foster offerecendo o emprestimo de 1862 aos srs. Stern & Brothers nas mesmas condições. A questão n'este ponto tem um caracter tão particular, que a camara me ha de permittir que me abstenha de occupar-me d'ella (apoiados). O sr. ministro, direi de passagem, já apresentou documentos, e pela approximação das datas dos telegrammas vê-se que tal offerta se não fez. Ainda bem que se diz que era feita nas mesmas condições do contrato projectado com a casa Knowles & Foster, segundo elles mesmo reconhecem e declarára nas suas cartas. O sr. ministro já apresentou documentos, e se os não apresentasse declaro que para mim valiam mais as palavras do nobre ministro que as declarações de argentarios despeitados (muitos apoiados). Que desgraçado e deploravel sestro é este do attribuirmos aos outros intenções menos nobres, e explicar os seus actos por motivos menos honrosos! (Apoiados.)

Vozes: — Deu a hora.

O Orador: — Se a camara me permitte continuar, eu pouco tempo poderei abusar da sua benevolencia.

Vozes: — Falle, falle.

O Orador: — Muito bem; continuarei.

A segunda accusação é a melhoria de preço, porque tendo-se contratado primitivamente a 47 1/2, depois pelo contrato declaratório o preço subiu a 48.

Desde quando será crime obter para o estado, obter para o thesouro uma vantagem que se não póde considerar insignificante? (Apoiados.) Não se acredita, disse o illustre deputado por Moimenta, que fosse uma concessão gratuita, mas acredita-se nas concessões generosas de que fallam os srs. Knowles & Foster nas suas cartas (apoiados), aonde em cada linha recordam os sacrificios por elles feitos, e os actos de abnegação por elles praticados em favor do thesouro portuguez! (Apoiados.) Os srs. Knowles & Foster podem ser cavalheirosos á sua vontade para acartar as boas graças do governo e para facilitar futuras negociações; mas os srs. Stern & Brothers, esses são avarentos sordidos, miseraveis, ignobeis como Harpagon! (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

Ora sejamos justos, os srs. Stern & Brothers tinham contratado na espectativa da alta, mas muito receiosos da baixa, e tanto que no contrato preveniram essa hypothese dizendo que = o contrato caducava no caso que os nossos fundos descessem a menos de 47 1/2 por cento, em consequencia do estado politico da Europa e da America, ou por alguma outra causa imprevistas. Mas os fundos subiram, a alta verificou-se, e aquella casa então, cedendo ás justas instancias do sr. ministro da fazenda, não duvidou concordar na melhoria do preço (apoiados).

E aqui vem a proposito agora notar o que o illustre deputado disse, de que a casa contratadora ficára armada de todas as garantias, e o governo pela sua parte, desarmado d'ellas = Assim seria, se acaso os fundos baixassem a menos de 47 1/2, e se se emittissem abaixo d'esse preço; mas o preço de 47 1/2 era o preço minimo que estava no contrato (apoiados).

A terceira accusação versa sobre o desejo que o sr. ministro manifestou aos srs. Stern & Brothers, de que a casa Knowles & Foster fosse contemplada com a quantia de 250:000 libras, porque entendêra que eram estes os seus desejos manifestados em uma das suas cartas; ao que não tiveram duvida em annuir, porque nenhuma rasão poderosa o impedia d'isso, visto que até ali os srs. Knowles & Foster não tinham procedido mal para com elle ou para com o governo. As cartas publicadas até á data em que o sr. ministro fez este pedido á casa Stern & Brothers, contém queixas, mas faça se justiça, essas queixas manifestaram-se em linguagem decente e comedida; d'ahi em diante é que a civilidade recebeu tratos de polé dos capitalistas inglezes que as escreveram (apoiados).

Sinto isto muito; foi um mal. Sinto que se escrevessem essas cartas, e se melhor fóra que se não tivessem escripto, melhor era que se não tivessem publicado (apoiados). A responsabilidade d'essa publicação não é nossa (apoiados). O sr. ministro não podia evitar que se lhe dirigissem algumas cartas insultuosas, porque não está na mão de ninguem evita-lo (apoiados). Mas na referencia ás 250:000 libras é que vae envolvida uma insinuação que não queria ver saír dos labios do illustre deputado por Moimenta, a quem tanto respeito...

O sr. Antonio de Serpa: — Peço a palavra.

O Orador: — Vae envolvida uma insinuação pungente, mas victoriosamente destruída pelo facto do sr. ministro não ter contrahido o ultimo emprestimo com a casa Knowles & Foster; tão profunda era a convicção de s. ex.ª de que não havia faltado uma só vez aos seus deveres como homem e como ministro (apoiados).

Resta a gratificação dada a Youle sem se saber porque titulo.

Digo ao sr. Serpa que foi por serviços relevantes prestados por aquelle cavalheiro directamente á casa Knowles & Foster, e indirectamente ao governo e ao credito de Portugal, congraçando as duas casas Knowles e Stern, pois que esta fazia aquella a mais crua guerra para impedir a realisação do emprestimo de 1862 que esteve quasi malogrado, e usando da sua influencia no stock-exchange para facilitar esta operação.

E tão importantes reputaram os contratadores estes serviços que não se contentaram em dar ao sr. Youle a gratificação de 1:000 libras, nem de 2:000 libras, mas 3:000 libras, sendo 1:000 libras da sua algibeira. Aqui estão os capitalistas platonicos de que fallei ha pouco. O sr. Knowles & Foster foram tirar das suas arcas 1:000 libras para remunerar o sr. Youle de serviços prestados, não a elles, mas ao governo e ao credito de Portugal!!

A questão é saber se as 2:000 libras foram ou não desviadas dos dinheiros publicos. Julgo que não foram. O emprestimo foi contrahido a 44 por cento, 44 por cento e nada mais era o que o governo portuguez tinha direito de receber (apoiados). Depois os srs. Knowles & Foster propozeram ao governo a reserva das 500:000 libras para serem vendidas nas epochas e pelas formas que elles julgassem mais prudentes. O governo nada tinha a perder, e tudo a lucrar; aceitou por isso esta proposta que havia sido feita verbalmente primeiro e ratificada depois por escripto perante o nosso agente financial em Londres.

O governo, pelo vago da proposta, vê-se que não tinha direito a uma quantia certa e determinada de antemão: havia de receber o que os srs. Knowles e Foster lhe quizessem dar, uma vez que fosse acima de 44, que era o preço do contrato (apoiados). Agora dizem elles que era sua intenção ceder ao governo todo o lucro da operação; mas dizem o agora, e custa me a crê-lo, porque então rigorosamente não podiam levar commissão, e comtudo elles levaram mil cento e tantas libras de commissão (apoiados).

A operação realisou-se, resultando d'ella uma vantagem de 15:000 libras para o estado. Se esta operação se não tivesse realisado, se os fundos fossem emittidos pelo preço de 44, que era o preço do contrato, o emprestimo era reputado excellente, e o sr. ministro não era aqui accusado!! (apoiados.)

Pois então se o sr. ministro não era accusado, havemos de accusa-lo, porque, alem de 44 por cento, obteve mais 15:000 libras para o estado? Pois este acto que em toda a parte seria motivo para louvor, será n'esta terra fundamento para vituperio? Não póde ser (apoiados).

E não se diga que se não fosse a gratificação dada ao sr. Youle, o estado havia de receber em vez de 15:000 libras, 17:000 libras, porque o contrato não contém obrigação para com a casa Knowles & Foster de entregar quantia certa e determinada acima de 44 por cento.

Eu creio que a camara está cansada.

Vozes: — Não está.

O Orador: — E receio encommoda-la.

Vozes: — Faça o que quizer.

O Orador: — Eu não desejava levar a palavra para casa.

Vozes: — Então falle.

O Orador: — Se a camara entende que não a encommodo, continuo.

Vozes: — Falle, falle.

O Orador: — Alguns illustres deputados querem ter a benevolencia de me ouvir, mas eu vejo que a maior parte está cansada, e então prefiro ficar com a palavra reservada (apoiados.)

Vozes: — Muito bem.

(O orador foi comprimentado por grande numero de srs. deputados.)