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SESSÃO DE 4 DE FEVEREIRO DE 1876

Presidencia do ex.ª sr. Joaquim Gonçalves Mamede

Secretarios — os srs,

Francisco Augusto Florido da Monta e Vasconcellos (Barão de Ferreira dos Santos

Summario

Apresentação de representações, requerimentos, projectos de lei, etc.. Ordem do dia, continuação da interpellação do sr. Barros e Cunha ácerca da concessão do ramal do caminho de ferro de Cacilhas ao Pinhal Novo,

Presentes á chamada 68 senhores deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs.: Adriano Sampaio, Osorio de Vasconcellos, Rocha Peixoto (Alfredo), Braamcamp, Cardoso Avelino, Avila Junior, A. J. de Seixas, A. J. Teixeira, Cunha Belem, Arrobas, Pereira Carrilho, Ferreira de Mesquita, Zeferino Rodrigues, Barão de Ferreira dos Santos, Correia da Silva, Carlos Testa, Vieira da Mota, Conde de Bretiandos, Eduardo Tavares, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Francisco de Albuquerque, Fonseca Osorio, Mouta e Vasconcellos, Pinto Bessa, Guilherme de Abreu, Paula Medeiros, Palma, Illidio do Valle, Barros e Cunha, J. M. de Magalhães, Vasco Leão, Gonçalves Mamede, J. J. Alves, Cardoso Klerck, Correia de Oliveira, Pereira da Costa, Namorado, Luciano de Castro, Moraes Rego, Pereira Rodrigues, J. M. dos Santos, Mexia Salema, Pinto Bastos, Julio de Vilhena, Luiz de Lencastre, Luiz de Campos, Camara Leme, Bivar, Faria e Mello, Manuel d'Assumpção, Pires de Lima, Rocha Peixoto (Manuel), Mello Simas, Mariano de Carvalho, Cunha Monteiro, D. Miguel Coutinho, Pedro Franco, Pedro Jacome, Pedro Roberto, Julio Ferraz, Thomás Ribeiro, V. da Arriaga, V. da Azarujinha, V. de Carregoso, V. de Guedes Teixeira, V. de Sieuve de Menezes, V. de Villa Nova da Rainha.

Entraram durante a sessão — Os srs.: Agostinho da Rocha, Pereira de Miranda, Teixeira de Vasconcellos, Antunes Guerreiro, A. J. Boavida, Rodrigues Sampaio, Barjona do Freita3, Sousa Lobo, Mello Gouveia, Neves Carneiro, Conde da Graciosa, Forjaz de Sampaio, Francisco Mendes, Francisco Costa, Camello Lampreia, Quintino de Macedo, Jeronymo Pimentel, Matos Correia, Guilherme Pacheco, Figueiredo de Faria, Lourenço de Carvalho, Freitas Branco, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, V. de Moreira de Rey.

Não compareceram á sessão — Os srs.: Telles de Vasconcellos, Falcão da Fonseca, Augusto Godinho, Van-Zeller, Perdigão, Ferreira Braga, Ribeiro dos Santos, Dias Ferreira, Nogueira, Alves Passos, Placido de Abreu, Ricardo de Mello, Thomás Bastos.

Abertura — A uma hora e um quarto da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE Officios

Do sr. Alves Passos, participando que por incommodo de saude não tem ainda comparecido nas sessões da camara.

Do ministerio da guerra, acompanhando 120 exemplares da estatistica geral do serviço de saude do exercito, pertencente ao anno economico de 1873-1874.

Mandaram-se distribuir.

Do ministerio dos estrangeiros, acompanhando, em satisfação a um requerimento do sr. deputado Pinheiro Chagas, copias da nota do ministro dos Estados Unidos, convidando Portugal a tomar parte na exposição em Philadelphia, e da resposta dirigida por aquelle ministerio.

Á secretaria.

O sr. Presidente: — Fui encarregado por uma deputação dos emprezarios de lithographias d'esta cidade, de apresentar á camara uma representação em que pedem ser

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transferidos de uma classe para outra da tabella da contribuição industrial.

Não me cumpre n'esta occasião, nem d'este logar, manifestar a minha opinião sobre o assumpto, mas sim dar destino á representação mandando-a á commissão de fazenda.

O sr. Braamcamp: — Cumpre-me participar a V. ex.ª e á camara, que a deputação encarregada de apresentar a Sua Magestade os autographos dos decretos das côrtes geraes, ultimamente approvados por esta camara, cumpriu a sua missão, sendo recebida por Sua Magestade com a costumada benevolencia.

Por esta occasião tenho a honra de mandar para a mesa uma representação que a camara municipal do concelho de Sever do Vouga me encarregou de apresentar n'esta casa.

Este documento narrando os gravissimos inconvenientes que resultaram para os povos d'aquella localidade da desgraçadissima divisão judicial, a que ultimamente se procedeu, demonstra a conveniencia ou antes a necessidade de se crear uma nova comarca, necessidade esta que foi desprezada.

Os povos d'aquelle concelho, sem se attender ás circumstancias particulares da localidade, nem ás suas relações com os povos vizinhos, ligados a uma ou outra das comarcas novamente creadas, foram divididos preterindo todos os seus interesses mai3 sagrados, collocando-os em condições desgraçadissimas para tratar dos seus interesses e dos seus negocios, e ficando muitos d'elles a distancia de 30 e mais kilometros da cabeça da comarca a que foram annexados.

A camara de Sever do Vouga lembra que a divisão tanto administrativa como judicial não deve ser feita em proveito dos empregados publicos, mas sim em proveito dos povos, e que, portanto, pertencendo a esta casa exclusivamente o tratar este negocio tão vital para os povos, pede pelo menos, já que esta camara delegou de si uma attribuição tão importante, não deixe ella de tomar conta ao sr. ministro da justiça da divisão a que procedeu, e que para remediar quanto possivel os males que d'aqui provierem para aquelles povos, haja de crear ali uma nova comarca.

- Não quero entrar agora na apreciação dos grandes inconvenientes da ultima reforma a que se procedeu. Esta discussão ha de vir de certo ao parlamento. O sr. ministro tem de dar conta do voto de confiança, talvez excessivo, que lhe foi dado, e se não a vier dar, o que não creio, se s. ex.ª pretendesse eximir-se a faze-lo, não faltarão de certo membros d'esta casa para lhe pedir que elle cumpra com esta obrigação (apoiados); e reservo-me para então tratar d'este assumpto mais largamente.

Peço, pois, a V. ex.ª que mande remetter esta representação á commissão competente, e cumpre-me affirmar desde já que hei de fazer todo o possivel para que este documento não fique jazendo nos archivos das commissões e da secretaria, como infelizmente costuma succeder muitas vezes, e hei de pugnar para que esta representação tenha o devido andamento, e para que não fiquem sem resolução as queixas tão fundadas d'aquelles que n'esta occasião me constituiram seu procurador.

O sr. Thomás Ribeiro: — Mando para a mesa uma representação dos empregados da bibliotheca nacional de Lisboa, que pedem melhoramento nos seus vencimentos.

Como já outro dia disse a V. ex.ª, não entro agora na discussão da justiça ou não justiça que assiste a estes func-

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cionarios; mas na occasião competente, e quando as commissões respectivas tiverem dado o seu parecer, entrarei então na discussão e direi o que se me offerecer.

V. ex.ª comprehende que poucos são os funccionarios d'este paiz que estão devidamente remunerados (apoiados); e se as commissões e a camara entenderem que sem vexame para o thesouro, é possivel melhorarem as condições d'estes funccionarios, juntarei a ellas o meu voto; mas se não poderem absolutamente nada, por causa das circumstancias do thesouro, acompanharei tambem n'esta parte o que for mais conveniente da parte do governo e das commissões.

O sr. Pereira de Miranda: — Tenho a honra de mandar para a mesa uma representação da camara municipal de Campo Maior, que, zelosa pelos interesses que lhe estão confiados, vem pedir a approvação do projecto de lei apresentado ha dias pelos meus collegas, os srs. Namorado, Klerck e Mello Gouveia, pedindo a creação de mais dezoito comarcas, restringindo-se para isso, na provincia do Alemtejo, onde se dão circumstancias excepcionaes, o numero de fogos que exigia a lei de 10 de abril de 1874.

Peço a V. ex.ª que mande publicar na folha official a representação da camara de Campo Maior, na qual se expõem brilhantemente todas as rasões em favor do projecto de lei,.dispensando-me de entrar por agora em mais largas..considerações.

O sr. Pedro Franco: — Na sessão passada tinha pedido a V. ex.ª a palavra para chamar a attenção do sr. ministro do reino sobre os acontecimentos de Cascaes, mas infelizmente não pude usar d'ella porque quando o sr. ministro entrou na camara já nós estavamos na ordem do (dia. Sinto porém não ver hoje nas cadeiras do governo nenhum dos srs. Ministros a quem possa pedir a responsabilidade dos, actos que ainda hoje se estão praticando em 'Cascaes. Sinto, sr. presidente, ver estas cadeiras vasias i(apontando para as cadeiras dos srs. ministros), mas como o sr. ministro do reino ha de naturalmente ler as nossas falias, vou continuando.

Sr. presidente, os jornaes do governo, e entre elles o Diario Illustrado, dizem hoje que Cascaes está completamente socegado, que a cavallaria já retirou ficando apenas ali a infanteria, e que o povo está pagando voluntariamente os impostos!

Como é que o povo paga voluntariamente se o administrador acha que ainda é ali precisa a força de infanteria?! O povo está pagando, mas á força de bayonetas, um imposto, que não deve pagar, como vou demonstra-lo.

A camara municipal d'aquelle concelho, e que funccionou em 1866 e 1867, lançou um imposto de viação, que não foi pago nem relaxado por essa vereação.

Ora, é expresso terminantemente na carta de lei de 10 de junho de 1843, que quando os vereadores, trinta dias antes de findar a sua gerencia, não relaxem as contribuições que deixam de ser pagas, fiquem sendo responsaveis por ellas, e diz mais a lei que é contra elles vereadores e não

contra os originarios devedores que reverte toda a execução.

(Entrou o sr. ministro do reino.)

O Orador: — Eu estava chamando a attenção de V. ex.ª e lamentando a sua ausencia, porque já esta é a segunda vez que peço a palavra para este objecto, mas agora que tenho a satisfação de o ver presente desejo dirigir-lhe uma simples pergunta.

Alguns jornaes de hoje dizem que o concelho de Cascaes está completamente socegado, que o administrador mandou já retirar a cavallaria, ficando apenas a infanteria, e que o povo estava pagando voluntariamente os impostos.

Desejava, portanto, saber se a infanteria ali era precisa para fazer pagar os impostos municipaes contra os quaes o povo se levantou, ou se é unicamente para ficar de guarnição aquella villa.

Se é para ficar ali de guarnição perpetua felicito os povos d'aquelle concelho por esta resolução do sr. ministro, mas se é para ainda obrigar o povo a pagar o resto dos taes impastes que a camara de Cascaes lançou em 1866-1867, chamo a attenção de s. ex.ª sobre isto, porque me parece que não é preciso; o povo de Cascaes é docil, não são precisas bayonetas para pagar contribuições, mas o que não póde nem deve é pagar as que foram lançadas tumultuariamente, e feitas as execuções despotica e arbitrariamente contra lei expressa.

Como é sabido, a lei de 10 de junho de 1843 torna responsaveis os vereadores pelas contribuições que se não pagaram e deixaram de ser relaxadas trinta dias antes de finda a sua gerencia. Oa vereadores de então não o fizeram, e a camara que saíu em 2 de janeiro de 1876 é que tratou de relaxar esta contribuição, obrigando agora o povo a paga-la, havendo n'estas execuções gente de fóra do concelho, viuvas, mulheres casadas, menores e até soldados!

Esta contribuição, como data de quasi dez annos, vae contender com alguns que até têem hoje praça no exercito, outros que já falleceram, e por isso tornam responsaveis as suas viuvas e filhos, e finalmente á força de armas está-se fazendo ali pagar o que se não deve> por isso espero que s. ex.ª porá cobro a tão grande escandalo.

Peço, sr. presidente, me reserve a palavra para depois de fallar o sr. ministro, porque desejo responder a s. ex.ª e mandar um requerimento para a mesa pedindo documentos, pelos quaes hei de demonstrar que esta contribuição não foi lançada com as formalidades legaes, não foi relaxada no tempo que a lei manda, e não póde ser exigida ao povo de Cascaes, mas sim aos vereadores que serviram em 1866-1867, como é expresso na lei de 10 de junho de 1843.

O sr. Ministro do Reino (Rodrigues Sampaio): — Mando para a mesa uma proposta de lei.

Em resposta á pergunta do sr. deputado Pedro Francos tenho a dizer que não é necessaria a força em Cascaes para fazer a cobrança das contribuições municipaes, que são pagas mui voluntaria e mui espontaneamente.

Emquanto ás rasões por que se conserva ali a força não é necessario declara-las ao illustre deputado; basta só lembrar que o governo é o responsavel pela segurança publica e a quem compete distribuir a força, segundo as exigen1 das do serviço.

N.° 10-E

Senhores. — Na proposta de lei, que tenho a honra da submetter á vossa approvação, procura-se accudir a uma imperiosa necessidade do serviço n'um estabelecimento digno por muitos titulos da solicitude dos poderes publicos.

A bibliotheca da universidade de Coimbra, monumento grandioso do rei magnanimo, vasto repositório de sciencias e letras, está longe do poder hoje preencher os fins da sua instituição com o limitado pessoal, com que fóra dotada no seculo passado.

A catalogação dos livros resente-se do systema defeituoso de outras eras, e carece de ser melhorada segundo os processos modernamente empregados.

O progressivo augmento das riquezas bibliogrâphicas, já com acquisição das livrarias dos extinctos conventos e collegios, da cidade de Coimbra, já com a compra annual das melhores obras estrangeiras, demanda estudos e trabalho de pessoas competentemente habilitadas.

A policia interna da bibliotheca torna-se impossivel com o diminuto numero de cinco empregados, que tantos são os que a lei marca actualmente para todo o serviço. Basta advertir que a bibliotheca da universidade conta mais de 78:000 volumes e é annualmente concorrida, termo medio, por 20:000 leitores, para se tornar evidente a insufficiencia do pessoal, que ali existe!

Differentes providencias regulamentares tem sido tomadas para remediar os defeitos e irregularidades do serviço d'aquelle estabelecimento; mas por um lado o caracter pro

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visorio d’estas medidas, e por outros a falta de empregados, a insufficiente habilitação de alguns e a impossibilidade physica de outros, não permittiram que d'ellas se colhessem 03 fructos desejados.

Pelo artigo 1.º da proposta são creados dois logares de conservadores para promover, dirigir e fiscalisar os trabalhos bibliographicos nas duas secções em que parece conveniente dividir a bibliotheca: uma de sciencias e artes, e outra de historia, litteratura e manuscriptos. Para não sobrecarregar o thesouro publico, determina-se que estes empregados sejam escolhidos de entre os lentes cathedraticos ou substitutos, com uma gratificação modica.

Os dois logares de officiaes são melhor remunerados a fim de se poder exigir dos individuos, que forem providos, habilitações especiaes e responsabilidade effectiva.

0 augmento de despeza para o estado será de 310$000 réis annuaes, passando para a dotação do pessoal a verba de 400$000 réis, que no orçamento do anno de 1872 fóra acrescentada ao expediente da bibliotheca, com o fim de serem chamadas pessoas que auxiliassem o serviço da catalogação dos livros.

Propõe-se no artigo 5.° a aposentação dos dois officiaes da bibliotheca, por quanto um d'elles tem sessenta e um annos de idade e perto de quarenta e um de serviço, o outro setenta e dois annos de idade e quarenta e seis de serviço, e ambos se acham absolutamente impossibilitados de. exercer as funcções a seu cargo, segundo as representações que tem subido ao conhecimento do governo.

Pelo que deixo exposto, julgo que merecerá a vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.º O quadro da bibliotheca da universidade de Coimbra compõe-se de

1 bibliothecario;

2 Conservadores; 2 Officiaes;

1 Continuo; 1 Porteiro.

§ 1.° As funcções de bibliothecario são desempenhadas por um lente cathedratico, nomeado pelo governo.

§ 2.° Os logares de conservador são providos pelo governo, precedendo proposta graduada do reitor da universidade e do bibliothecario, em lentes cathedraticos ou substitutos, que possuam conhecimentos bibliographicos.

§ 3.° Os officiaes, bem como o continuo e porteiro, são nomeados pelo governo, mediante concurso e provas publicas.

Art. 2.° Os empregados da bibliotheca da universidade percebem os vencimentos designados na tabella que faz parte da presente lei.

Art. 3.° As obrigações dos differentes empregados e a economia do serviço da bibliotheca são determinadas em regulamentos especiaes approvados pelo governo.

Art. 4.° Quando a urgencia do serviço o exigir poderão ser chamados pelo bibliothecario, com previa auctorisação do governo, um amanuense e até dois serventes, pag03 pelo expediente da bibliotheca.

Art. 5.° É o governo auctorisado a aposentar, com os ordenados respectivos, os dois actuaes officiaes da bibliotheca, que se acham impossibilitados do serviço.

Art. 6.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 4 de fevereiro de 1876. = Antonio Rodrigues Sampaio.

Tabella dos vencimentos dos empregados da bibliotheca da universidade de Coimbra

1 bibliothecario — gratificação...................... 200$000

2 Conservadores — gratificação a cada um de 200$000

réis.......................................... 400$000

2 Officiaes — ordenado a cada um de 400$000 réis..... 800$000

1 Continuo — ordenado............................. 210$000

3 Porteiro — ordenado............................. 250$000

1:810$000

O pessoal actual gasta.................. 1:180$000

71Oj5O0O

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Tirando do expediente................. 400$000

Será o augmento...................... 310$000

Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 4 de fevereiro de 1876. = Antonio Rodrigues Sampaio.

O sr. Alfredo Peixoto: —... (O sr. deputado não1 restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este> logar.)

O sr. Presidente: — Vae entrar-se na ordem do dia. Os srs. deputados que tiverem quaesquer documentos a mandar para a mesa podem faze-lo.

O sr. Pinto Bessa: — Mando para a mesa uma representação dos escripturarios das repartições de fazenda dos dois bairros do Porto, pedindo augmento' de vencimentos. Como se vae entrar na ordem do dia limito-me a apresentar essa representação, á qual V. ex.ª dará o conveniente destino.

O sr. Visconde de Azarujinha: — Marido para a mesa a seguinte communicação:

Participo a V. ex.ª e á camara, por parte do sr. deputado Falcão da Fonseca; que este senhor por incommodo de saude lhe não tem sido possivel comparecer a alguma»' sessões d'esta camara; continuando ainda a" faltar pelo mesmo motivo. = O deputado, Visconde de Azarujinha.

O sr. Mariano de Carvalho: — Eu tinha pedido a palavra para um negocio urgente.

O sr. Presidente: — A hora está muito adiantada; vae passar-se á ordem do dia.

O sr. Mariano de Carvalho: — Eu pedi a palavra para um negocio urgentissimo.

Se V. ex.ª me permitte, exponho o em poucas palavras.

O sr. Presidente: — Tem á palavra.

O sr. Mariano de Carvalho: — Acabam de ser procurados nos corredores d'esta casa, por uma commissão numerosa de merceeiros da capital, os srs. deputados por Lisboa. Esta commissão vem encarregada' de apresentar uma representação dirigida á camara dos senhores deputados: affirmam-me que vinham, e não podiam deixar de vir, ao edificio da representação nacional com intenções completamente pacificas, nem podiam ter outras, nem se admitte que as podessem ter (apoiados); entretanto a guarda do palacio das côrtes não os deixou entrar. Peço á' V. ex.ª quer tenha a bondade de tomar providencias, á fim de que não continue a ser vedado o ingresso aquelles cidadãos pacíficos, que não fazem maia" do que usar do seu direito garantido pela constituição do estado (apoiados).

O sr. Presidente: — A mesa vae mandar tomar conhecimento do facto referido pelo sr. deputado.

O sr. Mariano de Carvalho: — Peço a V. ex.ª que communique á camara o que houver a este respeito.

ORDEM DO DIA

Interpellação do sr. Barros e Cunha ácerca da concessão do ramal da linha ferrea de Cacilhas ao Pinhal Novo

O sr. Pinheiro Chagas: —... (O sr. Deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Ministro da Justiça: —... (S. ex.ª não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Luciano de Castro: — O sentimento da minha responsabilidade e o desejo de justificar o meu voto, levaram-me a pedir a palavra n'esta occasião, principalmente depois das considerações expostas pêlo illustre ministro da justiça sobre a legalidade com que o governo procedeu no assumpto, que de debate.

Começarei pois por esta parte da questão, que não é daí menos importantes.

Affirmou o sr. ministro da justiça que ò decreto de 31 de dezembro dó 1864, publicado em virtude de uma auctorisação do poder legislativo, não contém mais de que uma disposição regulamentar ha parte, em que determina1,1 que só por lei possam ser concedidos caminhos de ferro superiores a 20 kilometros de extensão, é que' portanto

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essa disposição póde sempre ser alterada por decretos publicados pelo governo.

Não acceito tal doutrina, contra a qual se insurge a pratica sempre conforme, e a jurisprudencia adoptada em todas as secretarias.

Pois não sabe o illustre ministro, que um decreto publicado pelo governo no uso de uma auctorisação parlamentar, tem força de lei, e não póde ser derogado ou alterado pelo poder executivo?

Ignora s. ex.ª que esta doutrina é corrente, constantemente observada, e por todos acceite?

Disse tambem s. ex.ª que o governo, ao publicar aquelle decreto, excedera os limites da auctorisação parlamentar, e que por isso as suas disposições podiam ser alteradas por acto do poder executivo.

Tal doutrina é tambem insustentavel.

Pois um decreto publicado com auctorisação parlamentar, póde depois ser declarado irrito e nullo, por um acto do governo?

Ha só um poder competente para declarar nullo, illegal e abusivo qualquer decreto, publicado pelo governo no uso de uma auctorisação legislativa. E o parlamento (apoiados.)

E posso dizer a s. ex.ª que esta doutrina não é só minha. E de todos os parlamentos. É de todos os governos. É do proprio conselho d'estado, que ainda ha pouco, a proposito de uma questão levantada pelo sr. Arrobas por causa da illegalidade com que o sr. Latino Coelho em 1868 reformara o conselho ultramarino, affirmou e sanccionou a doutrina de que só ás côrtes compete decidir se o poder executivo excedeu ou não as auctorisações parlamentares.

Em quanto o parlamento não declarar o abuso ou excesso de poder pelos meios competentes, o sr. ministro da justiça tem obrigação rigorosa de respeitar, como leis, os decretos publicados n'aquellas condições.

O decreto de 31 de dezembro de 1864 é portanto uma lei. Esta doutrina não póde soffrer contestação séria. Não póde haver n'esta casa dois homens conscienciosos que applaudam doutrina contraria.

E sobre este ponto podia eu appellar sem receio para o sr. ministro das obras publicas, que de certo no segredo da sua consciencia, está lamentando que o seu collega tivesse aventado no parlamento opinião tão opposta ás tradições e precedentes do nosso direito constitucional.

Este decreto de 31 de dezembro, repito, é uma lei. E o governo violou essa lei (muitos apoiados).

Deus nos livre de que se admittisse a doutrina do sr. ministro da justiça, porque d'esse modo ficariam desde logo nullos ou pelo menos sujeitos a serem derogados pelo poder executivo, não só este decreto, mas todos os mais que o governo publicou em virtude da mesma auctorisação.

Esse decreto é expresso. Esse decreto exige a intervenção do parlamento para concessões de caminhos de ferro de mais de 20 kilometros. E essa condição não foi observada. O governo exorbitou portanto, e offendeu a lei. (Apoiados.)

Todavia allega o sr. ministro da justiça que todos os ministerios anteriores procederam do mesmo modo. Nego, e vou prova-lo.

Aquelle decreto não comprehende senão os caminhos de ferro de via larga ou reduzida com leito proprio. Para esses é sempre preciso pedir a auctorisação das côrtes. E sempre se pediu. Para os caminhos de ferro americanos, ou do systema Larmanjat, que forem assentes em vias publicas, não é precisa a intervenção do parlamento. Esses ficam fazendo parte da viação publica que não podem impedir, nem prejudicar. Basta portanto a licença das camaras municipaes ou do governo não para serem construidos, mas para serem assentes os carris de ferro nas estradas publicas.

N'este caso não ha que pedir auctorisação para a construcção, para adquirir e expropriar terrenos, para fazer o leito da via ferrea; ha apenas que pedir licença ás competentes administrações, que superintendem nas estradas

ou ruas publicas, para assentar n'essas ruas ou estradas os carris de ferro, que não tolhem a circulação e o transito, antes ficam fazendo parte integrante das mesmas estradas. (Apoiados.)

Nenhum outro ministerio fez ainda concessões de caminhos de ferro de via reduzida ou de via larga em leito proprio senão o actual. Os que foram concedidos são do seu tempo. E creio que isso não é bastante para nos convencer a nós. O mais que esse facto poderia provar, era que em logar de um acto illegal, havia uns poucos.

Sr. presidente, os caminhos de ferro americanos não estão, pois, comprehendido3 na lei, nem tão pouco o Larmanjat, porque estes não têem leito proprio. A lei só comprehende os caminhos de ferro, ou sejam da via reduzida ou sejam de via larga, abertos e construidos em leito proprio.

Não provam, portanto, nada os precedentes allegados, porque, quanto aos caminhos americanos, e do systema Larmanjat, podiam ser auctoridades som lei, e quanto aos de via reduzida ou larga os exemplos citados são todos do actual ministerio, e por isso só provam contra elle.

Eu trago aqui apontados alguns precedentes, para mostrar á camara e ao sr. ministro a verdade do que digo, e passo a indica-los.

Pelo decreto de 28 de dezembro de 1872 fez-se concessão a Simão Gattai de um caminho de ferro de via reduzida em leito proprio entre Porto e Braga, passando por Santo Thyrso e Guimarães; pelo decreto de 19 de junho de 1873 fez-se concessão igual tambem para um caminho de ferro de via reduzida em leito proprio do Porto á Povoa de Varzim a Templo Elliott e barão Kessler; pelo decreto de 18 de junho de 1874 fez-se outra concessão nos mesmos termos para uma via ferrea reduzida em leito proprio entre Vianna do Castello e Lindoso; e pelo decreto de 1 de fevereiro de 1872 deu-se licença a João Doutbat para construir um cae3 no sitio do Mexilhoeiro e um ramal de via larga para entroncar no caminho de ferro de sueste.

Esta ultima concessão é de via larga. E se o sr. ministro das obras publicas não podia fazer concessões de caminhos do ferro de via reduzida de mais de 20 kilometros, está claro que não linha auctorisação para fazer esta concessão. E note-se que se o ramal concedido é inferior a 20 kilometros, não satisfaz comtudo á auctorisação exigida no § 2.° do artigo 2.° do decreto de 1864, que é a de communicar minas ou estabelecimentos industriae3 com portos de mar, caminhos de ferro ou rios navegáveis.

Como é então que o sr. ministro da justiça vem aqui defender-se, dirigindo accusações a todos os partidos, quando o governo é arguido de ter violado a lei, como violou? Como é que o sr. ministro se defende da accusação que se lhe faz, quando está mais que evidentemente demonstrado, que os precedentes que allega, ou não provam nada, ou são devidos á exclusiva iniciativa e responsabilidade do sr. Cardoso Avelino?

E portanto claro que o sr. ministro das obras publicas excedeu as suas attribuições, offendeu o decreto de 31 da dezembro de 1864, não uma, mas muitas vezes, e que por isso devia trazer aqui uma proposta de lei para ser absolvido das faltas em que incorrera. (Apoiados.)

Citam-se leis aqui votadas que auctorisam a isenção de direitos na alfandega para materiaes ali entrados com applicação a differentes caminhos de ferro.

Essas leis não resolvem a questão da competencia da auctoridade, ou poder, que deve auctorisar a construcção dos caminhos de ferro. Dão por assentado que a construcção fóra permittida pelo poder competente, mas não declaram se esse poder é o legislativo, ou executivo.

Quanto á lei de 11 de maio de 1872 direi que essa lei tambem não resolve a questão da competencia da auctoridade, ou poder que tem de fazer estas concessões. Essa lei auctorisa as expropriações para o alargamento das estradas

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ordinarias, em que o governo permittir o assentamento de caminhos de ferro americanos, ou de outro qualquer systema, e bem assim para a acquisição dos terrenos necessarios a execução dos traçados, que não possam seguir as estradas ordinarias, conforme os projectos que o governo approvar.

Diz que os caminhos americanos são permittidos pelo governo, mas não diz quem ha de conceder os outros.

Custa-me realmente a ver que o sr. ministro, citando esta lei, lhe desse tão grande importancia, e viesse com sofismas transparentes e com argumentos capciosos tentar illudir a boa fé do parlamento. (Apoiados.)

Mostrem os precedentes se podem. Não os ha. E que os houvesse, porventura, esses precedentes podem prevalecer contra a lei? Se foi violada uma, duas, cem ou duzentas vezes, ha de o ministro allegar em sua defeza a violação constante d'essa lei? (Apoiados.) Pois o melhor systema de governo será o da offensa permanente das leis? (Apoiados.) Não póde ser.

Tem-se aqui insistido uma e muitas vezes com o sr. ministro das obras publicas, para que diga quaes foram as considerações de conveniencia publica que o levaram a separar-se do voto da junta consultiva das obras publicas. Reiteradas instancias temos feito. Temos supplicado quasi ao sr. ministro para que nos diga quaes os motivos ponderosos, quaes as rasões fundamentaes, quaes os solidos argumentos, que o levaram a seguir um caminho opposto áquelle que lhe indicaram os seus naturaes conselheiros. (Apoiados.)

O Sr. ministro tem-se recusado a dar as rasões do seu proceder e o seu collega da justiça veiu ha pouco dizer que não era ao governo a quem competia expor essas rasões; era antes a nós que pertencia apontar 03 inconvenientes, que haviam de resultar da concessão feita.

E nova esta doutrina. (Apoiados.)

O sr. ministro passou por cima de todas as considerações de interesse publico para servir um amigo. (Apoiados.) O sr. ministro desattendeu todas as rasões que lhe foram suggeridas pela junta consultiva de obras publicas para que deixasse de praticar um acto irregular, illegal e contrario aos interesses do estado. (Apoiados.)

E preciso que s. ex.ª diga clara e, terminantemente perante o paiz quaes as rasões que o aconselharam a deixar de seguir o parecer dos homens technicos, e a faltar ao respeito devido á lei, para servir os interesses de um deputado ministerial.

Nas fileiras da maioria reina o mais completo silencio. Nos bancos do governo o mesmo silencio! (Apoiados.)

Estão invertidos os papeis, E o governo quem deve dar conta ao paiz das rasões porque se desviou do parecer dos homens competentes, que lhe aconselharam o contrario do que elle praticou. Não somos nós que podemos e devemos expor essas rasões. Nós apontámos os inconvenientes; referimos as considerações offerecida3 ao respectivo ministro pela junta de obras publicas; accrescentamos ainda outras, e pedimos explicações terminantes ao governo pelo seu injustificavel procedimento. Este responde-nos que esta tarefa pertence' á opposição!

Mais de uma vez tenho ouvido allegar que o sr. ministro das obras publicas fóra obrigado, por lealdade politica, por consideração aos seus deveres de camaradagem partidaria, a faser uma concessão que repugnava á sua consciencia.

Mais de uma vez tenho ouvido dizer que o nome de 8. ex.ª no decreto da concessão não significava a sua opinião, embora implícito a sua responsabilidade.

Mais de uma vez tenho ouvido dizer a homens competentes, a amigos do governo que ouviram da bôca do sr. ministro das obras publicas, que a sua opinião era manifestamente contraria a esta concessão.

Eu que conheço o caracter honrado do sr. Avelino, em quem se reunem dotes, que eu muito respeito, não podia

acreditar que s. ex.ª, discordando dos seus collegas n'uma questão d'esta gravidade, tivesse coragem para permanecer n'aquella cadeira, e conservar uma pasta que lhe seria, não um symbolo de gloria, mas uma cruz de incomportável martyrio.

Doía-me ver áquelle caracter honrado avergado ao peso do tão ignominosa situação.

Felizmente, porém, veiu o sr. ministro das obras publicas declarar aqui na ultima sessão, que a sua responsabilidade estava onde se achava o seu nome e que as suas convicções foram sempre favoraveis á concessão que se discute.

Como quer que seja, o sr. ministro das obras publicas tem diante do paiz a responsabilidade do acto que praticou.

Eu não acredito no que se disse; foram de certo boatos infundados. O illustre ministro foi sempre da mesma opinião. Honrado como é, n'uma questão d'esta gravidade, não podia ex.ª estar n'aquellas cadeiras se a sua opinião fosse que aquella concessão involvia gravissimo prejuizo para o paiz!

Pois que! Andam já tão esquecidas as noções da moral e da justiça! Pois que! Já lavra tão funda no paiz a lepra da immoralidade que um homem como o sr. Avelino, dizendo-lhe a consciencia que esta concessão era obnoxia aos interesses do paiz, a fosse apesar d'isso decretar! E uma calumnia! Não póde ser. O sr. ministro das obras publicas pensou sempre como agora pensa.

É melhor acreditar isto do que suppor que o Sr. ministro, para conservar uma pasta, que não seria mais para elle senão uma corôa de espinhos, se prestara a subscrever a uma concessão que no fundo da sua consciencia reprovava. (Apoiados.)

Não lucrámos nada em abater os homens publicos, ainda quando são nossos contrarios. (Vozes: — Muito bem.)

Com homens de superior intelligencia, de merito distincto, de crenças firmes, de elevado caracter, é honrosa a luta. Quanto maior é a sua elevação moral, tanto maior será a nossa gloria em cruzar com as sua3 as nossas armas. (Apoiados.)

Parece-me ter demonstrado que o governo carece ainda de dar largas explicações á camara.

Vou agora tratar da questão de conveniencia 5 mas, primeiro que tudo, quero chamar a attenção da camara para um assumpto que não é de pequena valia e que envolve, quanto a mim, a questão de moralidade.

O modo como a concessão foi feita, a maneira como o sr. ministro procedeu n'este assumpto, são tão excepcionaes, e provocam por tal modo as apprehensões do publico, que eu não posso deixar de invocar a attenção da assembléa para este ponto, expondo-lhe summariamente o processo que se seguiu para se fazer a concessão, de que se trata, ao sr. Filippe de Carvalho.

Pelos documentos publicados no Diario do governo vê-se que o sr. Filippe de Carvalho requereu em 10 de fevereiro de 1874 a concessão do caminho de ferro, de via estreita, de Cacilhas a Cezimbra.

Essa concessão foi-lhe feita logo depois; mas o sr. Filippe de Carvalho não mandou proceder aos estudos para via estreita, nos termos da concessão. Pelo contrario, 'apensa apanhou a concessão para via estreita, deu ordem ao seu engenheiro para que fizesse os estudos para via larga. (Apoiados.) Parece que contava já com a annuencia dos seus amigos do governo, e sabia que mais tarde lhe seria approvada a transformação do via estreita em via larga! (Muitos apoiados.) Nem de outro modo o crivel que um cavalheiro de tanta sensatez despendesse dinheiro com estudos e trabalhos, que viriam a ficar inteiramente perdidos!

Portanto o sr. Filippe de Carvalho foi o primeiro a considerar como illusoria e falias a primeira concessão, (Muitos apoiados.)

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Se o sr. Filippe de Carvalho começasse por fazer requerimento para a concessão para via larga, é provavel que a junta de obras publicas tivesse desde logo descoberto os intuitos do concessionario, e viesse expor ao governo os reparos e as objecções que mais tarde fez.

Por isso o sr. Filippe de Carvalho requereu a concessão para via estreita e mandou fazer estudos para via larga!

A junta consultiva de obras publicas lavrou a sua consulta a 22 de abril de 1874, e logo n'esse mesmo dia foi assignado o decreto que fazia a concessão!

O sr. Filippe de Carvalho, ao que parece, mandava, e o sr. ministro das obras publicas obedecia!

Era de rasão que assim fosse! Tão elevada era a posição politica de s. ex.ª! Tão alta valia tinha para com o governo!

Obtida a primeira concessão, o sr. Filippe de Carvalho pediu a transformação da via estreita para via larga, e obteve-a apesar da consulta contraria da junta de obras publicas.

Depois veio o requerimento para a concessão do ramal do Pinhal Novo a Cezimbra, que mais tarde obteve.

Em seguida, o sr. ministro das obras publicas apresentou n'esta camara uma proposta do lei ácerca do caminho de ferro das duas Beiras, e n'essa proposta incluia-se um artigo que auctorisava a venda do caminho de ferro do sul e sueste. O sr. Braamcamp, com a sua honestidade de caracter, e com a admiravel lucidez com que trata todas as questões, veiu aqui, durante a discussão do parecer relativo ao caminho de ferro das Beiras, propôr a construcção de um ramal do Barreiro á margem esquerda do Tejo, n'um ponto mais proximo de Lisboa, que viesse a ser a testa das linhas do sul e do sueste. E essa proposta foi repellida talvez para não prejudicar os intuitos da concessão, que se havia de fazer ao sr. Filippe de Carvalho. E certo que, se a proposta do sr. Braamcamp tivesse sido approvada, a concessão do ramal do Pinhal Novo não se podia ter feito.

E facil deduzir as conclusões que decorrem d'estes factos, desde a primeira concessão do caminho de ferro de via estreita até á concessão do ramal e proposta do governo para se vender o caminho de ferro do sul. Tudo aqui se prende e encadeia naturalmente n'uma deducção logica e evidente

Ha mais. A junta consultiva de obras publicas representava muitas vezes para que o governo fixasse as condições que deviam regular a concessão dos caminhos de ferro americanos, e os de via reduzida. Na consulta de 20 de janeiro de 1874 tinha insistido para que se tomasse uma providencia geral a este respeito. Pois quer V. ex.ª saber o que o sr. ministro das obras publicas fez?

Tomou a resolução de se não fazerem mais concessões emquanto se não regulasse este assumpto, por medida geral. Pois esta regra foi derogada para se fazer a concessão ao sr. Filippe de Carvalho! (Apoiados.)

Vou ler o que se acha escripto n'uma illustrada folha da capital, no Jornal do commercio, que de certo é insuspeito para o governo, porque se algumas vezes o hostilisa, muitas mais vezes o defende, e essa emersa circumstancia abona a auctoridade da sua opinião. Pois o Jornal do commercio, escrevendo a respeito do privilegio que o sr. ministro das obras publicas concedêra ao sr. Filippe de Carvalho, dizia o seguinte:

«Mas o que não podemos deixar de censurar é o desplante com que se fez uma concessão de caminhos de ferro ao deputado ministerial, e se deixam dentro das gavetas das secretarias outros pedidos de concessões identicas, sera nenhum onus para o thesouro, e a pretexto de que a junta consultiva de obras publicas ainda não deu parecer sobre a fórma por que devem ser decretadas essas concessões!

«De sorte que a junta consultiva não é embaraço para amigos, e salta se por sobre a sua opinião, quando elles se apresentam e mandam»!

Até este jornal, que as mais das vezes defende o governo, não póde deixar de considerar inconveniente e irregular o procedimento do sr. ministro das obras publicas, pois não só derogava a resolução geral que elle proprio havia tomado, mas contrariava as opiniões apresentadas pela junta consultiva de obras publicas.

Mas qual foi a rasão porque com o sr. Filippe de Carvalho se deu esta excepção? Ha muito tempo que differentes individuos com iguaes pretensões subiam as escadas do ministerio das obras publicas, instando pela decisão dos seus requerimentos. Para esses nem uma palavra de commiseração da parte do sr. ministro!

Só o sr. Filippe de Carvalho póde dobrar a vontade de ferro de s. ex.ª

Largos privilegios foram assim concedidos a um homem, que por muito respeitavel que seja, não póde ter força para se impor ás leis, e aos poderes publicos.

O que é certo é que aos amigos da situação, aos amigos do governo, não se poupam contemplações e favores. Aos que têem a audacia de combater os abusos do governo, as suas illegalidades, as suas tropellias e os abusos que diariamente praticam, nem ao menos se lhes faz justiça.

Fique-se, pois, sabendo que quem quizer obter favores e graças do governo ha de servi-lo. Quem quizer mercês e contemplações sabe o caminho que tem a trilhar. E o mesmo se dá com os jornalistas ministeriaes. Serviço feito ao governo tem logo recompensa certa. Serviço feito ao paiz é punido com a ingratidão e o esquecimento. Denunciam-se abusos nas repartições do estado, averigua-se a verdade das denuncias, e castigam-se os que a descubriram!

Apparece um moço honrado, que tem a audacia de denunciar malversações que se praticaram n'uma repartição do estado. Este moço, o sr. Mengo, pediu e requereu ao sr. ministro das obras publicas, uma syndicancia no correio de Lisboa. Mandou s. ex.ª proceder á syndicancia e guardou-a.

O zeloso funccionario, que teve a nobre ousadia de denunciar a prevaricação e os prevaricadores ao sr. ministro das obras publicas e de declarar nos jornaes que respondia pelo que tinha dito e escripto; que entre elle e os empregados denunciados havia um abysmo; que era preciso saber quaes os innocentes e quaes os criminosos; este honrado moço foi demittido, expulso do serviço do estado na mesma occasião em que o foram os funccionarios culpados, e teve de ir procurar no trabalho honesto o pão de seus filhos! O governo negou não só o premio, mas o salario aquelle que tinha contribuido para expulsar das repartições publicas os corruptos, os deshonestos, os prevaricadores que abusaram do seu logar para praticar malversações em prejuizo do estado e do publico.

Agora direi algumas palavras a respeito da questão de conveniencia. Bem que seja estranho á engenheria, tenho direito de apreciar as rasões que tem sido apresentadas n'esta camara para mostrar que o caminho de ferro do sr. Filippe de Carvalho não prejudica os interesses do thesouro.

A primeira rasão que se apresenta, é que os inconvenientes da concessão ficára acautellados com as clausulas impostas ao concessionario quanto ao direito que o governo se reserva no tocante ao serviço da exploração, e ás tarifas, que nunca poderão ser inferiores ás do caminho de ferro de sueste.

Mas, eu pergunto ao sr. ministro das obras publicas quaes são as garantias que s. ex.ª nos dá, de que estas condições não serão mais tarde derogadas por elle proprio ou por qualquer outro cavalheiro que o substitua na pasta das obras publicas? Quaes são as garantias que s. ex.ª nos assegura de que se não estabelecerão tarifas inferiores ás do caminho de ferro de sueste?

Mas admittimos que a nova linha não vae fazer concorrencia á linha do governo. Supponhamos, que a linha do Barreiro nada soffre. Supponhamos mesmo que a concessão nos termos e com as cautellas com que foi feita, não pre-

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judica o caminho de ferro do estado. Acreditemos que sendo maior a distancia a percorrer pelo ramal do Pinhal Novo, e maiores portanto as despezas de transporte, não ha que receiar pelos interesses da linha de sueste desde o Pinhal Novo até o Barreiro.

Pois eu digo que ainda assim não se póde negar, em boa fé, que a linha do governo será grandemente depreciada.

Ou o governo conserve em seu poder as linhas ferreas de sul e sueste, ou as venha a alienar, a perda para o estado é certa e inevitavel. A junta de obras publicas na sua consulta de 22 de outubro de 1874, considerou a questão sob estes dois aspectos.

Se aquelles caminhos de ferro forem alienados, e subsistir a concessão feita ao sr. Filippe de Carvalho, resultarão d'ahi os seguintes inconvenientes:

1.° A desnecessaria multiplicação de material circulante e officinas;

2.º A pouco racional divisão da exploração entre duas emprezas rivaes;

3.° A necessidade de continuos accordos entre as duas emprezas para harmonisar tarifas, partidas de comboios, etc..;

4.° A certeza de conflictos;

5.° E outros muitos inconvenientes, que forçosamente obrigariam uma das emprezas a ceder o campo á outra.

Se os caminhos do sul e sueste continuarem em poder do governo, é evidente, por um lado, que logo que se estabeleça uma outra linha com estação em Cacilhas, ou n'outro ponto mais proximo de Lisboa na margem esquerda do Tejo, depreciará consideravelmente o valor d'aquella importantissima propriedade nacional, e difficultará qualquer operação sobre a venda ou trespasse das vias ferreas em poder do estado.

E por outro lado não póde desconhecer-se, que se o governo construir por sua conta o ramal, que agora concede, ou outro que approxime de Lisboa a estação terminal dos caminhos de ferro do sul e sueste, estes subirão de importancia economica, e adquirirão consideravel valor.

Em todos os casos, portanto, aquella linha ha de soffrer notavel depreciação. E concordes n'esse sentido são a junta consultiva, o director dos caminhos de ferro do sul e sueste, o chefe da exploração e o sr. Filippe de Carvalho em todas as memorias e trabalhos que tem publicado sobre o assumpto.

Supponha, pois, a camara que não ha receio de concorrencia do novo ramal com o caminho de ferro do estado, e que a linha do Pinhal Novo ao Barreiro nada vem a soffrer com a construcção do caminho de ferro de Cacilhas ao Pinhal Novo. Dada essa mesma hypothese, a depreciação é sempre certa, quer o estado tenha de alienar as suas linhas ferreas, quer continue a administra-las.

A junta consultiva de obras publicas allega tambem contra a concessão feita ao sr. Filippe, que a estação do Barreiro não póde servir, nas condições em que se acha, para estação terminal dos caminhos de ferro do sul e sueste.

Pergunto a s. ex.ª se já resolveu este ponto. Desejo saber se já está decidido qual será a estação terminal d'aquellas linhas? Sabemos que s. ex.ª mandou estudar este assumpto pela portaria de 31 de março de 1874. Mas não temos conhecimento da resolução ministerial que decidisse, em contrario do parecer da junta de obras publicas, que a estação terminus devia ser no Barreiro.

Eu peço a s. ex.ª que tome nota d'esta pergunta para ma responder opportunamente.

Sei que o sr. ministro mandou proceder a obra3 importantes no Barreiro. Mas quem o auctorisou a fazer essas despezas? E como é que s. ex.ª mandou fazer aquellas obras sem se resolver primeiramente que ali devia ser a estação terminus?

É preciso que o sr. ministro das obras publicas, que mandou proceder a estudos para escolher outro ponto mais

conveniente do que o Barreiro para termo das linhas ferreas do sul e sueste, nos diga qual foi a resolução, despacho, decreto ou portaria que decidiu este assumpto. Por ora não sei que haja roais do que a portaria de 31 de março de 1874, a que já alludi. Do cumprimento, que se deu a essa portaria, nada se sabe.

Eu digo que o Barreiro não tem condições necessarias para ser uma estação terminal, porque assim o pensa a junta de obras publicas, o sr. Jayme Larcher, que elaborou em tempo um projecto para terminar o caminho de ferro de sueste em Cacilhas, o governo, que se conformou com o parecer da junta de obras publicas, e até o proprio sr. Filippe do Carvalho, inspirado o aconselhado pela opinião dos engenheiros, que consultou.

E foi contra todas estas opiniões que o sr. ministro procedeu ordenando as obras do Barreiro, como se já estivesse resolvido que ali fosse a estação terminus.

A opinião de s. ex.ª para mim é muito respeitavel em outros assumptos. Sou eu o primeiro a acata-la. Mas como engenheiro, em assumptos technicos, peço licença para lhe dizer que não posso ter em igual consideração o seu parecer.

E depois, nós estamos tão habituados a ver mudar a opinião de s. ex.ª, que não sabemos bem qual ella é, e não podemos por isso te-la em grande conta. Por exemplo, o sr. ministro publicou um dia um decreto sobre arrozaes. A sua opinião era pelo decreto. Dias depois suspendeu-o. Mais. Publicou um dia o regulamento das aguas. A sua opinião era de certo pelo regulamento. Tres ou quatro dias depois suspendeu-o precipitadamente. Ainda mais. Trouxe-nos aqui uma vez uma proposta de lei, para celebrar um accordo com a companhia do caminho de ferro do norte para a conclusão da 5.* secção do mesmo caminho, mediante a isenção do imposto de transito por oitenta e seis annos. Declarou-nos aqui o sr. ministro e o sr. Lourenço de Carvalho, relator das commissões, que era áquelle o extremo limite das concessões, que haviam podido obter da companhia. Algum tempo depois o mesmo sr. ministro veiu propor-nos o mesmo accordo, limitando-se a isenção do imposto de transito a trinta e seis annos, o que importa uma reducção de cincoenta annos.

E todas estas mudanças foram feitas com a opinião do illustre ministro!

Rasão temos, pois, para n'estas materias lhe não attribuirmos grande valor.

Disse tambem o sr. ministro da justiça, que a estação em Cacilhas não tinha as condições necessarias para ali se estabelecer a testa dos caminhos de ferro do sul e sueste.

Não serei eu quem responda a esta allegação do sr. ministro. Ha de ser pessoa mais auctorisada e insuspeita.

Tenho diante de mim um requerimento assignado pelo sr. Filippe de Carvalho em que se diz o seguinte:

a O entroncamento chamará de certo a Cacilhas uma grande parte do movimento da linha do sueste, porque o Barreiro, termo d'aquella linha, não tem as vantajosas condições que se dão em Cacilhas...* E mais abaixo: «E sabido de todos os que conhecem as condições que se dão no caminho de ferro de sueste, que o seu movimento será muito maior do que actualmente é logo que o mesmo caminho tenha uma communicação facil e economica com o Tejo.»

É o proprio concessionario aconselhado pelos seus engenheiros, quem diz, que o Barreiro não tem as vantajosas condições que se dão em Cacilhas. Entendam-se pois entre si como quizerem.

Este caminho de ferro concedido ao sr. Filippe de Carvalho n'um dia é muito bom, excellente, ha de produzir grandes vantagens para os seus emprezarios; n'outro dia, não presta; não vale nada; ha de produzir a ruina de quem o construir!

Isto não se comprehende.

O governo ao tratar de uma concessão d'esta ordem, o que primeiro devia fazer, era consultar as corporações especiaes,

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mandar proceder aos indispensaveis estudos, e decidir se a estação terminal do caminho de ferro de sueste deveria ser no Barreiro ou em Cacilhas, ou n'outro qualquer ponto. Fez exactamente o contrario. Começou por onde devera ter acabado. Fez a concessão do caminho de ferro do Pinhal Novo a Cacilhas, antes de fixado o ponto, onde devia ter minar a rede dos caminhos de ferro do sul. O prejudicado foi o estado. (Apoiados.)

Permitta-me si ex.ª que lhe diga, apesar de ser seu amigo, que não posso consideral-o em situação muito agradavel, perante um acto, que não póde attribuir-se senão a demasiado e:indesculpavel favoritismo. (Muitos apoiados.)

Porque não construiu o governo por sua conta o caminho de ferro do Barreiro, ou do Pinhal Novo a Cacilhas, ou a outro posto mais proximo de Lisboa?

Não tinha elle já o material circulante, uma linha de cerca de 300 kilometros, e muito maior credito do que qualquer empreza particular?

Então o sr. Filippe de Carvalho, não tendo nenhum d'estes recursos, vae arruinar-se!!

Pois não seria melhor fazer o governo ò ramal por sua conta?

Pois não seria preferivel que ao menos se fixasse primeiro o ponto mais proprio para se fazer a estação terminal?

Pois as vantagens que o concessionario espera obter, Bem fallar já no mal que póde fazer ao caminho de ferro do estado, não as aproveitaria o governo, fazendo construir o ramal que concedeu ao sr. Carvalho, ou outro, que se aproximasse de Lisboa as vias ferreas do sul e sueste?

É o proprio concessionario quem nos diz no seu já citado requerimento que o ramal do Pinhal Novo ha de chamar a Cacilhas uma grande parte dó movimento dá linha sueste, por isso que a estação do Barreiro não tem as condições vantajosas que se dão em Cacilhas.

N'uma carta que o sr. Filippe de Carvalho publicou ha dias nos jornaes d'esta capital, e que ha pouco foi distribuida aos srs. deputados, diz s. ex.ª que o governo podia a todo o tempo fazer uma linha parallela á que lhe fóra concedida, sem indemnisação alguma.

N'um memorandum que s. ex.ª tambem em tempo publicou, diz porém o seguinte:

«Passarei agora a tratar da questão que ora se suscita a mudança da testa da linha do governo, do Barreiro para Cacilhas, ou fazer-se em Cacilhas segunda testa.

«Principio por ponderar que Cacilhas deve estar fóra da questão desde que me foi concedido o caminho de ferro d'ali para Cezimbra. Bem sabia o governo e bem' sabia a junta consultiva das obras publicas, quando deu o seu parecer unanime, favoravel á concessão que requeri, que em Cacilhas não ha capacidade para duas testas de linha. Mesmo para uma só, que é já minha, não é o espaço demasiado.»

E na carta a que alludi, diz:'

«Que a minha concessão não impede o governo de fazer ou conceder outro ramal ou outra linha em prejuizo das concessões que me foram feitas, porque no decreto de 22 de abril de 1874 e no de 15 de julho de 1875, ha a seguinte cláusula: O concessionario não tem direito a indemnisação alguma por motivo de abertura de novas vias de communicação.»

N'uma parte diz s. ex.ª que o governo tem o direito de fazer quantas linhas parallelas quizer ao caminho que lhe foi concedido; e n'outra parte allega, que o governo não poderá pensar em Cacilhas para testa de ferro, e que ali não lia capacidade para outra linha!

Tambem se disse por parte do concessionario, que a idéa de fazer em Cacilhas a testa de ferro dos caminhos de ferro do sul, só appareceu depois da concessão do caminho de ferro de Cacilhas a Cezimbra.

Não é verdade. Essa idéa está na condição 19.º do contrato de 11 de junho da 1864, nas repetidas instancias da junta de obras publicas para se estudar outro ponto para testa' de linha, diverso do Barreiro, na portaria do 31 de março do 1874, e na proposta do sr. Braamcamp, aqui apresentada era 1875.

Diz se ainda, que as obras, a que se e3tá procedendo no Barreiro, melhorando consideravelmente a estação, afastam todo o receio de concorrencia seria ás linhas do estado. E possivel. Não sou competente para decidir este ponto. Mas quem auctorisou o governo a emprehender essas obras? Já se resolveu que fosse ali a estação terminus? Como, e quando se resolveu?. Porque se fizeram, ou te estão fazendo taes obras?

A este respeito fornece-nos muita luz um impresso do concessionario, ha pouco distribuido, onde vem publicada uma carta do Barreiro, na qual se lê o seguinte:

«Todavia convem confessar que havia apprehensões sobre o ramal para Cacilhas e quando se via o Barreiro ameaçado nos seus interessei, parecia sentir se a falta do um protector esforçado e poderoso, como fóra o benemerito sr. Joaquim Antonio de Aguiar, e julgava se que não havia quem o substituisse. Mas houve felizmente, pois que nunca faltou um bom advogado a boa e justa causa. O sr. dr. Pedro Barroso, genro do esclarecido ministro o sr. Corvo, tomou a peito a salvação do Barreiro, e cremos que para a acertadíssima resolução do governo em melhorar a estação do Barreiro, bastante devia' influir, tanto a opinião de s. ex.ª como as solicitações dos zelosos e honrados directores da companhia de minas do Alemtejo, que furam incansáveis em pedir os melhoramentos no Barreiro.»

Felizmente nunca faltou um bom advogado a uma ruim causa. Foi o sr. Barroso quem tomou a peito a salvação do Barreiro, que esteve seriamente ameaçado por Cacilhas! Veja V. ex.ª: se não é o sr. Barroso, genro do sr. ministro da marinha, lá se ía o Barreiro. (Riso.)

Está pois explicado o caso.

Sr. presidente, no impresso que o sr. Carvalho ha dias vez aqui distribuir, expõe differentes considerações para mostrar as vantagens que hão de resultar ao paiz da construcção do caminho de ferro de Cacilhas a Cezimbra com o ramal do Pinhal Novo. Calcula era 11:000$000 réis diminuição da despeza que póde soffrer o caminho de ferro de sueste com a construcção do caminho que lhe foi concedido; mas diz que esta perda será compensada com o augmento de receita, que o seu ramal ha de trazer á linha, com o rendimento do imposto de transito, e com o augmento do valor da propriedade nos concelhos de Almada, Cezimbra, etc..

A isto faço uma simples observação. E se o estado fizesse este ramal por sua conta, não lucraria todas estas vantagens?

Mas ha mais alguma cousa. O sr. Filippe de Carvalho descobre grandes vantagens na construcção do seu projectado caminho, como, por exemplo, o transporte das madeiras; diz que ha ali matas, arvoredos, pedreiras, e até que ha um aquarium em Albufeira, e que por conseguinte aquelle caminho deve ter grande movimento e produzir ex-cellente3 resultados.

Mas, pergunto eu, se o governo fizesse este caminho por sua conta, as pedreiras desappareciam? As matas e os arvoredos emigravam? O aquário e os peixes fugiam para o Oceano? Por que é que só o sr. Filippe de Carvalho ha de gosar d'estas vantagens?

Sr. presidente, eu não quero demorar-me por mais tempo n'esta questão, nem o estado da minha saude m'o permitte. Sei que estas observações não podem agradar á maioria, mas entendi que a minha situação na camara me obrigava a expô-las, e a declarar franca e abertamente que não posso approvar o inqualificavel procedimento do governo n'este assumpto.

Esta concessão, por qualquer lado que se encare, ha de ficar uma nodoa indelevel nos annaes da actual adminis-

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tração. A historia e a opinião publica hão de qualifica-la como merece. O paiz ha de fazer-nos justiça a todos (apoiados).

Como questão de moralidade, esta concessão é um acto de inqualificavel favoritismo.

Como questão de legalidade, já mostrei que as leis do paiz foram directamente offendidas. O decreto de 31 de dezembro de 1864 entrega ao parlamento a resolução definitiva d'estes assumptos.

Como questão de conveniencia publica, creio ter mostrado que n'esta concessão foram offendidos importantissimos interesses do estado. (Apoiados.)

Vote a camara como quizer. A maioria póde estar do lado do governo; mas o numero não dá rasão. (Apoiados.)

Rasão ha de da la o paiz a quem a tiver.

As nações pequenas, mais do que os grandes e poderosos estados, carecem de manter pura a sua administração, immaculado o seu credito, elevado o nivel da moralidade, vivos e energicos no coração do povo os sentimentos de abnegação e de patriotismo. (Apoiados.)

Se perdem a noção do dever, se se engoliam no pegão

da immoralidade, se deixam que a indifferença geral e o egoismo das má3 paixões apaguem nas consciencias todos os estimulos do bem, todo o criterio da justiça, ai d'ellas e ai dos governos que as encaminharam a esse abysmo da irremediavel perdição. (Apoiados. — Muito bem, muito bem.)

(O orador foi comprimentado por grande numero de srs. deputados.)

O sr. Manuel d'Assumpção: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Teixeira de Vasconcellos: — Requeiro a V. ex.ª que sejam aggregados á commissão diplomatica os srs. Ferreira de Mesquita e Julio de Vilhena, sendo um d'estes srs. deputados para tratar de assumptos do commercio, o outro de questões de direito.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã & a continuação da que vinha para hoje.

Está levantada a sessão. Eram cinco horas da tarde.

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