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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
d'esta casa costumam dar pareceres sobre os negocios que lhes são affectos; e por isso a commissão do regimento ha de dar parecer sobre esta proposta.
Era isto o que tinha a dizer, e lamento que s. ex.ª, por uma aberração a que nós não estamos acostumados, viesse censurar as commissões.
O sr. presidente preveniu-me ácerca do resto; e nada mais tenho a dizer para sustentar a minha proposta, pedindo a v. ex.ª que a submetta á votação.
O sr. Francisco de Albuquerque: — Peço a palavra.
O sr. Presidente: — Em virtude do artigo 84.° do regimento não posso dar a palavra ao sr. Francisco de Albuquerque pela terceira vez.
Tem a palavra o sr. Mariano do Carvalho.
O sr. Mariano de Carvalho: — Pedi a palavra para desfazer uma illusão grave em que está o meu illustre collega, o sr. Luiz de Lencastre, suppondo que todas as vezes que se apresentar uma proposta para se modificar ou alterar o regimento, ha de necessariamente ir á commissão.
Se v. ex.ª se desse ao incommodo de ver o regimento que precedeu o actual, havia de ver n'elle duzias de modificações que foram aqui approvadas, sem irem a commissão alguma de regimento. E o actual, se não tem modificações, é porque começou agora a vigorar, e não houve tempo para as fazer.
O facto é que se têem feito duzias de alterações no regimento sem ser necessario irem á commissão.
Como quer o illustre deputado que todas as vezes que alterâmos o regimento elle vá á commissão, quando estamos aqui todos os dias a alteral-o?
Uma voz: — Isso é a dispensa.
O Orador: — Dispensar não é alterar?
O regimento, por exemplo, como agora aconteceu com o sr. Francisco de Albuquerque, prohibe que um deputado falle tres vezes sobre um assumpto; a camara tem votado muitas vezes para que se dê a palavra pela terceira vez; pergunto, não é isto alterar o regimento?
Uma voz: — Não é alterar, é dispensar.
O Orador: — Não me prezo de ser grande sabedor na lingua portugueza, mas creio que quando a lei estatue uma cousa e é substituida pelo contrario, não ha alteração?
(Interrupção.)
O melhor é mandar vir para a camara alguns diccionarios da lingua portugueza para se resolver esta importantissima questão. Creio que o senso commum não póde deixar de estar do lado da interpretação que eu dou.
Não preciso dizer mais sobre este assumpto.
Não me opponho a que a proposta vá á commissão do regimento; mas o que eu desejo é que v. ex.ª declare de um modo peremptorio e claro, e que nos não deixe em duvida, emquanto a commissão do regimento não der parecer, se pedindo qualquer deputado antes da ordem do dia a palavra sobre a ordem ou para um requerimento, tem preferencia sobre os outros collegas. Isto é que é preciso fixar, emquanto a commissão do regimento, meditando sobre este assumpto em sua alta sabedoria, não tomar a resolução mais consentanea, estudando mesmo com attenção profunda os classicos da lingua, e, se for necessario, consultando mesmo a academia real das sciencias sobre este ponto. Repito, o que peço é que v. ex.ª declare, de modo que não deixe duvida nenhuma, se a palavra pedida sobre a ordem antes da ordem do dia, prefere á palavra pedida de qualquer outro modo.
O sr. Manuel d’Assumpção: — Não quero discutir a alteração que o sr. Mariano de Carvalho deseja que se faça no regimento, venho simplesmente rebater uma phrase que s. ex.ª soltou, e foi talvez um descuido de linguagem, que não é muito para estranhar que lhe escapasse, quando s. ex.ª confundia na linguagem portugueza alterar e revogar com dispensar.
S. ex.ª, respondendo a uma observação feita d'este lado, disse que o senso commum estava do lado da sua apreciação, e não com os que a impugnavam.
S. ex.ª póde avaliar as suas apreciações como muito bem lhe aprouver; julga de si e da sua causa, não tenho nada a dizer; quando porém a apreciação que s. ex.ª fizer for uma censura aos que pensam de outro modo, corre a estes obrigação restricta de vir justificar a maneira por que pensam.
O senso commum... o bom senso dos que sabem fallar portuguez e conhecem a linguagem portugueza, a linguagem juridica, a linguagem que se deve usar nas casas do parlamento, não confunde de modo nenhum alterar com dispensar. (Apoiados.)
Dispensa-se o regimento sem o alterar, quando por causa de um facto isolado a camara determina que se não cumpra alguma disposição do regimento, porque é conveniente n'aquelle momento fazer uma cousa diversa do que elle dispõe com referencia unicamente aquelle caso; altera-se o regimento quando se modifica alguma das suas disposições, mas de modo que esta alteração fica permanente, constante e ha de regular e vigorar emquanto vigorar o regimento, ou não for alterado.
Para conhecer esta differença não é preciso consultar classicos nem a academia das sciencias; ha de entender-se assim sempre onde se falle a lingua portugueza; e é para admirar que um litterato de primeira plana, um professor da primeira categoria, estranhe esta linguagem, quando para a conhecer, não é preciso estudar o padre Antonio Vieira, basta consultar a linguagem do Diario do governo, que usa d'ella todos os dias. (Apoiados.)
Era isto que desejava dizer a s. ex.ª simplesmente, não para lhe irrogar censura, mas para a desviar de cima de mim, que fui um dos que fiz aquella observação á... e aqui estou eu embaraçado em linguagem portugueza, sem encontrar o termo proprio para designar a invocação que s. ex.ª fez ao senso commum, quando bastava examinar a propriedade e diversidade d'aquelles termos em boa linguagem portugueza...
Embora, isso nada vale; o meu desejo é só que fique certificado que têem senso commum os que dizem que alterar o regimento e dispensar o regimento são cousas diversas.
Vozes: — Muito bem.
O sr. Mariano de Carvalho: — Parece-me sobretudo muito util e muito necessaria esta discussão...
O sr. Manuel d'Assumpção: — V. ex.ª é que a levantou. (Apoiados.)
O Orador: — Eu não levantei nada; v. ex.ªs é que me interromperam e estabeleceram para ahi uma distincção casuistica. Devo apenas dizer a v. ex.ª...
(Susurro nas galerias.)
O sr. Presidente: — Peço ao sr. deputado que tenha a bondade de interromper o seu discurso, porque desejo que se faça a leitura de um artigo do regimento.
O sr. Secretario (Pereira Carrilho): — (Lendo):
«Artigo 188.° O presidente deverá advertir os espectadores quando nas galerias houver algum rumor, ou for dado qualquer signal de approvação ou desapprovação.
«§ unico. Se esta advertencia não for sufficiente, deverá o presidente mandar despejar a galeria ou galerias em que se houverem infringido as disposições policiaes d’este regimento.»
O sr. Presidente: — Ficam prevenidas as galerias.
O sr. deputado Mariano de Carvalho póde continuar o seu discurso.
O Orador: — São apenas duas palavras.
Foi o illustre deputado o sr. Manuel d’Assumpção que confirmou no seu eloquente improviso que o bom senso e o senso commum estão da minha parte.
O que s. ex.ª quiz explicar foi que dispensar o regi-
Sessão de 30 de janeiro de 1879.