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SESSÃO DE 30 DE JANEIRO DE 1879
Presidencia do ex.mo sr. Francisco Joaquim da Costa e Silva
Secretarios - os srs.
Antonio Maria Pereira Carrilho
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita
SUMMARIO
Discute-se uma proposta do sr. Mariano de Carvalho para se dar preferencia á palavra pedida sobre a ordem, antes da ordem do dia, sobre a palavra pedida sem designação; é enviada á commissão do regimento. - Recebidos os trabalhos da commissão parlamentar, eleita na ultima sessão legislativa, para syndicar ácerca das obras da penitenciaria central de Lisboa, o sr. Luciano de Castro propõe que sejam publicados alguns d'esses trabalhos no Diario da camara. Move-se longa discussão sobre o assumpto, e é approvada a proposta, com um additamento do sr. Manuel d’Assumpção, para serem publicados todos elles conjunctamente em um unico numero do Diario da camara ou em volume separado.
Abertura — Ás duas horas e um quarto da tarde.
Presentes á chamada. 67 srs. deputados.
Presentes á abertura da sessão — Os srs.: Carvalho e Mello, Fonseca Pinto, Silva Fevereiro, Tavares Lobo, Sousa Leitão, Anselmo Braamcamp, Alberto Carneiro, Gonçalves Crespo, A. J. d'Avila, Carrilho, Pedroso dos Santos, Ferreira de Mesquita, Pereira Leite, Victor dos Santos, Zeferino Rodrigues, Avelino de Sousa, Barão de Ferreira dos Santos, Sousa Carvalho, Sanches de Castro, Diogo de Macedo, Moreira Freire, Costa Moraes, Firmino Lopes, Vieira das Neves, Francisco de Albuquerque, Mesquita e Castro Fonseca Osorio, Gomes Teixeira, Francisco Costa, Pavão, Van-Zeller, Arouca, Freitas Oliveira, Brandão e Albuquerque, Scarnichia, Ferrão Castello Branco, Sousa Machado, Almeida e Costa, J. J. Alves, Ornellas, Sousa Gomes, Laranjo, Pereira da Costa, Figueiredo de Faria, Namorado, Rodrigues de Freitas, José Luciano, Teixeira de Queiroz, J. M. Borges, Sousa Monteiro, Sá Carneiro, Julio de Vilhena, Luiz de Lencastre, Bivar, Faria e Mello, Manuel d’Assumpção, Pires de Lima, Rocha Peixoto (Manuel), Aralla e Costa, Nobre de Carvalho, Mariano de Carvalho, Gonçalves Pereira, Tudella de Sousa Napoles, Pedro Augusto Correia da Silva, Jacome Correia, Visconde da Aguieira, Visconde de Balsemão, Visconde de Sieuve de Menezes.
Entraram durante a sessão — Os srs.: Adolpho Pimentel, Adriano Machado, Osorio de Vasconcellos, Alfredo de Oliveira, Rocha Peixoto (Alfredo), Pereira de Miranda, Sá Brandão, Barros e Sá, Arrobas, Pinto de Magalhães, Neves Carneiro, Saraiva de Carvalho, Emygdio Navarro, Goes Pinto, Hintze Ribeiro, Filippe de Carvalho, Mouta e Vasconcellos, Guilherme de Abreu, Paula Medeiros, Silveira da Mota, Jayme Pinto, Anastacio de Carvalho, Melicio, Barros e Cunha, Joaquim Neves, Dias Ferreira, Tavares de Pontes, Ferreira Freire, J. M. dos Santos, Lopo Vaz, Luiz de Macedo, Freitas Branco, Correia de Oliveira, Souto Maior, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Miranda Montenegro, Pedro Barroso, Pedro Roberto, Rodrigo de Menezes, Visconde de Andaluz, Visconde da Arriaga, Visconde de Moreira do Rey, Visconde do Rio Sado, Visconde de Villa Nova da Rainha.
Não compareceram á sessão — Os srs.: A. J. Teixeira, Telles de Vasconcellos, Serpa Pimentel, Augusto de Mendonça, Cazimiro Ribeiro, Conde da Foz, Palma, Jeronymo Pimentel, Gomes de Castro, Matos Correia, Guilherme Pacheco, Mello Gouveia, Carvalho e Menezes, Barbosa du Bocage, Lourenço de Carvalho, Garrido, Mota Veiga, M. J. de Almeida, Alves Passos, Joaquim Gomes, Pedro Carvalho, Julio Ferraz, Thomás Ribeiro, Visconde da Azarujinha.
Acta — Approvada.
EXPEDIENTE
Officios
1.° Do ministerio do reino, acompanhando a acta de apuramento do circulo de Mapuçá e os dois mappas do apuramento geral de votos para deputado pelo mesmo circulo.
Enviado á commissão de poderes.
2.º Do presidente da commissão parlamentar de syndicancia, á penitenciaria central de Lisboa, participando que a commissão resolvêra, por maioria, dissolver-se, e por unanimidade enviar á camara todos os seus trabalhos.
Ficou sobre a mesa para ser enviado á commissão de syndicancia quando for eleita.
3.° Do secretario da mesma commissão, remettendo os papeis d'ella.
Ficou sobre a mesa para ter o mesmo destino.
Representações
1.° Da junta de parochia da matriz de Santa Catharina, da villa da Calheta, na ilha de S. Jorge, pedindo que seja augmentada no orçamento do estado a congrua do parocho da mesma freguezia e igualada á do vigario da matriz das Velas.
Apresentada pelo sr. deputado visconde de Sieuve de Menezes e enviada á commissão de fazenda, ouvida a dos negocios ecclesiasticos.
2.ª Dos habitantes da freguezia do Norte Grande, na ilha de S. Jorge, districto de Angra de Heroismo, pedindo que seja criado na sua freguezia um juizo ordinario.
Apresentada pelo sr. deputado visconde de Sieuve de Menezes. Remettida á commissão de legislação civil, ouvidas as de estatistica e de fazenda.
O sr. Presidente: — Acha-se nos corredores da camara o sr. deputado Alfredo Cesar de Oliveira. Convido os srs. vice secretarios a introduzil-o na sala para prestar juramento.
Foi introduzido na sala e prestou juramento.
O sr. Presidente: — Vae ter segunda leitura uma proposta apresentada pelo sr. Mariano de Carvalho na sessão de hontem, que vou propol-a á admissão.
Leu-se a seguinte
Proposta
Proponho que, como addicionamento ao regimento, se inclua a seguinte disposição:
«Antes da ordem do dia a palavra sobre a ordem tem a preferencia sobre a palavra pedida sem designação.» = Mariano de Carvalho.
Foi admittida e entrou em discussão.
O sr. Francisco de Albuquerque: — Não me levanto para impugnar esta proposta, mas unicamente para fazer bem saliente que tendo o meu illustre collega e amigo o sr. visconde de Sieuve de Menezes pedido a palavra sobre a ordem, antes da ordem do dia, preteriu por esse motivo os deputados que estavam inscriptos, e fui eu um d'elles, ficando em parte prejudicada uma proposta que eu tencionava apresentar pela proposta que s. ex.ª apresentou.
V. ex.ª consultou a camara para resolver se sim ou não se deveria conceder a palavra sobre a ordem antes da ordem do dia ao illustre deputado, e a camara resolveu afirmativamente, preterindo assim os deputados que estavam inscriptos, estabelecendo o principio de que antes da ordem se póde pedir a palavra sobre a ordem.
V. ex.ª, para provar a opinião em que estava de que
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effectivamente assim devia ser, citou o artigo 90.° do regimento, que a meu ver, como já hontem disse, não tinha applicação a esta hypothese; no emtanto a camara assim o resolveu.
Ora, tendo eu sido demorado por não ter apresentado a proposta mais cedo, quando o podia ter feito, devo declarar que a culpa não foi minha, porque, se tivesse dado a palavra regularmente aos oradores que estavam inscriptos antes da ordem do dia, eu de certo a teria apresentado primeiro.
O que eu quero é tornar bem saliente este facto.
Declaro que me é tão indiferente votar a favor, como contra a proposta; mas o que eu desejo é que fique bem assente esta jurisprudencia, para que nós saibamos os direitos que compelem a cada um de nós e para que não estejamos aqui á mercê da vontade de v. ex.ª, embora na melhor intenção ou da maioria.
O sr. Visconde de Sieuve de Menezes: — V. ex.ª está enganado. Eu estava inscripto immediatamente ao sr. Bivar.
O Orador: — O que digo é que eu fui dos primeiros a pedir a palavra, e ella não me foi concedida, e se o illustre deputado fallou n'aquella occasião, é porque tinha pedido a palavra sobre a ordem. (Apoiados.) Eu lembro-me bem de o ter ouvido pedir a palavra sobre a ordem. (Apoiados.)
Do contrario, para que era necessaria a resolução da camara para lhe conceder a palavra?
O que eu desejo, repito, é tornar bem saliente que houve uma resolução da camara para se dar a palavra antes da ordem do dia a quem a pedisse sobre a ordem.
Em harmonia com este pensamento, e para que isto podesse ficar consignado no regimento, ou ficasse como regulamento, embora não fique no regimento, é que me parece que o sr. Mariano de Carvalho apresentou a proposta que se discute.
Devo dizer a v. ex.ª, sr. presidente, que, nas palavras que tenho proferido, nem de longe quero irrogar a v. ex.ª censura, porque não duvido de fórma alguma da rectidão das suas intenções. (Apoiados.)
Desejo tirar de mim responsabilidades que me não pertencem. Não apresentei a proposta mais cedo, porque não me foi concedida a palavra; respeito as decisões da camara, quaesquer que ellas sejam, mas desejo que fiquem bem consignados os direitos que cada um de nós tem n'esta casa. (Apoiados.)
O sr. Luiz de Lencastre: — Eu não me levanto, nem para defender nem para combater a proposta do meu illustre amigo o sr. deputado Mariano de Carvalho; ella tem por fim uma interpretação do regimento; e desde o momento em que foi apresentada não póde ter outro seguimento que não seja mandal-a á commissão do regimento, esta dar o seu parecer, e depois a camara resolver sobre ella o que for mais acertado, para que v. ex.ª fique habilitado a dirigir os trabalhos como deve dirigir, e a camara seguir o melhor caminho.
Mando para a mesa uma proposta n'este sentido.
Proposta
Proponho que a proposta do sr. deputado Mariano de Carvalho seja remettida á commissão do regimento. = Luiz de Lencastre.
Foi admittida e ficou conjunctamente em discussão.
O sr. Francisco de Albuquerque: — Eu já quasi que esperava que o illustre deputado, ou qualquer outro membro da maioria, apresentasse a proposta que ouvi enunciar, porque no meu modo de ver o regimento não auctorisa que se dê antes da ordem do dia a palavra sobre a ordem. Pois como se ha de dar a palavra sobre a ordem, se não ha essa ordem? Ha de se dar a palavra sobre o que não existe? Não póde ser. (Apoiados.)
O que é certo é que a maioria não precisou hontem de consultar a respectiva commissão para dar a palavra ao sr. deputado que a pediu, e admira-me muito que hoje precise de esclarecimentos que hontem dispensou, e dispensou preterindo aquelles que eu entendo que tinham direito a fallar primeiro.
Ora, se a maioria entende que é conveniente que a proposta vá a uma commissão, eu ao menos preciso que v. ex.ª, sr. presidente, me diga qual a lei em que vivemos (Apoiados.); preciso que daqui até que a commissão dê o seu parecer haja uma disposição que regule, e que v. ex.ª nos diga, e mande ler na mesa, qual a disposição do regimento que vigora, e se sim ou não se póde dar a palavra sobre a ordem antes da ordem do dia.
Nós bem sabemos que o fim d'essa proposta que se apresentou agora é para não apparecer mais esta questão.
Vae a proposta do sr. Mariano para a commissão e lá fica.
O sr. Luiz de Lencastre: — Está enganado.
O Orador: - Estarei, mas eu julgo que não.
Como seria uma contradicção flagrante votar hontem a maioria que se desse a palavra a um sr. deputado sobre a ordem antes da ordem do dia, e votar hoje que o regimento não dispõe que se dê a palavra sobre a ordem antes da ordem do dia, é realmente muito commodo mandar o negocio para a commissão, para lá morrer.
Parece-me que para boa direcção dos trabalhos deve v. ex.ª mandar ler as disposições do regimento que regulam esta materia, para que nós todos fiquemos sabendo se sim ou não é permittido ter a palavra sobre a ordem antes da ordem do dia, preterindo os oradores inscriptos sem aquella indicação; porque, ainda, mesmo que a commissão tencione dar parecer, d'aqui até lá estamos na incerteza da lei que nos rege.
E, portanto, e por ultimo, parece-me que independentemente de qualquer deliberação da camara, v. ex.ª póde dizer qual a interpretação que dá ao regimento, ou qual a pratica, que quer estabelecer e seguir d'aqui em diante.
Peço a v. ex.ª que mande ler na mesa as disposições do regimento relativas a este assumpto.
O sr. Presidente: — Eu, acquiescendo ao convite do sr. deputado para mandar ler as disposições do regimento relativas a este assumpto, direi que o artigo 90.° diz que «alem das inscripções geraes, de que trata o artigo 86.°, haverá outras para se apresentarem requerimentos, propostas de urgencia e moções de ordem.
O § unico diz: «Os requerimentos, ou sejam verbaes ou por escripto, não podem ser motivados. Se o forem, não poderá o presidente submettel-os á decisão da camara».
Estas disposições é que ficam regulando para antes da ordem do dia.
Agora, como explicação ao sr. deputado, direi que confirmo o que o sr. deputado visconde de Sieuve de Menezes disse a s. ex.ª, isto é, que era o segundo inscripto para fallar.
Se o sr. deputado quizer verificar, com os seus proprios olhos, estas asserções, convido-o a vir á mesa ler a inscripção.
O sr. Luiz de Lencastre: — Quando fallei da primeira vez não quiz discutir, nem combater, nem sustentar a proposta do meu amigo o sr. Mariano do Carvalho.
Desde o momento que se apresenta uma proposta que tem por fim interpretar, revogar ou alterar o regimento d'esta casa, seja ella qualquer que for, não póde deixar de ir á commissão do regimento.
Sinto que o meu amigo o sr. Francisco de Albuquerque, que tanta consideração tem mostrado sempre pelos membros das commissões d'esta casa, viesse lançar agora labéu sobre a commissão do regimento, o que ella não merece.
Uma voz: — Que não existe.
O Orador: — Que não existe, mas que existirá.
O sr. Francisco de Albuquerque sabe que as commissões
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d'esta casa costumam dar pareceres sobre os negocios que lhes são affectos; e por isso a commissão do regimento ha de dar parecer sobre esta proposta.
Era isto o que tinha a dizer, e lamento que s. ex.ª, por uma aberração a que nós não estamos acostumados, viesse censurar as commissões.
O sr. presidente preveniu-me ácerca do resto; e nada mais tenho a dizer para sustentar a minha proposta, pedindo a v. ex.ª que a submetta á votação.
O sr. Francisco de Albuquerque: — Peço a palavra.
O sr. Presidente: — Em virtude do artigo 84.° do regimento não posso dar a palavra ao sr. Francisco de Albuquerque pela terceira vez.
Tem a palavra o sr. Mariano do Carvalho.
O sr. Mariano de Carvalho: — Pedi a palavra para desfazer uma illusão grave em que está o meu illustre collega, o sr. Luiz de Lencastre, suppondo que todas as vezes que se apresentar uma proposta para se modificar ou alterar o regimento, ha de necessariamente ir á commissão.
Se v. ex.ª se desse ao incommodo de ver o regimento que precedeu o actual, havia de ver n'elle duzias de modificações que foram aqui approvadas, sem irem a commissão alguma de regimento. E o actual, se não tem modificações, é porque começou agora a vigorar, e não houve tempo para as fazer.
O facto é que se têem feito duzias de alterações no regimento sem ser necessario irem á commissão.
Como quer o illustre deputado que todas as vezes que alterâmos o regimento elle vá á commissão, quando estamos aqui todos os dias a alteral-o?
Uma voz: — Isso é a dispensa.
O Orador: — Dispensar não é alterar?
O regimento, por exemplo, como agora aconteceu com o sr. Francisco de Albuquerque, prohibe que um deputado falle tres vezes sobre um assumpto; a camara tem votado muitas vezes para que se dê a palavra pela terceira vez; pergunto, não é isto alterar o regimento?
Uma voz: — Não é alterar, é dispensar.
O Orador: — Não me prezo de ser grande sabedor na lingua portugueza, mas creio que quando a lei estatue uma cousa e é substituida pelo contrario, não ha alteração?
(Interrupção.)
O melhor é mandar vir para a camara alguns diccionarios da lingua portugueza para se resolver esta importantissima questão. Creio que o senso commum não póde deixar de estar do lado da interpretação que eu dou.
Não preciso dizer mais sobre este assumpto.
Não me opponho a que a proposta vá á commissão do regimento; mas o que eu desejo é que v. ex.ª declare de um modo peremptorio e claro, e que nos não deixe em duvida, emquanto a commissão do regimento não der parecer, se pedindo qualquer deputado antes da ordem do dia a palavra sobre a ordem ou para um requerimento, tem preferencia sobre os outros collegas. Isto é que é preciso fixar, emquanto a commissão do regimento, meditando sobre este assumpto em sua alta sabedoria, não tomar a resolução mais consentanea, estudando mesmo com attenção profunda os classicos da lingua, e, se for necessario, consultando mesmo a academia real das sciencias sobre este ponto. Repito, o que peço é que v. ex.ª declare, de modo que não deixe duvida nenhuma, se a palavra pedida sobre a ordem antes da ordem do dia, prefere á palavra pedida de qualquer outro modo.
O sr. Manuel d’Assumpção: — Não quero discutir a alteração que o sr. Mariano de Carvalho deseja que se faça no regimento, venho simplesmente rebater uma phrase que s. ex.ª soltou, e foi talvez um descuido de linguagem, que não é muito para estranhar que lhe escapasse, quando s. ex.ª confundia na linguagem portugueza alterar e revogar com dispensar.
S. ex.ª, respondendo a uma observação feita d'este lado, disse que o senso commum estava do lado da sua apreciação, e não com os que a impugnavam.
S. ex.ª póde avaliar as suas apreciações como muito bem lhe aprouver; julga de si e da sua causa, não tenho nada a dizer; quando porém a apreciação que s. ex.ª fizer for uma censura aos que pensam de outro modo, corre a estes obrigação restricta de vir justificar a maneira por que pensam.
O senso commum... o bom senso dos que sabem fallar portuguez e conhecem a linguagem portugueza, a linguagem juridica, a linguagem que se deve usar nas casas do parlamento, não confunde de modo nenhum alterar com dispensar. (Apoiados.)
Dispensa-se o regimento sem o alterar, quando por causa de um facto isolado a camara determina que se não cumpra alguma disposição do regimento, porque é conveniente n'aquelle momento fazer uma cousa diversa do que elle dispõe com referencia unicamente aquelle caso; altera-se o regimento quando se modifica alguma das suas disposições, mas de modo que esta alteração fica permanente, constante e ha de regular e vigorar emquanto vigorar o regimento, ou não for alterado.
Para conhecer esta differença não é preciso consultar classicos nem a academia das sciencias; ha de entender-se assim sempre onde se falle a lingua portugueza; e é para admirar que um litterato de primeira plana, um professor da primeira categoria, estranhe esta linguagem, quando para a conhecer, não é preciso estudar o padre Antonio Vieira, basta consultar a linguagem do Diario do governo, que usa d'ella todos os dias. (Apoiados.)
Era isto que desejava dizer a s. ex.ª simplesmente, não para lhe irrogar censura, mas para a desviar de cima de mim, que fui um dos que fiz aquella observação á... e aqui estou eu embaraçado em linguagem portugueza, sem encontrar o termo proprio para designar a invocação que s. ex.ª fez ao senso commum, quando bastava examinar a propriedade e diversidade d'aquelles termos em boa linguagem portugueza...
Embora, isso nada vale; o meu desejo é só que fique certificado que têem senso commum os que dizem que alterar o regimento e dispensar o regimento são cousas diversas.
Vozes: — Muito bem.
O sr. Mariano de Carvalho: — Parece-me sobretudo muito util e muito necessaria esta discussão...
O sr. Manuel d'Assumpção: — V. ex.ª é que a levantou. (Apoiados.)
O Orador: — Eu não levantei nada; v. ex.ªs é que me interromperam e estabeleceram para ahi uma distincção casuistica. Devo apenas dizer a v. ex.ª...
(Susurro nas galerias.)
O sr. Presidente: — Peço ao sr. deputado que tenha a bondade de interromper o seu discurso, porque desejo que se faça a leitura de um artigo do regimento.
O sr. Secretario (Pereira Carrilho): — (Lendo):
«Artigo 188.° O presidente deverá advertir os espectadores quando nas galerias houver algum rumor, ou for dado qualquer signal de approvação ou desapprovação.
«§ unico. Se esta advertencia não for sufficiente, deverá o presidente mandar despejar a galeria ou galerias em que se houverem infringido as disposições policiaes d’este regimento.»
O sr. Presidente: — Ficam prevenidas as galerias.
O sr. deputado Mariano de Carvalho póde continuar o seu discurso.
O Orador: — São apenas duas palavras.
Foi o illustre deputado o sr. Manuel d’Assumpção que confirmou no seu eloquente improviso que o bom senso e o senso commum estão da minha parte.
O que s. ex.ª quiz explicar foi que dispensar o regi-
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mento é alteral-o momentaneamente, o alterar o regimento é modifical-o definitivamente. (Apoiados:)
Por consequencia, em todo o caso é alteral-o. (Apoiados.) Quer seja temporariamente, quer seja definitivamente, sempre é alteral-o. (Apoiados.) Mas não vale a pena continuar com esta questão.
O sr. Pires de Lima, (para um requerimento): — Requeiro que seja consultada a camara sobre se julga discutida esta importante materia. (Apoiadas.)
Julgada a materia discutida, foi approvada a proposta do sr. Luiz da Lencastre, e remettida á commissão do regimento a proposta do sr. Mariano de Carvalho.
O sr. Luciano de Castro: — V. ex.ª e a camara devem estar certos de que eu hontem declarei que, qualquer que fosse a resolução que houvessem de tomar os meus collegas sobre a nomeação de uma commissão para continuar os trabalhos da commissão de inquerito á penitenciaria, que se julgou dissolvida, eu fazia, depender a minha, acceitação, se porventura me fizessem a honra de me reconduzir d'essa commissão, da deliberação que se tomasse sobre a publicação dos documentos e relatorios mandados pela dissolvida commissão a esta casa.
Hoje a mesa deu conhecimento á camara, por occasião da leitura do expediente, do officio do sr. Mello Gouveia, ex-presidente da commissão dissolvida, que acompanha os documentos, trabalhos e relatorios d’aquella commissão, visto que ella resolveu na sua ultima sessão mandal-os a esta camara.
Não sei qual é o destino que v. ex.ª tenciona dar-lhes. É provavel que esses trabalhos hajam de ser remettidos á commissão que se vae nomear, mas é agora occasião de eu requerer a v. ex.ª, como hontem annunciei, para que esta camara seja consultada sobre a publicação de todos os relatorios, dos que são firmados pelas differentes sub-commissões em que a commissão se dividiu e dos que foram apresentados pelos relatores especiaes (Apoiados.), para que o publico possa ter conhecimento do andamento dos trabalhos da commissão. (Apoiados.)
Escusado é justificar longamente a conveniencia do meu requerimento, ou da minha proposta, como v. ex.ª quizer chamar-lhe.
Aquella commissão foi nomeada pela camara transacta, e, como hontem afiançaram a esta camara dois dos seus mais illustres e distinctos membros, trabalhou quanto pôde, quanto cabia nas suas forças.
Eu por mim fui talvez dos que menos trabalharam, mas ainda assim procurei desempenhar-me tão cabalmente como as minhas forças o permittiam, dos encargos que me foram distribuidos.
Fôra-me distribuido o exame dos contratos celebrados pela antiga direcção das obras da penitenciaria com o engenheiro João Burnay.
V. ex.ª sabe que esses contratos tinham dado logar a uma larga e violenta discussão n'esta camara, por terem sido rescindidos por uma portaria de 3 de julho de 1877, firmada pelo sr. João Gualberto de Barros e Cunha. Já vê v. ex.ª que a commissão que fôra nomeada para syndicar da administração das obras da penitenciaria não podia deixar de occupar-se d'elles.
Apresentei o resultado dos meus trabalhos tão depressa quanto pude.
O meu relatorio, porque o tempo faltou e não foi possivel sujeital-o ao exame da sub-commissão a que eu pertencia, resolveu a commissão plena que fosse logo impresso e distribuido por todos os seus membros.
Se a camara resolver não dar publicidade aos trabalhos da commissão, pela minha parte declaro a v. ex.ª que hei de mandar para a mesa aquelle relatorio, e requerer a esta camara a sua publicação na folha official ou no Diario da camara.
Se a camara resolver, como espero, dar publicidade a todos esses trabalhos, então abster-me-hei de fazer aquelle requerimento. E declaro a v. ex.ª que ainda que a camara resolva não dar publicidade nem a todos os trabalhos, nem ao meu, como já disse na ultima sessão da commissão, para mim acabou todo o segredo com relação a este assumpto, e portanto procurarei dar publicidade a esses trabalhos pela maneira que me for possivel, porque entendo que é obrigação minha dizer ao paiz a maneira como me desempenhei das graves funcções de que fui encarregado. (Apoiados.)
Nem eu creio que a publicação dos trabalhos da commissão dissolvida possa implicar de alguma maneira com o desempenho do mandato confiado á commissão que a camara resolveu hontem nomear. (Apoiados.)
Folgo de ouvir apoiados de alguns dos meus illustres collegas da maioria, porque elles significam que s. ex.ªs sinceramente concordam com os meus desejos e com os d'aquelles que entendem que, para sempre e de vez, se deve fazer luz sobre uma questão tão seria, tão grave e tão importante. (Apoiados.)
O meu requerimento é para que v. ex.ª consulte a camara sobre se permitte que sejam publicados os documentos a que me refiro.
Peço que a publicação seja feita no Diario da camara, porque me parece que será mais facil do que no Diario do governo, onde é verdade teria mais publicidade, mas segundo sou informado por pessoa competente, com maior demora.
Limito-me, pois, a pedir esta publicação, e mando o meu requerimento para a mesa, esperando que v. ex.ª terá a bondade de dar-lhe o destino competente.
Leu-se na mesa o seguinte:
Requerimento
Requeiro que sejam publicados no Diario da camara os pareceres approvados pela commissão plena de inquerito á penitenciaria, os approvados por qualquer sub-commissão e os pareceres individuaes de membros da mesma commissão. = José Luciano.
O sr. Presidente: — O sr. deputado ha de consentir que, para regularidade da discussão, eu considere o seu requerimento como uma proposta, porque realmente o é.
O sr. Luciano de Castro: — Estou completamente de accordo com v. ex.ª, e peço então a urgencia da proposta.
Considerada urgente, foi admittida e entrou em discussão.
O sr. Van-Zeller: — Sr. presidente, apesar de não ser assignado o requerimento convertido por v. ex.ª em proposta, e apresentado pelo sr. Luciano de Castro, creio que posso affirmar ser a intenção e o intuito, pelo menos de uma parte da commissão, associar-se a todas as considerações feitas por s. ex.ª
Não desejava entrar n'esta discussão, sem ter a certeza de qual seria a resolução da camara; quer-me parecer, afigura-se me que a sua resolução não póde ser outra senão a acceitação d'esta proposta para o effeito indicado pelo sr. deputado Luciano de Castro, a publicação de todos os trabalhos da commissão.
Em sustentação da proposta, direi que me parece que a camara não tem o direito de negar a nós, commissão dissolvida, a publicação d'aquelles trabalhos. Nós cumprimos, quanto em nossas forças coube, o mandato que nos foi imposto pela camara transacta, e vimos hoje a esta camara pedir que tome conta da nossa responsabilidade, da responsabilidade do nosso mandato.
Não quero, de maneira alguma, lançar a suspeita de que a proposta, feita hontem, talvez extemporaneamente, pelo illustre deputado o sr. visconde de Sieuve de Menezes, signifique o desejo que a maioria tenha de que a discussão dos negocios da penitenciaria, ou o conhecimento que o paiz deve ter dos trabalhos da commissão, seja furtado á publicidade; mas v. ex.ª comprehenderá que a proposta foi ex-
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temporanea, e não podia ter sido resolvida a nomeação de uma nova commissão de inquerito sem existir a communicação official de que a antiga commissão estava dissolvida...
O sr. Visconde de Sieuve de Menezes: — Na minha proposta para se proceder á eleição de nova commissão, fui bem explicito e bem claro quando declarei ao sr. deputado Francisco de Albuquerque que não havia da minha parte a idéa de excluir qualquer membro distinctissimo da opposição que estivesse na antiga commissão.
O Orador: — Não é esse o ponto da minha duvida. Eu não queria segredar as intenções do illustre deputado, nem averiguar se a camara pretende reconduzir os membros da commissão; o que desejo é affirmar que foi extemporanea a proposta do illustre deputado, feita antes de chegar á mesa communicação por parte do sr. presidente da commissão, de que ella estava dissolvida.
É verdade que fez essa participação, mas tinha caracter individual; era consequencia de um incidente parlamentar levantado n'esta casa na sessão de segunda feira pelo sr. Francisco de Albuquerque. S. ex.ª provocou a questão, e eu disse então que a commissão reunir-se-ía na segunda feira á noite e tomaria a deliberação que julgasse conveniente, e que de certo seria logo participada.
Do incidente passado na sessão de segunda feira, dei eu parte ao sr. presidente da commissão, e elle declarou-me que podia dar conta á camara da resolução tomada pela commissão. Mas não era bastante a minha participação.
V. ex.ª, sr. presidente, que foi honrado com a nomeação de presidente d'esta camara, não podia tomar assento previamente á leitura do decreto que o nomeou; de certo cumpria-lhe aguardar a communicação official. Nós podiamos saber por informação particular dos srs. ministros que o decreto da sua nomeação estava referendado (Apoiados.), mas não era bastante.
É certo, porém, que hoje veiu a communicação official da dissolução da commissão, e sómente hoje podia ser deliberada a eleição de nova commissão, e é certo tambem que está sanada essa ligeira irregularidade. Eu espero que a precipitação havida não ha de significar o desejo de que se furtassem á publicidade documentos tão importantes como os que a commissão tem a apresentar e já apresentou.
Eu, do mesmo modo que o sr. Luciano de Castro, peço á camara que entregue á publicidade immediata estes papeis.
A camara deve convencer-se de que esta questão póde reviver a todos os momentos e por muitos modos.
Ha uma nota de interpellação dirigida pelo sr. Luciano de Castro ao sr. ministro das obras publicas sobre o decreto de 3 d'este mez de janeiro. Essa interpellação póde ser a discussão plena da questão da penitenciaria.
Essa questão, por motivos muito especiaes, tenho talvez de a discutir; mas, como todas as outras, hei de tratal-a, desapaixonadamente, fóra do campo da politica, como entender em minha consciencia, no sentido de demonstrar que empreguei todos os esforços para cumprir o mandato que me foi imposto pela camara transacta.
Todo o meu desejo é que se verifique se esse mandato foi bem cumprido; e, portanto, declaro a v. ex.ª que, se a camara recusar a publicação d'esses documentos e me quizer honrar com a reconducção, eu não poderei acceitar o encargo. Sinto dizel-o, mas em taes circumstancias não poderei fazer parte da commissão.
O sr. Manuel d'Assumpção: — Sr. presidente, creio que não ha por parte de nenhum dos illustres deputados o desejo de obstar á publicação de todos os documentos que vieram da dissolvida commissão de inquerito á penitenciaria. (Apoiados.)
Pelo contrario, da parte dos meus amigos, dos que estão d'este lado e formam a maioria, posso afiançar, creio eu, que ha o maior desejo de que se faça essa publicação. (Apoiados.)
E ha mais; creio que posso afiançar que o que desejavam todos os deputados que compõem a maioria que apoia o governo era que a commissão tivesse concluido os seus trabalhos, que tudo estivesse completo e prompto para se poderem apresentar já hoje perante a nação, que ha de julgar todos esses trabalhos, a fim de cessarem as suspeitas, as insinuações, as duvidas que pretendem fazer pesar sobre nós e que nós estamos com o natural desejo de que se desfaçam. (Apoiados.)
Podem estar tranquillos os illustres membros, da commissão de inquerito á penitenciaria, porque ninguem quer pôr o menor obstaculo a que s. ex.ªs cumpram como melhor entenderem o dever da sua consciencia e o dever da sua posição. (Apoiados.)
Ha, porém, uma cousa a notar; o que nós queremos é que a luz que reclamam os illustres deputados não seja a luz parcial, mas a luz total. (Apoiados.)
Queremos a publicação, mas a publicação de todos os documentos, de todos os trabalhos, de todos os papeis, de todas as propostas, de tudo que foi feito pela commissão. (Apoiados.)
Eu folgo de ouvir os apoiados de todos os lados, porque me parecia ver que alguns srs. deputados estavam com receio de que não fosse esta a nossa opinião.
Nós queremos que se publique tudo. (Apoiados.) Queremos que todos que possam ler ou ouvir ler esses documentos julguem do processo, e apresentâmos todos os documentos a esse tribunal, desassombradamente, com a consciencia tranquilla e sem receio algum. (Apoiados.)
Para que esse julgamento seja imparcial, é preciso que todas as peças do processo se comparem, é preciso que se discuta tudo, e é em harmonia com esta opinião, que é opinião de toda a maioria, que eu mando para a mesa, como additamento á proposta do sr. José Luciano de Castro, a seguinte proposta. (Leu.)
Proponho que sejam publicados todos os documentos em um unico numero do Diario, porque é em face de todos os artigos da accusação e de todos os elementos da defeza, que se ha de produzir a sentença, e não em vista só do uns documentos especiaes. (Apoiados.)
Leu-se na mesa a seguinte
Proposta
Proponho que sejam publicados conjunctamente e em um unico numero do Diario da camara, ou em um volume separado, todos os documentos, relatorios, propostas e finalmente todos os trabalhos enviados a esta camara pela commissão do inquerito á penitenciaria. = Manuel d’Assumpção.
Foi admittida e ficou conjuntamente em discussão.
O sr. Visconde de Sieuve de Menezes: — Não pedi a palavra para impugnar por qualquer fórma a proposta do meu illustre amigo o sr. Luciano de Castro.
Tanto hontem como hoje já dei todas as demonstrações de que o meu desejo, como o da maioria que apoia francamente o governo, como o da camara toda, é que se faça a luz na questão de que se trata.
Pedi a palavra sómente para levantar uma accusação injusta que me fez o sr. Van-Zeller, quando classificou a minha proposta de intempestiva e prematura. Declaro que se fiz aquella proposta, foi porque s. ex.ª, em nome do digno presidente da commissão, que se acha incommodado, declarou formalmente que a commissão de inquerito á penitenciaria, nomeada por esta camara, se tinha considerado dissolvida, e que os seus trabalhos estavam a chegar á camara.
O sr. Mariano de Carvalho: — Declaro desde já que me associo á proposta do sr. Manuel d’Assumpção, mas desejo que se introduza n'ella uma modificação, com a qual, parece-me, todos devemos concordar.
Os papeis, impressos e manuscriptos que vieram da commissão de inquerito á penitenciaria, formam um volume
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consideravel, que a ser publicado todo de uma vez e em um só numero, póde talvez demorar-se a sua publicação tres ou quatro mezes, isto é, essa publicação irá alem do tempo que durar a sessão parlamentar, e isto não deve admirar, porque os illustres deputados sabem perfeitamente que a imprensa nacional está sobrecarregada de trabalho durante a epocha das sessões legislativas.
Lembro portanto um alvitre, e que os documentos se vão publicando no Diario da camara, tantos quantos podessem ser cada dia, e ao mesmo tempo se aproveite a composição e se reuna tudo em um volume, e assim não teremos de esperar pela publicação durante muito tempo.
Se se adoptar o alvitre que acabo de apresentar, e que não póde deixar de ser adoptado sob pena da publicação se demorar muito tempo, nós teremos essa publicação feita muito rapidamente. N'este caso e por esta occasião lembrarei que se deveria seguir na publicação a seguinte ordem (e desde já declaro á camara que me escuta, que eu sou ate certo ponto prejudicado no que vou indicar):
Primeiro de que tudo, devem ser publicados todos os pareceres com a approvação da commissão plena; são poucos, apenas dois e unia fracção; depois os pareceres que têem a approvação das sub-commissões, e depois os pareceres individuaes e por ultimo os inqueritos de testemunhas e mais documentos.
Eu disse que ficava prejudicado com o alvitre que apresentava, porque os meus pareceres não têem ainda a approvação da commissão plena, e são os que ficariam, por isso, para serem publicados mais tarde.
Sigam portanto o meu alvitre, ou outro qualquer, que para mim é indifferente; o que desejo é que a publicação dos documentos apresentados pela dissolvida commissão de inquerito á penitenciaria, não se adie e comece immediatamente. (Apoiados.)
Não quero n'este momento contestar a doutrina do sr visconde de Sieuve de Menezes, a respeito da opportunidade ou inopportunidade da sua proposta; mas parece-me que foi um pouco precipitada, porque na camara não havia communicação official da dissolução da commissão.
Esta communicação era indispensavel, porque a feita pelo sr. Van-Zeller foi apenas officiosa.
Supponha v. ex.ª que não chegára ainda á camara o autographo do decreto, nomeando-o presidente da camara.
Embora o sr. ministro do reino, ou o sr. presidente do conselho, communicasse a v. ex.ª que já estava nomeado presidente, nunca podia considerar-se esta informação como communicação official.
Não vale a pena discutir este ponto. Está tudo sanado, porque a communicação official chegou emfim.
Eu apenas, nas considerações que fiz, tentei manifestar o meu desejo de associar-me á proposta do sr. Manuel d’Assumpção, por modo tal, que não haja demora alguma na publicação pedida.
O sr. Manuel d'Assumpção: — Ouvi as observações que fez o illustre deputado o sr. Mariano de Carvalho, e vi que havia no animo de s. ex.ª, como ha no meu, e no de nós todos, o desejo, para me servir da phrase do sr. José Luciano, que depressa se faça luz sobre este negocio.
Insisto na minha idéa quero luz e luz completa.
Quando se trata de estudar um processo, principia-se por estudar, avaliar e ver os elementos que deram causa a esse processo, e não pela sentença. Principia-se pelo auto do exame, pelos factos e provas, e depois julga-se e sentenceia-se.
O alvitre apresentado pelo sr. Mariano de Carvalho dava em resultado de que apparecia a sentença sem haver os elementos sobre que se havia de julgar, e os documentos que podiam constituir o corpo de delicto.
Digamos com franqueza, a nossa idéa, e creio que é a idéa de todos, é apresentar com clareza tudo o que existe; se ha faltas, vá a responsabilidade a quem as praticou.
Nós queremos ser julgados em face de todos os elementos que possam illucidar os nossos julgadores.
Queremos ser julgados, mas depois de examinados e avaliados todos os documentos do processo e todas as provas pró e contra.
Nem podemos fazer sem os autos serem conclusos ao juiz; e lhe para serem conclusos, é preciso que vão completos.
Nós queremos a publicação de todos os elementos para que nos julguem á face das provas. (Interrupção.)
Quando fallo de nós, não fallo de nós deputados, que nada temos com isso. Fallo de nós, porque nós somos um partido; e tem se feito com isto grandes accusações ao partido.
Este nós não significa outra cousa. Creio que não ha n'esta casa ninguem que conteste isto.
Estou a fallar de um partido contra quem se têem feito accusações, e que quer mostrar que ellas não têem fundamento, porque esse partido nada tem com os factos por que o invectivam. (Interrupção.)
A minha phrase não tem a interpretação que lhe querem dar. O que é certo é que insisto pela publicação de todos os documentos, de todos elles. (Apoiados.)
Nada mais tenho a dizer; e peço perdão do tempo que occupei a attenção da camara, e a v. ex.ª peço o favor de me conceder a palavra, caso seja preciso tomal-a.
O sr. Luciano de Castro: — Francamente digo a v. ex.ª que não me parece bem este quasi arrependimento da maioria.
Se a maioria falla pela bôca do sr. Manuel d’Assumpção n'este momento, parece-me vel-a disposta a responder cabalmente ao appêllo que nós fizemos para a publicidade. (Apoiados.)
Vejo porém que se quer optar por um methodo de publicação, qual o que o illustre deputado propõe, que importa um adiamento para depois da camara fechada. (Apoiados.) Não póde ser.
A proposta que o sr. Mariano de Carvalho fez parece-me rasoavel. Na publicação devem preferir-se os pareceres que têem a sancção da commissão plena; em seguida devem ser publicados os trabalhos que têem a approvação das sub-commissões; depois os trabalhos que têem só a assignatura e responsabilidade dos relatores especiaes, alguns dos quaes são meus e do sr. Mariano de Carvalho, e por ultimo os inqueritos das testemunhas.
O sr. Manuel d’Assumpção engana-se quando compara os pareceres e trabalhos da commissão aos processos judiciaes, onde se começa pelo exame das provas.
Os relatorios extractam e fazem referencia aos documentos, em que se firmam, e são acompanhados d'estes documentos. Portanto a ordem natural da publicação é: primeiro os trabalhos da commissão ou sub-commissões, isto é, os relatorios; e em seguida os documentos em que elles se fundam.
Se a maioria quizer adoptar o systema de publicidade proposto pelo sr. Manuel d’Assumpção, faz muito bem; está no seu direito; mas de certo não me levará a mal que, pela minha parte, eu dê a maior publicidade possivel aos trabalhos que fiz, como membro da commissão de syndicancia á penitenciaria.
Creio que os illustres deputados da maioria não quererão evitar a publicação de todos os documentos relativos a esta questão, aos quaes não se póde deixar de dar a mais ampla publicidade. (Apoiados.)
Eu acceito a publicidade, como a maioria parece querel-a, mas protesto contra o systema proposto pelo sr. Manuel d'Assumpção.
Desejo que se faça a publicação de todos os documen-
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tos, mas de modo que dentro em um curto espaço de tempo esteja concluida (Apoiados.), porque quero que, com a maxima brevidade, sejam presentes á camara e ao paiz os trabalhos que a commissão apresentou. (Apoiados.)
Permitta-me a camara que não encerre as poucas palavras que tenho proferido, sem me referir a uma phrase em que por mais de uma vez insistiu o sr. Manuel d’Assumpção.
Disse s. ex.ª:
«Desejâmos que os documentos sejam publicados a fim de sermos julgados.»,
Certamente, o illustre deputado fallou em nome da maioria, e portanto em nome do partido regenerador. (Apoiados.)
E já que o sr. Manuel d'Assumpção collocou a questão n'este terreno, a opposição acceita-a. (Apoiados.)
Não fui eu que a levei para esse campo.
V. ex.ª deve estar lembrado que eu, em sessão do 27 de janeiro de 1878, tomando a palavra, e referindo-me ao assumpto a que estou alludindo, disse que não bastava um homem para infamar um partido, e que o partido regenerador tinha praticado um grave erro em tomar sobre si a responsabilidade dos abusos e dissipações commettidos na administração da penitenciaria.
Hoje, é o sr. Manuel d'Assumpção que vem pedir que se publiquem todos os documentos para serem julgados elle e os seus amigos.
Acceita o partido regenerador a questão n’este terreno?
A nós cumpre-nos acceitar a lucta no terreno em que a collocaram. (Apoiados.)
É n'esta desgraçada questão que o partido regenerador quer ser julgado? Milito bem. Aguardemos o juizo final. Mas creia o illustre deputado, creia a maioria, que depois do julgamento que esta camara houver de pronunciar, ha ainda uma appellação, um recurso para o paiz, que nos ha de sentencear a todos. (Apoiados.)
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Andrade Corvo): — Não tomo parte n'este debate, no que se refere ao methodo da publicação dos documentos; desejo unicamente dizer ao illustre deputado, que acabou de fallar, e á camara, que esta questão não é nem póde ser questão de partido. (Apoiados.)
Póde-se explicar a phrase do illustre deputado, porque a opposição em certa epocha, e fóra da camara, quiz fazer d'esta questão, questão de partido.
E preciso fazer-se luz na questão da penitenciaria (Apoiados.). Essa luz póde trazer como resultado o reconhecer-se que houve quem faltasse aos seus deveres. Os que faltaram aos seus deveres serão entregues aos tribunaes (Apoiados.) Mas lançar a responsabilidade d'esses actos a um partido, é que o governo não acceita, nem póde acceitar. (Apoiados.)
O partido não tem absolutamente nada com um acto da administração. É uma cousa completamente differente, não a considerâmos assim.
A primeira de todas as condições é sermos justos, punir os que foram criminosos, e absolver os que foram accusados injustamente.
Ponhamos de parte a questão de partido, que esta questão não é nem póde ser questão de partido, e seria o maior dos absurdos consideral-a assim. (Muitos apoiados.)
Vozes: — Muito bem.
O sr. Rodrigues de Freitas: — Tem se tratado do modo como se haviam de mandar imprimir os documentos. Varios alvitres foram lembrados. Se esta discussão foi lida por um editor, ficará admirado de que o parlamento portuguez discuta tão largo tempo, tal assumpto.
Quando um individuo deseja que um livro seja impresso rapidamente, recorre a um expediente simples; divide o livro n'umas poucas de partes, e distribue-as por outras tantas typographias.
Felizmente existem em Lisboa numerosas imprensas; sigamos este alvitre, se desejâmos que esses documentos sejam impressos rapidamente, elles bem depressa serão presentes a esta camara. (Apoiados.)
Se a maioria sinceramente deseja que a luz se faça sobre a questão da penitenciaria, (Apoiados.) se estas vozes são, como creio, verdadeiras e sinceras, (Apoiados.) recorra-se a qualquer editor, que elle resolverá esta questão importante, e não demorará a maioria em satisfazer aos seus mais intimos desejos.
Uma voz: — E á minoria tambem.
O Orador: — Não estudei completamento a questão da penitenciaria e não posso por isso dar a respeito d'ella uma opinião fundamentada. Digo tambem como o sr. ministro dos negocios estrangeiros ou como o sr. Luciano de Castro, não me lembro quem proferiu essa phrase «que um homem não basta para infamar um partido». Creio que foi o sr. Luciano do Castro e estimo que saísse dos bancos da opposição esta phrase, esta sentença mais favoravel ao partido regenerador do que a sentença que a respeito d'elle pronunciou o sr. Manuel d'Assumpção. S. ex.ª umas poucas de vezes disse «nós queremos ser julgados em face de todo o processo de que se trata, do processo da penitenciaria!» (Apoiados.)
E s. ex.ª tinha rasão. As suas palavras obedeceram certamente á idéa que tinha no seu espirito; porque aquelle ministerio que ali está (apontando para as cadeiras dos ministros) foi chamado ao poder depois de principalmente se ter debatido n'esta casa a questão da penitenciaria! (Muitos apoiados.)
As vozes mais eloquentes que se levantaram contra o governo do sr. duque d'Avila — e eu sou insuspeito porque nunca fallei a favor d'esse ministerio — as phrases mais eloquentes que antes de 27 de janeiro se levantaram n'esta casa contra o sr. duque d'Avila, accusaram violentamente o governo pelo modo por que tinha procedido em relação á penitenciaria. (Apoiados.)
Estes são os factos e o Diario das côrtes, se for preciso folheal-o, mostrará que digo a verdade. (Apoiados.)
Estou certo que os deputados que vem pela primeira vez a esta casa não quererão tomar sobre si a responsabilidade do que então aqui se passou.
A s. ex.ªs repugna ouvir dizer «nós queremos ser julgados» e eu estimo, que quando o sr. Manuel d'Assumpção proferia estas palavras, alguns membros da maioria como que estremecessem ao pronunciar-se tal phrase. Não sou regenerador, mas não julgo que os membros d'esse partido queiram ser julgados pela questão da penitenciaria, tomando para si a responsabilidade de todos os factos que ali se passaram.
Talvez a camara estranhe estas palavras, dizendo eu que não estudei completamente a questão da penitenciaria. Estudei-a, porém, em parte; e parece-me impossivel que a camara approve o que succedeu em relação a alguns contratos que ali se fizeram. (Apoiados.)
Não ha ninguem que, saíndo dos bancos da universidade, venha para esta casa e approve actos d'esta natureza. (Apoiados.)
É verdade que os illustres deputados pertencem ao partido regenerador; talvez se lhes diga: «É questão politica!» Mas ainda que digam...
O sr. Hintze Ribeiro: — Não dizemos nada, porque não vimos ainda esses documentos.
O Orador: — Mas a s. ex.ª, que tem uma alta intelligencia, repugna de certo que a questão fosse aqui travada por aquelle modo; e talvez s. ex.ª fosse d'aquelles que estremeceram ao ouvir dizer «nós seremos julgados!»
O sr. Hintze Ribeiro. — Não formei ainda o meu juizo.
O Orador: — Mas se s. ex.ª não formou o seu juizo, póde haver alguem que o tenha formado...
O proprio sr. ministro dos negocios estrangeiros disso que o governo não queria ser julgado pela questão da pe-
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nitenciaria; mas se o gabinete não quer que o julguem agora por ella, é certo que ella serviu muito para lhe dar áquelles logares. (Apoiados.)
Vozes: — Muito bem, muito bem.
O sr. Luiz de Lencastre: — Começo por declarar alto, e em bom som, que assumo toda a responsabilidade dos actos praticados hontem e hoje pelo partido a que tenho a honra de pertencer.
Não sei se os novos têem medo das responsabilidades do partido regenerador. Creio que não, porque estão ao nosso lado. (Muitos apoiados.) Não é porém n'este terreno que eu quero tratar a questão.
Estou hoje em dia aziago, porque tendo pedido a palavra duas vezes, foi, da primeira, para me queixar da injustiça com que o illustre deputado, meu amigo, o sr. Francisco de Albuquerque, tratava a commissão do regimento; e da segunda, para me dirigir ao sr. Luciano de Castro, queixando-me igualmente da injustiça que s. ex.ª fizera á maioria, quando disse que a maioria queria recuar no seu pensamento, relativamente á publicação dos documentos de que se trata.
A maioria não recua nem um momento na idéa em que está, de que sejam publicados todos os documentos concernentes a esta questão. (Muitos apoiados.)
Fui prevenido no que tinha a dizer pelo meu amigo, o nobre ministro dos negocios estrangeiros, que considerou a questão da penitenciaria como uma questão de administração, em que podem estar envolvidos homens que terão de ser julgados pelo paiz, pelo parlamento ou pelos tribunaes, aquelles que porventura tenham de lá ir. (Apoiados.)
A questão da penitenciaria é, portanto, uma questão de administração. (Apoiados.)
Mas a questão de que se trata por ora, tomo-a eu como uma explicação dada por cavalheiros muito respeitaveis, que vem dizer á camara, no cumprimento dos seus deveres, tudo quanto viram, e que não poderam completar os seus trabalhos por motivos alheios á sua vontade; e bastava isto para que eu, como membro d'esta assembléa, ouvidas as explicações de s. ex.ªs, fosse o primeiro a fornecer-lhe os meios de poderem mostrar ao paiz que cumpriram o seu dever. (Apoiados.)
Os cavalheiros a que me estou referindo, procedendo muito nobremente, como sempre costumam praticar, vieram dizer á camara que tinham cumprido o seu dever, e pediram a publicação dos seus actos.
A camara apoiou as explicações d’aquelles cavalheiros e propoz-se a publicação dos documentos, mas sobrevieram depois dificuldades ácerca da fórma da publicação.
Ora eu, e creio que commigo uma grande parte da camara, tenho toda a confiança em que a mesa ha de empregar todos os meios para que os documentos sejam publicados com toda a brevidade. (Apoiados.)
Eu quero que se faça toda a luz n'esta questão, mas antes de tudo desejo que venham todos os documentos, e que se veja como satisfizeram os seus deveres os cavalheiros que vem á camara dar conta do cumprimento d'elles. (Apoiados.)
Quando a questão da penitenciaria vier aqui posso tomar parte n'ella, considerando-a como questão de administração e como membro do partido a que pertenço.
Tinha eu dito ha pouco que depositava, assim como grande parte da camara, toda a confiança na mesa, e sendo assim não podemos deixar de entregar ao cuidado de v. ex.ª, cuja prudencia tambem reconhecemos, a publicação mais rapida possivel, dos documentos de que se trata. (Apoiados.)
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem.
O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Esta questão, que me parece não ter rasão de ser, ameaça não terminar, desde o momento em que todos se declaram de accordo.
Poderia haver alguma duvida se, depois de os membros da commissão terem pedido a publicação dos documentos, algum dos membros da camara recusasse essa publicação. (Apoiados.)
Mas que vejo eu? Vejo por parte da maioria, da qual se poderia receiar que negasse a publicação exigida, levantar-se um dos seus membros mais auctorisados e declarar que ella queria que se publicasse tudo. (Apoiados.)
Depois d'isto o que ha que discutir? (Apoiados.) Que queremos nós? Que se publique. (Apoiados.) O que? Tudo; (Muitos apoiados.) e não informações incompletas, ou documentos truncados. (Apoiados.)
Estabelecido este ponto, resta a fórma da publicação, na qual entendo que o parlamento não deve ingerir-se. (Apoiados.)
A camara dos representantes do paiz, desde que manda publicar quaesquer documentos, sejam ou não volumosos, não tem que ir indagar se a imprensa os póde publicar com pressa ou com demora, ou se ha editor que se preste a fazel-o em melhores condições. (Apoiados.)
A quem isto compete é á imprensa nacional, á qual o paiz paga para imprimir logo o que a camara mandar que seja impresso com urgencia. (Apoiados.)
Portanto delibere a camara que se imprimam todos os documentos, e a imprensa nacional fica obrigada a admittir typographos extraordinarios, ou a recorrer a outra typographia, ou a fazer o que julgar mais conveniente, comtanto que apresente impresso aquillo que a camara manda imprimir com urgencia. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem, muito bem.)
Havíamos de ir nós, os representantes do paiz, tratar com o director da imprensa nacional, officiando-lhe ou deixando de lhe officiar, ou com qualquer editor? Seria ridiculo, vergonhoso, incrivel, que tal fizessemos. (Apoiados.)
Todos nós confiâmos plenamente na mesa (Apoiados.), e creiam s. ex.ªs que a mesa resolverá prompta e facilmente uma difficuldade que não tem rasão de ser.
Mande a camara que todos estes documentos se imprimam com urgencia, e deixe á mesa o cuidado da brevidade d'essa publicação.
Eu não sei nada da questão da penitenciaria, e, como o resto do paiz, quero saber tudo; quero saber a fundo esta questão, da qual por emquanto não sei nada; não emitto opinião; não vi documento algum, nem junto nem isolado.
Para poder dar opinião imparcial é indispensavel que se publiquem todos os documentos, é preciso que me sejam ministrados todos os elementos illustrativos d'esta questão.
Ninguem me julga a mim pela penitenciaria na posição em que me acho, e ninguem me julgaria pela penitenciaria fosse qual fosse o partido militante em que eu estivesse filiado.
Eu não acompanho o meu illustre amigo, o sr. Manuel d’Assumpção, nas suas exagerações rhetoricas. Cada um falla conforme a sua organisação e conforme o seu genero de eloquencia.
A eloquencia do meu illustre amigo é das mais brilhantes e das mais invejadas. Não lh'a invejo eu, e infelizmente não a possuo.
Mas digo a v. ex.ª e á camara, que se o modo de exprimir d'este distincto orador o levou a fallar em nós queremos ser julgados, em depoimentos de testemunhas, em sentenças e até na maneira porque os autos devem ir conclusos ao juiz, não é isso motivo para que nós esqueçâmos ou troquemos a questão principal, pelo que eu chamo o realmente são meros accidentes rhetoricos do meu illustre amigo.
A declaração que s. ex.ª fez, declaração de certo muito importante, devia satisfazer a todos os que desejam a publicidade, urgente, e completa dos documentos; a maioria quer publicar tudo o depressa; portanto não discutâmos mais este ponto.
Mas ha um outro ponto que eu não posso deixar passar
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sem reclamação, e contra elle reclamo fundado na mais exacta e rigorosa verdade.
O meu illustre collega, o sr. Rodrigues de Freitas, acaba de affirmar perante esta assembléa e perante o paiz, que a opposição ao governo anterior ao actual se baseou unica e exclusivamente na penitenciaria. Se s. ex.ª quiz dirigir-se apenas aos eloquentes e altos oradores que em certa epocha fallaram, dirija-se exclusivamente a elles, e declare que só se dirige á eloquencia.
Mas aqui ha quem, sem pretensões a eloquente, tem e mantem a responsabilidade dos seus actos e das suas opiniões. S. ex.ª não ignora, não póde ignorar, e muito menos póde affirmar o contrario perante o paiz, que a opposição se manifestou n'esta casa logo no primeiro dia, em que aquelle ministerio se apresentou no parlamento. N'esse dia pronunciou-se contra esse ministerio, desafinando no concerto geral de louvores e protestos de confiança, uma opposição que se compunha de tres deputados, nenhum talvez eloquente, mas todos seguros de si e do seu voto, e d'esses individuos nenhum tratou da penitenciaria:(Apoiados.) a questão da penitenciaria ainda não tinha nascido, ou não era conhecida. Esses tres deputados luctaram aqui contra a unanimidade dos demais membros do parlamento portuguez, contra a união de todos os partidos, de todos os grupos, progressistas ou não progressistas, regeneradores ou não regeneradores (Apoiados.) os quaes estavam todos em volta do governo, incensando um programma de duas palavras sem significação politica nem applicação pratica. Contra isso eu e mais dois amigos meus levantámos sem hesitar a voz e o voto; (Apoiados.) e ainda quando se discutiu e votou a moção, que parlamentarmente derrubou esse ministerio, essa moção foi apresentada pelo meu illustre amigo e chefe o sr. Dias Ferreira, que nem uma palavra disse a favor da penitenciaria.
Portanto hostilisem s. ex.ªs quem quizerem e como quizerem, mas não nos confundam na regra geral, a que nós fomos notavel e voluntaria excepção, e menos estranhem que eu me erga a reclamar contra uma injustiça flagrante que nos foi feita de certo involuntariamente.
O sr. Rodrigues de Freitas: — Eu não disse que este governo estava ali por causa da questão da penitenciaria; disse que era essa uma das questões por causa da qual o ministerio ali estava. Eu sei que o sr. Dias Ferreira, illustre chefe do partido constituinte, fallando com a sua muita eloquencia e auctoridade de grande jurisconsulto, não disse uma palavra ácerca da questão da penitenciaria.
Portanto, as minhas palavras referiam-se a phrases proferidas por outros distinctos oradores, os quaes entenderam que um dos pontos mais vulneraveis do ministerio anterior era a questão da penitenciaria. Não podia referir-me ao partido constituinte que n'esta questão se houve muito acertadamente.
O Orador: — Agradeço as explicações que o illustre deputado acaba de dar e declaro-me completamente satisfeito.
Eu julgo que seria de grande vantagem terminar o incidente, em que estamos todos de accordo, e creio bem que a discussão finda, logo que v. ex.ª, sr. presidente, declare que a seu cuidado fica a publicação completa e urgente de todos os documentos.
O sr. Julio de Vilhena: — (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)
O sr. Manuel d'Assumpção: — Eu fui prevenido nas observações que desejava fazer pelo meu illustre amigo, o sr. Julio de Vilhena, a quem de todo o coração agradeço as palavras benevolentes com que me honrou, que não mereço, e que só são filhas d'aquelle grande coração e d'aquella grandissima intelligencia.
Agradeço tambem ao sr. visconde de Moreira de Rey as phrases lisonjeiras com que igualmente me distinguiu; dictou-as a sua grande alma e são para mim causa de muito reconhecimento.
Encommodei a v. ex.ª, sr. presidente, pedindo-lhe a palavra, e tomo alguns momentos de attenção á camara, porque não gosto nunca de deixar pairar sobre as minhas palavras uma duvida, qualquer que ella seja.
Quando fallo n'esta casa, é sempre de peito aberto, alma limpa e fé lavada. Não sei sophismar, não sei como se torcem os termos, não sei ir buscar argumentos capciosos para vencer os meus adversarios. Quando me levanto sei que sou um homem, e estou em face da minha consciencia. Tenho um nome, e estou em face do meu paiz; sou representante do povo, e por isso me levanto em face da historia, que toma nota do que aqui se faz.
Perante estes tres tribunaes fallo com sinceridade, lealdade e consciencia, seguindo o que a minha rasão me vae dictando, que, se não é mais esclarecida, é porque mais não posso alcançar.
Revolto-me sempre que vejo n'estas discussões um orador qualquer, esquecendo que ha lealdade politica mesmo para os adversarios, e digo lealdade politica, porque outra qualquer não ponho em duvida; esquecendo que deve sempre haver lealdade nas discussões parlamentares, tomar uma phrase destacada e torcel-a, transformal-a, envenenal-a para a arremessar como virote contra o adversario. E quando, como agora, é contra mim que se servem de taes armas, não posso deixar de repellir a aggressão.
Pois eu disso alguma vez que o partido regenerador tomava a responsabilidade de quaesquer irregularidades ou delictos que se tivessem praticado na penitenciaria? Pois das minhas palavras podia inferir-se tal cousa? Pois de dizer eu que desejava que o paiz julgasse da nossa irresponsabilidade em face de todas as provas, concluia-se litteralmente o contrario? Então dizer, queremos ser julgados, é o mesmo que dizer que o partido regenerador acceita a responsabilidade de qualquer crime que se tenha dado na construcção ou fornecimento da penitenciaria? Quem é que tira tal conclusão das minhas palavras? Qual é a logica que a auctorisa, qual o raciocinio, qual a intelligencia que póde ir até esse ponto?
O que quiz dizer, o que significam as minhas palavras, é que ás duvidas que pretendem fazer pairar sobre o partido regenerador, ás suspeitas com que intentam difamal-o, ás insinuações, aos ataques, ás perfidias que se levantam debaixo dos pés para o salpicar, se ha de responder agora, e essas perfidias, essas calumnias, esses vituperios desapparecerão, de uma vez para sempre, diante da luz que os documentos hão de trazer.
Não disse que o partido regenerador acceitava a responsabilidade de qualquer acto; quiz dizer com a mão na consciencia, alto e bom som, diante de todos, que o partido regenerador não tem nada com essa questão.
Se ha réus, os tribunaes hão de julgal-os, mas o partido regenerador nada tem com elles.
E já não foi pouco para o meu intento ouvir o illustre deputado, o sr. Luciano de Castro, dizer que o partido regenerador não podia ficar infamado n'esta questão, porque os actos praticados por um homem não bastam para infamar um partido.
Acceito a confissão, e é esse o julgamento que eu queria, e é isso que ha de resultar da publicação dos documentos, e o veredictum da opinião será que o partido regenerador nada tem com quaesquer faltas que se praticassem na edificação da penitenciaria.
O sr. Luciano de Castro: — Eu repito o que disse. Eu disse que na sessão de 27 de janeiro o partido regenerador praticára um grande erro n'aquella occasião por ter-se associado a um homem, e nada mais.
O Orador: — Não quero entrar n'essa questão, que é prematura; passo simplesmente a registar a phrase do sr. José Luciano, que por ser importante ha de ser muito discutida; é ella «o erro que o partido regenerador com-
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metteu foi na sessão de 27 de janeiro ter-se associado a um homem, e nada mais».
Registe-se, que n'isto, diz o sr. José Luciano, se resumem todos os delictos do partido regenerador, d'isto só é que o accusam.
Aqui está do que nós havemos de ser julgados!
Aqui estão os nossos grandes delictos.
Pois isto mesmo se verá que não tem fundamento algum.
Sr. presidente, não entro agora n'esta questão, porque eu quiz apenas explicar a phrase com que tanto barulho fez o sr. José Luciano.
Eu sei que ella ha de ser commentada de diversos modos, e ámanhã servirá para abanicos de folhetinista; pouco importa, pois que aqui fica explicada.
Às argucias de s. ex.ª responde esta explicação franca e leal; as minhas palavras só podem ter o sentido que eu lhe dou, exprimiam o meu pensamento, não significavam o desejo de s. ex.ª
A habilidade do sr. José Luciano póde apurar-se em dar-lhe interpretações caprichosas e ao seu sabor, mas não póde ir alem da minha explicação logo que eu a apresento.
Não disse, nem podia dizer, que acceitava eu ou meu partido a responsabilidade dos actos que quaesquer individuos praticassem nas obras da penitenciaria; d'esses actos, d'esses individuos, julgará quem tiver competencia para isso; o partido regenerador não tem em taes factos a menor responsabilidade.
Póde s. ex.ª esforçar-se em subtilezas, fatigar-se com exclamações, que as minhas palavras não significarão jamais o que s. ex.ª deseja.
Quando disse «queremos ser julgados em vista dos documentos», nem julgava réu o meu partido, nem acceitava para elle responsabilidade alguma; quiz só tornar bem claro que nós nada tinhamos com a questão da penitenciaria, e assim não receiavamos o julgamento da opinião do paiz.
Não é necessario mais para explicar a minha phrase, e para mostrar a nenhuma rasão que tinha o sr. José Luciano.
Não terminarei, porém, sem dizer ao sr. Rodrigues de Freitas, que se voltou para o sr. Adolpho Pimentel dizendo que estranhava ver um homem novo saído ha pouco da universidade julgar favoravelmente uma tal questão, que mais estranho eu ainda ver um homem novo apresentar condemnações sem ter os documentos em que as funde e todas as provas que o auctorisem a julgar. O que estranho é apresentarem-se asserções gratuitas e com ellas quererem condemnar um homem ou um partido. (Apoiados.) Os homens novos, quando sáem da universidade, saem depois de ter estudado os codigos do seu paiz, e mesmo alguns dos outros paizes; aprendem ali a obedecer ás leis; aprendem a maneira como se deve fazer justiça, e as rasões para obstar a que a lei seja mal interpretada ou se sophismem as suas disposições.
Os homens novos, quando saem da universidade e entram no parlamento do seu paiz, têem a circumspecção precisa para não lançarem á face de um homem ou de um partido aquillo que não podem justificar ou documentar. (Apoiados
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O sr. Barros e Cunha: — Sr. presidente, v. ex.ª e a camara permittir-me-hão de certo que n'um debate que já vae longo e variado, tome ainda a parte que não posso deixar de tomar, tanto para responder ás declarações feitas pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros, quando faltou em nome do governo, como para corresponder ás citações variadas que do meu nome fizeram, e do governo de que fiz parte, alguns dos oradores que me precederam.
V. ex.ª sabe que contra o meu costume em todas as sessões das legislaturas anteriores em que tenho tido a honra de ter assento n'esta casa, permaneci até hoje completamente silencioso.
Na questão de que se trata, principalmente, tenho tido o maior escrupulo em levantar a minha voz, sem que a illustre commissão eleita pelo parlamento passado tivesse apresentado á camara o resultado dos seus trabalhos.
Não me levanto para responder ás phrases que mais ou menos são a renovação das aggressões que me foram dirigidas quando tive a honra de me assentar n'aquelles logares, (os do governo). Levanto-me unicamente para dizer á camara que acabo de receber do actual sr. ministro dos negocios estrangeiros, eu e o governo de que fiz parte, porque todo esse governo tomou a responsabilidade dos actos que promulguei, o testemunho que ha muito esperava. S. ex.ª disse que os actos d'aquelle ministerio em relação ás obras da penitenciaria tinham sido aquillo que poderiam ser, tinham sido aquillo que o governo honradamente devia á administração das obras que a nação portugueza lhe tinha confiado.
O sr. ministro dos negocios estrangeiros declarou que o partido regenerador não é solidario nos actos de malversação e delapidação praticados na construcção de um edificio publico, nem nas de quaesquer obras do estado.
Essa declaração foi feita aqui pelo illustre presidente do conselho de ministros do governo de que tive a honra de ser membro.
V. ex.ª sabe que me repugnou sempre que esta questão fosse trazida aqui como questão politica; v. ex.ª sabe que resisti sempre, que cheguei até a ser accusado de fraqueza por oppor a maior resistencia ás exigencias que por parte da opposição áquelle ministerio eram feitas para que a questão da penitenciaria fosse tratada no parlamento como questão politica.
E, se constantemente declarei á camara, e isto está nos annaes parlamentares, que tinha unicamente mandado aos tribunaes competentes que tomassem conhecimento dos factos e procedessem contra os criminosos, não me accusem hoje das difficuldades em que os srs. deputados collocaram os seus amigos e partido.
E de tão longe levei os meus escrupulos ácerca do engenheiro director d'aquellas obras que, quando accusado aqui, pelos illustres deputados, a phrase era que eu tinha apunhalado covardemente (a phrase era esta e está nos archivos parlamentares), que eu me tinha servido do logar de ministro para apunhalar covardemente a honra de um funccionario distincto...
E eu declarei então á camara que considerava o sr. Ricardo Ferraz tão honrado como qualquer de nós, mas, ao mesmo tempo (peço que não esqueça esta phrase) que o considerava o mais deploravel dos administradores.
Não podia dizer outra cousa. O poder executivo, ou um membro do partido executivo, não é jurado. São doze homens sentados no tribunal da Boa Hora que hão de declarar quem é ou não criminoso, e é depois d'isso que os cidadãos d'esta terra têem direito de dizer se esse homem praticou ou não um crime. Antes é tão honrado como qualquer de nós. É isto o que se ensina em toda a parte. (Apoiados.)
Eu não podia, como membro do poder executivo, ter outra phrase e considerar a questão de outra maneira. (Apoiados.)
Agradeço ao illustre deputado que veiu provocar-me e ter-me dado occasião para explicar o que me tem parecido até hoje que não carecia de explicação.
Mandei á camara, como ministro, todos os documentos que me foi possivel colligir, quando era instado dia a dia para que aqui apresentasse todos os documentos ácerca dos actos do meu ministerio.
E que ouço hoje?
A camara depois ainda nomeou uma commissão de inquerito. Essa commissão funccionou durante quasi um anno, e no fim' d'esse praso ainda o parlamento actual não con-
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sidera que sejam sufficientes os documentos que existem para esclarecer a sua opinião. Julgou então e julga, porém, ainda que tem bastante para me deprimir e condemnar a mim.
No entretanto os membros da maioria de então insistiam e os da maioria de agora insistem para que acabemos com as reticencias que pairam sobre este deploravel negocio!
Reticencias?!
Em que e para quem?!
Ninguem mais do que eu deseja acabar (se as ha) com essas reticencias. Tenho votado todas as commissões que os illustres deputados têem proposto, pedi desde logo que se fizesse ao ministerio que estava a meu cargo os inqueritos que lhes aprouvesse; apresentei ao parlamento muitos documentos originaes por não ter tempo de tirar copia d'elles; não sei, pois, a que vem estas accusações de reticencias.
Quando tomei conta da pasta das obras publicas, encontrei na secretaria participações variadissimas, algumas das quaes apresentei á camara.
Encontrei requerimentos de pessoas que se queixavam de que na penitenciaria central se commettiam roubos extraordinarios em material, em salarios, roubos, emfim, de variadissimas qualidades e feitos por diversissimos systemas.
Em primeiro logar vim eu a reconhecer que a administração era má, não havia fiscalisação, estava tudo entregue ao acaso e em grande anarchia.
O pessoal era numeroso, e eu muitas vezes ali cheguei sem encontrar uma unica pessoa que podesse responder-mo ácerca das preguntas que eu fazia sobre o numero dos operarios ali empregados das differentes categorias.
Mandei a policia investigar.
Accusam-me d'isso, e dizem que não era digno o meio que empreguei, encarregando-a de examinar se effectivamente se commettiam os roubos do material, tábuas, cal, pedras, e se effectivamente os operarios da penitenciaria estavam construindo edificios que pertenciam aos individuos que tinham contratado algumas obras, e se esses edificios eram construidos com os materiaes pertencentes á penitenciaria.
Quem havia eu de empregar? A quem havia de incumbir de saber se se commettiam ou não roubos na construcção de um edificio a cargo do ministerio das obras publicas? Não era á policia? Não era a um commissario de policia?
Dirigi-me ao sr. ministro do reino e pedi-lhe um commissario de policia que fosse indagar se havia fundamento para as queixas que me eram feitas.
Procedeu-se depois a um inquerito policial, tiraram-se testemunhas, e eu mandei o processo para o poder judicial.
É o resultado a que ha de chegar o ministerio actual, segundo diz o sr. ministro dos negocios estrangeiros, depois de ter tomado conhecimento do inquerito já feito o do que a nova commissão ha de fazer.
Eu não precisei de inquerito para enviar o processo aos tribunaes, aos magistrados a quem o estado paga para proceder contra os criminosos, fossem elles quem fossem.
Quem elles eram não o sabia então, como ainda o não sei hoje, porque não é essa a missão dos ministros; é a dos ajudantes do procurador regio, do procurador regio e dos juizes.
Hão de chegar á magistratura de que faz parte o sr. ministro da justiça, que já foi meu juiz e dignissimo e honradissimo, por muitos annos. Hão de chegar necessariamente alguns esclarecimentos mais; o governo de que eu fazia parte, sem ter precisão de tantos esclarecimentos, entendeu que tinha conhecimento fundado de que na penitenciaria se praticavam roubos. Se forem feitos á minha propria pessoa, posso perdoal-os, mas se são feitos em objecto que esteja entregue ao meu cuidado, confiado á minha guarda como deposito, do que tenho de dar contas, a minha obrigação é salvar a minha responsabilidade, entregando os criminosos aos tribunaes.
Não me envergonho nem retracto, envergonhar-me-ía de ter logar, a sentar-me entre os membros da representação nacional, se não tivesse feito o que fiz o procedido como procedi. Aqui estou para sustentar todos os actos que pratiquei como ministro das obras publicas, todos sem excepção de um só. Não fiz reticencias, não as houve no meu procedimento, pois nunca furtei um unico documento á publicidade.
Todos os meus despachos n'esta questão foram publicados na folha official.
É por elles que os ministros do gabinete Avila respondem. Pelos commentarios e apreciações respondem os seus auctores, e esses estão presentes e podem e sabem responder.
Não desejo envolver outro assumpto n'este debate, e concluo aqui as minhas explicações.
Eu não queria voltar ao parlamento, vim quasi forçado pelos meus amigos, pela necessidade que tinha de dar documentos, pelo menos, de que não fugia a responder pelos actos que tinha praticado como ministro.
Tinha hontem pedido a palavra a v. ex.ª para quando estivesse presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros; quando v. ex.ª julgar que me deve dar a palavra que lhe peço, não sendo n'este momento, agradecerei muito a v. ex.ª se m'a conceder, e ao sr. ministro peço a sua comparencia a fim de responder a algumas observações que tenho a fazer-lhe sobre negocio, que, apesar da gravidade d'este, me parece tambem ser de summa gravidade.
O sr. Luciano de Castro: — Quem entrasse n'esta camara hoje, e se recordasse das scenas que aqui se representaram nos dias que precederam a sessão de 27 de janeiro de 1878; quem tivesse ainda nos ouvidos as apostrophes eloquentes, as phrases inflammadas, a rhetorica apopletica de indignação de alguns dos mais brilhantes oradores da opposição d'esse tempo, devia maravilhar-se e ficar profundamente surprehendido, ao ver como se mudaram os tempos, como se trocaram as idéas, como os homens que n'essa epocha faziam suas as glorias da penitenciaria, já hoje as repellem desdenhosos, e declinam de si todas as responsabilidades!
O que é isto?
Pois então, quando eu, orador da opposição, lhes estendia generosamente uma tabua de salvação, e lhes dizia na memoravel sessão de 27 de janeiro de 1878, que fazia mal o partido regenerador em tornar-se cumplice nos erros e delapidações da penitenciaria, como é que me respondiam?
Não faziam s. ex.ªs sua, não acclamavam como propria, a gloria d'aquella administração? Não vinham s. ex.ªs aqui aggredir o ministerio pelos actos que tinha praticado para descobrir os delapidadores?
E agora dizem s. ex.ªs que, nem os deputados da camara de então, nem o partido regenerador, têem responsabilidade alguma nas dissipações d'aquella lastimosa administração?
E vem aqui o sr. ministro dos negocios estrangeiros declarar, em nome do governo e do partido regenerador que representa, que esse partido é inteiramente estranho a esta questão!
Antes de proferir essas palavras tinha o sr. ministro dos negocios estrangeiros obrigação rigorosa e indeclinavel de pedir perdão ao sr. Barros e Cunha, que está sentado atrás de s. ex.ª, sobre quem elle e os seus amigos politicos vibraram as mais injustas e violentas accusações.
Era de joelhos que s. ex.ª devia pedir ao sr. Barros e Cunha, e á administração de que elle fazia parte, que lhe perdoasse os aggravos e offensas com que em 1878 o haviam fulminado. (Apoiados.)
Pois subiram ao poder contra todas as praticas constitu-
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cionaes, contra todos os principios de governo representativo, em nome da penitenciaria, e hoje vem engeitar sobranceiramente as glorias do seu passado?!! (Apoiados.)
São suas, pertencem-lhes essas glorias. Estão fatalmente soldados a ellas.
O partido regenerador ha do morrer abraçado a esses famosos trophéus. (Apoiados.)
Não acceitaram o conselho que lhes dei em 1878. Pois hão de hoje reconhecer e confessar a sua responsabilidade, porque mais eloquentemente do que as suas palavras fallam os factos e a historia contemporanea.
Venham os documentos; publiquem-se. Então saberemos, a camara e o paiz, se o unico élo que prendo o partido regenerador ás tristes responsabilidades da administração da penitenciaria é o sr. Ricardo Julio Ferraz!
Então o paiz saberá se é esse o unico élo, ou se essa deploravel situação, que ahi está representada nos bancos do poder, se acha vinculada, o vinculada para sempre, á vergonhosa solidariedade d'aquellas memoraveis delapidações. (Apoiados.)
Faça-se a luz? Sim, faça-se a luz. (Apoiados.) Que o paiz nos julgue a todos, acceitando a phrase que escapou n'um momento de ingenuidade oratoria dos labios do sr. Manuel d'Assumpção.
Então se fará justiça, porque eu creio que já não haverá n'este paiz força que possa evitar que estes documentos vão d'aqui para os tribunaes judiciaes, que hão de dizer quem foi ou não criminoso. (Apoiados.)
O unico élo o sr. Ricardo Ferraz?!... Talvez se illudam. Ha mais altas, mais graves, mais levantadas responsabilidades do que essa. (Apoiados.)
1'] eu não comprehendo bem o procedimento do sr. ministro dos negocios estrangeiros e dos illustres oradores da maioria, quando declinam todas as responsabilidades politicas n'uma questão em que têem andado envolvidas perante a opinião publica as mais graves responsabilidades constitucionaes.
Que é isto? Fogo o governo, foge a maioria, foge o partido regenerador?! (Apoiados.) E quem é que fica? Quem é que se quer deixar para ahi só, isolado sem ninguem que o proteja, e o defenda? (Apoiados.)
A posição que occupo n'esta camara obriga-me a reticencias e melindres que v. ex.ªs comprehenderão do certo. (Apoiados.) Paro, portanto, aqui.
Ha de haver quem se levante e peça contas ao governo apelas delapidações da penitenciaria, e creiam s. ex.ªs que não ha de ser só o sr. Ricardo Ferraz quem terá que padecer. Ou se ha de fazer justiça inteira, ou não ha de ser elle o unico responsavel. (Apoiados.)
Não tem responsabilidade o partido regenerador?!... Então o que queria dizer a sua imprensa quando soltava a todos os ventos do céu a declaração de que a questão da penitenciaria era a honra e o brazão d'esse partido?!... {Apoiados.) Renegam hoje essa ostentosa declaração?!... (Apoiados.)
Pois não se lembram que, quando no anno passado se procedia n'esta camara á eleição da commissão de obras publicas, triumphava o sr. Ricardo Ferraz e com elle triumphava, na superioridade de numero de votos que lhe deram, a questão da penitenciaria? Pois não se lembram já de que suplantaram todos os outros membros da commissão de obras publicas, dando maior votação ao sr. Ricardo Ferraz, para que elle representasse bem claramente as glorias e os triumphos do partido regenerador? (Apoiados.)
Esqueceram-se d'isto? Lembro-lh'o eu. Avivo-lhes eu a memoria.
Pois então os illustres oradores, que fallaram aqui na camara contra o sr. Barros e Cunha, contra a administração que descobriu as malversações da penitenciaria, não censuraram violentamente o emprego que aquelle cavalheiro tinha feito da policia, como se a policia fosse só inventada para fazer pavorosas, para povoar as galerias d'esta casa
(Apoiados.), e para guardar as costas aos ministros (Apoiados.); como se a policia não fosse empregada em toda a parte do mundo em descobrir os crimes, seja qual for a qualidade dos criminosos? (Apoiados.)
Pois não se lembram de tudo isto?
Pois quando subiram ao poder, por essa restauração inconstitucionalissima a que já me referi, em nome de que principios entraram no ministerio?
Pois, quando em seguida a essa restauração, se nomeou uma commissão de inquerito á penitenciaria, para que foi essa commissão senão para cohonestar, para santificar, por assim dizer, pelas declarações solemnes de um documento publico aquella gloriosa administração? (Apoiados.)
O sr. Mariano de Carvalho e eu entrámos n'aquella commissão, porque o meu illustre amigo o sr. Francisco de Albuquerque veiu a esta camara propor um dia, sem que a maioria estivesse prevenida do caso, que nós fizessemos parte d'ella, e a maioria entendeu, consoante com o espirito liberal que queria representar, que lhe seria desairosa a rejeição d'aquella proposta, e por isso a approvou.
Eis aqui como nós entrámos.
Pois então não sabem todos que o governo ainda ha poucos dias confirmou os contratos celebrados com o sr. Burnay, apesar de estar prevenido officialmente pela commissão de inquerito á penitenciaria, que esses contratos eram suppostos e falsos? (Apoiados.)
E depois de todos estes factos anteriores e posteriores á restauração do governo, não querem que nós digamos que estão para sempre ligados ás tristes responsabilidades, da penitenciaria? (Apoiados.)
Podem fallar como quizerem. Podem fazer as declarações que lhes aprouver. Mais alto do que as suas palavras fallam os factos. (Apoiados.)
Esta questão não termina hoje. Ha do voltar mais vezes. Podem os srs. deputados novos ou velhos affirmar por todos os modos que não acceitam as suas tristes responsabilidades, que a eloquencia dos factos ha de prevalecer sobre as suas declarações, e nós continuaremos a dizer, que o partido regenerador achou ali a sua cruz, e que n'ella ha de ser crucificado. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)
O sr. Adolpho Pimentel: — Depois do que disso o illustre ministro dos negocios estrangeiros; depois da brilhante explicação que das suas phrases fez o sr. Manuel d'Assumpção, e depois do eloquente, e muito serio e muito alevantado discurso, que em seu nome e no do partido regenerador fez o sr. Julio de Vilhena, escusado seria que eu fatiasse.
Sr. presidente, se pedi a palavra quando o sr. Rodrigues de Freitas, talento que respeito e caracter a que faço justiça, disse que nós os rapazes novos que estamos n'esta camara tinhamos estremecido, quando o sr. Manuel d’Assumpção estava fallando, e tinhamos assim protestado tacitamente contra o que s. ex.ª avançava, se só então pedi a palavra, já tencionava fallar, quando o sr. Luciano de Castro, respondendo ao sr. Manuel d’Assumpção notou que s. ex.ª dissera «não são os deputados novos da maioria; somos nós o partido regenerador», separando as responsabilidades do partido da dos novos sectarios.
Se o partido regenerador tem alguma responsabilidade em algum acto publico e partidario, eu e os deputados novos d'esse partido tomámos toda inteira e completa essa responsabilidade. (Apoiados.)
Quando me filiei no partido regenerador não reneguei passado nenhum, não abjurei idéas que tivesse, não desertei de outras fileiras, não abandonei outros arraiaes. Os meus principios estavam em harmonia com os do partido regenerador; as idéas d'aquelle honrado e illustre partido eram as minhas; e foi por isso que n'elle me filiei. Creiam os deputados da opposiçâo que tomo inteira responsabilidade de todos os actos d'esse partido. (Apoiados.) Bem alto e bem solemnemente e digo, para que ninguem possa duvidar de que é sincera a minha declaração.
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Quando o sr. Rodrigues de Freitas affirmava que por causa da questão da penitenciaria é que o ministerio anterior tinha caído, e que o partido regenerador quizera obstar a que se fizesse luz n'essa questão, guerreando aquelle ministerio por isso, eu disse e de novo o assevero, não foi por isso, e fazendo essa asseveração disse apenas a verdade.
Não tinha então a honra de ter logar n'esta casa, mas acompanhava a discussão parlamentar, o sei portanto o que aqui se passava, e que alem d'essa questão, outras se trataram, e inquestionavelmente mais importantes. Discutia-se a gerencia financeira d'esse ministerio, e a esse respeito pronunciou um brilhante discurso o meu amigo o sr. Lopo Vaz, atacando forte e dignamente essa gerencia.
' Discutiu-se tambem a maneira por que o governo tratava a questão da penitenciaria; censurou-se o procedimento do então ministro das obras publicas, não por querer fazer luz sobre aquella questão, mas pelo modo por que a procurava, que não era dos melhores nem dos mais dignos.
Foi, é verdade, o sr. Julio de Vilhena, o deputado eloquentíssimo a quem o sr. Rodrigues de Freitas se referiu ha pouco, que censurou o governo, repito, não por querer fazer luz n'essa questão, mas pelo modo por que queria fazer luz, pela maneira, por que procedia a averiguações que mais tendiam a outro fim, que não ao descobrimento da verdade.
Sr. presidente, depois das explicações dadas pelos oradores d'este lado da" camara que me precederam, depois que fiz a declaração de que me associava á responsabilidade do partido regenerador, nada mais tenho a acrescentar, porque não desejo resuscitar questões mortas, nem levantar questões intempestivas.
A maneira como o sr. Barros e Cunha procedeu já foi discutida.
A questão da penitenciaria ha de vir á camara, e quando todos tiverem os documentos necessarios, porque ora os não têem, então se tratará essa questão, então se verá quem ou quaes são os verdadeiros criminosos, se é que os ha.
Por emquanto é intempestiva toda e qualquer discussão sobre esse assumpto.
O sr. Emygdio Navarro: — Sr. presidente, o illustre deputado, o sr. Julio de Vilhena, quiz desviar do partido, a que pertence e de que é distincto ornamento, as glorias da penitenciaria, e fel o com uma abnegação que contrasta notavelmente com a avidez com que ha um anno esse partido reclamava para si essas glorias como seu brazão de honra.
Sinceramente declaro que foi isto para mim uma completa surpreza!
Pôde ser natural e louvavel o arrependimento; mas, porque s. ex.ª se arrepende, não é justo que descarregue sobre a imprensa progressita as culpas da situação em que s. ex.ª e o seu partido se collocaram.
Não foi essa imprensa que fez d'esta vergonhosa questão uma alta questão politica, foi o partido regenerador que a converteu em titulo constitucional da sua restauração no poder.
S. ex.ª foi soberanamente injusto, e foi tambem falto de caridade, porque, falhando da imprensa que deprime caracteres respeitaveis, que offende a verdade e que enxovalha reputações immaculadas, não viu que ía ferir principalmente o homem que ali está sentado na bancada dos ministros (apontando para o sr. ministro do reino), e que mais do que ninguem precisa de benevolencia misericordiosa pelos desvarios da imprensa. (Apoiados.)
O sr. Freitas Oliveira: — Peço a palavra.
O Orador: — Todos nós nos deixamos influenciar pelas paixões, todos temos injustiças a confessar, todos nos deixamos cegar pelas excitações do momento e pela febre das irritações politicas.
O que se achar isento de peccado que atire a primeira pedra.
Mas quando o sr. Julio de Vilhena diz que tem a sua alma enlutada e inclinada ao desanimo por ver que a imprensa não respeita as cousas mais santas nem os caracteres mais illibados, e pretende attribuir a esse procedimento da imprensa progressista o desdouro que para o partido regenedor resultou da questão da penitenciaria, o illustre deputado esquece-se da verdade dos factos o offende' com as suas apreciações um dos chefes do partido em que milita, e que tem de certo direito a esperar de s. ex.ª mais favor e caridade.
A minha surpreza ao ouvir o sr. Julio de Vilhena declinar de si o do seu partido as glorias da penitenciaria é legitima.
Pois acaso não foi s. ex.ª um dos oradores, que na discussão memoravel, que precedeu o 27 de janeiro, mais violentamente combateu o ministerio Avila em nome da dignidade do partido regenerador, que deu como mortalmente ultrajada pelas providencias que elle tomára a respeito da penitenciaria?!
Pois não foi s. ex.ª que aqui se fez defensor dos factos arguidos, e zelador da honra do funccionario sobre quem principalmente recaía a responsabilidade d'esses factos?!
Aqui estão as suas proprias palavras como constam do Diario das sessões de 25 de janeiro.
(Leu.)
Eis-abi os termos em que o sr. Julio de Vilhena punha então a questão. O illustre deputado achegava, a si, n'uma solidariedade intima, o sr. Ricardo Julio Ferraz, considerava a honra d'elle como a, honra, do seu partido, dava-se por satisfeito e vencedor desde que lhe parecera que o caracter d'esse funccionario fóra deixado illibado por uma declaração do então sr. ministro das obras publicas, e chamando a isso a questão moral, como quem diz a questão de brios do seu partido, entrava na questão legal examinando uma a uma as providencias adoptadas pelo governo, e defendendo um a um os actos a que essas providencias se referiam.
Como é que vem agora dizer-nos que não defendeu os" actos perseguidos por aquelle ministerio? Como é que vem agora repudiar as glorias da penitenciaria, que tanto exaltou?
Ainda fez mais do que isso, porque s. ex.ª não se limitou a defender os actos arguidos e o engenheiro director da penitenciaria. Passando de defensor a acusador, s. ex.ª não só defendeu calorosamente o sr. Ricardo Ferraz o os seus actos, mas attribuiu ao sr. ministro das obras publicas de então os delictos que as providencias officiaes denunciavam. Sabe-se que um dos pontos do accusação foi o ter-se publicado uma portaria que declarava ter sido viciado um contrato feito entre o director da penitenciaria e João Burnay; pois o sr. Julio de Vilhena imputou aqui ao sr. Barros e Cunha essa viciação, pretendendo demonstrar que só por elle podia ser feita!
Agora diz que nada tem com as glorias da penitenciaria, que as ingeita, que nunca as perfilhou e defendeu, e que o seu partido as afasta de si, deixando a apreciação dellas para os tribunaes. Mas a esse tempo era s. ex.ª que as apreciava e exaltava, e tanto se julgava seguro dos seus juizos, que não tinha duvida em absolver de toda a culpa o director da penitenciaria, e em lançar sobre o sr. Barros e Cunha o odioso da imputação de dolosamente haver praticado os delictos que as providencias officiaes denunciavam. S. ex.ª absolvia um e condemnava o outro. E foi por assim considerarem a questão julgada e esclarecida, que verberaram o ministerio por haver transferido um delegado, que no processo da penitenciaria não promovera como era do seu dever. Agora entregam o caso á justiça; mas então consideravam a justiça como já tendo fallado em ultima e irrevogavel instancia! (Apoiados.)
Não foi só o sr. Julio de Vilhena que assim fallou. O
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sr. Manuel d'Assumpção talvez fosse ha pouco imprudente; mas foi com certeza coherente, e a coherencia é uma virtude.
O sr. Manuel d'Assumpção: — Não acceito o elogio que fez da minha coherencia, porque eu não disse que o partido tomava a responsabilidade dos actos praticados na penitenciaria.
O Orador: — Pois se não póde acceital-a, deite-a á rua, mas eu é que não posso deixar de attribuir-lh'a em respeito á verdade dos factos.
O illustre deputado esposou tambem como glorias do partido regenerador as glorias da penitenciaria, e por isso foi coherente quando ha pouco disse que esse partido queria ser julgado no processo do inquerito effectuado...
O sr. Manuel d'Assumpção: — V. ex.ª ouviu como eu expliquei a minha phrase.
O Orador: — O sr. presidente! O facto não é de annos, nem de mezes, nem de semanas, nem de dias, e nem sequer de horas. É recentíssimo; é de alguns minutos apenas. S. ex.ª disse: «Nós queremos ser julgados». E ainda explicou o seu pensamento, ampliando aquella formula, para fazer sentir que o nós não eram unicamente os deputados regeneradores, que aqui se encontram, mas que abrangia todos os membros do partido espalhados lá por fóra.
Pois se o nós é que ha de ser julgado, se o nós é que póde ser condemnado, como é que o illustre deputado diz' que o partido regenerador nenhumas responsabilidades tem na questão da penitenciaria?
(Interrupção do sr. Manuel d'Assumpção.)
O sr. Presidente: — Peço ao illustre deputado que não interrompa o orador.
O Orador: — Declaro, sr. presidente, que o meu espirito se perde n'estas distincções, verdadeiramente bysantinas, com que se procuram obscurecer os factos mais claros e as declarações mais terminantes. Ainda isso é um triste symptoma; porque quando em Bysancio essas subtilezas substituiram a boa logica, desmoronava-se um grande imperio, e em volta de nós, agora, tudo são tambem desmoronamentos! (Apoiados.)
Sr. presidente. Tinha o sr. visconde de Moreira de Rey o direito de protestar por si contra a affirmativa de que a opposiçâo ao ministerio Avila fóra determinada pela questão da penitenciaria. Não foi esta a primeira vez que n'esta casa fez s. ex.ª esse protesto. Effectivamente, o sr. visconde de Moreira de Rey declarou-se em opposiçâo áquelle ministerio logo no primeiro dia em que elle aqui se apresentou, e quando então ninguem presumia que havia de levantar-se a questão da penitenciaria, ou, pelo menos, que ella havia de tomar o vulto que depois tomou. S. ex.ª tem, pois, direito plenissimo de afastar de si as glorias d'aquella vergonhosa questão. Mas não succede o mesmo com o partido regenerador, que pela voz dos seus mais eloquentes oradores aqui defendeu essas glorias e as perfilhou como suas. (Apoiados.)
Nem teve outro fundamento a opposiçâo do partido regenerador ao ministerio Avila. (Apoiados.) O partido regenerador apoiou esse ministerio em todos os seu actos, cegamente, emquanto não appareceram as providencias relativas á penitenciaria e á administração das linhas ferreas do Minho e Douro. (Apoiados.) Até então, não faltou ao ministerio Avila o apoio do partido regenerador. Separaram-se por causa d'essas questões, e principalmente da primeira, que foi posta como questão de moralidade e de principios. E a que deve o sr. ministro da marinha o ter ascendido ao cargo que actualmente occupa, senão á vehemencia, com que aqui accusou o governo de então pelas providencias adoptadas a respeito da questão da penitenciaria e á calorosa indignação com que defendeu como honra do partido regenerador a honra do director d'aquelle edificio? (Apoiados.)
O partido regenerador não póde hoje libertar-se de uma solidariedade, que voluntariamente tomou. Tomou-a pelas
declarações da sua imprensa, e pelos discursos dos seus oradores n'esta casa do parlamento.
A fórma não podia ser mais solemne. O sr. Julio de Vilhena, o sr. Manuel d'Assumpção e o sr. Thomás Ribeiro, principalmente, aqui affirmaram essa solidariedade na discussão que precedeu a restauração do 27 de janeiro, por um modo que hoje não póde ser escurecido.
Tenham a coragem da coherencia, como nós temos a de nos mostrar fieis ás opiniões que então sustentámos (Apoiados.)
Em todo o caso, folgo com a declaração feita pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros, de que o partido regenerador repudia as glorias da penitenciaria. E folgo, porque essa declaração é o mais solemne desaggravo que o partido progressista podia deseja n'esta conjunctura.
Fomos atrozmente injuriados, temos sido calumniados nos nossos actos e nas nossas mais puras intenções, e estamos desaggravados e vingados! (Apoiados.)
São os nossos adversarios os que renegam o seu passado, e não nós, que a elle nos mostrámos fieis. Reneguem, muito embora, que, como muito bem disse o sr. Luciano de Castro, não poderão fugir a essa cruz.
Rasguem agora o que lhes foi titulo constitucional para a sua restauração no poder, mas digam-nos então em nome de que principio lá subiram e lá se conservam.
Tambem nós tivemos e temos a nossa cruz: o ostracismo a que nos condemnaram, mas não é ignominiosa (Apoiados.) Levantámos uma altissima questão de moralidade, e por ella fomos esbulhados do poder, que de direito nos pertencia, o que foi entregue aos que hoje têem de rasgar o titulo da sua inconstitucional restauração, por se envergonharem d’elle. Preferimos isso.
Antes continuar a ser crucificados por um injusto ostracismo do que ser crucificados na vergonha. (Apoiados.)
O sr. Rodrigues de Freitas: — Tenho unicamente a dar uma explicação que me foi pedida pelo sr. Julio de Vilhena.
S. ex.ª entendeu que eu tinha lançado, ou pretendia lançar sobre o partido regenerador qualquer responsabilidade por crimes praticados na penitenciaria. Parece-me que foi este o sentido das phrases de s. ex.ª
Se s. ex.ª se tivesse lembrado de que eu me colloquei em posição opposta á do sr. Manuel d’Assumpção, e que repeti a phrase do sr. Luciano de Castro, s. ex.ª veria que não tinha rasão para me increpar nem me interrogar; a resposta estava nas palavras que pronunciei.
Entendi simplesmente que o partido regenerador praticou um grave erro politico; á politica me referi sempre.
Foi o sr. Julio de Vilhena, cuja intelligencia eu muito respeito, e que é de certo uma das grandes capacidades do nosso paiz; foi o sr. Julio de Vilhena, cujo elevado talento eu reconheço, quem n'essa occasião mais violentamente atacou o governo por causa da penitenciaria; é que a politica partidaria póde muitas vezes imperar sobre os homens ainda os mais talentosos.
Eu, longe da camara n'esse tempo, lastimei que homens tão illustrados só tivessem phrases amargas contra o ar. Barros e Cunha, e nem um só elogio para quem tentava descobrir criminosos, nem uma só palavra para animar a punil-os.
Ainda mais. Eu vi com desgosto que o partido regenerador, pela bôca de tão auctorisados membros, contribuisse para que se considerasse a policia como sendo pouco respeitavel. Não bastava que tantos actos dos governos contribuissem para o desprestigio d'ella; era preciso que os representantes do povo tão pouco a respeitassem.
Eu não sei como os homens que prezam as instituições, e que até se dizem monarchicos, soltavam taes phrases que demonstram uma grande anarchia de idéas.
Um dos membros do partido regenerador, o sr. Adolpho Pimentel, deu prova da grande sinceridade com que está filiado n'elle, e de que a sua consciencia o levou para ahi,
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declarando que assume toda a responsabilidade dos actos praticados por esse partido.
Mas o illustre deputado, que fez esta declaração tão sincera e tão ingénua, acrescentou que não tinha senão esclarecimentos vagos ácerca da questão da penitenciaria; portanto s. ex.ª não póde tomar a responsabilidade senão em relação aos principios e idéas, e nunca em relação a actos que s. ex.ª confessa conhecer tão pouco.
O sr. Manuel d'Assumpção, cujo talento eu muito respeito, pretendeu a todo o transe explicar as palavras que proferiu: «nós vamos ser julgados! nós queremos ser julgados!»
Se o sr. Manuel d'Assumpção não disso estas palavras, como membro do partido regenerador, se não se referiu ao julgamento d'esse partido em face do processo da penitenciaria, a quem alludia então s. ex.ª? Quem era esse nós?
Creiam os membros do partido regenerador que as minhas palavras se referiam ao seu procedimento politico; julgo-o altamente censuravel; póde ser altamente conveniente para as opposições; mas foi sobremodo prejudicial para o partido regenerador.
Eu referi-me sempre;l parte politica da questão, e falhando dos homens novos, disse que, ainda que lhes falhassem de conveniencias politicas, elles de certo não votariam segundo ellas.
Demais, na occasião actual seriam pessimo guia taes conveniencias.
N'estes dias, em presença do que se passa na Europa, e do que se passa em Portugal, seria grandissimo desacerto attender aos interesses de uma acanhada politica. (Apoiados.) Esta conjunctura não é para que se approve qualquer proposta, unicamente porque foi mandada para a mesa por um membro da maioria, ou para que se rejeite porque foi apresentada por um membro da opposição.
Esta conjunctura é propria para que todos se convençam do que, se os partidos não quizessem servir nobremente o seu paiz conforme, os principios que acceitaram, se quizessem seguir unicamente o caminho das conveniencias particulares, a força das circumstancias os obrigaria a seguir ideal mais levantado que o de interesses ephemeros.
Estamos no dia 30 de janeiro; ha quasi um mez que se abriu o parlamento, e ainda nem sequer podemos tratar inteiramente, uma só das muitas questões que reclamam a attenção do parlamento. (Apoiados.)
Ainda hontem chamei a attenção de um membro do gabinete para um assumpto importante. Esperava que hoje, antes de se abrir a sessão, aqui estivesse algum dos srs. ministros, para logo depois dar explicações ácerca d'esse facto; mas não succedeu assim: mais tarde chegou o sr. ministro' dos negocios estrangeiros, que felizmente, por causa do que estou dizendo, acaba de pedir a palavra para dar algumas explicações sobre esse assumpto, que é tão grave.
Não sei se a camara julgará acertado fallar agora d'elle; sei só que é de alta importancia.
Talvez accusem a opposição (e convem desde já quebrar esta arma, a fim de que não use d'ella o sr. ministro dos negocios estrangeiros), talvez accusem a opposição de tratar hoje da penitenciaria; dirão que se esqueceu dos negocios de Lourenço Marques; mas a opposição tem pedido muitas vezes á maioria que quanto antes a camara entre regularmente nos seus trabalhos, a opposição tem dado todas as provas de que quer que se discutam negocios graves; e o da penitenciaria é um d'elles. A opposição tem estranhado que o sr. ministro da marinha (o qual, sem esperar que estivessem na camara alta todos os documentos relativos á Zambezia se deu por habilitado a responder á interpellação que ali lho fóra annunciada, que se deu até por habilitado antes de lhe ter sido annunciada, que o sr. ministro da marinha perante esta camara tomasse para motivo de se não ter dado como habilitado, o facto do não lerem sido enviados para aqui todos os documentos que lhe foram pedidos.
Emquanto que na camara alta s. ex.ª se dava por prompto para responder á interpellação antes de mandar os documentos, n'esta camara procede exactamente de modo contrario, e tanto se demora em vir responder!
Creio que a hora está a dar; e se a camara m'o consente, peço ao sr. ministro dos negocios estrangeiros se digne declarar se por parte do governo inglez foi dirigido ao governo de Sua Magestade algum pedido para que as tropas inglezas atravessem Lourenço Marques com o fim de irem combater os zulus.
Desejava ouvir explicações de s. ex.ª a este respeito.
E devo acrescentar, que sinto quê a maioria, sabendo qual era o negocio urgente de que desejava occupar-me, julgasse que me não devia dar a palavra para tratar do um negocio tão grave! (Apoiados.)
Sinto que a maioria suppozesse, depois de me ter dirigido hontem ao sr. ministro das obras publicas de um modo tão benevolo, que eu quizesse converter uma alta questão politica n'uma questão de politica pequenissima! (Muitos apoiados.)
O sr. Caetano de Carvalho (para um requerimento): — Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se quer que se prorogue a sessão até se votar a proposta do sr. Luciano de Castro.
Consultada a camara decidiu affirmativamente.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Embora o meu antigo amigo, o sr. Rodrigues de Freitas, quizesse destruir antecipadamente um argumento que suppoz que podia ser apresentado contra a opposição com respeito aos trabalhos parlamentares, eu não trato d'isso; não venho fallar da maneira por que os dois lados da camara encaminham os seus negocios, porque não tenho a honra de pertencer a esta casa do parlamento.
S. ex.ª referindo-se a mim e a uns pedidos de informações que hontem fizera, pareceu que me censurava por eu não me haver apresentado mais cedo n'esta camara.
Se s. ex.ª tivesse tido a complacencia de me annunciar sobre o assumpto uma interpellação, ou uma pergunta, podel-o-ía estranhar; de outro modo não. (Apoiados.)
O sr. Rodrigues de Freitas: — Julgava que o sr. ministro das obras publicas lhe teria dito que eu desejava fazer uma pergunta a v. ex.ª
O Orador: — O sr. ministro das obras publicas disse-me o que se havia passado, e por isso vim hoje a esta camara, não tão cedo como o illustre deputado desejava.
Esta falta, porém, explica-se por motivos de serviço publico: hoje era dia de audiencia do corpo diplomatico. E apenas terminou este serviço essencial do meu cargo, vim para as camaras.
Agora, resta-me fallar do assumpto sobre que o illustre deputado fez uma pergunta ao governo.
Sou obrigado a manter-me sobre esse assumpto na reserva que exigem negocios d'esta ordem. (Apoiados.)
O governo inglez pediu effectivamente ao governo portuguez que lhe permittisse que as forças inglezas, desembarcando em Lourenço Marques, ponto mais proximo do Transvaal, mas que não é propriamente aquelle onde se faz a guerra, podessem d'aquelle porto levar mais depressa a segurança e a paz ao territorio que é seu.
Sobre isto está pendente uma negociação.
Quando essa negociação tiver um resultado qualquer, que precise da approvação do parlamento, ser-lhe-ha presente.
Até agora nada ha que precise da sancção do parlamento, porque é uma, negociação pendente.
O sr. Freitas Oliveira: — Louvo e applaudo a opposição sempre que ella no campo legal do parlamento combate legitimamente os seus adversarios, usando nas discussões da linguagem propria da casa em que estamos. (Apoiados.)
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Nunca censurei a opposiçâo por ella fazer todas as diligencias ao seu alcance, no campo da legalidade, para combater os governos seus adversarios. (Apoiados.)
Ouvi sem espanto e até com prazer a um illustre deputado da opposiçâo, que jurara respeito ao Rei, e manter e guardar as instituições, declarar leal o francamente que era republicano.
Fiquei satisfeito commigo mesmo por ver que n'um paiz monarchico, e estando n'uma casa onde a quasi totalidade dos seus membros são monarchicos, ninguem se surprehendêra, nem indignara, com esta declaração do illustre deputado.
Esta satisfação não a têem os membros dos parlamentos estrangeiros, onde as instituições são republicanas. (Apoiados.)
Se ali se levantasse algum deputado e declarasse que era monarchico, essa declaração não seria de certo recebida como o foi aquella a que me referi. (Apoiados.)
E, pois, grande a minha satisfação ao ver o meu paiz, que não póde comparar-se ás nações poderosas, nos seus melhoramentos e na sua força, exceder as melhores republicas, na mais ampla liberdade que dá ás manifestações do parlamento. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)
Passando á questão da penitenciaria, direi que não a discuto, nem a quero julgar.
Estavam todos de accordo em annuir aos desejos da opposiçâo, para que se publicassem todos os documentos que a commissão de syndicancia, hoje dissolvida, tinha mandado a esta casa; e um dos principaes ornamentos d'esta tribuna, o sr. Manuel d’Assumpção, meu collega e amigo, foi ainda mais longe do que os illustres deputados da opposiçâo, pedindo, com applauso de toda a assembléa, que se publicassem todos os documentos. (Apoiados.)
Levantou-se uma questão sobre o tempo que esses documentos poderiam levar a publicar-se, e n'essa questão não entro, porque foi tratada de um modo eloquente e brilhantissimo pelo meu amigo o sr. visconde de Moreira de Rey. (Apoiados.)
O que, porém, suscitou quasi toda a discussão que tem havido, e que nos deu o prazer de ouvir bellos e eloquentíssimos discursos, aliàs perfeitamente inuteis para o bem da patria e para a resolução da questão de que se trata (Apoiados.), foram umas palavras proferidas pelo meu illustre collega o sr. Manuel d’Assumpção.
S. ex.ª disse: «Nós queremos ser julgados; queremos que se publiquem todos os documentos, para se julgar o partido regenerador. Mas estas palavras não significam que o orador pedisse uma sentença para o partido regenerador na questão da penitenciaria; significam o desejo de que se saiba qual foi a parte que esse partido toma n'essa questão, e a responsabilidade que lhe cabe. (Muitos apoiados.) Essa responsabilidade ha do provar-se, pelos documentos que ahi estão (apontando para a mesa), que foi nenhuma. (Apoiados.)
Tenho pena de que o sr. Luciano de Castro se arrependesse de uma sincera declaração que fez, de um rasgo de generosidade que teve no seu discurso, quando disse que um homem não podia deshonrar um partido.
Nem os actos de um homem, nem mesmo os de muitos homens, deshonram um partido. Um partido só se deshonra praticando, pela manifestação do seu voto no parlamento, um acto indigno e contrario á moral e aos interesses do paiz. (Apoiados.)
Tambem se trouxe para accusação que se tem feito ao partido regenerador as allegações que na imprensa se têem escripto contra esse partido.
Eu nunca trarei para esta casa as questões da imprensa, porque me parece e entendo, que as questões da imprensa se tratam na imprensa, as questões do parlamento no parlamento, e as questões pessoaes nos tribunaes de honra ou no campo em que se apresentar quem tem dignidade do responder com a sua vida pelas demasias da sua palavra.
Sr. presidente, eu nunca tomei os actos de qualquer empregado da penitenciaria, como actos de um partido. Como é que se póde tomar a responsabilidade de um homem e fazer por ella responsavel um partido inteiro?! (Apoiados.)
Pois não se viu tambem que a imprensa do partido progressista, toda ella advogou a causa do assassino do alferes Brito? (Apoiados.) Não vêem que se proclamou que elle era um heroe?! (Apoiados.) E tem, porventura, o partido progressista alguma complicidade no crime que aquelle homem praticou?
Não; nunca o direi aqui, nunca o poderei dizer. (Apoiados.)
Por consequencia, qualquer que seja o acto praticado por um empregado ou empregados da penitenciaria, por mais extraordinario que elle fosse, o partido regenerador não tem d'esse facto responsabilidade nenhuma. (Apoiados.)
Sr. presidente, eu não quero tomar tempo á assembléa, nem abusar da attenção d'ella, porque a hora está muito adiantada. Esta questão da penitenciaria ha de aqui voltar e então fallaremos.
Só peço a v. ex.ª que recommende e marque de vespera a hora em que se deve entrar no dia seguinte na ordem do dia. Peço que diga antes de se fechar a sessão: « a ordem do dia para ámanhã começa a tal hora, e depois d'essa hora dada, ninguem tem a palavra, nem da opposiçâo nem da maioria para outro objecto, salvo quando a camara reconhecer a urgencia do que se trate de outro assumpto.
A hora para se entrar na ordem do dia deve ser designado por v. ex.ª, porque é necessario entrarmos na discussão dos negocios importantes, e é preciso para isso que se entre a uma hora designada na discussão dos assumptos dados para ordem do dia. (Apoiados.)
O sr. Mariano de Carvalho: — Sr. presidente, duas palavras apenas.
A camara é testemunha de que, alludindo hontem á questão da penitenciaria, eu não pretendi julgar nem censurar ninguem. A camara é testemunha de que a todos me dirigi com a maior moderação.
Respeito o caracter pessoal de todos, e não quiz de modo nenhum anticipar juizos.
A camara é testemunha de que ainda hoje, repetindo-se a questão da penitenciaria, não me referi a ninguem, não condemnei ninguem; não quiz procurar quaes eram as responsabilidades, nem quem as tinha: o que quiz foi que a publicidade dos documentos fosse real, e não fosse adiada por modo "mais ou menos engenhoso. Entenda-me quem quizer.
Publiquem-se esses documentos em dia e praso determinado, e sob pretexto nenhum se demore a publicação.
E entenda-se por uma vez que este meu procedimento sobre a questão da penitenciaria, quando n'ella estou tambem envolvido, provém da consciencia das graves responsabilidades que tambem sobre mim pesam como syndicante.
Espero a publicação dos documentos, e aguardo os meus adversarios politicos na discussão.
Hoje, ouso dizer-lhes apenas como conselho prudente: cuidado com o fogo, olhem que se podem queimar. Olhem que não sabem até onde chegam as consequencias dos desvarios da penitenciaria.
Acceitem o conselho se quizerem, se não quizerem não o acceitem; mas hão de arrepender-se de não o acceitarem.
O sr. Hintze Ribeiro: — Pedi a palavra na occasião em que um dos membros d'esta casa, que mais respeito e considero, pelas tradições da sua intelligencia e da sua independencia de caracter, o sr. Rodrigues de Freitas, aconselhava aos deputados que tinham a honra do entrar pela primeira vez n'este parlamento, que nas discussões o votações que fossem affectas a esta casa se não deixassem levar por suggestões politicas, mas que se guiassem pelos dictames das suas consciencias.
Sinto, e sinto profundamente que s. ex.ª se não tivesse
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lembrado de que nos fazia assim uma insinuação desairosa, porque deixava suppor a possibilidade de nos transviarmos do cumprimento dos nossos deveres e de pormos de parte os dictames da nossa consciencia, para seguirmos unica o exclusivamente as conveniencias do nosso partido. (Apoiados.)
Seria por certo fazer injuria ao caracter de s. ex.ª o suppor que, quando s. ex.ª se levanta n'esta casa e ergue a sua voz para combater as medidas do governo, s. ex.ª não o faz por convicção propria, mas sim por satisfazer aos compromissos tomados lá fóra, ou para obedecer ás imposições dos seus amigos politicos.
S. ex.ª, pois, veiu aqui lançar uma insinuação que eu rejeito e todos os meus collegas, porque a não merecemos (Apoiados.), e porque temos a consciencia de que saberemos cumprir o nosso dever. (Apoiados.)
Mas diz-se: «Ha imposição politica na questão da penitenciaria». Aonde está essa imposição politica? (Apoiados.) Eu não a vejo nem da parte do governo nem da parte da maioria. (Apoiados.)
Nós não temos a menor duvida em formular uni voto consciencioso sobre o assumpto, mas é necessario primeiro vermos, examinarmos e conhecermos todos os elementos que nos esclareçam; sem isso não o podemos formular nem emittir com segurança. (Apoiados.)
Quando o anno passado a maioria d'esta casa combateu o governo do sr. duque d'Avila, a maioria não o combateu porque esse governo se tivesse lembrado de entrar na investigação de qualquer erro, ou qualquer facto, mais ou menos criminoso que se desse na administração das obras da penitenciaria.
A maioria atacou o governo pela maneira por que o governo procedeu a essa investigação. (Apoiados.)
S. ex.ª o sr. Barros e Cunha, e não fallo na sua ausencia, mas frente a frente, s. ex.ª o sr. Barros e Cunha, sabendo que as obras da penitenciaria estavam confiadas a um elevado funccionario, que era membro do partido regenerador, em vez de proceder leal, digna e imparcialmente, mandando proceder a um inquerito aquellas obras quando soube ou lhe fizeram participações de que n'ellas se tinham introduzido abusos, s. ex.ª em vez de fazer isto, foi furtivo e clandestinamente introduzir-se n'aquelle edificio, lançando uma suspeita odiosa sobre a administração de um funccionario que tinha por si a reputação de um caracter integerrimo e nobre.
Foi contra este procedimento menos leal, menos coherente e menos digno de quem occupa o elevado cargo de ministro d'estado, que a maioria se revoltou. Revoltou-se tambem contra os actos do sr. Barros e Cunha, porque vendo que havia um contrato firmado pelo engenheiro Ricardo Julio Ferraz e pelo sr. João Burnay, s. ex.ª entendeu que podia arrogar a si a attribuição de annullar esses contratos, que era uma convenção devidamente assignada e firmada, e que como tal representava um facto consummado.
Por consequencia, não foi contra os desejos manifestados pelo governo presidido pelo sr. duque d'Avila de syndicar contra os abusos da penitenciaria que o partido regenerador se insurgiu; foi contra o modo por que procedeu a esta indagação. (Apoiados.)
Fique isto bem demonstrado.
Foi depois que a imprensa da opposição e alguns membros da minoria d'esta casa fizeram opposição ao actual governo, imputando-lhe toda a responsabilidade pelos erros e abusos commettidos na penitencia. E esta responsabilidade que nós declinámos.
Quando o actual governo veiu occupar estas cadeiras, uma das primeiras cousas que se fez foi nomear uma commissão do inquerito á penitenciaria.
O sr. Francisco de Albuquerque: — Não foi o governo, foi o sr. Osorio de Vasconcellos que propoz a nomeação da commissão.
O Orador: — Mas essa commissão não póde concluir os seus trabalhos, e a camara resolveu nomear outra commissão, para se poder fazer um juizo seguro sobre este assumpto, publicando-se todos os documentos a elle referentes.
O que, pois, a maioria quer, o que ella deseja é que a questão seja resolvida em face de todos os documentos, de todas as informações, e que se não levante uma questão extemporanea e sem que haja base para ser discutida. (Apoiados.)
E necessario, pois, que fique bem assentado que nós não fugimos á discussão em todos os pontos em que ella se apresente; mas que não tomámos a responsabilidade de quaesquer actos criminosos que se tenham praticado na administração da penitenciaria. Fique tambem assentado definitivamente que nós em vez de fugirmos á publicidade, pedimos com o maximo empenho que se publiquem todos os documentos que foram mandados á camara pela commissão e ainda outros quaesquer que possam vir a ser apresentados. Só assim é que se póde julgar e avaliar devidamente a questão. Mas julgar sem ter todas as peças do processo e todos os documentos e elementos de prova, isso é que não póde ser.
Nós respeitamos muito o caracter do sr. Luciano de Castro, mas não podemos acceitar como dogma as declarações de s. ex.ª, que por vezes degeneraram em ameaça, porque s. ex.ª disse que não era só um élo, mas muitos que nos prendiam a esta vergonhosa questão. Pois bem, quando os documentos vierem, quando a publicidade for completa, dar-lhe-hemos resposta cabal, e então verá s. ex.ª o partido regenerador tomar a attitude que tem sempre tido, e que tem presidido a todos os seus actos, que só são inspirados pelo dictame da sua consciencia.
O sr. Emygdio Navarro: — Sr. presidente, permitta-me v. ex.ª e a camara que, n'esta discussão que vae correndo, eu intercale um incidente que talvez lhe devesse ficar estranho. Sei que n'isso contrario um pouco a boa ordem dos trabalhos parlamentares; mas eu supplico a v. ex.ª e faço um instante appêllo á generosidade da camara, para que se me conceda dizer algumas palavras em resposta ás gravissimas accusações, que a proposito do julgamento de Antonio Coelho o sr. Freitas Oliveira dirigiu ao partido progressista.
V. ex.ª e a camara comprehendem, que depois de se fazerem accusações tão graves, qualquer demora em repellir os fundamentos dellas, daria azo a uma impressão odiosa, que nem por leve tempo queremos sobre nós. Essas accusações foram principalmente dirigidas á imprensa do partido progressista; e este partido, que não repudia a sua imprensa, não póde demorar as explicações que o caso reclama, porque n'elle se envolve uma altíssima questão de principios.
Supplico, por isso, á benevolencia de v. ex.ª e á generosidade da camara, que me permitta dizer algumas palavras sobre o melindroso assumpto a que fomos chamados.
Disse o sr. Freitas Oliveira que os jornaes progressistas tinham defendido um vil assassino, e que tinham aberto subscripções em favor d’esse criminoso. Do primeiro ponto vou já fallar. Em relação ao segundo, convido o illustre deputado, em nome da sua lealdade, a que diga quaes foram os jornaes progressistas que abriram essa subscripção.
O sr. Freitas Oliveira: — Comprometto-me a apresental-os ámanhã na camara.
O Orador: — Bem. Espero que o illustre deputado cumprirá lealmente a sua palavra.
O sr. Freitas Oliveira: — Salvo se as palavras — partido progressista — significavam então outra cousa, que hoje não significam, por não estar constituido ainda em partido. N'esse caso retiro a minha palavra.
O Orador: — Para o caso, o partido é o mesmo, porque elle acceita as responsabilidades das suas origens.
E por isso confio não ter feito um appello á lealdade do
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illustre deputado, esperando que saberá cumprir a sua promessa.
Passo agora ao outro ponto da accusação.
É verdade ter o partido progressista combatido o fuzilamento de Antonio Coelho; mas isso não quer dizer que defendesse um vil assassino, porque o que elle defendia era a inviolabilidade da vida humana. (Apoiados.)
Não defendemos o vil assassino; combatemos o assassinato legal! (Apoiados.)
Fui eu um dos primeiros a entrar na lucta. Tive por companheiro um dos maiores talentos d'esta terra, o nosso mais distincto dramaturgo, intelligencia tão vigorosa e culta como é caracter honestíssimo. Nós ambos, elle o luctador vigoroso e experimentado, e eu, o jornalista obscuro e humilde, cruzámos as nossas pennas sobre a cabeça do Antonio Coelho, e tendo só por amparo a nossa coragem e as nossas convicções, podemos aparar os golpes de tantas espadas, que sobre elle se erguiam ameaçadoras, e desviar-lhe do peito as balas, que a cada momento ameaçavam transpassal-o! (Muitos apoiados.)
Éramos nós sós. Outros, e valentes, vieram depois; mas a principio fomos os unicos! (Apoiados.)
O assassinato do infeliz Palma e Brito produzira uma sensação profunda; e nos desvairamentos d'ella, quando o sentimento se insurgia violentamente contra a rasão fria, a opinião publica pedia quasi unanimemente a execução capital do criminoso. E nós ambos, impellidos pela consciencia do dever de um partido, que nos confiara um posto de honra, e traduzindo a voz dos seus chefes, luctámos contra a effervescencia das paixões, luctámos contra o desvario, momentâneo mas imponente, da opinião publica, luctámos contra as calculadas instigações do governo, que para servir os seus fins fizera passear pelas ruas do Lisboa, com lugubres pompas, o cadaver da victima (Apoiados.); luctámos contra as cóleras impetuosas de uma classe inteira, o pavor dos meticulosos, o exaspero da dor, e de tudo triumphámos! (Muitos apoiados.)
Ainda bem que o illustre deputado me recordou essa pagina da minha vida politica! Por muito que esta dure, não tenho esperança de escrever outra por que tanto me orgulhe! Consintam este desvanecimento a quem é tão pobre de titulos de gloria, porque o nosso triumpho foi effectivamente grande.
E que maior podia elle ser do que havermos iniciado uma transformação tão completa nos sentimentos do paiz, que o governo se via obrigado a dar-nos rasão, e a arrancar ás espadas a vida, que as nossas pennas lho pediam?! (Apoiados.) Accuse, embora, o illustre deputado o partido progressista por ter defendido em Antonio Coelho o principio da inviolabilidade da vida humana. Podemos bem com a accusação! (Apoiados.) Mas seja logico e coherente, e accuse primeiro o governo, que tendo trazido ao parlamento uma lei de sangue, que fez votar de assalto, a leve de rasgar aos pés do partido progressista logo ao primeiro caso, que se lhe offereceu, para execução d'ella. (Apoiados.) Ainda quando a accusação não tivesse por fundamento uma iniquidade social, não seria d'esse lado da camara que ella poderia ser formulada contra nós. (Apoiados.)
N'esta lucta porfiada, que foi uma verdadeira campanha, o partido progressista inspirou-se na coragem das suas convicções e na inflexibilidade dos seus principios. E guiou-o tambem a prudencia,.porque com isso fez um grande serviço á ordem social. Em prova do que avanço, permitta-me a camara que lhe cite um facto succedido em paiz estrangeiro, e que mais virá a proposito por ser agora muito conveniente que dos exemplos de fóra tiremos lições para o governo da nossa casa.
Em uma das cidades da Italia, em Pavia, se bem me recordo, tramou-se uma conspiração republicana em vida do fallecido e chorado monarcha Victor Manuel. N'essa conspiração entraram alguns elementos militares, e entre estes um cabo de esquadra, de nome Pietro Barsanti, o qual fechou a sua companhia na caserna, e resistindo aos seus superiores impediu que ella saísse a combater os revoltosos. Pietro Barsanti foi julgado em conselho de guerra e condemnado á morte. A sentença foi executada, por satisfação ás exigencias dos que reclamaram um desaggravo-á disciplina militar, e um exemplo moralisador, e quando começava a circular na Italia um abaixo assignado pedindo a commulação da pena. Quer saber a camara qual foi o resultado d'aquella acquiescencia precipitada e imprudente ás vozes dos que pediam sangue?!
A reacção do espirito publico foi proporcional á violencia da iniquidade, Succede sempre assim. Pietro Barsanti, que era, um criminoso, foi elevado á apotheose do martyrio. A consciencia popular desvairou como o poder central tinha desvairado, e pela Italia espalhou-se como uma lepra a organisação dos clubs Barsanti, que adoptaram o nome do justiçado para seu emblema e como um protesto contra os abusos e as iniquidades do podei". O governo italiano persegue em balde esses clubs, e elles surgem-lhe por toda a parte. E a nodoa de sangue de lady Macbeth, que não se apaga. Persegue, porque são um instrumento de dissolução social; mas daria antes sommas avultadas, faria enormes sacrificios, para poder resuscitar o justiçado, e restituir-lhe a vida, que tão imprudentemente lhe tirou. Ahi está o criminoso feito martyr e o martyr convertido em instrumento de propaganda revolucionaria.
Foi este perigo que o partido progressista evitou. Antonio Coelho era um grande criminoso, mas era, necessario que ficasse só criminoso, o que para as consciencias perturbadas se não fizesse d'elle um martyr. (Muitos apoiados.) Ninguem evoca hoje o seu nome como uma ameaça; mas, se tivesse sido fusilado, a sua memoria havia de ser invocada como um protesto e um emblema de funestissimas resistencias. (Apoiados.)
Sr. presidente, eu vou concluir, porque não é justo que este incidente se prolongue. O illustre deputado, a quem tenho a honra de responder, accusou-nos de havermos defendido um vil assassino. Não foi o assassino que, defendemos, foi o principio de inviolabilidade da vida humana, que hoje póde proteger um grande criminoso como Antonio Coelho, e ámanhã um general illustre como Gomes Freire...
O sr. Pereira Leite: — Gomes Freire não foi um assassino. (Rumores.)
O Orador: — Perfeitamente. Gomes Freire, o justiçado da esplanada da, torre de S. Julião, não foi um assassino, e sim um patriota benemerito. Mas quebrada, a, tradição da inviolabilidade da vida humana, sacrificado o principio, as paixões politicas, as vinganças rancorosas ou simplesmente os erros judiciarios, nem sempre saberão distinguir entre o patriota e o grande criminoso.
O principio, e só elle, foi o que o partido progressista quiz defender e salvar. Honrâmo-nos por isso.
De tantas glorias passadas, poucas restam ao nosso paiz. No presente, não sei que tenhamos outra a não ser esta do sermos quasi uma excepção na Europa na abolição da pena, de morte e dos espectaculos de sangue. Mas esta, é grande. E eu terei sempre muitissimo orgulho em haver concorrido, ainda que em diminuto quinhão e esforço, para que o partido progressista a, mantivesse immaculada para o meu paiz!
Disso.
Vozes: — Muito bem.
O sr. Rodrigues de Freitas: — Tenho mais uma vez de tomar a palavra visto que sobre mim recaíu... Vozes: — Votos, votos. Deu a hora.
O Orador: — Ha vozes da maioria que dizem que deu a hora?!
Qual é a hora? Pois não se prorogou a sessão? Querem tirar me a palavra?... (Sussurro.)
Vozes: — Falle, falle.
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O sr. Presidente: — Peço ordem e que não se façam interrupções.
O Orador: — As accusações que me fizeram hei de responder, e responder triumphantemente.
Alludiu-se a eu ter prestado juramento, apesar de ser membro do partido republicano; ao sr. Freitas Oliveira, filho adoptivo de José Estevão, agradeço que, embora fazendo tal allusão, fallasse na franqueza com que eu disse na camara que era deputado republicano.
S. ex.ª não quiz de certo accusar-me, porém contrapondo ao juramento a minha declaração, e tendo s. ex.ª sido apoiado, é muito possivel que outros membros d'esta casa vejam uma accusação nas palavras de s. ex.ª
Accusar-me-hão de contrariar a lei? Não a transgredi, não fui perjuro; mas não a contrariaria o sr. Freitas Oliveira, referindo-se com elogio ao tribunal de honra, isto é, ao campo dos duellos? O duello é um crime punido pelo codigo penal. O deputado é inviolavel pelas palavras que profere n'esta casa, e não é com duellos que se ha de responder ás suas opiniões; por ellas a carta o declara inviolavel; tanto como o poder moderador.
Tenham cautela com as palavras que proferem contra o deputado republicano, que nem uma só phrase proferiu aqui ácerca do poder- moderador.
(Susurro.) -
O sr. Presidente: — Peco ordem.
O Orador: — Tenham prudencia para com elle, que tem sido generoso; e que nos meetings do Porto, perante assembléas muito respeitaveis, fallou de modo que ninguem teve que o censurar e que até mereceu elogios do jornal de que tem sido redactor Antonio "Rodrigues Sampaio. Tenham prudencia para com elle, se não querem ouvir a resposta do republicano que prestou juramento; elle póde investigar onde estão n'este paiz os que juraram em vão.
(Susurro.)
O sr. Presidente: — Peço ordem. O Orador:- Perguntem a El-Rei quem é que, por occasião da revolução de 1870, rasgou a carta constitucional. (Susurro.)
Perguntem-lhe se foi algum deputado republicano. Perguntem-lhe se porventura os decretos da nomeação de novos ministros...
(Apoiados.)
(Sussurro.)
Vozes: — Isto não póde ser.
O sr. Presidente: —O sr. deputado dá-mo licença? O Orador: — Pois não?
O sr. Presidente: — Peço-lhe o favor de não se referir ao Rei, porque é prohibido. (Apoiados.)
O Orador: - Eu posso usar da linguagem que era permittida aos deputados miguelistas; posso usar da linguagem que era permittida a um grande talento d'esta terra, o sr. Pinto Coelho; posso fallar... de um alto personagem.
Um alto personagem, que eu conheço, jurara cumprir certa lei, obrigara-se a não nomear novos serros, nem a praticar certos actos senão conforme ella. Um dia, esquece-se, nomeia outros individuos, embora dignos, mas que não procediam da lei, e sem se importar de que alguns dos titulos de nomeação fossem passados como o seriam se tal lei houvesse sido observada,.
Aqui tem a camara, como ás vezes ha, individuos, collocados em certa, posição, que entendem que, o não obedecerem ao juramento prestado é cousa tão simples, ou tão perdoável, que d'ahi não resulta, mal para ninguem.
Eu poderia ainda fallar da, casa de Bragança, eu poderia ler documentos que provam que ella influiu em eleições e depois examinar se tal influencia está de accordo com certo juramento.
Vozes: — Ordem, ordem.
O Orador: — Não ha artigo nenhum na carta constitucional que dê a inviolabilidade á, casa do Bragança; a inviolabilidade é para o poder moderador.. i
Uma voz: — Isso é sabido.
O Orador: — Pois se é sabido, não deviam alguns membros da maioria chamar-me á ordem.
Eu dei o meu juramento com a minha, consciencia...
O sr. Manuel d'Assumpção: — Essa é que é a questão.
O Orador: — O sr. Manuel d'Assumpção tem duvida...
O sr. Manuel d'Assumpção: — Eu não tenho duvida alguma sobre o juramento do illustre deputado. (Apoiados.)
O Orador: — Desde o momento em que a camara está convencida, de que o meu juramento foi dado em consciencia e é compativel com a minha profissão de fé republicana, não teria eu de dizer mais nada; mas no interesse do partido republicano, a, que tenho a honra do pertencer, vou dizer que se póde prestar juramento tal qual o que se prestou n'esta casa, o ser republicano.
Ignoro se ha mais republicanos n'esta casa; parece-me que os ha (Riso.) e é bom que os haja como eu entendo que devem ser os republicanos. É conveniente que n'esta camara haja membros de um partido que representa o futuro, como já os houve de um partido que representava o passado. Quando ha dias o sr. Freitas Oliveira, com grande sinceridade e dessassombro, fez n'esta casa o elogio de republicas estrangeiras, eu tive o prazer de apoiar s. ex.ª
De mim posso dizer, como já uma vez aqui o affirmei, que nunca pertenci a associações ou clubs que não fossem completamente legaes, e que o meu nome não se encontra nem nos registos da policia como mal procedido em politica, nem creio que esteja em qualquer denuncia feita ao governo. Se ha alguem que diga que a minha vida de republicano tenha sido differente d'aquella que se mostra em publico, diga-o francamente, porque hei de convencel-o completamente do contrario.
Sou republicano evolucionista; entendo que ás monarchias hão de succeder republicas, será essa a consequencia natural dos phenomenos sociaes. Andam trabalhando a favor d'ella até áquelles mesmos que são monarchicos. O proprio sr. Andrade Corvo, que tanto se empenha no desenvolvimento economico das colonias da Africa, está contribuindo para o progresso da republica.
Apesar do todo o respeito que se deve ás dynastias, e é muito natural que na Africa, á medida que os povos se forem desenvolvendo, elles não pensem na fundação de dynastias; são... uns africanos; farão como na America uns pobres americanos; assim todas as colonias se fundirão em republicas. Já n'aquelle continente ha mais do que uma.
Mas voltemos emfim ao juramento.
Talvez que a camara não saiba... sabe, mas não se lembra, que não ha aqui um deputado, de quem não se possa dizer, que não fez bem em jurar?! E a rasão é muito simples.
N'aquelle evangelho sobre que pomos a mão, se lêem estas palavras de Christo: «não jures». Ora o primeiro acto que nós praticámos jurando, o primeiro acto que se exige nos tribunaes ás testemunhas, é contrario a uma das phrases d'aquelle grande monumento biblico, chamado Sermão da Montanha!
Parece-me que é n'elle que se diz aos christãos: «não jureis».
O sr. Moreira Freire: — Diz: não jureis em vão.
O Orador: — Não jureis em vão, diz o illustre deputado! Permitta-me s. ex.ª, cujo caracter sacerdotal muito respeito, que lhe diga que essas palavras são do Decálogo, e não do Evangelho; e s. ex.ª sabe que Jesus Christo não escreveu o Decálogo. (Hilaridade.)
(Interrupção do sr. Moreira Freire.)
O sr. Presidente: —O sr. deputado está fazendo divagações que prolongam a discussão, e que em nada se referem ao assumpto da proposta do sr. Luciano de Castro.
Vozes: — Falle, falle.
O Orador:- Dizia o sr. Moreira Freire que n cine ali
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se diz é não jures em vão; não é assim; o Evangelho diz: não jures, nem pelo céu, nem pela lua cabeça, nem por outras cousas de que agora me não recordo. Estas palavras de Jesus Christo acham-se muito expressas no Evangelho.
(Interrupção do sr. Moreira Freire que se não percebeu.)
(Neste momento estabeleceu-se um dialogo entre o orador t o sr. Moreira Freire.)
O sr. Presidente: — Peço ao sr. deputado que não interrompa o orador.
O Orador: — Já vê pois, v. ex.ª, que o juramento prestado por todos nós não é tão livre de objecções como póde parecer á assembléa.
Mas tudo quanto tenho dito não é para me desculpar; o meu juramento, embora eu seja republicano, de modo algum é contrario á minha profissão de fé politica. O meu juramento, quaesquer que sejam as palavras regimentaes, é subordinado á carta constitucional. O regimento vale incomparavelmente menos do que a lei fundamental da monarchia portugueza.
Não tenho duvida em ser o que jurei que seria, isto é, fiel ao Rei, á religião do estado e contribuir para fazer leis justos e sabias, dentro dos limites da carta constitucional, porque assim como dentro dos limites nos é permittido reformar o poder judiciario, tão importante como os demais, tambem nos é permittido reformar qualquer outro poder; o que importa, para sermos fieis ao que jurámos, é que reformemos constitucionalmente e não por meio da revolução.
Ora eu não pertenço a nenhum partido que queira a revolução; a não ser (e n'este caso têem sido revolucionarios os maiores respeitadores da lei) quando os mais santos direitos são contestados, direitos que nenhum poder deve violar.
Emquanto não houver essa violação, em quanto esta tribuna estiver patente, emquanto houver imprensa livre, entendo que a revolução é completamente desnecessaria, e seria um grande mal. (Apoiados.)
Digo isto com a mais profunda convicção, e os actos do meu passado respondem completamente pela sinceridade d'estas declarações.
Era isto o que eu tinha a dizer á camara.
Vozes: — Muito bom.
O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Freitas Oliveira.
O sr. Freitas Oliveira: — Não tenho que dizer agora senão que ámanhã apresentarei na camara, para o sr. Emygdio Navarro ver, a prova de que alguns jornaes do partido progressista têem defendido o assassino Antonio Coelho.
O sr. Pereira Leite: — Pedi a palavra quando um illustre deputado da minoria se defendia a si e ao seu pari tido, e declarava quaes eram os motivos que teve para defender o celebre criminoso Antonio Coelho; e pedi-a exactamente no momento em que se envolvia com o nome d'esse criminoso um nome que, por todos os titulos, devo ser respeitavel para todos que nasceram n'esta nobre terra, o nome de Comes Freire.
A camara toda sabe que Comes Freire foi um martyr, e martyr da liberdade. Foi em 1817 que elle foi enforcado, por causa do amor que consagrou á patria e ás instituições liberaes, tirando-se-lhe todas as honras e prerogativas militares; e eu entendo, sr. presidente, que é uma profanação envolver com o nome de um vil assassino a memoria tão respeitavel e veneranda d'este homem que levou o nome portuguez até Smolensko, e que mereceu a honra de ser condecorado pelo imperador Napoleão I.
A este bravo, e aos seus companheiros de infortunio, deve o nosso paiz o maior respeito, porque tentaram, n'aquella difficil epocha, libertar a nação da tutela que a opprimia, e que só mais tarde se póde effectuar pela gloriosa revolução de 1820. Que as suas cinzas espersas pela mão do algoz, sejam ao menos acatadas, já que não nos foi dado a honra de as possuimos para as guardarmos como preciosas reliquias, o não profanemos a sua memoria pondo o seu nome ao par de um assassino cobarde e villão. (Susurro. — Àpartes.)
O sr. Presidente: — Peço ordem. Peço que não interrompam o orador.
O Orador: — Ninguem aqui póde negar que o nome de Antonio Coelho foi posto a par do nome glorioso do general Gomes Freire. (Apoiados.)
No seio do parlamento um advogado, um jurisconsulto disse, como argumento, que se queria applicar a pena de morte a Antonio Coelho.
Pois não era legal essa pena? Não estava no codigo? (Apoiados.)
Para que fazemos nós as leis? Não é para se cumprirem? (Apoiados).
Se essa pena não devia ser applicada... (Susurro — Áparte.) Vozes: — Ouçam, ouçam.
O sr. Orador: — Ouça-me sr. Luciano do Castro, que eu tambem tenho ouvido os seus discursos, (Apoiados.) e não é com ápartes que se responde a um homem que se levanta aqui pela primeira vez, e que convicto da causa santa e justa que defende, pretende demonstrar que s. ex.ª e os seus amigos politicos não são leaes nas suas apreciações. (Apoiados.)
O sr. Luciano de Castro: — Mas v. ex.ª está dizendo uma cousa que não é verdade.
O sr. Presidente: — Peço ao sr. Luciano de Castro que deixe fallar o orador. Peço a todos os srs. deputados que não interrompam. Não consenti que os outros oradores fossem interrompidos, e não posso portanto consentir que se façam agora interrupções.
O Orador: — Dizia eu: se aquella pena devia ser ou não applicada não era ao sr. Navarro nem a nós que competia decidir, era aos tribunaes; (Muitos apoiados.) e se ella devia ou não ser executada tambem não era a nós que cumpria resolver, era a outro poder do estado. (Muitos apoiados.)
Quando se trazem para aqui estas questões, devem primeiro estudar-se e medir o seu alcance: estamos aqui todos os dias a citar, o que se faz nos paizes estrangeiros, o não sabe o illustre orador que n'esses paizes a pena de morte está consignada em todos os codigos penaes militares, não se admittindo circumstancias attenuantes como no do nosso paiz?
Vem aqui dizer-se que o governo podia mandar fuzilar um militar por motivos politicos? Pois não sabe toda a gente que o acto addicional á carta constitucional prohibe o fuzilamento, prohibe a pena de morte por motivos politicos? (Apoiados.)
Isto o que significa é que se querem lançar para as turbas, para as massas, para fazer impressão, phrases que ellas não podem perceber, porque a sua illustração ainda não chegou a esse ponto. (Apoiados.)
O sr. Freitas Oliveira: — Especulam com as paixões nobres do povo. É o que sempre têem feito,
(Apartes.)
O sr. Presidente: — Peço que não interrompam.
O Orador: — Eu entrei este anno pela primeira vez n'esta casa. Permitta-se-me que falle, porque todos lêem fallado. (Apoiados.)
Vozes: — Falle, falle.
O Orador: — Eu durante a minha vida publica, nas differentes localidades por onde tenho andado, nunca ouvi levantar as insinuações pérfidas e malevolas contra os homens que compõem o partido regenerador, que aqui n'esta casa, no seio do parlamento, tenho ouvido proferir com espanto meu.
Pertenço ao partido regenerador desde 1863, muitos dos cavalheiros que hoje aqui vejo aggredir este honrado e nobre partido, trabalhavam então ao meu lado, considera-
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vam-no n'essa epocha forte e digno do respeito publico, com a sua deserção todas estas qualidades se desvaneceram.
Eu não commento, deixo ao bom senso dos homens imparciaes a explicação d'este phenomeno.
O sr. Mariano de Carvalho • foi eleito pelo Porto com a restricta obrigação de vir aqui trazer a questão da penitenciaria, se não se compromettesse a isso...
O sr. Mariano de Carvalho: — Não me comprometti a cousa alguma. Não acceitei nem acceito mandato imperativo de ninguem.
O Orador: — A minha palavra valerá tanto como a do sr. Mariano de Carvalho.
Sou natural do Porto, tenho ali amigos e ninguem poderá estranhar que os tenha, porque fui lá educado, e a minha familia ali viveu.
Todos, ou a maior parte dos homens que trabalharam ao lado do sr. Mariano de Carvalho pela sua eleição, são meus amigos pessoaes,e quando eu lhe perguntava a rasão por que tinham preferido s. ex.ª a muitos outros de provada competencia e que têem feito relevantes serviços ao seu partido, a resposta resumia-se n'uma simples palavra, a penitenciaria, x
Não cito nomes porque não é preciso, nem estou auctorisado para isso; mas o sr. Mariano de Carvalho, com a mão na sua consciencia, provoco-o para que diga se é ou não verdade o que acabo do expor.
Portanto, o parecer do sr. Mariano de Carvalho n'esta questão não é um acto imparcial, não merece inteiro credito, porque o homem que está apaixonado, que tem a restricta obrigação de ir procurar, não a verdade, mas crimes, póde mesmo, a seu pezar, faltar á sua missão: tão fortes e funestas são as paixões humanas.
Preciso de provas; preciso de ver todos os documentos, preciso examinai-os friamente, como estou acostumado a examinal-os como juiz.
Quando julgo um processo, por onde principio é pelas provas, que são os depoimentos das testemunhas e documentos, e os senhores pelo contrario queriam que nós avaliássemos só as suas allegações e lavrássemos desde logo a sentença!
Nós queremos examinar primeiro as provas, os documentos que nos instruem, e depois veremos se as suas allegações são desapaixonadas, se significam a verdade, porque os senhores poderão, como acabo de dizer, querer apurar só a verdade, mas a paixão é tão poderosa que póde leval-os a faltar a ella contra sua vontade: não duvido das suas intenções, receio a sua paixão.
Eis os motivos que me levam a rejeitar as indicações ou alvitres apresentados pelo sr. Mariano de Carvalho, e tão apaixonadamente apoiados pelos seus amigos politicos; votarei, pois, o requerimento com o additamento do meu particular amigo, o sr. Assumpção.
O sr. Barros e Cunha: — A camara viu que procurei dar as explicações essenciaes para justificar os actos do ministerio a que pertenci, sobre os factos da penitenciaria no debate de que se tem occupado.
Não esperava depois d'isto que um sr. deputado, em nome da maioria, se levantasse para commentar de modo menos favoravel o debate do anno passado, que aliàs não carecia de commentarios nem de rectificação, estando como estão presentes os oradores que tomaram parte n'essa discussão apaixonada.
O sr. deputado, tratando do modo como eu tinha procedido, classificou-o de furtivo e indigno, não só porque empreguei a policia, mas alem d'isso porque as obras da penitenciaria estavam encarregadas á direcção de um dos membros da camara dos deputados.
Eu não desejava repetir o que todos sabem, porque o documento se acha publicado no Diario do governo.
As representações sobre os roubos e descaminhos na penitenciaria estavam feitas ao governo, havia quasi dois annos antes de eu ser ministro das obras publicas, o por parto dos ministros que me tinham antecedido não se tinham dado providencias algumas para conhecer d'aquelles roubos; e por isso empreguei os meios que julguei convenientes para poder pôr cobro ás delapidações, cuja responsabilidade agora me pertenceria, como pertence aos meus antecessores, que não deram as providencias que deviam ter dado. (Apoiados.)
O sr. Adriano Machado: — Pedi a palavra, quando o sr. Pereira Leite disse que o sr. Mariano de Carvalho tinha recebido um mandato imperativo para tratar, n'esta camara, da questão da penitenciaria.
Trabalhei bastante na eleição do sr. Mariano de Carvalho, e estou auctorisado a dizer que a affirmação do sr. Pereira Leite é completamente destituida de fundamento; a sua candidatura foi talvez impugnada pelos protectores dos ladrões da penitenciaria, foi-o tambem pela policia; e talvez fosse por esse motivo que o sr. Pereira Leite, confundindo os factos, dissesse que trazia o mandato imperativo de combater os penitenciados.
O sr. Mariano de Carvalho não trouxe mandato algum imperativo; trouxe o mandato limpo e honroso para tratar dos interesses publicos, como entender na sua consciencia. Aquella grande cabeça do partido progressista teve a coragem de se apresentar na imprensa combatendo os actos immoraes e indignos. (Apoiados.)
Foi á sua coragem que o Porto quiz corresponder, dando-lhe um diploma honroso. Não ha ninguem n'esta camara que o tenha mais honroso do que elle...
O sr. Visconde de Sieuve de Menezes: — Não é
mais digno, nem mais decoroso do que os dos outros. (Apoiados.) (Susurro.)
O Orador: — Dizer que não ha n'esta camara quem tenha diploma que seja mais honroso, não significa que os outros srs. deputados não o tenham tão honroso...
O sr. Presidente: - Peço ao sr. deputado que se restrinja á questão sujeita. O que está dizendo não tem relação alguma com a proposta do sr. Luciano de Castro. (Apoiados.)
O Orador: — Peço perdão; não podia deixar de responder a uma aggressão feita pelo sr. Pereira Leite ao sr. Mariano de Carvalho. (Apoiados.)
O sr. Presidente: — O que está dizendo é objecto para explicações no fim da sessão.
O Orador: — Dispenso essas explicações, porque já dei as que entendi que devia dar.
O sr. Presidente: — Não ha mais ninguem inscripto. Vae ler-se a proposta do sr. Luciano de Castro, para se votar.
Posta á votação, foi approvada.
O sr. Presidente: — Vae ler-se o additamento do sr. Manuel d'Assumpção. Leu-se na mesa.
O sr. Presidente: — Antes de se votar este additamento, devo declarar á camara que a mesa empregará todos os esforços e diligencias para se publicar quanto antes. (Apoiados.)
Não marco praso, porque é impossivel.
Hei de empregar todos os meios possiveis para que a publicação tenha logar sem demora (Apoiados.), a unica precisa para occorrer ao trabalho d'aquella publicação. (Vocês: — Muito bem.)
Posto a votos o additamento, foi approvado.
O sr. Mariano de Carvalho:. — Ouvi tranquillamente o sr. deputado Pereira Leite sem lhe fazer um áparte, sem o interromper ou por qualquer modo desvial-o do seu proposito quando se dirigiu a mim, dirigindo-me censuras absolutamente destituidas de fundamento, a mim que n'esta casa tenho sido constante respeitador dos meus collegas. (Apoiados.)
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O sr. deputado dirigiu-se a mim por diversos modos e por diversos motivos.
Disse s. ex.ª que eu tinha recebido dos eleitores do Porto mandato imperativo.
Disse s. ex.ª que o meu juizo sobre a questão da penitenciaria era suspeito.
Disse s. ex.ª que eu todos os dias dirigia insinuações aos meus collegas.
Quanto á primeira parte eu podia sem desaire acceitar o mandato imperativo, até ha uma escóla politica que esposa esta doutrina.
Mas em abono da verdade devo dizer que nenhum dos eleitores do Porto me impoz mandato imperativo, nem era capaz de o impor.
Se m'o impozesse rejeital-o-ia, porque não pertenço á escóla que reconhece o mandato imperativo. S. ex.ª foi pessimamente informado.
Permitta-me dizer-lhe que não foi tambem exacto quanto ao modo como procedi na questão da penitenciaria.
Já outro dia, e hoje aqui, invoquei o testemunho dos meus collegas n'aquella commissão, para que declarassem se me mostrei parcial, se procurei desviar-me da verdade, ou se commetti qualquer falta pela qual deva ser accusado.
As minhas apreciações sobre os pontos sujeitos á questão da penitenciaria, versaram todos sobre factos positivos
e sobre documentos escriptos que existem. Nunca n'aquella commissão ninguem duvidou da minha lealdade e da minha moderação.
Pelo que respeita ao facto de n'esta camara dirigir insinuações a qualquer dos meus collegas, que se levanto um e me obrigue a retiral-a.
N'esta occasião peço aos illustres deputados que declarem se alguma vez lhes dirigi qualquer insinuação.
(Pausa.)
Creio que o silencio da camara responde pôr mim. ¦ Nada mais digo, porque nada mais é necessario.
O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada, e mais a discussão da resposta ao discurso da corôa.
Hoje não póde entrar-se nem na primeira nem na segunda parte da ordem do dia, e appello para o testimunho da camara para que diga se a culpa foi da mesa.
Peco aos illustres deputados, para adiantarmos os nossos trabalhos successivamente, e mesmo porque ha ainda alguns collegas fóra d'esta assembléa, que venham ámanhã mais cedo, e assim continuem, para que se possa acatar a disposição do regimento, que me obriga a dar tres horas em cada sessão, para ordem do dia.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas e meia da tarde.