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N.° 21

SESSÃO DE 22 DE FEVEREIRO DE 1902

Presidencia do Exmo. Sr. Matheus Teixeira de Azevedo

Secretarios - os Exmos. Srs.

Amandio Eduardo da Mota Veiga
José Coelho da Motta Prego

SUMMARIO

Lida a acta, o Sr. Fuschini nota que nella se encontra mutilado o requerimento que apresentou na sessão anterior. O sr. Presidente explica que a acta está redigida em harmonia com o Regimento. O Sr. Fuschini não se dá por satisfeito com essas explicações, o insiste nas suas considerações. Advertido por duas vezes pelo Sr. Presidente a fim ao que ao restringisse ao assumpto para que pedira a palavra, e continuando o orador na mesma ordem de considerações, foi-lhe retirada a palavra. Em seguida approva-se a acta, dá-se conta de 5 officios e teem segunda leitura um projecto de lei e duas propostas do renovação de iniciativa. - O Sr. Conde do Castro o Solla apresenta um parecer da commissão de legislação criminal, e o Sr. Custodio Borja propõe, e é approvado, que á commissão do ultramar seja aggregado um Sr. Deputado. - O Sr. Alexandre Cabral pede providencias para que na eleição da Povoa de Lanhoso seja mantida a liberdade da urna, respondendo-lhe o Sr. Presidente do Conselho que essas providencias já estavam dadas. - O Sr. Homem do Mello troca explicações com o Sr. Presidente do Conselho acêrca da prisão do Dr. Antonio Joaquim Pinto. - O Sr. Fuschini deseja occupar-se de um assumpto urgente - Suppressão do jornal O Mundo - que não é pela Camara reputado como tal. - Os Srs. Joaquim Sant'Anna o Sarsfield declaram haver lançado na caixa do petições varios requerimentos. - Os Srs. Pinto dos Santos, Espregueira o Oliveira Simões requerem varios endurecimentos. - Os Srs. Christovam Ayres, Oliveira Simões o Pinto dos Santos annunciam avisos previos. - Os Srs. Raposo Botelho e D. Luiz de Castro renovam a iniciativa de projectos de lei. - O Sr. Presidente participa haver recebido uma representação da Camara Municipal de Tabuaço.

Na ordem do dia prosegue a discussão da interpellação do Sr. José de Alpoim, usando da palavra os Srs. Rodrigues Nogueira e Rodrigues Monteiro. - O Sr. Villaça, usando da palavra para um negocio urgente, refere-se a acontecimentos occorridos na freguesia de Faiões (Chaves), respondendo-lhe o Sr. Presidente do Conselho, - O Sr. Fuschini explica as suas palavras no principio da sessão, fazendo o Sr. Presidente do Conselho, a proposito d'ellas, algumas considerações. - O Sr. Espregueira diz, a respeito das negociações com os credores externos, subsistirem para o partido progressista na declarações feitas pelo Sr. Beirão - O Sr. Dias Ferreira explica as palavras que pronunciou em uma conferencia que realizou na cidade do Porto, e annuncia uma interpellação. Responde-lhe o Sr. Presidente do Conselho.

Abertura da sessão - Ás 11 horas e 20 minutos da mamhã.

Presentes - 52 Senhores Deputados.

São os seguintes: - Agostinho Lucio é Silva, Alberto Allen Pereira de Sequeira Bramão, Alberto Antonio de Moraes Carvalho Sobrinho, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alexandre José Sarsfield, Alfredo Cesar Brandão, Alfredo Mendes do Magalhães Ramalho, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Barbosa Mendonça, Antonio Belard da Fonseca, Antonio Centeno, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Rodrigues Ribeiro, Augusto Fuschini Augusto Neves dos Santos Carneiro, Belchior José Machado, Carlos Alberto Soares Cardoso, Christovam Ayres de Magalhães Sepulyeda, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Conde de Castro e Solla, Conde de Paçô-Vieira Custodio Miguel de Borja, Domingos Eusebio da Fonseca, Eduardo Burnay, Fernando Mottozo Santos, Francisco Roberto de Araujo da Magalhães Barros; Frederico dos Santos Martins, Guilherme Augusto Santa Rita, João Alfredo de Faria, João Carlos de Mello Pereira e Vasconcellos, João Ferreira Craveiro Lopes de Oliveira, João Joaquim André de Freitas, João Marcellino Arroyo, João de Sousa Tavares, Joaquim Antonio do Sant'Anna, Joaquim Pereira Jardim, José Coelho da Motta Prego, José Jeronymo Rodrigues Monteiro, José Maria de Alpoim de Arqueira Borges Cabral, José Maria de Oliveira Simões, José Mathias Nunes, Julio Ernesto de Lima Duque, Luciano Antonio Pereira da Silva, Luiz Filippe de Castro (D.), Manuel Joaquim Fratel, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Marquez de Reriz, Matheus Augusto Ribeiro Sampaio, Matheus Teixeira de Azevedo, Ovidio de Alpoim do Cerqueira Borges Cabral e Rodrigo Affonso Pequito.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Affonso Xavier Lopes Vieira, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alvaro de Sousa Rego, Antonio de Almeida Dias, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Augusto de Sousa o Silva, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Sergio da Silva e Castro, Augusto Cesar da Rocha Louzo, Carlos de Almeida Pessanha, Carlos Augusto Ferreira, Carlos Malheiros Dias, Ernesto Nunes da Costa Ornellas, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Fase de Medeiros, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Henrique Matheus dos Santos, Henrique Vaz de Andrade Basto Ferreira, Ignacio José Franco, João Augusto Pereira, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim Faustino de Pôças Leitão, José Antonio Ferro de Madureira Beça, José Caetano Rebello, José da Cunha Lima, José Dias Ferreira, José Joaquim Mendes Leal, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria Pereira do Lima, José Nicolau Raposo Botelho, Lourenço Caldeira da Goma Lobo Cayolla, Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, Luiz do Mello Correia Pereira Medella, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Homem de Mello da Camara e Paulo de Barros Pinto Osorio.

Não compareceram á sessão os Srs.: - Abel Pereira de Andrade, Alberto Botelho, Albino Maria de Carvalho Moreira, Alfredo Augusto José de Albuquerque, Alipio Albano Camello, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Anselmo Augusto Vieira, Antonio Affonso Maria Vellado Alves Pereira da Fonseca, Antonio José Boavida, Antonio Maria de Carvalho Almeida Serra, Antonio Roque da Silveira, Antonio de Sousa Pinto de Magalhães, Antonio Tavares Festas, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Arthur Eduardo de Almeida Brandão, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto José da Cunha, Avelino Augusto da Silva Monteiro, Conde de Penha Garcia, Eduardo de Abranches Ferreira da Cunha Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

José Machado, Francisco José Patricio, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Frederico Ressano Garcia, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Monteiro Vieira de Castro, Joaquim da Cunha Telles e Vasconcellos, José Adolpho de Mello e Sousa, João Caetano de Sousa e Lacerda, José da Gama Lobo Lamare, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim Dias Gallas, José do Mattos Sobral Cid, Julio Augusto Potra Vianna, Julio Maria de Andrade e Sousa, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luiz Gonzaga dos Réis Torgal, Luiz José Dias, Manuel do Sousa Avides, Marianno Cyrillo do Carvalho, Marianno José da Silva Prezado, Visconde de Mangualde, Visconde de Reguengo (Jorge) o Visconde da Torre.

(Le-se a acta).

O Sr. Augusto Fuschini (sobre a acta): - Lendo o summario da ultima sessão, documento que deve ser como a acta, a copia fiel dos factos occorridos e das palavras pronunciadas nesta Camara, vi que o requerimento, que apresentei, foi mutilado, não havendo sido lido, na mesa, na sua integra.

O Sr. Presidente: - O illustre Deputado acaba de dizer que o seu requerimento não foi lido, mas da acta consta justamente o contrario.

O Orador: - Essa resposta representa uma habilidade que não me parece digna da presidencia.

Vozes da direita: - Oh! Oh!

O Orador: - Peço á Camara que me ouça. Tenho já mais de vinte annos de vida parlamentar e nunca me dirigi, posso affiançá-lo, menos respeitosamente á mesa.

O Sr. Presidente: - Para que o illustre Deputado se elucide completamente vou mandar ler o que consta da acta no ponto a que S. Exa. se refere. (Muitos apoiados).

(Lê-se).

O Orador: - Suja-me permittido explicar claramente o que disse.

Não tive idéa de melindrar o digno Presidente d'esta Camara. O requerimento que na ultima sessão mandei para a mesa indicava que, em certo ponto, devia transcrever-se um documento que d'elle fazia parte. Poderia não ser lido esse documento na mesa, mas não podia deixar de ser transcripto.

Pergunto, pois, ao Sr. Presidente: qual foi a disposição legal ou regulamentar que auctorizou a mesa a não fazer transcrever na acta esse documento?

O Sr. Presidente: - Se o illustre Deputado attendesse á leitura da acta, ficaria conhecendo que d'ella consta a resposta que S. Exa. deseja. Vae ler-se novamente.

Leu-se a parte da acta relativa ás declarações do Sr. Ministro ao Fazenda, sobre a inconveniencia da publicação do referido documento, e ás da mesa, na interpretação dos artigos 201.º e 202.° do Regimento.

O Orador: - Os artigos citados referem-se á publicação de documentos e não á leitura ou publicação dos requerimentos apresentados pelos Deputados. Ao contrario do que o Sr. Presidente affirma, o artigo 201.° determina expressamente que os requerimentos sejam sempre publicados taes como os apresentou o Deputado.

Não pode haver duvida do interpretação; na questão de restricção de direitos as disposições são sempre taxativas. Por este criterio, hoje modificavam-se os requerimentos, e amanhã os discursos.

A mesa não tem, pois, no Regimento disposição alguma que lhe permitta alterar um requerimento apresentado por qualquer membro da Camara, como praticou.

A este respeito devo fazer as seguintes declarações:

1.ª A declaração de inopportunidade e inconveniencia da publicação do relatorio, feita pelo Sr. Ministro da Fazenda, consciente ou inconscientemente, é falsa e sem fundamento. Não ha o menor inconveniente na publicação do documento a que se refere o meu requerimento...

O Sr. Presidente: - Advirto o Sr. Deputado Fuschini, que as suas observações não constituem materia de discussão sobre a acta. Só se pode pedir a palavra sobre a acta, para se discutir se ella refere ou não exactamente os factos passados na sessão antecedente.

O Orador: - Isso é uma violencia!

O Sr. Presidente: - Esta é a praxe; nem podia ser de outro modo.

O Orador: - Retira-me V. Exa. a palavra?

O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado fizer, apenas, reclamações sobre a acta, objecto para que pediu a palavra, não lh'a retiro; se, porem, o Sr. Fuschini persistir em tratar de outros assumptos, ver-me-hei forçado a retirá-la. (Apoiados).

O Orador: - A segunda declaração, que tenho a fazer, é que o relatorio pode ...

O Sr. Presidente: - Observo mais uma vez ao Sr. Deputado Fuschini que pode fazer as considerações que quiser, mas unicamente sobre a acta.

O Orador: - V. Exa. retira-me a palavra?

O Sr. Presidente: - Chamo-o á materia. O Sr. Fuschini pediu a palavra sobre a acta, e, até agora, ainda não apresentou declaração alguma contra ella.

O Orador: - Se V. Exa. me retira a palavra, deixarei de falar; mas, se o não faz, continuarei nas minhas considerações.

O Sr. Presidente: - Retiro-lhe a palavra.

Não havendo reclamações sobre a acta, considera-se esta approvada. Vae dar-se conta do

EXPEDIENTE

Officios

Do Ministerio do Reino, remettendo, em satisfação ao requerimento do Sr. José Caetano Rebello, as copias enviadas pelo Governo Civil de Portalegre, vindas da Administração do concelho do Gavião, satisfazendo assim ao officio n.° 150 d'esta Camara.

Para a secretaria.

Do Ministerio da Fazenda, remettendo, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Antonio Cabral, copia do officio da Inspecção Geral dos Impostos, que esclarece sobre a liquidação dos direitos de mercê feita, pela concessão das gran-cruzes da Conceição, aos Srs. Joaquim Germano do Sequeira e Manuel Augusto Pereira da Cunha.

Para a secretaria.

Do mesmo Ministerio, satisfazendo ao requerimento do Sr. Deputado Manuel Affonso de Espregueira, remettendo copia authentica do officio da Direcção Geral da Thesouraria, acompanhado de copias de vinte e cinco documentos que dizem respeito ao contrato para o supprimento destinado á indemnização de Berne.

Para a secretaria.

Do Ministerio das Obras Publicas, remettendo, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Luiz José Dias, nota da despesa feita com os serviços de fixação das dunas, sementeiras e arborização das montanhas, desde l de janeiro de 1901 até 31 de dezembro do mesmo anno.

Para a secretaria.

De Domingos Manuel Pereira de Carvalho de Abreu, agradecendo o voto de sentimento pela morte de seu pae e antigo Deputado da Nação, Guilherme Augusto Pereira do Carvalho de Abreu.

Para a secretaria.

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SESSÃO N.° 21 DE 22 DE FEVEREIRO DE 1902 3

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - Em sessão de 31 de janeiro do corrente anno deliberou, por unanimidade, a Camara Municipal de Villa Nova de Portimão impetrar do Governo a isenção de direitos para o material de tubagem do ferro, importado do estrangeiro, pura o abastecimento de agua potavel, da mesma Villa, que em concurso publico fôra adjudicado á Empresa Sarrea Prado & Commandita. Tal compromisso ficara expresso na condição 12.º da adjudicação e contrato celebrado, no que respeita á isenção do direitos que incidissem sobre o material importado e exclusivamente destinado ao abastecimento do aguas potaveis de Villa Nova do Portimão, visto que tendo a Empresa concessionaria recorrido patrioticamente á industria nacional, aquella se viu obrigada a rejeitar, como é facto conhecido e provado, a maior parte do material fornecido por defeitos insanaveis, de que resultaram perdas pecuniarias e de tempo, que muito sensivelmente prejudicaram os interesses das partes contratantes, tendo por isso a Camara Municipal, reconhecendo um caso de força maior, resolvido conceder a prorogação do praso de contrato, interessada com a Empresa em levar a effeito um grande melhoramento municipal, que tanto importa á hygiene e á salubridade da população.

Aproveitando a concessão municipal, teve a Empresa de recorrer á industria estrangeira, importando a tubagem do ferro indispensavel á installação da canalização já assentada na sua maior parte.

Por que ao Parlamento não póde ser indifferente qualquer tentativa que tenha por fim cooperar para os grandes melhoramentos locaes, que essencialmente servem os interesses da saude publica, da hygiene e do bem-estar geral, e por que em iguaes condições, por disposições legislativas, se tem concedido a isenção de direitos que são [...], por isso tenho a honra de apresentar á vossa consideração o seguinte projecto do lei:

Artigo 1.° É concedida á Empresa Sarrea Prado & Commandita a isenção de direitos de importação da tubagem de ferro fundido, destinada á canalização o abastecimento de aguas potaveis de Villa Nova de Portimão.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, em 19 de fevereiro de 1902. - O Deputado por Faro, Agostinho Lucio.

Foi admittida e enviado ás commissões de fazenda e administração publica.

Proposta para renovação de iniciativa

Senhores. - Tenho a honra de renovar a iniciativa do projecto do lei n.º 52, apresentado na sessão parlamentar [...] 1901. = O Deputado, Jayme Arthur da Costa Pinto.

Foi admittida e enviada ás commissões de fazenda e administração publica.

Refere-se esta renovação de iniciativa ao seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.° É elevado a 500$000 réis annuaes e ordenado dos tres chefes de policia de investigado criminal Lisboa.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Proposta para renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 44-A da sessão passada e apresentado primeiramente na sessão de 4 de junho de 1900, que tem por fim conceder á filha do falecido capitão Ezequiel Antonio Ferreira Brandão, gravemente ferido em combate, a pensão mensal de 12$000 [...]

Sala das sessões da Camara dos Senhores Deputados, em 19 de fevereiro de 1902. = O Deputado, José Maria de Oliveira Simões.

Foi admittida e enviada ás commissões de guerra e fazenda.

Refere-se esta renovação de iniciativa ao seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.º E concedida a D. Anna Rosa Ferreira Brandão, filha do fallecido capitão Ezequiel Antonio Ferreira Brandão, gravemente ferido em combate, uma pensão mensal de 12$000 réis.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

O Sr. Conde de Castro e Solla: - Mando para a mesa o parecer das commissões de legislação criminal o de fazenda ácerca da proposta de lei n.° 8-K, que tem por fim criar no districto do Porto uma casa de detenção o correcção para menores do sexo masculino.

Foi mandado imprimir com urgencia.

O Sr. Custodio Borja: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Tenho a honra de propor que seja aggregado á commissão do ultramar o Sr. Deputado Belchior José Machado. = Custodio de Borja.

Foi approvada.

O Sr. Alexandre Cabral: - Ha cêrca de doze dias pedi nesta Camara providencias ao Sr. Presidente do Conselho relativamente á eleição em uma das assembléas de Povoa do Lanhoso, que deve realizar-se amanhã.

Já depois que tive a honra de falar sobre esse assumpto, recebi informações de que os espiritos continuam ali excitadissimos o que se projectam, por parte dos amigos do Governo, com intervenção da auctoridade administrativa daquelle concelho, graves violencias.

Pedem-me que novamente inste para com S. Exa., a fim de que seja mantida a liberdade da uma e respeitados os direitos dos cidadãos.

Devo dizer que o administrador do concelho na Povoa do Lanhoso é ainda o mesmo que assistiu a eleição, que foi annullada pelo Supremo Tribunal Administrativo.

E, portanto, a esta auctoridade que se devem as gentilezas que ali só praticaram por occasião das eleições, e não é para admirar que os eleitores d'aquelle concelho não confiem nas providencias dadas por esta auctoridade.

Accresce ainda uma circumstancia, e é que, por parte dos amigos do Govêrno, foi proposto um acordo á opposição, que esta rejeitou.

Ora, note V. Exa., e eu desejo frisar bom este ponto, quando os amigos do Governo propõem um acordo á opposição, é porque ella se sente realmente fraca e sem forças para poder lutar.

Nas eleições já apuradas, a opposição tem 51 votos de maioria e na assembléa annullada, deverá ser por unanimidade.

Não teem os amigos do Governo elementos de luta, e a prova é que propuseram um acordo, mas em taes bases, que, repito, a opposição rejeitou.

A eleição tem de fazer-se amanhã, 23, e a este respeito recebi um telegramma, que diz o seguinte:

"Administrador impediu funccionar camara; apprehendeu livros das actas o levou-os para a administração com força de policia armada. Fechou a sala das sessões. Pedem-se providencias; a auctoridade ameaça com violencias futuro acto eleitoral. = Vieira Lisboa".

Antes disto, havia recebido cartas particulares, que não leio, para não cansar a attenção da Camara, em que mi-

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nuciosamente se enumeram quaes sejam as violencias projectadas, e se insta comungo para que eu peça ao Sr. Presidente do Conselho providencias officazes.

Estou certo, e já o disse ha dias, que, se S. Exa. determinar que sejam respeitados os direitos dos cidadãos, elles serão effectivamente respeitados; mas se S. Exa. fizer sómente as recommendações de tarifa, em telegramma ou circular, não serão respeitadas as ordens dadas por S. Exa., e a eleição será evidentemente roubada ao partido progressista. (Apoiados).

Eu peço, portanto, a S. Exa. que de as suas ordens a serio e a valer, para que seja mantida a liberdade da urna.

Tenho dito.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Ernesto Hintze Ribeiro): - O illustre Deputado, pela segunda vez, chamou a minha attenção para a eleição, que falta apurar, de uma assembléa do concelho da Povoa de Lanhoso.

Quando da primeira vez o Sr. Alexandre Cabral tratou deste assumpto, respondi logo a S. Exa., que as providencias já estavam dadas (Apoiados), e tanto que o Sr. Governador Civil de Braga, que se achava em Lisboa, partira para o sen districto, a fim de fazer cumprir as instrucções que lhe dei. (Muitos apoiados).

Só tenho agora a informar o illustre Deputado de que as providencias estão dadas; esperando eu que na eleição de amanhã não haja violencias, pressões ou irregularidades de qualquer ordem que sejam.

Se, effectivamente, ellas se derem, por culpa da auctoridade, o illustre Deputado, que tem aqui logar, poderá interpellar o Governo, e eu assumirei a responsabilidade dos actos que se derem em contravenção das providencias tomadas e das minhas instrucções. (Apoiados).

É o que posso dizer ao illustre Deputado sobre o assumpto, devendo contrapor ás informações do illustre Deputado, as que tenho, e que são, de que, na eleição de amanhã, não se darão violencias, e talvez as cousas se passem melhor do que o illustre Deputado pensa. (Apoiados).

Tenho dito.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Homem de Mello: - Desejo chamar a attenção do Sr. Ministro da Fazenda para um facto da maior gravidade, que acaba de passar-se na capital.

Tive conhecimento de que foi hontem preso o meu illustre patricio, o Dr. Antonio Rodrigues Pinto, clinico nesta cidade e sub-delegado de saude, sendo a prisão feita á ordem do juiz das execuções fiscaes do 2.° districto.

Instaurou-se um processo para compellir um individuo, chamado Antonio Rodrigues Pinto, ao pagamento da contribuição de renda de casas e sumptuaria. Nesse processo não existe uma unica assignatura d'aquelle abalizado clinico; no entanto, o Sr. Dr. Rodrigues Pinto foi citado para pagar aquella contribuição, e, como se recusasse a assignar a intimação, foi isto declarado pelos dois beleguins das execuções fiscaes, que fazem sempre estas cousas pela fórma que todos nós conhecemos.

O Sr. Dr. Rodrigues Pinto, que eu conheço desde a infancia, é, pelo seu caracter, incapaz de affirmar o que não seja verdadeiro.

S. Exa. affirmou que nunca foi citado, que nunca foi procurado por beleguins, que nunca morou na Boa Vista, e que nunca ali possuiu moradia de casas.

Não obstante, S. Exa. foi preso á saida de sua casa, quando partia para ver um doente de lesão cardiaca; e, por causa do facto que se deu, deixou de ir visitá-lo.

Conduzido, sob custodia, á presença do juiz das execuções fiscaes, foi ameaçado de ser-lhe mantida a prisão, caso não effectuasse o pagamento da quantia que, aliás, elle não devia, pois que cousa alguma tinha sujeito á contribuição sumptuaria n'aquelle anno de 1898.

Por mais garantias que o Dr. Rodrigues Pinto desse da sua pessoa, os taes beleguins quiseram convencer S. Exa. de que era devedor de 40$000 réis á Fazenda Nacional.

Ora, eu pergunto a V. Exa., Sr. Presidente, que é um magistrado distinctissimo, não só pela sua integridade de caracter, como pela illustração do seu espirito (Muitos apoiados), se em Lisboa se podo praticar um acto d'esta ordem, que representa um extraordinario vexame?

Pode, porventura, praticar-se, na capital do reino, um facto desta natureza, contra um cavalheiro conhecido, contra um homem que, alem de ser um clinico reputadissimo, é funccionario zeloso no cumprimento dos seus de veres, como podem attestá-lo os Srs. Presidente do Conselho e Ministro da Fazenda, que muito bem o conhecem?

Eu ouço, muitas vezes, pugnar, nesta Camara, pelos interesses da Fazenda Nacional, e accusar quem os quer defraudar; mas, se é justo que se castigue quem pratica actos que lesam a Fazenda, tambem o não é menos, que se exija aos beleguins do fisco, que não vão, subrepticiamente, extorquir impostos, que não se devem, praticando violencias e vexames contra a liberdade dos cidadãos.

Os abusos a que dá logar o serviço das execuções fiscaes, estão justificando a necessidade de se pôr cobro...

O Sr. Motta Prego: - Melhor é dizer quaes são esses abusos.

Apresente S. Exa. provas.

O Orador: - As provas é o que se tem dito e ainda não foi contestado.

As provas são os factos gravissimos, que teem vindo relatados na imprensa, e elles falam por todos os abuso que se possam provar. (Apoiados).

Ainda hontem me encontrei no Ministerio da Fazenda com um cavalheiro, que havia ido conferenciar com o Sr. Ministro da Fazenda, o Sr. João Tavares da Silva, que se referiu com justa indignação a este facto e que me disse estar á espera de, qualquer dia, tendo fallecido um amigo, seu vizinho, lhe entrar em casa um beleguim, citando-o para pagar uma quantia que esse seu vizinho devia.

Os contribuintes estão sobresaltados com estes factos.

Bem sei que o Sr. Ministro da Fazenda me vae responder que nada tem com o caso, que é com o póde judicial, e este é independente. Mas eu não quero tora ao nobre Ministro da Fazenda, ou ao Governo, a responsabilidades d'estes factos.

Se uso da palavra é tão sómente para pedir ao Sr. Ministro da Fazenda, que traga ao Parlamento uma providencia que reforme os serviços das execuções fiscaes, por forma a evitar no futuro estes abusos.

O Governo que usou e abusou das auctorizações parlamentares, complicando os serviços em vez de os simplificar, e augmentando as despesas em logar de as diminuir como tem sido provado por este lado da Camara, por aproveitar o ensejo para reformar esses serviços, simplificando-os, a fira de que se não repetissem estes abusos.

Sr. Presidente: urge prover de prompto a esta situação e por isso espero que o Sr. Ministro da Fazenda, tem na devida consideração as observações que acabo de faz apresente á Camara uma proposta no sentido de zelar interesses da Fazenda e harmonizar com estes tanto qual possivel os dos contribuintes.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (neste Rodolpho Hintze Ribeiro): - Sr. Presidente: reve-me o illustre Deputado que seja eu quem responda mas a circumstancia do illustre Deputado se referir a sub-delegado de saude, funccionario dependente do Ministerio, isso me leva a usar da palavra, graças á [...] especial do Sr. Ministro da Fazenda.

O illustre Deputado queixou-se effectivamente de [...] e irregularidades praticadas para com um sub-delegado de saude, o Sr. Antonio Rodrigues Pinto, e a

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respeito teceu a este funccionario louvores que, pelo que toca ao exercicio da sua profissão, não tenho senão que confirmar. Effectivamente o Sr. Dr. Antonio Rodrigues Pinto é um funccionario muito intelligente, muito conceituado como sub-delegado do saude, e tem desempenhado devidamente as funcções do seu cargo.

Mas, permitta me o illustre Deputado que lhe diga, que não pode argumentar como argumentou, o muito menos, para concluir que o Governo deve reformar os serviços das execuções fiscaes. (Apoiados).

Em primeiro logar, se o Governo não usou completamente das auctorizações concedidas no Orçamento - e, felizmente já vejo que os Senhores Deputados estimariam que o Governo fosso mais longe no uso d'essas auctorizações - foi porque não julgou que houvesse necessidade de o fazer; e os factos, que o illustre Deputado citou, não mostram semelhante necessidade.

De que vem S. Exa. queixar-se? De que, em um processo de execuções fiscaes, se procedeu por uma forma, que S. Exa. reputa tumultuaria o irregular, por isso mesmo que não tendo o contribuinte - e agora abstraio da qualidade profissional, e, até, mesmo, do nome da pessoa, a quem o assumpto diz respeito - posto o seu nome em intimação alguma, não era responsavel, absolutamente, por esse processo.

Ora, perdoe-me o illustre Deputado que lh'o diga, mas labora em erro; porque, se pelo facto de um interessado não assignar uma intimação, esta não tivesse valor, recebê-la-ia novamente. (Apoiados).

Para evitar isso é que a lei preveniu a hypothese, declarando que, quando o interessado não quisesse assignar, assignavam, por elle, duas testemunhas, o estas tinham tanto valor como o proprio interessado.

Assignaram essas testemunhas indevidamente? Se assim é, quem por essa forma procedeu, tem a responsabilidade criminal.

Mas d'ahí a ser necessario reformar os serviços das execuções fiscaes, vae um abysmo. (Muitos apoiados).

O Sr. Homem de Mello: - O que eu disse foi que era necessario evitar que os proprios empregados das execuções fiscaes fizessem o serviço sem testemunhas...

O Orador: - Ainda nessa parte o illustre Deputado labora em erro...

O Sr. Homem de Mello: - Porque são interessados tambem.

O Orador: - E eu vou prová-lo.

Prohibe ou não a lei que esses empregados sejam testemunhas nas assignações que fazem?

Se prohibe, tem o illustre Deputado muita razão para concluir que a intimação é de nenhum effeito; se não prohibe, a intimação é tão valida sendo assignada por esses empregados, como por quaesquer outros individuos. (Apoiados).

O Sr. Homem de Mello: - Só peço a reforma da lei.

O Orador: - Nesse caso, não é só a reforma das execuções fiscaes, que S. Exa. deve pedir; deve pedir tambem a reforma da Constituição.

Desde o momento em que esses empregados não estejam, por lei, inhibidos de assignar uma intimação, na falta de assignatura do interessado, de duas uma:

Ou o facto que elles justificam é exacto, ou não é. Se é exacto, a circumstancia de ser attestado pelos dois empregados é inteiramente sem importancia; se não é exacto, então esses, que certificaram a intimação, assumem uma responsabilidade, que tem de se liquidar perante o juizo competente. (Muitos apoiados).

Para isso, porem, não é necessario reformar o serviço das execuções fiscaes, porque, perante os tribunaes, assiste aos interessados o direito de fazer valer a sua razão, e chamar á responsabilidade aquelles que não procederam conforme manda a lei. (Apoiados).

Ora, desde o momento em que o meio judicial está aberto ao interessado para reclamar pelos seus direitos, comprehende V. Exa. que com isso nada tem o Governo. Trata-se de um processo judicial, o Deus nos livre de querer que o Governo intervenha em processos que correm em juizo (Muitos apoiados), porque isso daria em resultado a confusão de dois poderes, que devem ser distinctos e soberanos! (Muitos apoiadas).

O Sr. Homem de Mello: - A reforma da lei é que se pede.

O Orador: - Mas pergunto eu, reformar porquê?

Houve um processo judicial em que dois individuos certificaram bem ou mal, que um facto se deu; pois por isso ha de o Governo reformar o serviço das execuções fiscaes?! (Muitos apoiados).

O Sr. Homem de Mello: - Repito, só peço a reforma da lei, mais nada.

O Orador: - É isso que eu não posso prometter a S. Exa., que não adduziu um unico argumento que me leve a essa reforma. S. Exa. citou factos que disse serem abusivos e irregulares, mas não o poude provar, porque nem S. Exa. tem competencia para aqui adduzir provas, nem eu para conhecer d'ellas. Isso é com o tribunal comitente. (Apoiados). O meio judicial está aberto ao interessado, e ou não tenho senão a fazer duas cousas: a primeira, é demonstrar o meu respeito e a minha deferencia para com um funccionario distincto, como é o Sr. Antonio Rodrigues Pinto; a segunda, é respeitar o poder judicial para lhe deixar inteira liberdade de conhecer dos actos, do apurar responsabilidades e impor penas a quem se mostrar que efectivamente prevaricou. (Muitos apoiados).

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(S. Exas. não reviu).

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Fuschini pediu a palavra para um negocio urgente, e mandou para a mesa uma nota expondo-o; mas como a mesa não o considera urgente, vae ler-se essa nota, para depois consultar a Camara, que resolverá sobre se devo, ou não, conceder a palavra a S. Exa.

Leu-se na mesa a seguinte

Nota

Desejo ouvir o Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino acêrca da suppressão do jornal O Mundo, e dos factos de grave ataque aos direitos individuaes e de propriedade, que se diz haverem sido praticados pelos agentes policiaes. = Fuschini.

O Sr. Presidente: - Peço aos Srs. Deputados que occupem os seus lagares.

Os Srs. Deputados que entendem que o assumpto da nota que acaba de ler-se é urgente, teem a bondade de se levantar.

Foi rejeitada.

O Sr. Fuschini: - Peço a palavra para explicações antes de se encerrar a sessão.

O Sr. Manuel Affonso de Espregueira: - Peço a palavra para antes do se encerrar a sessão.

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia. Os Srs. Deputados que teem papeis a mandar para a mesa, podem fazê-lo.

O aviso previo do Sr. Ovidio Alpoim, que devia realizar-se hoje, fica para a proxima sessão.

O Sr. Frederico Martins: - Mando para a mesa a seguinte

Declaração

Declaro que lancei na caixa dois requerimentos: uma do Barão de Uzel, official chefe do Governo Civil do Funchal, pedindo para ser equiparado em vencimento ao official chefe da Junta Geral; outro de Mario Nascimento, pedindo concessão de exclusivo, para construcção e ex-

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ploração de um caminho de ferro em Africa. = Frederico dos Santos Martins.

Para a acta.

O Sr. Joaquim de Sant'Anna: - Mando para a mesa a seguinte

Declaração

Declaro que deitei na caixa das petições um requerimento do capellão do exercito, Henrique Carlos Fragoso, no qual pede que lhe seja contado para a sua reforma, o tempo que neste Patriarchado exerceu o munus parochial, a exemplo do que tem sido concedido a outros seus collegas. - Joaquim de Sant'Anna.

Para a acta.

O Sr. Sarsfield: - Mando para a mesa a seguinte

Declaração

Declaro que lancei na caixa um requerimento em que o Sr. Capitão do Infantaria n.° 16, Ferdinando Luiz Gomes, pede para lhe ser contado para effeito de reforma o tempo em que serviu como empregado das obras publicas do districto do Damão, depois do ter concluido o curso militar na Escola do Estado da India. - O Deputado, Alexandre José Sarsfield.

Para a acta.

O Sr. João Pinto dos Santos: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que me sejam enviadas com a possivel brevidade copias da representação dos escrivães da comarca de Loulé a proposito da suppressão do quarto officio e da informação do juiz de direito sobre este assumpto.

Sala das sessões, 22 de fevereiro de 1902. = O Deputado, João Pinto dos Santos.

Tambem envio para a mesa o seguinte

Aviso previo

Desejo interrogar o Sr. Ministro da Justiça a proposito do quarto officio de escrivão da comarca de Loulé.

Sala das sessões, 22 de fevereiro de 1902. = João Pinto dos Santos.

Mandaram-se expedir.

O Sr. Manuel Affonso de Espregueira: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, seja enviada a esta Camara, com urgencia, uma nota do rendimento do real de agua na cidade do Porto, por meses, desde l de julho de 1900 até dezembro de 1901. = Manuel Espregueira.

Mandou-se expedir.

O Sr. Oliveira Simões: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que seja remettida a esta Camara, pelo Ministerio da Fazenda, a nota das toneladas de madeira em toros que tem sido exportada para o estrangeiro, saindo do porto de Lisboa nos cinco ultimos annos, especificando as respectivas quantidades em cada anno. = José Maria Oliveira Simões.

Tambem envio para a mesa o seguinte

Aviso previo

Declaro que desejo interrogar S. Exa. o Ministro das Obras Publicas, Commercio o Industria, sobre as providencias a tomar contra a destruição dos pinhaes e para o melhor aproveitamento agricola dos baldios parochiaes em concelhios. = José Maria Oliveira Simões.

Mandaram-se expedir.

O Sr. Raposo Botelho: - Mando para a mesa uma proposta do renovação de iniciativa do projecto do lei n.° 76 do anno passado, que tem por fim tornar extensivas as disposições da carta de lei de 13 de março de 1884 aos officiaes do exercito professores dos lyceus centraes, quando fora do quadro das suas armas.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. D. Luiz de Castro: - Mando para a mesa uma proposta do renovação de iniciativa do projecto de lei n.° 53 e 1901, o qual tem por fim auctorizar a Camara Municipal do concelho de Alemquer a prorogar por sessenta annos o prazo da amortização do emprestimo de que é devedora á Companhia Geral do Credito Predial.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. Christovam Ayres: - Mando para a mesa o seguinte

Aviso previo

Tenho a honra do participar a V. Exa., que desejo chamar a attenção do Exmo. Sr. Presidente do Conselho, Ministro do Reino, sobre as necessidades mais imperiosas dos serviços dos archivos nacionaes e bibliothecas publicas. = Christovam Ayres.

Mandou-se expedir.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão da interpellação do Sr. João de Alpoim
sobre o uso que o Governo fez das auctorizações que lhe foram concedidas

O Sr. Rodrigues Nogueira: - Recorda que, na sessão passada, estava o seu amigo e distincto parlamentar, Sr. Lourenço Cayolla, analysando a reforma de engenharia, quando foi surprehendido pela terminação do prazo regimental, devido a cada orador. Estava S. Exa. estabelecendo premissas logicas, fundadas na analyse d'esse diploma, para estabelecer e tirar a conclusão legitima de que o Sr. Ministro das Obras Publicas augmentara a despesa, annualmente, em 129:164$000 réis; e o Sr. Ministro das Obras Publicas, serviu-se d'esse pretexto mesquinho, de não ter o Sr. Cayolla tempo para concluir as suas considerações, para produzir uma defesa irritante, que elle, orador, não quer classificar, porque está abaixo das qualidades intellectuaes de S. Exa.

Embora perca os seus creditos de engenheiro militar, elle, orador, não atacará o Sr. Ministro das Obras Publicas. A praça de guerra, constituida pelo actual Ministerio, tem um reducto fraco, uma guarnição fraquissima, uma defesa nulla. Era facilimo abrir-lhe brecha, fazer o assalto; mas se o fizesse, perderia o seu credito de engenheiro militar.

Não pediu a palavra sobre a ordem, porque ser-lhe-hia difficil o, mesmo, impossivel, concretizar, numa simples moção, todo o seu sentir, que é o sentir de todas as consciencias, contra a má administração do actual Governo, que, sem respeito pelo Parlamento, sem respeito pelo decoro do proprio poder, pode dizer-se que transformou as secretarias do Estado em agencias de empregos, o as carteiras dos Ministros em bancos de corretores, onde se registram as fluctuações e se cotam os valores das dedicações partidarias.

Não pode, pois, concretizar tudo isto numa simples moção. E que sorte teria essa moção? A mesma que hão de ter todas as que foram apresentadas por parte da opposição; havia de ser rejeitada, porque a maioria ha de approvar a do seu leader: «A Camara satisfeita com as explicações do Governo, passa á ordem do dia».

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Está, então, a Camara satisfeita, depois do brilhante discurso do Sr. José de Alpoim, que formulou accusações precisas e justas, das quaes nem uma só foi destruida pelo Sr. Presidente do Conselho?

Mas que explicações foram na do Governo? O discurso do Sr. Hintze Ribeiro concretiza-se em tres affirmações: 1.ª, o Governo não augmentou as despesas publicas, porque, do balanço de todas as suas reformas, e em virtude das receitas criadas, resulta um saldo favoravel; 2.ª, o Sr. Presidente do Conselho, em actos da administração progressista, encontra procedentes, que justificam o seu procedimento; 3.ª, S. Exa. assumo a responsabilidade integra dos actos da sua administração.

Facil é demonstrar que estas explicações não podem satisfazer á consciencia da Camara.

Então, criam-se serviços novos, alargam-se os existentes, e com elles os quadros do pessoal; não se demitte ninguem, pelo contrario, são numerosissimos os novos nomeados, e não se augmentam as despesas publicas?!

Isto é attentar contra a seriedade da Camara.

Allega-se que se criam receitas novas; mas, então, essas receitas novas, não são novos encargos para o contribuinte?

E a confissão de que foi necessario criar novas receitas, para que as reformas não apresentassem saldo negativo, não é uma prova de que essas reformas augmentaram as despesos?

É peregrina a theoria do Sr. Presidente do Conselho, mas é tambem perigosa.

Relativamente á segunda affirmação de S. Exa., de que os actos da administração progressista servem de justificação aos seus proprios actos, tambem não pode ella proceder.

S. Exa., que é, innegavelmente, um distinctissimo parlamentar, que conta verdadeiros dias de gloria na luta da palavra, tem, na sua administração, procedido de tal maneira, que já nem o recurso da sua palavra e os dotes da sua intelligencia, são sufficientes para desculpá-lo.

É, por isso, que a opposição tem visto S. Exa. descer até apoiar-se no bordão dos procedentes, o que contribue para que, mais fundamente se alargue a desmoralização que, infelizmente, já lavra na nossa sociedade.

Praticar maus actos de administração para aliciar adeptos é reprovavel; mas, torna-se um crime, quando esse aliciamento se faz sem attender ás qualidades, á competencia e, até, á idade d'aquelles que foram alliciados.

Mas, se isto é um crime, mais se aggrava ainda quando, para justificá-lo, se vão buscar precedentes. Verdadeiros que fossem esses precedentes - e o Sr. Presidente do Conselho nem sempre é escrupuloso na sua escolha - um abuso não justifica outro.

A invocação de precedentes só serve para arreigar no espirito publico o axioma de que tão bons são uns como outros, o que é a perfeita condemnação de todos os homens de governo.

Finalmente, o Sr. Presidente do Conselho, quando se vê apertado, sem mais recursos, sem uma sombra, sequer, de defesa, levanta-se com ares superiormente majestaticos e affirma que assume a responsabilidade, precipia e integra, dos actos da sua administração. Palavras vãs, que nada significam. Como assume S. Exa. essa responsabilidade? Cobrindo com a sua fazenda, as delapidações da Fazenda Publica? A sua liberdade individual, a sua vida, respondem poios attentados, pelos verdadeiros crimes que tem commettido na administração publica? Assume a responsabilidade! Palavras vãs, palavras sem sentido.

Se S. Exa. queria, realmente, mostrar que deseja assumir a responsabilidade de ter abusado tão largamente da dictadura, porque não se apressou a publicar, em dictadura, um diploma em que se definisse a responsabilidade collectiva dos ministros?

Assume a responsabilidade? Palavras vãs, palavras sem
significação. Fique S. Exa. sabendo que, todas as vezes que se levantar, para dizer que assume a responsabilidade, elle, orador, compará-lo-ha ao fidalgo da Força dos Almocreves, de Gil Vicente, o qual, crivado de dividas e já com uma larga conta no ourives, comprou a ultima joia e mandou lançá-la no seu debito, certo de que nunca a pagaria. O Sr. Presidente do Conselho tambem sabe que nunca lhe tomarão conta dos seus actos.

S. Exa., porem, não é o culpado. O povo, o país, que não tem querido, ou não sabe usar doa seus direitos, tendo interferencia directa nos negocios de Estado, e exigindo a responsabilidade a quem ella cabe, é tambem um grande criminoso.

O crime do Governo está em explorar a inercia do pais. É preciso que este sinta, ainda mais fundo, o chicote da adversidade, para então vermos se, em vez de proferir a phrase - isto dá vontade de morrer -, que é o lemma da sua inercia, elle adopta uma formula contraria, mais positiva; então, talvez os Srs. Ministros não sejam tão promptos em assumir as responsabilidades.

Tem elle, orador, receio de não ter energia sufficiente para soffrear o seu temperamento, quando se referir ás reformas publicadas pelo Governo. Limitar-se-ha, por isso, a tratar de uma só, que se destaca singularmente, porque não foi seguida da longa lista de novos contemplados. Refere-se á reforma do ensino industrial e commercial.

É essa uma questão momentosa, que, especialmente nos ultimos trinta annos, tem preoccupado todos os estadistas o todas as nações civilizadas. Bastaria isto para se dever suppor que, nesta reforma, o Governo não teria interesses mesquinhos, e que seria nella que o Ministerio podiar affirmar o seu tino governativo, e o Sr. Ministro das Obras Publicas as suas faculdades de grande estadista. Mas não succedeu assim.

Depois de historiar o desenvolvimento que o ensino commercial tem tido no país, desde as reformas de Diogo de Pina Manique até ás de Antonio Augusto de Aguiar, de 1884, data em que se deu o resurgimento do ensino technico, citando, em seguida as reforma dos Srs. João Franco o Augusto José da Cunha em 1897, o orador occupa-se da reforma publicada pelo actual Sr. Ministro das Obras Publicas, da qual não se pode dizer que não tem pés, nem cabeça, porquanto S. Exa. reformou-lhe a cabeça, introduzindo-lhe o qualificativo de - elementar; e nos pés, substituiu os nomes dos Ministros anteriores, pelos dos actuaes.

O Sr. Ministro das Obras Publicas, nesta sua reforma, jurou guerra de morte a todos os militares, ou então, dado o gesto negativo que S. Exa. lhe está fazendo, S. Exa. não conhece a sua reforma, por que todos os officiaes, de alferes para cima, segundo os artigos 61.° e 62, não teem, excepto os que pertencera ao quadro dos serviços topographicos, vencimento que não seja inferior ao que percebem no Ministerio da Guerra.

Para o comprovar lê o orador os artigos citados.

Examina, em seguida, quaes sejam as tendencias pedagogicas, a elasticidade dos programmas e a plasticidade da organização, da reforma dos serviços dos escolas industriaes o profissionaes, feita pelo Sr. Ministro das Obras Publicas. O que vê é que em escolas onde se ministra, exclusivamente, o ensino profissional, se lhe addiccionam disciplinas que pertencem ao curso industrial; vê ainda que os programmas, apesar da sua apregoada elasticidade são os mesmos de ha doze annos, e vê, por ultimo que o Sr. Ministro das Obras Publicas não accrescenta nem um apice ao trabalho profissional.

E a isto se reduzem as tendencias pedagogicas, a elasticidade dos programmas e a plasticidade da organização.

Podia ainda referir-se elle, orador, a casos de somenos importancia, como, por exemplo, o ensino profissional nocturno, excepcionalmente, os exames de passagem e ainda outros; ha, no entanto uma que, embora insignificante,

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não quer deixar sem reparo e que talvez seja ignorada do Sr. Vargas.

Refere-se ao exame fora do prazo legal que, segundo a reforma, só pode ser auctorizado pelo Sr. Director Geral de instrucção publica, segundo o § unico do artigo 32.° Éxtraordinario!

Evidentemente ha ali uma errata, mas o que isto prova é que o Sr. Director Geral está tanto no pensamento do Governo, que, mesmo sem querer, lhe escreveu o nome.

O orador, depois de occupar-se da parte doutrinaria da reforma, expondo as razões por que, no seu entender, ella não tem valor algum, entra na parte financeira, e diz que se quisesse collocar o Sr. Ministro das Obras Publicas em dificuldades, perguntar-lhe-hia apenas se sim ou não fôra angmentada a despesa com esta reforma.

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Manuel Francisco de Vargas): - Adverte que todos os augmentos de despesa ficaram dependentes de auctorização parlamentar.

O Orador: - Agradece a resposta do Sr. Ministro, mas deve dizer que alem das verbas que ficam dependentes da sancção parlamentar, ha outras que se pagam já e que não constam das anteriores organizações.

Nestas condições estão o augmento do numero de empregados, a criação de oito disciplinas no quadro 3.° do ensino, a faculdade de nomear professores definitivos os professores auxiliares e os decuriões que tenham oito annos de serviço e ainda outros.

Mas ainda que a resposta do S. Exa. abrangesse tudo, de duas uma: ou a verba é approvada no orçamento ou não é: se é, resulta despesa das reformas decretadas; se não é, escreveu-se uma inutilidade.

Mas ha mais e melhor.

No § 2.° do artigo 3.° fala-se em continuar o ensino de noções de hygiene industrial nas escolas onde haja professores idoneos, de modo que a conclusão a tirar é que se escolhem cadeiras para os idoneos e não idoneos para a regencia das cadeiras.

Já o anno passado teve occasião de mostrar que os idoneos pertencem á familia dos roedores e o que estes hão de roer e roem já consta do artigo 22.°

Condemna tambem o orador o artigo 19.° que trata da perda de meia gratificação de exercicio, quando os professores das escolas industriaes e profissionaes tenham impedimento legal, e depois de algumas considerações sobre este ponto diz que, sem ter ido mais longe do que devia, crê ter conseguido demonstrar, e de modo que ninguem pode contestar, que as despesas foram augmentadas, e que, portanto, foram excedidas as auctorizações parlamentares.

Era seu intento apreciar agora, num rapido esboço, o desenvolvimento que tem tido em outros países o ensino profissional; mas está cansado e não quer cansar a Camara; vae, portanto, reduzir o que tem a dizer.

O Sr. João Arroyo, não podendo defender o Governo do abuso das autorizações e dos esbanjamentos por elle commettidos, recorreu á sua imaginação de meridional, e em palavras vivas e brilhantes descreveu um quadro phantastico, em que as cousas e pessoas se moviam, repetindo sempre o refrain ironico: como for conveniente.

Quis S. Exa. desfazer assim no espirito dos seus amigos, sob uma impressão alegre do seu espirito finamente facetado, a impressão cansada pela nobre declaração do Sr. Beirão, illustre leader da minoria progressista.

A elle, orador, falta-lhe a imaginação artistica do Sr. Arroyo; vae todavia esboçar um quadro, cujos delineamentos foram sonhados sob a impressão da primeira tela de S. Exa., e que, se é menos phantasiosa e tem menos colorido, é todavia mais suggestiva e mais verdadeira.

O Sr. Presidente: - Adverte o orador de que decorreu a hora regimental, restando-lhe apenas um quarto de hora para concluir o seu discurso.

O Orador: - Agradece a advertencia e esboça em seguida um quadro, figurando um lauto banquete a que concorrem os animaes de todas as especies.

O Sr. Presidente do Conselho, o amphitryão, compenetrado de que o orgão indispensavel á vida é o estomago, apenas nota os primeiros symptomas de rebellião contra a sua chefia, apressa-se a estender a comprida toalha das auctorizações, e tão habilmente anda, que os dissidentes foram os primeiros a ajudá-lo e só depois d'isso os excluiu do festim.

Começa depois a exhibição dos succulentos manjares e dos vinhos preciosos e estonteantes, e a cada conviva é repetido constantemente o refrain - comei.

Mas a meio do banquete e quando os convivas mais despreoccupadamente regalavam o estomago, apparece a declaração do Sr. Beirão como o Mané, Thésel, Pharés, do festim de Balthazar, e o amphitryão, horrorizado, recorre a um dos seus mágicos, que lhe repete tambem - comei.

Comei, diz tambem elle, orador, comei, até que o povo acorde num esforço de insoffrida justiça e traduza na pratica a legenda fatal.

(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Eduardo Villaça: - Peço a palavra para um negocio urgente antes de se encerrar a sessão.

O Sr. Rodrigues Monteiro: - Começa notando que sendo constante, através dos tempos, a orientação do progresso e transformação, como realização de um ideal supremo, das sciencias e artes, ha todavia, uma sciencia, ou antes uma arte, rebelde a todos os progressos, e a todas as transformações: é a arte de fazer opposição.

Quem consulta os annaes parlamentares, para confrontar os acontecimentos passados com os da actualidade, pasma da extraordinaria semelhança, da rigorosa identidade dos phenomenos que caracterizam a psychologia dos agrupamentos parlamentares: modifica-se a forma, altera-se a linguagem, mas as accusações giram e movem-se em roda do mesmo eixo.

Não pôde o Sr. Rodrigues Nogueira, apesar do seu espirito profundamente illustrado, fugir a esta regra, subtrahir-se á lei geral.

Com um punhado de argumentos verdadeiramente anemicos e enfesados, S. Exa. vestiu-os de tão formosas galas, que ao espirito d'elle, orador, se figurou ver um exercito numeroso e tão forte e aguerrido, que chegou a temer pela obra do Governo.

Felizmente, porem, a oração de S. Exa. passou pela Camara, deixando apenas um rasto de luz brilhante e intensa, mas que se desfez por completo, como um aerolitho ao percorrer no espaço a sua trajectoria.

Entra o orador no exame dos pontos a discutir relativamente ao assumpto que se debate, e diz que se é certo que o Sr. Alpoim quis mostrar que as alineas da lei das auctorizações tinham sido absolutamente excedidas pelo Governo, chegando até ao ponto de propor a nomeação de uma commissão que apreciasse as reformas resultantes d'essas auctorizações, é tambem evidente que depois do discurso do Sr. Presidente do Conselho e da sua formal declaração de que o Governo se tinha mantido sempre dentro dos termos da lei, a batalha estava ganha, o affirmava-se mais ainda, se é possivel, a absoluta confiança que ao país merecem as qualidades dirigentes do illustre chefe do partido regenerador.

Como, porem, nas pugnas parlamentares se dá o inverso do que succede nas batalhas campaes, elle, orador, vê-se na necessidade de vir á estacada, onde foi chamado por um novo ataque da opposição, para defender a reforma feita pelo Sr. Ministro das Obras Publicas.

Sente não poder, por insufficiencia sua, produzir uma defesa brilhante, mas como soldado simples o convicto cumpre o seu dever, erguendo a sua voz, embora debil, em

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favor de uma reforma que considera de um elevado alcance e, das mais justas o uteis que se teem realizado.

Vão examinar se, effectivamente, nesta reforma foram excedidas as auctorizações parlamentaras que impunham ao Governo o dever do fazer a reformados differentes serviços, mas com redacção da despesa actual e melhoramento dos serviços.

A seu ver, esta formula, esta maneira do dizer não pode ser traduzida senão em relação ao conjunto das reformas, porque não comprehende como se possa desenvolver e aperfeiçoar, pondo de acordo com as necessidades actuaes, qualquer serviço, sem que se alterem as verbas destinadas a esses serviços.

O que é necessario é averiguar quaes os serviços que devem ser melhorados e aperfeiçoados, embora em detrimento de outros menos uteis, e conseguir assim o fim desejado: não augmentar as desposas publicas.

Esta é a grande difficuldade, porque, progresso e aperfeiçoamento importam augmento de despesa.

Assim é que as industrias procuram fabricar barato, sem que todavia o consumidor veja que a sua despesa cresce.

Foi o que succedeu com o candieiro de azeite, substituído successivamente por outros meios de illuminação; é o que succede tambem com os meios de transporto.

Tudo isto demonstra a necessidade que ha pouco apontou, de se transferirem verbas com detrimento de serviços menos importantes, e da apreciação do conjunto é que ha de resultar, como consequencia, a prova de que o Sr. Ministro das Obras Publicas não excedeu as auctorizações parlamentares.

Esta opinião, decerto, não é exclusivamente sua; pertenço á illustre opposição, o está defendida em diversas reformas feitas, segundo as auctorizações de 1897, de que as actuaes são copia fiel.

Consta, por exemplo, da reforma de engenharia de 1899, em que foi reduzido o numero do engenheiros, augmentando-se o dos officiaes da secretaria e alterando-lhe os vencimentos.

Mais ainda: tambem na reforma de 1899 se fizeram integrações e segundo os preceitos nella contidos, nem todas as receitas criadas foram exclusivamente destinadas ao Thesouro Publico.

Cita este precedente, não para o combater, mas porque, sendo novo no Parlamento, tem de arrimar-se á auctoridade dos outros para defender os seus principios.

Disse o Sr. Rodrigues Nogueira que o augmento de despesa no Ministerio das Obras Publicas se tinha elevado á importante somma de 129:000$000 réis. Cumpre, portanto, a elle, orador, examinar, parcella por parcella, quaes foram esses angumentos para demonstrar que o resultado final foi uma economia real e effectiva de 40:000$000 réis.

Começou a opposição por analysar a verba do engenheiros destacados; mas como ella é paga pelas direcções, onde elles prestam serviços, longe de haver um augmento de despesa, ha uma economia, porque o Ministerio não paga áquelles que são pagos pela Direcção dos Caminhos de Ferro do Estado e ainda outros.

Mas tambem isto não é novo; fez-se em 1898 e até com engenheiros ao serviço, propriamente, das obras publicas, como a fiscalização das obras do porto e os estudos hydrographicos.

Com respeito nos engenheiros supranumerarios, que ficaram, emfim, numa situação definida e clara, toma-se tambem para notar, como augmento do despesa, a importancia total dos seus vencimentos, quando estes apenas recebem uma gratificação pelo Ministerio das Obras Publicas, sendo-lhes o resto pago pelo Ministerio da Guerra.

Quanto ao numero de engenheiros no quadro...

O Sr. Presidente: - Lembra ao orador que as suas considerações não podem ir senão até ás duas horas, porque ha oradores inscriptos para antes de se encerrar a sessão, e esta tem de fechar ás duas e um quarto.

O Orador: - Sente que não possa dar, em tão pouco tempo, a necessaria largueza a tão importante assumpto; no entanto vae aproveitá-lo do melhor modo que lhe for possivel.

É certo que ha cento e vinte engenheiros no quadro, e é esse o numero que se julga necessario; mas a affirmação da opposição do que os vencimentos se augmentam, os quadros tambem, e que, portanto, ha de haver augmento de despesa, essa é que é erronca, por que o que se fez foi acabar com a desorganização geral que existia no Ministerio das Obras Publicas.

Desde que acabaram os desigualdades o outro dia apontadas pelo Sr. Ministro das Obras Publicas, é evidente que o alargamento do quadro não só trouxe economia, mas melhorou os serviços.

O orador faz ainda outras considerações, e fica com a palavra reservada para a primeira sessão.

(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Eduardo villaça: -Sr. Presidente: recebi um telegramma de Chaves, communicando-me que em uma das noites passadas havia ido á freguesia de Faiões solicitar votos para a eleição quo deve realizar-se naquella freguesia, o Sr. Administrador do concelho de Chaves, acompanhado pelo Administrador substituto, pelo Presidente da Camara Municipal e de mais alguns cavalheiros, e se haviam trocado phrases monos agradaveis, dando como consequencia um conflicto, que felizmente não teve resultados mais lamentaveis.

Accrescenta o telegramma que para Faiões tinham partido tropas de cavallaria, infantaria e policia, e se haviam effectuado 5 prisões, dizendo tambem que era grande o estado do exaltação dos animos sendo urgente acudir a esse estado com remedio prompto.

Preciso tambem referir-me a outro facto. Foi ultimamente exonerado do logar de secretario da Camara Municipal de Chaves o Sr. Domingos Sarmento, cavalheiro dignissimo (Apoiados), um dos mais importantes proprietarios do concelho de Chaves, amigo do partido progressista, e que, de longa data, exerce o logar de secretario da Camara, com todas as vereações, inclusive com as regeneradoras. Direi ainda que em Chaves ha 5 assembléas; em 4 d'ellas o Supremo Tribunal Administrativo validou a eleição, e annullou apenas uma, onde tem de repetir-se a eleição.

Ora succede que nas 4 assembléas, onde a eleição foi validada pelo Supremo Tribunal, quem obteve maior numero de votos foi, não a vereação que está á frente do municipio, mas exactamente a vereação constituida pelos amigos o partido progressista. D'aqui resultou que o Secretario foi exonerado por uma vereação que está á frente dos negocios municipaes, mas que nas 4 assembléas em que a eleição foi validada, longe do attingir a maioria, teve a minoria de votos. (Apoiados).

Sr. Presidente: eu permitto-me chamar a attenção do nobre Presidente do Conselho para estes factos. Na conjuntura excepcionalmente grave que o pais atravessa, afigura-se-me que o nobre Presidente do Conselho e o Governo a que S. Exa. preside carecem tambem do apasiguamento geral e da boa vontade de todos para resolver questões importantissimas para o pais, das mais delicadas e melindrosas, que sobre o actual Governo impendem. Devo, porem, dizer que os factos que se estão passando em Chaves, e talvez em outras localidades, depois de encerrado já o periodo eleitoral, não me parecem de natureza a conseguir esse apasiguamento, nem tão pouco a conciliar boas vontades. (Apoiados). Apresentados á Camara aquelles a que singelamente me acabo de referir, som o minimo resaibo de paixão partidaria, deixo-os senão á consciencia da Camara, pelo menos á apreciação d'ella, e confio ainda em

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que o nobre Presidente do Conselho saberá empregar providencias promptas e convenientes, a fim de que o actual estado de cousas desappareça.

Vozes: - Muito bem.

(O orador não reviu as notas tachygraphicas).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro): - Sr. Presidente: eu recebi tambem, como o illustre Deputado, um telegramma da commissão executiva do partido progressista em Chaves, narrando os factos pela forma como o illustre Deputado acaba de os referir á Camara; tendo a auctoridade d'aquelle concelho ido, com differentes pessoas, a Faiões para solicitar votos de parte das pessoas que a acompanhavam, houve um conflicto que determinou o apedrejamento, de que felizmente não resultaram desgraças, e reclamava promptas providencias por parte Governo.

Posteriormente, da mesma origem, chegaram ao meu conhecimento informações de que se mantinha em Faiões uma força militar, absolutamente dispensavel, com o proposito, unico, de vexar os eleitores progressistas, e que, inclusivamente, a força de policia ali destacada, se apossava da correspondencia levada para aquella localidade. Já V. Exa. vê, que as informações que tive, por parte da commissão executiva do partido progressista de Chaves, são, pelo menos, tão completas como as que S. Exa. tem, e aqui referiu. Por outro lado, informações de origem diversa referem os factos por uma forma, como é natural, inteiramente differente, e dizem que tendo a auctoridade administrativa, juntamente com o Sr. Cunha Monteiro, ido, em exercicio de uma deliberação da Camara de Chaves, tratar de averiguar em que condições se achava um chafariz em Faiões, cujas aguas diziam estar inquinadas de germens deleterios, ahi, sem provocação, haviam sido assaltados á pedrada por differentes populares, apedrejamento de que resultou ficar ferido um criado do Sr. Cunha Monteiro.

Já vê o illustre Deputado que, como quasi sempre acontece nestas occasiões, as informações que chegam do lado do partido progressista são diversas das que chegam de outra origem.

Sendo, portanto, inteiramente contrarias, as informações recebidas, telegraphei immediatamente ao meu delegado de confiança, o Governador Civil, para que elle inquirisse como os factos se haviam passado, a fim de eu poder tomar as providencias que sejam mais urgentes, e porventura se imponham. (Muitos apoiados).

O illustre Deputado Sr. Villaça referiu-se ainda a outro assumpto, a demissão do Secretario da Camara Municipal de Chaves; e dizia S. Exa., que não sabia como estava no exercicio das suas funcções a Camara Municipal da ultima eleição, tendo o Supremo Tribunal Administrativo annullado e mandado repetir o acto eleitoral em uma das assembléas respectivas.

A este respeito, devo dizer que não tenho informação alguma no que toca á demissão do Secretario da Camara Municipal.

O illustre Deputado sabe que, se porventura nessa resolução tomada houve qualquer ilegalidade, ao interessado cabe o direito de recorrer para os tribunaes competentes. (Apoiados).

Parece-me que S. Exa. não pode duvidar da competencia da Camara Municipal, pelo facto de ter sido mandada repetir a eleição em uma assembléa. (Apoiados).

S. Exa. não esteve presente a uma sessão, em que eu mostrei juridicamente, que as camaras municipaes, que se encontravam em circumstancias identicas, teem o direito de funocionar emquanto não se apurar o resultado final da eleição. O illustre Deputado appellou para mim com relação á politica de Chaves, o a esse respeito, pode S. Exa. ter a, certeza de que, sem embargo da nossa divergencia de opiniões politicas, que é até uma boa condição de administração, tenho como S. Exa. todo o empenho no apasiguamento da politica de Chaves, bera como na de qualquer outra localidade, (Apoiados), devendo accrescentar, que todo o meu desejo é evitar, que o ardor das paixões politicas possa produzir quaesquer perturbações de ordem publica, e de que não se faça boa administração.

Parece-me que neste ponto é que não pode haver divergencia de opiniões. (Muitos apoiados).

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - O Sr. Fuschini pediu a palavra para explicações, antes de se encerrar a sessão, e por isso vou consultar a Camara se lhe concede a palavra.

Consultada a Camara, resolveu afirmativamente.

O Sr. Fuschini: - Ia fazer á Camara as seguintes declarações, quando o Sr. Presidente lhe retirou a palavra:

A primeira consiste em contestar absolutamente a affirmação do Sr. Ministro da Fazenda, acerca da inconveniencia e inopportunidade da publicação do relatorio do Sr. Madeira Pinto. Este relatorio não involve ponto algum que possa produzir qualquer difficuldade externa. Certamente, põe em evidencia as responsabilidades graves de alguns homens politicos nacionaes; mas estas questões são de ordem interna e devem ser apreciadas pelo Parlamento.

O Sr. Ministro quer cobrir estas responsabilidades com o velho artificio da inconveniencia da publicação, o que não se conseguirá no caso presente, porque o relatorio ha de ser publicado.

A segunda declaração é que a existencia d'este relatorio em seu poder não involve a menor responsabilidade de algum dos homens que se sentam nas cadeiras do poder, nem dos que os precederam, quer fossem amigos seus, quer não fossem.

Affirma ao país e á Camara que elle, orador, e só elle, é responsavel pelos meios e pelos processos que lhe facultaram este documento; pedindo, pois, aos seus amigos que não desçam a declarações arrancadas por equivocos artificiaes.

A terceira declaração é que a irresponsabilidade de um Deputado pelos seus actos e palavras não é absoluta; ha meios legaes de tornar effectivas as responsabilidades. Convida, pois, alguem a que ponha a accusação, porque se defenderá contra ella e depois no julgamento.

Feitas estas declarações, ninguem o obrigará a voltar sobre o assumpto.

Dito isto, pede ao Sr. Ministro do Reino que pela sua parte aprecie os factos hoje occorridos com o jornal O Mundo; porque pela sua parte fará o mesmo, esperando que S. Exa. na proxima sessão o escute sobre o assumpto.

(O discurso será publicado na integra guando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro): - Eu nada tenho com as declarações do illustre Deputado, Sr. Fuschini, no que ellas teem de pessoal e relativas a S. Exa. Por isso, apenas me referirei áquellas que vêem bater no Governo a que tenho a honra de presidir.

Tenho sido accusado de declarar que tomo sempre a responsabilidade dos meus actos. Effectivamente não é uma declaração vã. (Muitos apoiados).

Quando eu tomo a responsabilidade dos meus actos, - e tomo a sempre em relação a todos os assumptos em que intervenho, - sei bem até onde ella vae, porque de antemão meço o alcance o significação, que a podem tornar effectiva, das phrases que vou proferir.

Por isso digo, que nada tenho com as declarações do illustre Deputado, na parto que diz respeito a S. Exa.

Mas o illustre Deputado não se limitou a dizer de si; arguiu o Governo, porque este considera inopportuna e inconveniente a publicação de um documento que mandou para a mesa.

Não me cabe a mim, neste logar, inquirir como é que

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esse documento chegou ás mãos do illustre Deputado. Mas o que me cabe é defender a resposta do Sr. Ministro da Fazenda e Estrangeiros, que respondeu em nome do Governo o que devia responder, desde que se mandara para a mesa um documento relativo a uma negociação, não no país com qualquer entidade, mas no estrangeiro, em um assumpto de caracter internacional, e sobre questões das mais graves, das que affectam mais profundamente, não só o nosso credito, mas até o nosso futuro. (Muitos apoiados).

Desde o momento que o Governo já declarou no Parlamento, que não julgava asado nem opportuno o ensejo para se fazer a publicação d'esses documentos, é claro que não podia o Governo, por coherencia e por dignidade propria, dar ao Sr. Presidente da Camara resposta differente da que deu. (Muitos apoiados).

Não discuto se é boa ou má; isso é da minha responsabilidade, e essa tomo-a não só para com o illustre Deputado, mas perante o meu pais.

E desde que tenho a consciencia de que sirvo a causa da patria, em uma questão d'esta ordem e d'esta importancia, o meu primeiro dever é não precipitar as questões, e não deixar desvirtuar a opinião lá fora, de modo a criar-se uma atmosphera impropria para a boa solução d'este assumpto. (Muitos apoiados).

Accrescentarei que tomo a responsabilidade plena e completa do que aconteceu ao jornal O Mundo, ou do que possam fazer as auctoridades no que toca a evitar desmandos ou abusos da imprensa.

Não posso nem devo consentir que só venha contrapor cousa alguma ao que é a verdade dos factos, os quaes a seu tempo apparecerão á plena evidencia de todos, podendo então ser apreciados. (Muitos apoiados).

Aqui tem o illustre Deputado para que serve a minha responsabilidade. (Muitos e repetidos apoiados).

Vozes: - Muito bem.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - O illustre Deputado o Sr. Espregueira pediu a palavra para explicações antes de se encerrar a sessão.

Vou consultar a Camara sobre se permitte que S. Exa. fale.

A Camara resolveu afirmativamente.

O Sr. Affonso Espregueira (para explicares): - Tomarei pouco tempo á Camara.

Começo por dizer que havia pedido a palavra para explicações, na ultima sessão, quando foi consultada a Camara sobre um requerimento mandado para a mesa por um illustre Deputado.

Quando, hoje, ouvi o mesmo Sr. Deputado pedir a palavra para explicações, julguei que S. Exa. se ia referir ao assumpto, por isso pedi tambem a palavra, mas como S. Exa. não alludiu a esse ponto, limitar-me-hei simplesmente a affirmar, que subsistem completa e absolutamente todas as declarações feitas pelo illustre leader da minoria progressista o Sr. Beirão.

Dito isto, entendo nada dever dizer com referencia ao assumpto a que se referiu o Sr. Presidente do Conselho.

O Sr. Presidente: - Tambem pediu a palavra para antes de se encerrar a sessão o Sr. Conselheiro José Dias Ferreira, mas eu não posso dar a palavra a S. Exa. senão para negocio urgente ou para explicações.

O Sr. José Dias Ferreiras: - E precisamente para explicações.

O Sr. Presidente: - Então vou consultar a Camara.

(Consultada a Camara, respondeu afirmativamente).

O Sr. José Dias Ferreira: - Sr. Presidente: li ha
dias, nos jornaes, que na outra casa do Parlamento, se haviam feito referencias a uma conferencia que realizei na cidade do Porto, attribuindo-se-me palavras menos justas com relação á Camara dos Senhoras Deputados de 1892.

Esperei pela publicação do Diario das Sessões dos Dignos Pares, com o fim do averiguar o que ali se havia dito a tal respeito, não para responder, porque o não poderia fazer naquella Camara, mas para repor a verdade dos factos, não desejando regular-me somente pelas declarações da imprensa, que respeito muito, mas que não teem caracter official.

Ante-hontem o Sr. Deputado Beirão fez nesta Camara uma referencia a que não assisti por já não estar presente; mas lendo o extracto do seu discurso, não encontrei cousa alguma que me obrigasse a quaesquer explicações.

Os jornaes, porem, tal feição imprimiram ás palavras do illustre Deputado, que desejo fazer algumas declarações perante a Camara, porque não quero equivocos na minha vida publica.

Sr. Presidente: digo sempre o que quero, e por forma tal, que nunca precisei de dar explicações.

O que faço aqui, fi-lo na conferencia do Porto, como o faria na aldeia mais sertaneja do pois. Não me refri a um só nome, nem a uma assembléa, nem a uma situação.

Tratei, como me pareceu e como entendi, do assumpto para que me haviam feito a honra de convidar, e posso affirmar a V. Exa. e á Camara, que nem uma só palavra proferi em referencia, repito, a uma assembléa politica ou a uma situação. E, Sr. Presidente, até mais de uma vez, precisando examinar os orçamentos das desposas, sobretudo desde 1884, agrupei, cuidadosamente, annos do differentes situações politicas, para que só não pudesse suppor que eu, fora do parlamento, aggredia alguem, que não pudesse responder-me immediatamente.

Fiz excepção, apenas, do nome de um homem illustre, que já não existe. Invoquei esse nome; e para quê? Para lhe tecer os mais alevantados elogios, pelos serviços relevantes que elle prestou á nação, quando Ministro da Fazenda, no primeiro Ministerio regenerador presidido pelo marechal Saldanha.

Todos sabem já que me refiro a Fontes Pereira de Mello.

Depois d'isto pergunto: Onde os equivocos?

Vou dizê-lo claramente porque desejo responder por mim, e não porque os outros me attribuem.

Conheço os nossos costumes, Sr. Presidente; tenho bastante idade para os conhecer, e por isso nada me surprehendeu, que um outro jornal interpretasse, menos justamente, qualquer referencia feita na outra casa do Parlamento.

Como não hei de rever este pequeno discurso, chamo a attenção dos Srs. Tachygraphos para que fielmente reproduzam as minhas declarações.

O que eu disse nessa conferencia, que tanto podia ser celebrada no Porto como em qualquer outra parto, foi o seguinte:

1.° Que todos os que embaraçavam a negociação e a execução do decreto de 13 de junho de 1892, estavam advogando os interesses dos credores estrangeiros contra os nossos proprios interesses.

2.° Que as grandes difficuldades que haviam surgido contra esse decreto, umas de ordem interna e outras de ordem externa, ficavam aplanadas; o que foi perante as dificuldades de ordem interna que aquella medida sossobrou.

Quando faço estas declarações não venho discutir este assumpto, venho somente pôr bem claras as declarações que fiz na conferencia do Porto; e, porque as minhas palavras produziram echo no pais, e até na Camara, declaro tambem, que estou prompto, não só a manter a verdade das minhas declarações, mas a opportunidade d'ellas; para isso procurei uma formula que me habilitasse a responder nesta casa do Parlamento ora um debate largo; formula que vou mandar para a mesa.

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12 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Mas devo antes dizer, que esta interpellação não contendo nada, absolutamente nada, com as questões pendentes sobre o convenio, quaesquer que sejam.

A este respeito tenho acatado as resoluções em que se declara que essas negociações, ou esse ajustado convenio não pode ser apreciado e discutido.

Por isso escolhi um periodo, que antecedo immediatamente de oito annos as negociações que se estão fazendo.

Mas desejo deixar habilitar a Camara e o Governo; e, quando V. Exa. entender e a Camara quiser, sem prejuizo dos projectos de lei de maior interesse, entrará em discussão.

Desejo tambem declarar, desde que por qualquer forma sou arguido de haver pronunciado umas palavras menos respeitosas para com uma assembléa politica, que era incapaz do as proferir. As entidades e os individuos para mim são sempre sagrados.

Discuto cousas e não pessoas.

Mas a minha formula dá margem larga para provar catas declarações.

Eis a minha nota de interpellação:

«Desejo interpellar o Sr. Ministro da Fazenda acerca da execução do decreto de 13 de junho de 1892, até que foi substituido pela carta de lei de 20 de maio do 1893, e acerca da execução da lei de 20 de maio de 1893 até o fim do exercicio de 1894. = Dias Ferreira».

Offereço isto, não para pedir a V. Exa. que a sujeite á apreciação do Governo nem para solicitar da Camara que a discuta; pode mesmo acontecer que o Governo, apesar de ficarem oito annos atrás as negociações, entenda que ella não pode ter seguimento; o que quiserem, emfim; mas o que desejo que fique bem assente á a declaração, repito, de que primeiro, todos os que estavam embaraçando a execução do decreto de 13 de junho de 1892 advogavam os interesses dos credores estrangeiros contra o Thesouro Português; segundo, que nas difficuldades que surgiram contra o decreto de 13 de junho, não foi deante das difficuldades externas, mas das internas, que elle baqueou; terceiro, que estou sempre prompto para a discussão. Registe a Camara as minhas declarações, que não foram fundamentadas, porque omfim, tanto a cortesia parlamentar, como a benevolencia de V. Exa. e da Camara me impediam de, usando da palavra antes de se encerrar a sessão, produzir qualquer argumento ou ordem de considerações tendentes a comprovar a verdade d'essas declarações e ainda a opportunidade d'ellas.

A nota de interpellação mandou-se expedir.

(O orador não reviu as notas tachygraphicas).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro): - Sr. Presidente: comprehende V. E.a o motivo por que pedi a palavra. Esperava eu que sendo attribuido ao illustre Deputado o Sr. Dias Ferreira, antigo Ministro de Estado, dos mais antigos, antigo parlamentar tambem dos mais antigos, uma phrase que lançou uma suspeição sobre os homens politicos do nosso pais, qual era a de, no parlamento haver advogados dos interesses estrangeiros, esporava, dizia eu, que o illustre Deputado usando da palavra para explicações, viria dizer que tal phrase não proferira, tal suspeição não lançara, (Muitos apoiados); e, francamente, confesso, sinto profundamente que as declarações que o illustre Deputado acabou de fazer, não desvanecessem essa má impressão que me ficou da leitura dos jornaes vindos da cidade, onde S. Exa. celebrou uma conferencia.

S. Exa. levantou-se hoje nesta Camara para declarar que, no seu entender, advogavam interesses estrangeiros aquelles que embaraçavam a realização do decreto de 13
de junho de 1892. Mas, Sr. Presidente, nada ha peor do
que uma phrase vaga desde que em todos vae bater. (Apoiados).

S. Exa., a um unico homem do Estado se referiu, a Fontes Pereira de Mello, para lhe fazer elogios.

Pois creia S. Exa. uma cousa; quando tiver de lançar uma suspeita sobre alguem, é muito melhor declarar-lhe o nome; porque nada ha que possa ferir mais susceptibilidades, do que lançar uma phrase vaga, que, na sua generalidade, absolutamente a todos comprehende. (Apoiados).

Quaes foram os que levantaram difficuldades á realização do decreto de 1892, e que deram por conseguinte a S. Exa. o supposto direito de declarar que eram advogados do estrangeiro? Todos no Parlamento teem o direito de o perguntar a S. Exa., porque ninguem pode ficar debaixo da impressão de que o illustre Deputado veiu fazer uma declaração, que a todos abrangia, e que não houve uma voz que se levantasse para protestar. (Apoiados).

A mim me parece, que interpreto os sentimentos de todos nós em qualquer campo em que militemos, em qualquer situação em que estejamos, protestando contra a afirmação sitga de S. Exa. de que lhe levantassem difficuldades por vagueses, que eram orgão e instrumento de interesses estuangeiros. (Muitos apoiados). Diz-se isto em um país onde todos somos e devemos ser tão patriotas como S. Exa. (Muitos apoiados). É isto que desejo contrapor á sua declaração, porque ella não attinge determinadamente um indivíduo qualquer, toca e involve todos os homens politicos, que teem o direito de protestar contra uma affirmação, que destoa, por completo, da verdade dos factos num assumpto em que todos somos, e devemos ser, tão patriotas como o illustre Deputado.

É isto, digo-o novamente, que em primeiro logar quero contrapor á declaração do illustre Deputado, porque ella não abrangia um homem individualmente, attingiu todos os homens politicos, e todos teem, portanto, direito de protestar contra essa affirmação.

Declarou mais S. Exa., com toda a auctoridade do seu nome, com todo o prestigio da sua situação politica, com toda a competencia da sua longa vida parlamentar, que o decreto de 13 de junho de 1892, quando S. Exa. abandonou o poder, poderia encontrar difficuldades internas e externas, mas accrescentando que as externas estavam resolvidas quando saiu do Ministerio.

Eu tive a honra de presidir ao Ministerio que succedeu ao de S. Exa. na gerencia dos negocios do Estado; sei, por consequencia, qual foi a situação que se encontrou no que toca aos credores externos.

Não devo faltar, neste momento, ao dever que me incumbe, de não discutir um assumpto, de cuja discussão, entendo resultam grandes inconvenientes para o país; esta questão, porem, foi já tratada no Parlamento quando o illustre Deputado passou para a opposição, e era Ministro dos Negocios Estrangeiros, Carlos Lobo de Avila. Consta dos archivos parlamentares a resposta dada por aquelle saudoso estadista. Estão publicados documentos. Leia-os quem quiser e, diga depois, com franqueza o sinceridade, se a declaração do illustre Deputado pode prevalecer contra a verdade dos factos.

Tenho assim respondido ao que devia responder, a uma accusação do illustre Deputado que se me afigura não ser exacta, e fique S. Exa. certo de que, desde que se possa discutir o assumpto, e discutir-se-ha logo que elle possa vir ao Parlamento, S. Exa. tem-me á sua disposição e a todos os Ministros para quaesquer apreciações de responsabilidades. (Muitos a repetidos apoiados).

Vozes: - Muito bem.

(O Orador foi muito cumprimentado). (S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - A primeira sessão é na segunda

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feira á hora regimental, sendo a ordem do dia a mesma que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 2 horas e 40 minutos da tarde.

Representação enviada para a mesa nesta sessão

Da Camara Municipal do concelho do Tabuaço, districto administrativo do Viseu, pedindo que seja melhorada a situação dos amanuenses da camara e administração do mesmo concelho.

Apresentada pelo Sr. Presidente da Camara, Matheus Teixeira de Azevedo e enviada á commissão de administração publica.

O redactor interino - Albano da Cunha.

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