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Continuação do discurso antecedente, que devia ler-se a pag. 264, col. 2.ª, lin. 63, na sessão de 28 de janeiro.

O sr. Torres e Almeida: — Pouco tenho a acrescentar ao que disse hontem; mesmo porque o meu estado de saude me prohibe de fallar com extensão.

Na sessão passada procurei demonstrar, que o ultimo emprestimo havia sido contrahido em condições mais avantajadas do que qualquer outra operação anterior de igual genero, porque se vê que depois da reducção dos juros decretados em 1852 nunca os titulos haviam sido emittidos ao preço de 48, preço superior ao do emprestimo Knowles & Foster, contratado a 44, preço superior ao do emprestimo Erlanger, contratado a 40. Não me referi nem me referirei a outros contratos e a outros emprestimos, porque d'elles se não fez menção.

E certo que entre o preço do ultimo contrato e o preço da cotação ha uma differença maior do que a que se deu entre o preço do contrato Knowles & Foster e o preço da cotação dos nossos fundos n'essa epocha; mas essa differença explica se e comprehende-se facilmente, reflectindo, como já disse hontem, em que quanto mais elevado é o preço da cotação menos probabilidades ha de alta, menos margem ha para especulações, e mais difficil é, por isso, obter um preço approximado do mercado.

Observou-se que é necessario attender-se não só ao que o estado recebe, mas tambem ao que o estado dá; que o estado ou que o thesouro dá, em troca do dinheiro, titulos, e que esses titulos têem um certo valor no mercado; que recebendo o estado 48, e ficando os titulos a 49 1/4 perde o estado 1 1/4 por cento. Sem duvida; mas não é possivel contratar pelo preço da cotação; e depois, para se fazer com presteza a confrontação entre duas operações é necessario não se attender só ao valor na occasião da venda, mas ao acrescimo que depois elle pôde ter. Quem compra titulos, não compra só o direito ao valor d'esses titulos na epocha da compra, mas adquire tambem o direito ao valor que elles podem ter por virtude de uma alta superveniente. Quem compra titulos a 44, compra com grande probabilidade de que o preço suba; probabilidade que se não dá, ou que se dá em menor escala para com aquelles que se compram a 48.

Se se tratasse, por exemplo, dos fundos francezes de 3 por cento, que muitas vezes têem attingido o preço de 65, 66 e 67, podia se dizer que quem vendesse a 50 ou 60 tinha feito um mau negocio; mas outro tanto se não pôde dizer a nosso respeito, visto que os nossos titulos, infelizmente para nós, não têem tanto credito como os francezes, porque a maxima cotação dos nossos fundos, depois da regeneração, tem sido de 50, e é provavel que por muito tempo assim seja...

Disse-se, para attenuar a força d'este argumento, que era insignificante a differença entre 44 e 48! Como é florescente o estado do nosso credito, que se reputa insignificante a differença de 4 por cento na alta dos nossos fundos no espaço de um anno!!

Parece-me pois, que está explicada essa differença de preço, e não tem outra rasão o facto que se deu de ter o scrip ou cautela provisoria do emprestimo de 1862 alcançado um premio de 4 por cento, ao passo que o scrip do ultimo emprestimo nunca alcançou mais de 2 por cento de premio.

Mas o ultimo emprestimo não se avantaja aos anteriores sómente no preço, é tambem superior em outras condições. Assim os srs. Stern & Brothers responsabilisaram-se pelo abono dos juros das quantias que fossem recebendo e conservassem em seu poder, o que compensava o desconto, que, conforme o contrato, se havia de fazer das antecipações; ao passo que pelo contrato com a casa Foster havia contra o thesouro 1 1/4 por cento de differença entre o juro abonado e o premio descontado. Alem d'isso por este emprestimo foi assegurada desde logo ao governo a quantia de 100:000 libras, ao passo que pelo emprestimo Foster foram-lhe asseguradas, é verdade, 200:000 libras, mas só depois da realisação do emprestimo.

Parece-me portanto que a commissão de resposta ao discurso da corôa podia dar a redacção que deu a esta parte do projecto, porque estava no caso de saber que este emprestimo havia sido contrahido em condições mais avantajadas do que outra qualquer operação anterior. E não se estranhe, que ella consignasse esta opinião, porque, como já disse, o emprestimo havia sido realisado muito tempo antes da abertura do parlamento, e muito tempo antes se haviam publicado os documentos mais importantes a respeito d'elle.

Que crime ou inconveniencia commettemos pois em adiantar um debate que havia de ter logar mais tarde ou mais cedo? Nem se lamente, como hontem ouvi lamentar, que a commissão de resposta se não houvesse com a reserva com que se houve na sessão passada. Que se aproveitou com essa reserva? Deixou porventura de haver discussão na sessão passada sobre o projecto de resposta ao discurso da corôa? (Apoiados.) Houve-a e houve-a larga, larguissima, e o que é mais, é que as questões que então se debateram foram depois novamente discutidas com grande perda de tempo e duplicação dos debates, que é o que o illustre deputado que me precedeu deseja evitar, desejo a que eu cordealmente me associo.

Pelo que diz respeito á aceitação de propostas com relação ao ultimo emprestimo, notou-se que o sr. ministro da fazenda no seu discurso estava em contradicção manifesta com o seu relatorio.

S. ex.ª tanto no seu discurso, como no seu relatorio, dá como rasão principal de ter aceitado as propostas, a necessidade em que estava de guardar segredo, para não prejudicar o bom exito da operação, segredo que tanto lhe era recommendado pelos srs. Knowles & Foster, nas famosas

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cartas que ha poucos dias foram publicadas no Diario de Lisboa. Lendo-se os dois periodos do relatorio que dizem respeito a este assumpto, facilmente se reconhece que desapparece a contradicção de que o sr. ministro foi arguido. Eu os leio:

«N'este negocio era indispensavel evitar toda a publicidade para o melhor exito da operação; proceder este sempre aconselhado e seguido em taes occasiões, pois emprestimos como o de que se trata não podem ser postos em praça, porque a baixa nos fundos seria uma consequencia necessaria.

«Assim julguei dever occupar-me de propostas que me foram apresentadas por parte de diversas casas de Portugal e do estrangeiro, e n'isto havia grande conveniencia para o thesouro, porque se, por uma circumstancia eventual, prevista no contrato de 30 de julho, ficasse este sem effeito, o governo achava-se habilitado a escolher a casa que melhores condições tivesse offerecido, para com ella, ainda que em condições menos favoraveis, tratar de outro contrato, a fim de obter os recursos de que absolutamente carecesse até ao tempo em que o estado politico da Europa facilitasse o modo de obter o resto da somma que era necessaria.»

Das propostas apresentadas ao sr. ministro, umas foram anteriores ao contrato e outras posteriores. As primeiras é claro que s. ex.ª podia não só recebe-las, mas entabolar sobre ellas negociações com differentes proponentes; emquanto ás segundas, s. ex.ª não as pediu, foram-lhe apresentadas, não podia negociar sobre ellas, nem negociou, porque estava ligado pelo contrato de 30 de julho, mas tambem não podia rejeita-las, porque isso seria dar a certeza official do emprestimo, e essa certeza podia produzir uma baixa, que é o que s. ex.ª tratava de evitar.

Com relação á melhoria de preço, o sr. ministro já mandou para a mesa o respectivo documento, que não sei se vem publicado no Diario de Lisboa, e se não vem publique-se, eu tambem o desejo. Desejo-o por homenagem aos principios e não, como aqui se disse, para não sermos incommodados no futuro com questões como esta da reserva das 500:000 libras. Tem graça este receio, como se fosse o governo que trouxesse essa questão, e não a opposição, depois de discutido e julgado o emprestimo de 1862! (Apoiados.) Eu já expliquei como se tinha obtido a concessão do melhor preço, concessão que acho natural, tão natural como a reserva das 500:000 libras, tão natural como as concessões generosas que Knowles & Foster alardeiam na sua correspondencia.

Notou o illustre deputado que se tivesse dado preferencia á casa Stern, como se os amigos de s. ex.ª não tivessem feito contratos em que se consignava expressamente essa preferencia, o que alguem terá occasião de mostrar.

Note se porém que similhante clausula não vinha no contrato primitivo, porque essa preferencia foi pelo sr. Stern solicitada, depois de feito este contrato, na occasião em que concedeu a melhoria de preço...

O sr. Ministro da Fazenda: — V. ex.ª dá-me licença?

Mando para a mesa a resposta que dei a esse pedido do sr. Stern, para que lhe concedesse a preferencia em compensação de elle acceder a elevar o preço a 48 (leu).

O que houve da minha parte foi um compromisso, uma annuencia pessoal, de lhe dar a preferencia em igualdade de condições só no primeiro emprestimo que contratasse, em compensação de elle ter elevado o preço da emissão a 48; não foi clausula estabelecida no contrato.

O Orador: — Do documento que acaba de ser entregue ao conhecimento da camara, vê-se que o sr. ministro prometteu á casa Stern dar lhe, em identidade de circumstancias e em igualdade de condições, a preferencia, não em todos os emprestimos que contrahisse, porque teria absurdo, mas no primeiro que se contratasse, te se contratasse durante a sua gerencia.

Eu não vejo n'isto um acto reprehensivel, nem tão pouco vejo lesão para o estado (apoiados).

Acho muito conveniente que o estado mantenha mais estreitas relações com uma certa e determinada casa, como faz o Brazil com a casa Rotschild, como faz a Russia com a casa Bering, porque o que nos convem é negociar com a casa que tiver a maior porção de titulos da nossa divida externa.

Pois, sr. presidente, aquella preferencia que o sr. ministro pessoalmente prometteu, e que não consta do contrato declaratório; aquella clausula inhibe porventura s. ex.ª de, em qualquer futuro emprestimo, ou no primeiro emprestimo que se contrahir, negociar com outros concorrentes e aceitar alguma proposta que offereça mais garantias e melhores condições para o thesouro? De certo que não (apoiados). E desde que assim é não vejo que da aceitação de similhante promessa resulte o mais pequeno inconveniente.

Tendo dito o que tinha a dizer com relação ao emprestimo, esqueceu-me comtudo combater um argumento que o distincto orador que me precedeu havia produzido.

S. ex.ª apontou para a affluencia de pedidos que houve depois do emprestimo como uma prova de bom exito da subscripção nacional.

Essa affluencia nada significa, ou tem um pequeno alcance.

Quem podia afiança-la? E se se não desse, que desaire para o governo, e que grave prejuizo para o credito! Em que triste posição não ficava o governo para ir contratar depois o emprestimo nos paizes estrangeiros!

E quem diria até onde chegaria a cifra da subscripção no paiz, se houvera a certeza do pagamento integral das quantias subscriptas?

Depois de contrahido o emprestimo, pediram-se 100 para se obterem 5. E é notorio que os bancos do Porto e alguns capitalistas pediram toda a importancia da quantia reservada para Portugal, para que em rateio lhe tocasse a maior quantia possivel.

A quantiosa somma de subscripções para o banco hypothecario do Porto, não significa tanto como a s. ex.ª se affigura. Quer s. ex.ª saber o que se passa no Porto? Aberta a subscripção para um banco, apparecem individuos a subscrever com aquillo que não têem, porque entre nós não se adopta o systema, seguido em outros paizes, de obrigar o subscriptor a entrar desde logo com uns tantos por cento. Organisam-se os estatutos, são submettidos á approvação do governo, e as acções entretanto adquirem um certo premio. O que fazem os especuladores? Se se dá premio vão vender as acções ou o seu direito, sem terem desembolsado quantia alguma, e quando muito tendo apenas um pequeno desembolso; se não se dá premio, se não as podem vender, elimina-se o seu nome da relação dos accionistas, e nada mais.

Aqui está o que significam essas grandissimas sommas de 12.000:000$000 ou de 20.000:000$000 réis que appareceram subscriptas para o banco hypothecario.

A respeito da gratificação dada ao sr. Youle, o nobre deputado apresentou um documento particular que, se tem algum merecimento, é o de ser contra producente, documento em que se inculca que o governo ordenára aos srs. Knowles & Foster a alteração da conta que tinham dado da venda das 500:000 libras, por se achar n'ella comprehendida a somma de 2:000 libras dadas de gratificação ao sr. Youle.

O sr. ministro diz — que não expediu aquella ordem; mas, se o agente financial em Londres a deu, fez muito bem, porque a gratificação não era da responsabilidade do governo portuguez e não podia figurar nas contas dos srs. Knowles & Foster.

Esse facto está de accordo com a argumentação do sr. ministro, que disse que essa gratificação tinha sido dada pelos srs. Knowles & Foster ao sr. Youle pelos serviços por este prestados na venda das 500:000 libras.

Mas Knowles & Foster não estão de accordo com este facto; nem o illustre deputado está de accordo com a sua argumentação e os srs. Knowles & Foster, porque elles confessam que alteraram a conta. Se isso era um acto irregular e illegal, para que o fizeram? Pois isso acredita-se em vista da preconisada respeitabilidade dos capitalistas inglezes? Não se acredita. Os srs. Knowles & Foster reformaram a conta, porque reconheceram que effectivamente a deviam reformar, porque concordaram em que as 2:000 libras não podiam ser da responsabilidade do governo.

Mas se não eram da responsabilidade do governo, disse-se = para que é que os srs. Knowles & Foster vieram pedir ao governo o arbitramento da somma ou gratificação que se devia dar ao sr. Youle? = Não sei ao certo os motivos que os levaram a isto. Acredito que foi um acto de lealdade que lhes faz honra; acredito que o fizeram, para que o governo não julgasse menos importante o lucro das 500:000 libras, para ficai em bem conceituados perante o governo e perante o paiz, e habilitarem-se para no futuro poderem ter negociações comnosco (apoiados).

O contrato Knowles deve interpretar se, como todos os outros contratos, conforme as suas condições. A proposta da reserva das 500:000 libras foi feita para que os srs. Knowles & Foster as vendessem pela fórma e na epocha que julgassem conveniente. É claro portanto, que o governo não tinha direito a uma quantia determinada; e é claro portanto, que o governo, tudo que fosse acima de 44, havia de recebe-lo sem hesitação nem estranheza, porque o seu direito não passava d'ahi. Se os fundos fossem todos emittidos a 44, o contrato era excellente, e não se accusava o sr. ministro; mas como alem de 44, vieram para o thesouro cerca de 15:000 libras, entendeu-se haver motivo para o accusar, e accusou-se!! Se s. ex.ª é culpado, eu digo feliz culpa; porque a troco de 9:000$000 réis, o estado lucrou perto de 70:000$000 réis (apoiados).

Entendo pois que estes fundos não foram desviados dos dinheiros publicos; mas se o fossem, se o sr. ministro carecesse de um bill de indemnidade, de que não carece, havia de lh'o dar com a melhor vontade (apoiados); porque estou convencido dos grandes e relevantissimos serviços que o sr. Youle prestou para a realisação do emprestimo, congraçando as duas casas que se estavam guerreando na praça — a casa de Knowles & Foster e a de Stern Brothers; fazendo com que se realisasse o emprestimo, que esteve a ponto de se mallograr, e se assim succedesse, seria de grave prejuizo para o paiz (apoiados).

Não ponho duvida, repito, em dar um bill de indemnidade, não só pelos relevantes serviços prestados pelo sr. Youle, mas porque o sr. ministro me inspira plena confiança (apoiados). Faço justiça á sua probidade e caracter, conheço os seus esforços, e vejo como empenha todos os recursos da sua intelligencia e da sua actividade para melhorar o credito publico (muitos apoiados). Melhoria sensivel pela qual não posso deixar de manifestar o mais sincero regosijo. N'este ponto temos caminhado bastante. D'antes iam os ministros da corôa pedir ao stock-exchange a cotação dos nossos fundos, e aos capitalistas estrangeiros um pequeno emprestimo, que era recusado a despeito da importancia dos interesses. Agora enxameiam os capitalistas nas escadas do thesouro, e acotovelam-se sofregos, para offerecer ao governo os seus capitães a troco de um interesse modico. Dantes os capitães desconfiados refugiam obstinadamente a convites do governo portuguez, apesar dos fundos serem emittidos a 6 e 7 por cento abaixo do preço da cotação, ou sómente se entregavam mediante bónus fabulosos (apoiados). E agora pedindo-se á praça de Londres dois milhões, offereceu dez, e pedindo cinco, offereceu vinte, apesar de serem comparativamente insignificantes os lucros (apoiados). A que se deve esta melhoria? Deve-se aos progressos do paiz

(apoiados do lado esquerdo e direito). Sou o primeiro a reconhece lo, e nem é minha intenção fazer injustiça a ninguem. Deve-se aos progressos do paiz, para os quaes têem contribuido alguns dos gabinetes anteriores; de accordo, e este principalmente (muitos apoiados), pela sua iniciativa fecunda e liberal; e especialmente o sr. ministro da fazenda pelo acerto e efficacia das suas medidas (muitos apoiados).

Façamos justiça a quem a merece; a este respeito lerei o que diz o Times, jornal imparcial e grave, que se não deixa inspirar da musa desgrenhada das paixões partidarias, que muitas vezes obcecam as intelligencias mais robustas, e desvairam os talentos mais serios. Lerei pois um pequeno excerpto do Times, na secção mais considerada, que é o Money-Marcket:

«Ha um anno ou dois que o credito de Portugal se tem fortalecido e tomado estabilidade.

Antigamente esse credito era prejudicado pela pratica errada do governo, o qual, quando precisava levantar fundos para a construcção de linhas ferreas ou outras despezas, emittia tantos bonds quantos eram auctorisados pelo parlamento, não pelo meio usual e mais acertado de um emprestimo abertamente contrahido com uma casa commercial, mas por vendas parciaes feitas de tempos a tempos no mercado de Londres, que causavam aos possuidores o receio fundado de que o preço que elles davam n'um dia poderia diminuir no seguinte pela acção do governo. Tendo sido abandonado este systema conseguiu se alcançar a estabilidade, resultando assim que o governo póde contrahir o presente emprestimo a 4 por cento acima do preço pelo qual o ultimo foi contrahido.

«A nova emissão é destinada ás despezas com as linhas ferreas e outros trabalhos publicos que devem ficar promptos no proximo verão; e se uma grande parte da sua importancia (perto de 1.200:000 libras) for destinada a compras feitas em Inglaterra, não haverá sensivel alteração no mercado monetario.

«O rendimento de Portugal já tem augmentado muito, em consequencia da construcção de linhas ferreas; e como parte da somma agora levantada vae ser applicada á construcção de estradas ordinarias no interior, a fim de servirem de auxiliares e affluentes aos caminhos de ferro, o desenvolvimento d'aquelle paiz receberá assim um novo estimulo.

«Uma parte consideravel do ultimo emprestimo tem sido quasi absorvida por compradores portuguezes; pela procura produzida pela lei de desamortisação e da venda de bens pertencentes ás corporações religiosas; e se o governo se animar a modificar a pauta das alfandegas e a proceder a outras reformas fiscaes, não haverá talvez paiz algum em condições mais proprias para um rapido desenvolvimento material.»

Sejamos sinceros, tenhamos a franqueza de dizer a verdade a quem em tudo a devemos. Faço justiça a alguns dos governos anteriores, pela parte que tiveram nos progressos do paiz; mas concedam tambem a este o quinhão que é d'elle, e que não é pequeno (muitos apoiados). Se o gabinete não fosse digno de estar á testa dos negocios publicos, se não satisfizesse ás legitimas aspirações da nação, se fosse estacionario ou retrogrado, se não inspirasse confiança, se não tivesse cuidado dos melhoramentos materiaes e de desenvolver os anteriormente encetados, se não tivesse meios para pagar, ou os não procurasse adquirir creando novas forças productivas, desenvolvendo as existentes, se não respeitasse religiosamente as liberdades publicas, se fosse um gabinete, como se assevera, inepto, fraco e immoral, os fundos não teriam subido a um preço que nunca attingiram; e quando os fundos sobem, o credito não desce (apoiados).

Sendo, como é, a cotação dos fundos publicos seguro barometro do credito de um estado, e excellente contraste para aquilatar uma gerencia financeira, vê-se, e não póde deixar de confessar-se que o nosso credito tem melhorado consideravelmente, e que a gerencia financeira do governo não é das peiores (apoiados). Os fundos que oscillavam entre 43 e 44 por cento, quando saíram do ministerio os principaes caudilhos da opposição n'esta casa, já chegaram a 49 e a 50 mesmo; facto de que não havia memoria desde a reducção dos juros (apoiados).

Mas a cotação elevada dos fundos não é só um documento de melhoria do credito e de boa gerencia financeira; é tambem um padrão exacto para aferir a politica do governo; porque não póde prosperar o credito, nem haver boas finanças, sem haver boa politica, «Dae-nos boa politica e eu vos darei boas finanças», dizia um dos mais illustres financeiros da França, o barão Luiz.

Eu não digo, usando de uma expressão muito conhecida, que este ministerio é o melhor dos ministerios possiveis, mas parece-me poder desassombradamente asseverar, que é um dos melhores que temos tido á frente dos negocios publicos (apoiados). Ha mais motivos para lhe entoar um Ave sincero do que para bradar ás multidões — crucifige! (Apoiados.)

Para este gabinete, representante de um partido notavel pela largueza das suas aspirações, pela intrepidez dos seus intuitos, pela nobreza e generosidade de seus sentimentos; para este gabinete, representante de um partido, o primeiro sempre em todas as conquistas da liberdade, em todas as innovações uteis, em todos os commettimentos civilisadores; para este gabinete o poder não tem sido uma Capua de delicias, uma prebenda benigna e ociosa, mas um officio grave, difficil e trabalhoso (apoiados).

Os ministros, a despeito das enormes difficuldades que, como vemos, lhes tem levantado umas vezes a boa fé desvairada, outras vezes a malevolencia torpe, vão erguendo padrões do engenho, monumentos da sua actividade, que hão de resistir aos epigrammas dos seus detractores, e ás

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verrinas descabelladas dos encartados calumniadores (muitos apoiados).

Antes de passar adiante, devo fazer uma rectificação. É claro, e escusava de o declarar, que quando fallo em calumniadores não me refiro a nenhum collega meu. Deus me livre de que me attribuissem tal intenção, que não estava no meu animo, nem no meu caracter, nem na minha educação.

Eu referi me aos calumniadores que ha lá fóra, e ha-os por officio, com os quaes eu não transijo, seja qual for a sua opinião politica (apoiados), seja qual for o campo em que militem, seja qual for a sua posição social (apoiados). Não me referi individualmente a ninguem; referi-me aos calumniadores, que os ha no soalheiro, e infelizmente na imprensa, esse augusto sacerdocio de que eu fui um dos mais obscuros levitas, e sinto não poder ufanar me de o ter exercido com lustre e distincção, na imprensa que é uma util e importantissima instituição, que é a mais valente e vigilante sentinella da liberdade, que é o sexto sentido dado aos povos modernos; na imprensa, que é um instrumento poderoso de progresso e de moralidade, apesar dos seus lamentaveis desvarios e excessos, desvarios e excessos que ella cabe e póde corrigir, e ha de corrigir. A regeneração da imprensa ha de vir d'ella e só d'ella (apoiados).

Dito isto, volto a occupar-me da ultima parte do brilhante discurso do illustre deputado por Moimenta da Beira, que chamou cartaz ao discurso do throno, auctorisando-me a dizer, que cartaz foi o programma de um ministerio conhecido no paiz por uma denominação antithese de toda a gravidade (apoiados).

Fallou s. ex.ª do pouco que se deve a esta situação, e disse que = não acreditava por 1880 na sinceridade das suas promessas =. O pouco que se deve a esta situação!? Engana-se o illustre deputado. Aperfeiçoou-se o systema de impostos; melhoraram-se as condições das nossas provincias -ultramarinas; regenerou-se a marinha; cortou-se fundo na reacção que ameaçava de collo altivo tocar na arca santa das nossas liberdades (apoiados).

Diz-se, «esse projecto do governo jaz nos archivos da camara dos dignos pares». É verdade; mas as irmãs da caridade e os padres lazaristas estão em França ha dois annos (muitos apoiados). Fizemos muito, e mais faremos este anno, se a minoria, como na sessão passada, não pozer em pratica todos os recursos que lhe suggere a paixão partidaria, para estorvar o andamento dos trabalhos parlamentares (apoiados), como amiudando votações nominaes, como provocando debates sobre questões já extinctas.

Temos feito muito e mais faremos, se nos deixarem. Hontem extinguimos os vinculos, e firmámos sobre solidas bases o credito predial; hoje propomo-nos a amputar esta excrescencia da velha sociedade, que se chama contrato do tabaco (apoiados); ámanhã riscaremos das nossas leis a pena de morte, dando ao mundo um testemunho da lenidade dos nossos costumes, da brandura da nossa indole, do adiantamento da nossa civilisação, e de respeito profundo pela inviolabilidade da vida do homem, feito por Deus á sua imagem e similhança (apoiados).

Vozes: — Muito bem.

O Orador: — As promessas do governo são cartazes. Mas permittam-me que eu pergunte: E vós que tendes feito, e que tem de vós a esperar o paiz? Promettestes derramar sobre elle da vossa cornucopia torrentes de prosperidades e de riquezas. Cumpristes a promessa? E facil sabe-lo, folheando a historia politica dos ultimos annos desde 1859 (apoiados).

Digo desde 1859, porque a primitiva regeneração, a unica regeneração, foi apenas um parenthesis aberto pela espada do marechal Saldanha, e fechado pela morte do Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães (muitos apoiados). A regeneração desceu ao obituario da historia com a morte do seu mais eminente vulto, da sua mais brilhante incarnação.

Vozes: — Muito bem.

O Orador: — Deixemo-la na paz do sepulchro, amortalhada na farda do seu primeiro ministro! Vozes: — Muito bem.

D'esse partido reatam ainda alguns talentos, sem duvida distinctissimos (apoiados), mas que perderam a sua individualidade politica desde que aceitaram o poder sob a presidencia de um dos caudilhos do partido conservador (muitos apoiados), desde que se confundiram nas fileiras d'esse partido, desde que se identificaram com os artigos do seu credo, sustentando na questão dos tumultos a exageração da prevenção, que é a tyrannia (apoiados), e na questão do ensino defendendo as demasias theocraticas, que são a morte da liberdade (vivissimos apoiados).

Hoje não ha senão dois partidos: o progressista e o conservador (apoiados). Os campos estão delimitados; as raias, que nos primeiros annos posteriores á regeneração como que estavam obliteradas, avultam hoje a todos os olhos. É muito claro e legivel o moto das bandeiras que fluctuam de um e outro lado; tão claro e tão legivel que exclue a possibilidade do menor equivoco (apoiados).

O que fostes em 1859, o que tendes sido desde então para cá na opposição? Seria para mim extremamente desagradavel recorda lo...

O sr. Casal Ribeiro: — Recorde.

O Orador: — Não é preciso, porque os echos d'esta casa parece que ainda repercutem as phrases severas mas eloquentes de um dos amigos cuja ausencia sinto, e que em occasião analoga a esta fez aqui no anno passado o processo dos vossos desacertos como homens publicos (apoiados).

E nem se diga, que os desacertos dos governos se não desculpam com os da opposição, que os erros não justificam os erros, velho sophisma, que por ter cãs nem por isso é mais respeitavel. A isto responde Guizot, auctoridade de certo insuspeita para vós: Os partidos tambem vivem das faltas dos seus adversarios. E vivem: sobram exemplos d'esta verdade (apoiados).

A revolta de setembro, a discussão da lei do ensino, as accusações immerecidamente violentas na tribuna e na imprensa, a aggressão pessoal e constante contra um ou dois dos ministros, têem contribuido tanto para a sustentação do gabinete como os actos mais importantes da sua illustrada gerencia (muitos apoiados).

O governo governa mal. E vós governaes melhor? Esta é a questão dos homens imparciaes, esta é a questão do publico, esta é a questão do paiz (apoiados). E necessario responder a ella categoricamente. Por as opposições não responderem a ella categoricamente, muitas vezes os parlamentos, aliás pouco satisfeitos da marcha dos gabinetes, ainda assim os sustentam com o seu apoio (apoiados).

«O governo governa mal». Mas provae que sois capazes de governar melhor, mas demonstrae como devia governar.

A opposição é obrigada a ter um systema de governo. O poder não é apanagio de um homem, nem monopolio de um partido. A opposição da vespera póde ser o governo do dia seguinte. É necessario provar que sabeis governar melhor, é necessario provar como o governo devia governar; porque a critica só por si tem pouca auctoridade. É necessario provar que sabeis governar melhor, porque os governos não cáem senão diante dos seus successores, por isso que o poder não é uma herança jacente.

Desprendei-vos, se póde ser, de um passado que o para já condemnou, e apresentae um systema definido, claro, que possa ser avaliado.

Póde ser que o paiz prefira o vosso systema ao do governo. Aguardemos respeitosos o seu veredictum. A legislatura está a findar, e vem proxima a epocha de uma eleição geral (riso por parte da opposição). Entretanto o governo vae se sustentando. Os governos nascem no seio das maiorias e morrem nos braços das minorias, e o parlamento ainda não retirou o seu apoio ao governo, que tem por isso obrigação de conservar-se; o contrario seria a inversão de todas as praticas seguidas em Inglaterra, e em todos os paizes onde lealmente se observa o regimen representativo (apoiados).

Vou concluir como hontem comecei. O tufão, aquelle temeroso tufão vae passando. O baixel ministerial ha de triumphar da furia dos elementos. O homem do leme é destro e entendido (muitos apoiados). A tripulação conhece a manobra e é corajosa: tem visto estalarem-lhe os raios sobre a cabeça e cavarem-se-lhe aos pés os abysmos, sem que as faces lhe empallideçam, nem o animo se lhe entibie. Navega em demanda da felicidade d'este paiz. Deus que protege as boas causas, confio que ha de leva-lo a porto e salvamento.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado por grande parte das pessoas presentes).

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