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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

o visconde de Almeida Garrett, incommodo que não receio padecer, salvo se Deus por castigo me inspirar um dia palavras que a posteridade possa repetir.

Apesar da sua grande fortuna, o dr. Pereira Cardoso vive muito simples e modestamente. Se todos assim fizessem, pouco renderia para o estado a lei sumptuaria que nós hoje vamos discutir. Mas quem tributasse a caridade, colheria uma boa somma se podesse calcular pelas bençãos de muitas familias pobres a importancia dos beneficios do reitor demittido.

O dr. Pereira Cardoso foi lente na universidade, e e-o agora na academia polytechnica do Porto. É homem de se vera disciplina, d'aquella que elle observam no primeiro estabelecimento scientifico do paiz. A esta qualidade, que é importante n'um reitor, unia o mais imparcial espirito de justiça, dote importantissimo n'um commissario dos estudos do districto do Porto.

D'antes os commissarios presidiam aos jurys de exame dos candidatos ao magisterio primario. Hoje o Porto é capital de uma das circumscripções academicas; em que se fazem estes exames, e comquanto o commissario não seja necessariamente o presidente do jury, mal irá ao serviço publico se o governo se vir obrigado a prescindir da experiencia de um funccionario versado nos negocios da instrucção primaria. Por conseguinte, se o commissario dos estudos não for muito recto, a fonte do magisterio será impura, e baldados serão os outros esforços para prover as escolas de professores dignos.

É logo muito para sentir que fosse demittido um empregado de tão excellentes dotes para tão importante logar. Estou certo de que o sr. marquez d'Avila não sabia o homem que demittia. Não sei nem trato de saber d'onde veiu a iniciativa d’este acto...

O sr. Ministro do Reino: — De mim.

O Orador: — Mas v. ex.ª não escreveu o decreto com a sua mão.

O sr. Ministro do Reino: — Certamente, mas mandei-o escrever.

O Orador: — Isto me basta. S. ex.ª deixou-se levar pela lealdade que bem lhe conheço para com os seus empregados immediatos; mas deviam te-lo dispensado d'esta prova de deferencia, informando-o das qualidades do reitor que ía ser demittido.

Na direcção de instrucção publica existem representações de lyceus, em que eu era quasi alcunhado de ignorante. Nunca fiz caso d'isso. Tenho muito a consciencia das minhas opiniões, mas não julgo que seja modo de as transmittir aos outros o impedi los a elles de manifestarem livremente as suas.

Na representação do lyceu do Porto, que, parece ter sido a causa da demissão do illustre funccionario de que tenho fallado, ha algumas expressões energicas. Mas o sr. Rodrigues de Freitas quando a apresentou a esta camara mostrou que mereciam desculpa, em vista da desconsideração com que tinha sido trajado aquelle respeitavel estabelecimento.

Leiam-se os nomes que assignam este documento. Logo em seguida ao do reitor vem o de Domingos de Almeida Ribeiro, o escriptor e inspirador do immortal testamento do conde de Ferreira. Era o segundo. Agora é o primeiro a quem toca a vez de ser demittido, e que o seja, por decreto seco, como o do dr. Pereira Cardoso...bem seco... grave... da gravidade com que as pedras devem fallar aos homens, para que possa ser insculpido na campa do ministro de instrucção publica que o referendar.

Mais abaixo vêem-se outros nomes dignos do maior respeito. Delfim Maria de Oliveira Maia, o primeiro advogado do Porto; Antonio Augusto de Almeida Pinto, cuja eloquencia, platonica talvez um dia seja ouvida n'esta casa; Luiz Antonio de Pinto de Aguiar, que recebeu na Allemanha uma instrucção variada e profunda, como lá sabem dar; Augusto Luso da Silva, cujos serviços à historia natural,

podem ser, em parte, conhecidos pelos que houverem lido os relatorios do consciencioso, do sincero, do leal dr. Bocage; Joaquim de Azevedo Sousa Vieira da Silva Albuquerque, distincto alumno da academia polytechnica do Porto; Antonio Ribeiro da Costa e Almeida, auctor de um compendio de philosophia, que, apesar dos defeitos que lhe têem notado aquelles que por causa de uma palavra condemnam um livro, mereceu os elogios do sr. Rebello da Silva, e do primeiro philosopho de Portugal, e talvez da peninsula, o sr. Pedro de Amorim Vianna, lente da academia polytechnica.

O reitor que preside a uma corporação d'estas póde esquecer ou desprezar uma affronta pessoal; mas se vir dirigida a mais leve offensa àquella corporação tem o dever de arremessar o cargo, ainda que pesasse milhões, ao rosto offensor.

Foi o que fez o dr. Pereira Cardoso. E se o sr. ministro do reino tivesse sido informado lealmente de todas as circumstancias, não teria deixado de se haver com mais alguma condescendencia.

Tenho tratado de um facto, mas convem saber que não é unico; que é a manifestação particular de um systema de deslealdade de que estão sendo victimas os ministros nas cousas da instrucção publica.

Ao sr. duque de Loulé ninguem póde negar a maior seriedade e o maior amor da justiça. Se vejo uma indignidade decretada por sr. ex.ª digo logo que não é d'elle.

Pois, sendo eu director da academia polytechnica (logar de que hontem pedi a demissão n'um requerimento formulado pela norma do decreto que demittiu o dr. Pereira Cardoso); sendo, digo, director da academia polytechnica, em fins de janeiro ou principios de fevereiro do anno passado, recebi para informar o requerimento de um estudante que se queria matricular no 1.° anno d'aquelle estabelecimento.

Tinha o requerente frequentado o 1.° anno da escola polytechnica, mas isso passara-se havia mais de quatro ou cinco annos, e não podia ter aproveitado muito, porque não fizera acto, e portanto havia perdido o anno.

Quando recebi o requerimento não deixei de estranhar que se tivesse julgado necessario pedir alguma informação. Julguei porém que seria modo de não desgostar logo o pretendente. Informei que na altura em que ía o anno lectivo a admissão do alumno à matricula seria muito prejudicial à disciplina academica.

Estas simplices palavras deviam ser bastante persuasivas para um ministro que pouco antes, indeferindo uma pretensão muito menos desrasoada, e bem informada pelo reitor da universidade, declarára que da rigorosa observancia dos regulamentos dependia o credito dos estabelecimentos de instrucção.

Pois, sr. presidente, d'ahi a dias recebi uma portaria mandando matricular o estudante! Se elle se tivesse matriculado em tempo, e se tivesse abonado as faltas, teria já n'aquella occasião o anno perdido.

Era fazer muito pouco do director de um estabelecimento scientifico. Era mister muita falta de pudor para deixar ver por uma pessoa qualquer um documento d'aquelles. Era preciso ter chegado ao estado d'aquella mulher romana, que dizia que um escravo não é um homem.

O estudante apresentou-me a portaria. Disse-lhe que a influencia que bastava para obter tal favor devia sobejar para conseguir o decreto da minha demissão, e que o fosse buscar, porque sem elle a portaria não lhe servia de nada. (Vozes: — Muito bem.) O estudante foi e não voltou.

O sr. duque de Loulé não teria assignado tal portaria, se tivera sido lealmente aconselhado.

Ha muitos outros actos. Antes de fallar n'um de grande monta, citarei outro, posto que me diga respeito. Um estudante que se propunha ao curso da escola medico-cirurgica, tinha-se matriculado havia muitos antes no 1.° da academia polytechnica sem um dos preparatorios.