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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Não entro na vida privada de pessoa alguma, e prezo-me de saber guardar as conveniencias. O que eu desejo é que a justiça seja igual para todos.

Tenho dito.

O sr. Teixeira de Vasconcellos: — Eu pedi a palavra mais em proveito proprio do que em beneficio do distincto actor de que se trata; e digo que pedi a palavra mais em proveito proprio, porque desejo ter a honra de me associar ao pensamento que dictou este projecto e á vontade da camara, que estou certo é a de premiar todos os serviços feitos ao paiz em qualquer assumpto que seja (Apoiados.); e premial-os excepcionalmente, se tanto for necessario, quando os serviços forem tambem excepcionaes. (Apoiados.)

Votei ainda ha pouco tempo uma pensão para a familia do duque de Saldanha, não por ser duque, mas por que esse grande vulto salvou a liberdade (Apoiados.), salvou a corôa, e prestou ao paiz os maiores o mais relevantes serviços. (Apoiados.) Agora voto igualmente a pensão ao insigne actor José Carlos dos Santos pelos serviços que tem prestado e esforços que tem feito para melhorar a arte a que se dedicou durante muitos annos. (Apoiados.)

José Carlos dos Santos não é duque. É principe! Principe dos actores portuguezes, como Camões foi chamado principe dos poetas do seu tempo.

Sabemos todos que muitas familias de militares e de empregados civis ficam a morrer de fome, mas quem apresentou este projecto não podia apresental-o de modo que abrangesse todas as miserias dos portuguezes.

O sr. Namorado: — Eu já o apresentei.

O Orador: — Muito bem. S. ex.ª apresentou esse projecto, e de certo ha de ter o andamento devido. Eu comprometto-me a votal-o se as disposições d'elle forem justas e não desequilibrarem o orçamento do estado. Mas não é este o momento opportuno para se tratar de similhante assumpto.

Agora trata-se de um caso especial, o que serve de exemplo para serem attendidos todos os que se encontrarem nas tristes circumstancias do actor José Carlos dos Santos.

O sr. Paula Medeiros: — Se houver meios para isso.

O Orador: — Se não houver meios, sera o caso do proverbio portuguez: onde não ha, el-rei o perde. Este proverbio foi feito quando não havia camaras, se não diria: onde não ha, el-rei o perde e o parlamento tambem.

José Carlos dos Santos é um actor distincto. Bem sei que ha outros do subido merito porém, nenhum está nas circumstancias d'elle (Apoiados), cego o pobre! (Apoiados.)

O actor Santos, quando podia prestar á arte dramatica immensos serviços, cegou, desgraça que o impossibilita completamente do trabalhar. (Apoiados.)

Da sua pobreza todos têem noticia. É escusado proval-a. Só direi que é vergonha nacional ser obrigado a mendigar homem como o actor José Carlos dos Santos.

Já se disse na Europa, e com vergonha nossa, que o primeiro epico portuguez tinha mendigado o pão da caridade.

Não posso consentir em que se diga outro tanto a respeito do nosso primeiro actor. Acrescentâmos as glorias e o decoro da nação. Evitemos-lhe o opprobio da ingratidão e do desamor aos que mais valem.

É preciso que fique bem assentado que o que se pretende conceder não é uma pensão. O regulamento de 4 de outubro de 1860 diz o seguinte:

(Leu.)

Trata-se unicamente de dispensar ao actor Santos uma parte do tempo que lhe falta. Quando se prestam serviços como os que prestou o actor Santos, a camara póde contar um anno por dois, como se faz a respeito de outros serviços publicos, quando esses serviços são extraordinarios. Não faz injustiça contando assim.

Não quero alongar por mais tempo a discussão d'este

Sessão de G de fevereiro de 1878 projecto, a respeito do qual me parece que o sentimento da camara é quasi unanime, e depois de ter fallado o meu collega e amigo, o sr. Pinheiro Chagas, nada mais tenho a acrescentar. Só quiz associar a minha voz ás que defendem pensamento tão justo, e prestar homenagem ao merecimento de José Carlos dos Santos, na minha qualidade de deputado, de homem de letras e de membro de divercas corporações scientificas e litterarias do nosso paiz, as quaes todas desejam consideração para os que trabalham, e que de nenhuma fórma lh'a recusem os poderes publicos.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Arrobas: — (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Cunha Belem: — Não pedi a palavra para defender este projecto, porque elle foi brilhantemente defendido pelos illustres oradores que me precederam: pedi-a tão sómente para me associar ao pensamento que elle simbolisa e ao qual não quiz dar apenas o apoio mudo do meu voto.

Não vi impugnar o projecto senão por um sentimento de excesso de philanthropia. Quando se trata de fazer bem a alguem, occorre logo a cada membro da camara a idéa de fazer bem a todos os desvalidos da sociedade, e ás vezes os sentimentos philanthropicos acabam por prejudicar a todos a quem se pretende beneficiar.

Discutâmos agora a questão do actor Santos: vejamos se elle está nas circumstancias de merecer da representação nacional a graça que para elle se pede, e depois tratemos de todas as outras miserias o desgraças: estudemol-as, pensemos e deliberemos consoante ao que for justo. Mas não venhamos prender com esta questões que não tem com ella relação nenhuma. (Apoiados.)

A classe militar está prejudicada nos seus interesses? É victima de uma injustiça? Tratemos de melhorar a sua situação: ha funccionarios publicos mal remunerados? Muito bem! Procuremos melhorar a sua sorte. Tratemos d'estas e de outras questões, mas cada uma pela sua vez.

Fallou-se em que um official muito distincto e illustrado, o sr. Northon, cavalheiro que eu muito estimo e com cuja amisade me honro, tinha dez annos de serviço e foi demittido por não ser capaz para o serviço militar; mas, se este official fosse cego, se tivesse necessidade do mendigar o pão de cada dia, a camara já lhe tinha de certo reparado a desgraça. Porém as circumstancias são differentes, e este militar foi depois empregado em outro ministerio onde ganha o que precisa para a sua decente sustentação. (Apoiados.)

O actor Santos, esse é que não póde ser empregado em outra cousa.

Uma voz: — Tem já 400$000 réis do conservatorio.

O Orador: — O actor Santos está exercendo interinamente o encargo de professor de declamação. É verdade. Mas creio que o illustre deputado não acredita que possa haver professores cegos, nem que o desventurado actor possa continuar a exercer aquelle mister.

Quando se tem a cegueira mais desgraçada que eu conheço, e eu pela minha profissão tenho visto cegar muitos individuos, até no vigor da juventude e de um dia para outro, ficando resignados com a sua sorte, até com o animo alegre; mas digo, quando se tem a cegueira mais desgraçada que eu conheço, porque o actor Santos com a sua cegueira perdeu não só o pão, não só a alegria, mas até esse melhor alimento do espirito que se chama a gloria, é preciso que os poderes publicos se condoam da sua sorte e lhe dêem alguma cousa com que elle possa viver.

O actor Santos com a sua cegueira vive em desespero, no desalento constante, em completa prostração, e eu pergunto se este homem póde ser professor de declamação, se póde transmittir aos seus discipulos o enthusiasmo que constituo a essencia da arte.

A chamma sagrada do genio, que illuminava o actor Santos, apagou-se.