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SESSÃO DE 6 DE FEVEREIRO DE 1878

Presidencia do ex.m sr. Joaquim Gonçalves Mamede

Secretarios - os srs.

Francisco Augusto Florido da Monta e Vasconcellos

Barão de Ferreira dos Santos

SUMMARIO.

Apresentação de requerimentos, representações, e notas de interpellação. — Na ordem do dia foi approvado o projecto n.º 95 do anno passado, concedendo a reforma ao actor José Carlos dos Santos, em consideração aos valiosos serviços por elle prestados á arte dramatica, e attendendo ás excepcionaos circimistancias em que se encontra. — Entra em discussão o projecto n.º 16 (construcção do caminho de ferro da Beira), que ficára pendente na sessão de 3 de março de 1S77. — Fallam os srs. Osorio de Vasconcellos, Carlos Testa, Bivar e Sousa Lobo, que ficou com a palavra para a sessão seguinte.

Presentes á chamada os srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs. Adriano de Sampaio, Osorio de Vasconcellos, Pereira de Miranda, Teixeira de Vasconcellos, Cardoso Avelino, Antunes Guerreiro, A. J. d'Avila, A. J. Teixeira, Cunha Belem, Arrobas, Carrilho, Neves Carneiro, Zeferino Rodrigues, Barão de Ferreira dos Santos, Vieira da Mota, Custodio José Vieira, Eduardo Tavares, Vieira das Neves, Cardoso de Albuquerque, Pinheiro Osorio, Mouta e Vasconcellos, Guiherme de Abreu, Paula Medeiros, Illidio do Valle, Jeronymo,Pimentel, Ferreira Braga, J. M. de Magalhães, Ribeiro dos Santos, Vasco Leão, Gonçalves Mamede, J. J. Alves, Correia de Oliveira, Dias Ferreira, Pereira da Costa, Guilherme Pacheco, Namorado, Ferreira Freire, Mexia Salema, Sampaio e Mello, Luiz de Lencastre, Bivar, Faria e Mello, Manuel d'Assumpção, Pires de Lima, Rocha Peixoto (Manuel), Mello e Simas, Marçal Pacheco, Cunha Monteiro, Pedro Correia, Pedro Jacome, Placido de Abreu, Visconde da Arriaga, Visconde de Carregoso, Visconde de Moreira de Rey.

Entraram durante a sessão — Os srs.: Rocha Peixoto (Alfredo), A. J. Boavida, A. J. de Seixas, Telles de Vasconcellos, Ferreira de Mesquita, Correia Godinho, Sousa Lobo, Mello Gouveia, Filippe de Carvalho, Francisco Costa, Van-Zeller, Matos Correia, José Luciano, Moraes Rego, Pereira Rodrigues, J. M. dos Santos, Julio de Vilhena, Luiz de Campos, Freitas Branco, Pinheiro Chagas, Miguel Coutinho (D.), Visconde da Azarujinha, Visconde de Guedes Teixeira, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram A sessão — Os srs.: Agostinho da Rocha, Alberto Garrido, Braamcamp, Carlos Testa, Conde de Bertiandos, Conde da Foz, Conde da Graciosa, Forjaz de Sampaio, Francisco Mendes, Pinto Bessa, Palma, J. Perdigão, Jayme Moniz, Barros e Cunha, Cardoso Klerck, Figueiredo de Faria, José de Mello Gouveia, Nogueira, Pinto Basto, Camara Leme, Alves Passos, Mariano de Carvalho, Pedro Franco, Pedro Roberto, Julio Ferraz, Ricardo de Mello, Visconde de Sieuve de Menezes.

Abertura — ás duas horas e um quarto da tarde.

Acta — approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do ministerio do reino, acompanhando os autos de posse das camaras municipaes de Lisboa, Porto e Belem, pedidos pelo sr. J. J. Alves.

Foi enviado para a secretaria.

Declarações

1.ª Participo a v. ex.ª e á camara, que se acha constituida a commissão ecclesiastica, tendo escolhido o sr. Freitas Branco para presidente e a mim para secretario, e havendo relatores especiaes. = Neves Carneiro.

2.ª Participo a v. ex.ª e á camara, que se acha installada a commissão diplomatica, tendo escolhido a mim para

seu presidente e ao sr. barão de Ferreira dos Santos para secretario, e relatores os que forem escolhidos em occasião opportuna. — Antonio Augusto Teixeira de Vasconcellos.

3.ª Participo á camara, que o sr. deputado D. Luiz da Camara Leme me encarregou de fazer saber que teve noticia da morte de seu irmão D. João da Camara. Afouta e Vasconcellos.

O sr. Secretario (Mouta e Vasconcellos): — O nosso collega, o sr. Camara Leme, participou á camara, que não póde comparecer á sessão por motivo do fallecimento do um seu irmão.

O sr. Presidente: — O sr. secretario irá desanojar o sr. Camara Leme, segundo prescreve o regimento.

O sr. Teixeira de Vasconcellos: — Participo a v. ex.ª e á camara, que se acha installada a commissão diplomatica, tendo escolhido a mim para presidente, e o sr. barão de Ferreira dos Santos para secretario, reservando-se para escolher relatores para os differentes projectos que forem apresentados.

O sr. J. J. Alves: — Acabei de ouvir ha pouco o sr. secretario declarar, que se acham sobre a mesa uns documentos que pedi pelo ministerio do reino.

Como tenho de examinar esses documentos, e talvez não o possa fazer aqui, peço a v. ex.ª, se não houver inconveniente, que tenha a bondade de m'os enviar, a fim de eu os poder examinar, para serem remettidos posteriormente, e depois de algumas considerações que tenho a fazer, á illustre commissão de legislação.

O sr. Pires de Lima: — Consta-me extra-officialraente que o digno governador civil de Aveiro, o sr. José Beires, remetleu ao governo, em 15 de janeiro proximo passado um extenso relatorio sobre o estado actual daria de Aveiro, e sobre os meios que se devem empregar para melhorar a industria da pesca.

Eu, que muito confio nas luzes d'este magistrado, entendo que a leitura d'aquelle relatorio não póde ser senão muito proveitosa para a commissão especial que a camara ha pouco elegeu, para dar parecer sobre um projecto que eu tive a honra de apresentar.

Por isso mando para a mesa um requerimento, no qual peço que este relatorio seja enviado a esta camara e publicado na folha official.

O sr. Presidente: — Dar-se-ha ao requerimento o devido destino.

O sr. Namorado: — Mando para a mesa um requerimento do alferes Augusto Cesar de Vasconcellos Massano, pedindo augmento de vencimento.

O sr. Illidio do Valle: — Mando para a mesa uma representação dos pilotos supranumerarios da barra do Porto, na qual se queixam da injustiça da legislação vigente, a respeito da sua categoria e vencimentos, legislação em virtude da qual parece que a uns competem os riscos, e a outros os proventos.

Estes individuos allegam em favor da sua pretensão, não só os relatorios da associação commercial do Porto, nos quaes se pede que seja completamente reformado o serviço de pilotagem d'aquella perigosa barra, mas tambem as propostas de lei já aqui apresentadas, uma em 1871 pelo sr. Mello Gouveia, e outra em 1873 pelo sr. Corvo, regulando o serviço de pilotagem das barras e portos do reino, e indicando assim que o governo era o primeiro a reconhecer a urgente necessidade de reorganisar aquelle serviço.

Os signatarios da representação pedem, pois, que a illus-

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tre commissão de marinha dê o seu parecer sobre a proposta de lei que foi apresentada pelo sr. Corvo em 1873.

Não sei se s. ex.ª renovou n'esta legislatura a iniciativa d'essa proposta. Se renovou, eu não posso deixar de instar com a illustre commissão para que nos dê, o mais brevemente possivel, o seu esclarecido parecer sobre uma proposta, que, alem de ser da iniciativa do governo, diz respeito a assumpto do tanta magnitude, o a que se acham ligados tantos interesses, como é o serviço de pilotagem das barras, e especialmente da barra do Porto, lias se não renovou, pediria então ao illustre ministro da marinha, que se dignasse prestar especial attenção a este ramo de serviço, que tanta importancia e consideração merecêra já aos seus illustres predecessores.

O sr. Arrobas: — Mando para a mesa uma nota de interpellação ao sr. ministro da justiça.

1.° Sobre se o governo tenciona prover os doze logares de conegos que estão a concurso para as sés do Lisboa e de Evora, ou quaesquer outros logares nos cabidos do reino em geral antes de estar assignada a concordata para a circumscripção das dioceses.

2.° Sobre o estado irregular em que se encontra o serviço de medicina legal e cirurgia forense.

Mando tambem para a mesa um requerimento pedindo, varios esclarecimentos ao governo pelo ministerio da marinha e ultramar.

O sr. Lencastre: — No fim da sessão passada fiz dois pedidos ao governo que então occupava aquellas cadeiras, mas, infelizmente, não pude ser attendido, não porque ao governo lhe faltasse a boa vontade, mas porque os factos poderam mais do que essa vontade.

Não direi agora quaes foram esses pedidos.

O meu fim n'esta occasião é pedir ás commissões que tenham a bondade de dar parecer sobre os projectos que tenho apresentado n'esta casa.

Disse eu então que a iniciativa particular devia valer alguma cousa.

Tinha então essa opinião, e tenho-a ainda hoje, de que os projectos apresentados pelos deputados, quaesquer que elles sejam, devem ter a mesma importancia que as propostas apresentadas pelo governo.

Os projectos devem avaliar-se pelo valor que têem em si, e não pelo valor das pessoas de quem elles dimanam.

Eu sei que tenho pouco valor, os meus projectos nada valerão, mas desejo que sobre elles haja pareceres, porque ainda que sejam contrarios ficarei satisfeito.

Estou convencido de que os projectos que apresentei tendem a melhorar alguns serviços e apresentam algumas vantagens para o meu paiz, por isso faltaria ao meu dever se deixasse de pugnar por elles como pugno n'este momento.

O sr. Presidente: — Os membros das commissões a quem o sr. deputado se referiu ouviram a recommendação feita pelo sr. Lencastre.

O sr. Paula Medeiros: — Peço a v. ex.ª que tenha a bondade de me informar se já foram satisfeitos dois requerimentos que eu fiz, nas sessões de 7 o 8 do mez passado, ás secretarias dos negocios ecclesiasticos e fazenda.

Se ainda o não foram peço a v. ex.ª que renove a iniciativa do meu pedido, a fim de que estas informações possam vir antes de ser discutido o orçamento.

O sr. Presidente: — Vou mandar saber á secretaria, e depois informarei o sr. deputado.

O Orador: — Aproveito a occasião do estar com a palavra para pedir á commissão de administração publica que dê o seu parecer sobre uma representação da camara municipal de Ponta Delgada, em que pede ser auctorisada a contrahir um emprestimo para introduzir o gaz n'aquella cidade.

O sr. Jeronymo Pimentel: — Mando para a mesa um requerimento pedindo varios esclarecimentos pelo ministerio das obras publicas.

O sr. Neves Carneiro: — Participo a v. ex.ª e á camará, que se constituiu a commissão de estatistica nomeando presidente o sr. Freitas Branco, a mim secretario, reservando-se para nomear relatores especiaes.

O sr. Cunha Belem: — Mando para a mesa um projecto de lei, para que seja concedido o habito de Aviz aos pharmaceuticos do exercito e da armada, a exemplo dos picadores, veterinarios e outros officiaes não combatentes do exercito.

A classe dos pharmaceuticos tem por unico defeito ser muito limitada em numero, mas deve viver muito paralellamente á classe medica de que é o complemento.

Os facultativos tanto do exercito como da armada gosam das vantagens dos officiaes combatentes do mar e terra, em relação ao direito de serem agraciados com o habito do Aviz, quando completam vinte annos de serviço effectivo.

Ha muitas outras classes que não são verdadeiramente combatentes, como a dos picadores e veterinários, que têem direito ao habito de Aviz; e por isso não ha consideração nenhuma, pela qual se possa negar esta graça á classe dos pharmaceuticos do exercito e da armada, e tal desigualdade é ainda mais revoltante quando tem sido concedida a mercê honorifica do habito de Aviz aos pharmaceuticos do ultramar.

Peço a v. ex.ª que mande este projecto ás commissões de guerra e marinha, para darem sobre elle o seu parecer e ser convertido em lei.

Aproveito a occasião para mandar para a mesa um requerimento de Joaquim Pedro Salgado, picador de 1.ª classe, commissionado na escola do exercito, que pede lhe seja abonada mensalmente uma rasoavel gratificação, proporcionada á que têem actualmente os instructores de artilheria, cavallaria e infanteria.

O requerente ensina os alumnos da escola do exercito, na arfe de picaria, e está em condições pecuniarias muito desvantajosas comparado com os instructores de artilheria, cavallaria e infanteria!

Tem um trabalho excessivo, exagerado, e tem a attender a outras considerações, porque instrue rapazes finos o educados, e tem muito mais trabalho do que nos corpos, porque ahi póde ser auxiliado pelos sargentos e cabos instructores.

Por consequencia, é de justiça que se attenda a este requerimento, que peço seja remettido á commissão de guerra ouvida a de fazenda.

O sr. Secretario (Monta o Vasconcellos): — Os requerimentos a que o sr. Palo Medeiros se referiu foram expedidos immediatamente, mas ainda não voltaram com as informações que se pediram.

O sr. A. Guerreiro: — Mando para a mesa um requerimento do general de divisão reformado, José Ribeiro de Mesquita, em que pede se resolva com a brevidade possivel o requerimento que tem affecto á commissão de guerra d'esta camara.

Peço a v. ex.ª que se digne dar-lhe o destino conveniente.

O sr. Braga: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal do concelho de Odemira, em que pede se proceda com a maior brevidade á construcção do caminho de ferro do Algarve.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente — Passa-se á discussão do projecto de lei n.º 95 do anno passado.

É o seguinte:

Projecto de lei n.º 95

Senhores: — A vossa commissão de instrucção publica, vista a representação do actor José Carlos dos Santos; e

Considerando que são relevantes os serviços prestados pelo mesmo actor á arte dramatica;

Considerando que as circumstancias em que elle se encontra o recommendam á benevolencia da camara; tem a

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honra, de submetter á vossa esclarecida apreciação o seguinte

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° E concedida a reforma ao actor José Carlos dos Santos, tendo em consideração os valiosos serviços por elle prestados á arte dramatica, e attendendo ás excepcionaes circumstancias em que este artista se encontra.

Art. 2.° O actor José Carlos dos Santos receberá pelo cofre especial das aposentações e reformas dos actores do theatro do D. Maria II o ordenado, que no § unico do artigo 77.° do decreto de 4 de outubro de 1860 fôra arbitrado aos actores do 1.ª classe que, n'aquelle theatro, requeressem a reforma pelo facto de terem completado vinte annos do bom e effectivo serviço.

Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões, 22 de março de 1877. = Diogo P. Forjaz = A. A. Teixeira de Vasconcellos = Manuel Pinheiro Chagas = Antonio José Teixeira = Augusto de Sousa Lobo = Thomás Ribeiro = Illidio do Valle = Julio de Vilhena, relator.

N.º 4

(Pertence ao n.º95 de 1877)

Senhores: — A vossa commissão de fazenda foi presente o projecto do lei n.º 95 do anno do 1877, pelo qual é concedida a reforma ao actor José Carlos dos Santos, que tantos e tão notaveis serviços tem prestado á arte dramatica em Portugal.

E considerando que da concessão que o dito projecto confere ao interessado não resulta, augmento de despeza para o thesouro, é de parecer que ha todas as rasões em abono de uma concessão, que é o justo premio dado a quem muito trabalhou em honra de uma das affirmações mais brilhantes da litteratura nacional, até o dia, em que as attribulações de uma terrivel enfermidade inutilisaram para a arte esse grande engenho.

Sala da commissão de fazenda, em 1 de fevereiro de 1878. = Joaguim de Matos Correia = Visconde da Azarujinha = Custodio José Vieira = Lopo Vaz de Sampaio e Mello = Mello e Simas = Illidio do Valle = José Maria dos Santos = Antonio M. P. Carrilho = Antonio Maria Teixeira = A. C. Ferreira de Mesquita, relator.

O sr. Namorado: — Esta não é de certo uma questão politica, e por isso póde discutir-se á luz da verdade sem que nos consideremos adversarios uns dos outros. Todos desejâmos proceder acertadamente.

Affigura-se-me transparente a intenção com que foi formulado este projecto de lei.

Pretende-se conceder uma pensão avultada ao infeliz actor Santos; mas, em vista da, difficuldade que ha em conceder pensões, porque são muitas as viuvas e filhas de valentes militares, que as pedem para poderem matar a fome (que felizmente não soffre o actor Santos), empregou-se um artificio propoz-se uma reforma sobremodo vantajosa.

Entendo que esta camara procederá sempre erradamente quando se attribuir poderes illimitados, absolutos, poderes que não tem. A camara não tem o direito de fabricar leis pessoaes, leis de favor. Os membros d'esta assembléa não podem dispor a seu arbitrio dos dinheiros publicos em prejuizo dos cidadãos que lhes deram os seus suffragios. A esta camara compete fabricar leis geraes, sabias, justas, previdentes e em harmonia com os preceitos estabelecidos no nosso codigo fundamental.

Tenho ouvido dizer que esta assembléa é soberana nas suas resoluções, mas eu não o entendo assim. Se para podermos reformar o codigo fundamental, é indispensavel que nos tenham sido conferidos poderes especiaes, como poderemos estar a fabricar leis de favor a bem de certos e determinados individuos, conculcando os preceitos do codigo fundamental, e n'este caso ainda mais, as disposições de uma lei complementar, que é lei do estado e ha de continuar a estar em vigor depois de approvada esta lei? Isto seria uma desacerto que não poderia subsistir. Sessão de 6 de fevereiro de 1878

A lei a que me refiro é a de 11 de junho de 1867. Ali se estabeleceu que ficava em regra prohibida a concessão de pensões, e, quando qualquer cidadão tivesse prestado serviços extraordinarios e por tal modo relevantes que mereçam a gratidão da patria, poderia conceder-se-lhe uma pensão, que nunca seria superior a 500$000 réis no caso de que esse cidadão não tivesse vencimento algum do estado.

Ora estou convencido de que os serviços que á arte dramatica prestou o infeliz actor Santos não são tão relevantes, como se diz n'este projecto!

E de mais a mais propõe-se n'este projecto que lhe seja concedida uma pensão de 840$000 réis!!

Quando, porém, se insista em dizer que se não propõe pensão, mas sim reforma, temos a fazer outras ponderações.

No exercito só é concedida a primeira reforma aos officiaes quando têem concluido vinte annos de serviço; e quando algum tem a desgraça de cegar ou ficar impossibilitado por qualquer modo, antes de haver completado esses vinte annos, é infallivelmente demittido; e, por desgraça, ainda esse caso se deu o anno passado com um camarada meu, o sr. capitão Northon, official habilissimo, que teve uma doença de que lhe resultou perder a voz.

Este digno official foi submettido a uma junta militar de saude, e pelo seu estado de aphonia foi demittido. Não se queixou.

Não houve injustiça. Cumpriu-se rigorosamente a lei.

A reforma que se propõe para o infeliz actor Santos só a póde ter no exercito, tão vantajosa, um official quando seja coronel, e tenha completado trinta e cinco annos de serviço, para ser reformado em general de brigada.

Entendo, pois, que seria um escandalo approvar este projecto, quando de mais a mais esta camara tem sido surda, ou, o que é peior ainda, tem ouvido impassivel repetir mil vezes, pelos echos d'esta casa, os gemidos de muitas infelizes viuvas e filhas de camaradas meus, de bravos e distinctos officiaes do exercito, que desde muitos annos andam por estes corredores pedindo uma esmola que as livre dos horrores da miseria, e nada têem conseguido.

Seria mesmo uma affronta ao exercito desconsiderar por tal modo a memoria de muitos valentes, a quem são devidas, em grande parte, as instituições que desfructâmos.

Entendo que os militares não podem ser tratados como escravos. A lei é igual para todos. Os militares estão sujeitos á, disciplina, militar como os outros cidadãos estão sujeitos ás leis civis. Todos somos cidadãos livres, e queremos justiça.

Não censuro ninguem. Estou mesmo convencido de que os membros da illustre commissão de instrucção publica, quando formularam este projecto, foram inspirados dos mais nobres sentimentos humanitarios; porém, nós aqui temos principalmente que attender á justiça e á moralidade.

Desejo tambem que seja concedida uma pensão a este infeliz actor, mas uma pensão em justas proporções e em virtude de uma lei geral, pela qual o governo seja obrigado a conceder igual pensão quando qualquer outro individuo se ache em identicas circumstancias. Nós devemos principalmente ser justos e previdentes.

Estas são as minhas idéas, e a prova está em que, constando-me que havia sido nomeada uma commissão pelo ministerio da guerra para examinar os documentos que instruem os requerimentos com que muitas senhoras pediram pensões, eu entendi que essas pensões não podiam ser concedidas senão por uma lei geral, e apressei-me em a submetter já n'esta sessão, á apreciação d'esta illustrada assembléa, um projecto de lei de pensões, por virtude da qual podessem ser contempladas as infelizes viuvas e filhas de officiaes, e ficasse o governo auctorisado a decretar no futuro iguaes pensões a uma ou outra familia, que se encontrasse em circumstancias igualmente afflictivas, e pedisse com igual justiça.

Repito. Entendo que as leis, alem de justas, devem ser previdentes. Não deve a nossa imprevidencia ser a causa

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da desgraça das familias de benemeritos da patria, que podem ter de andar ahi annos e annos expostas a todos os horrores da miseria, até esta camara se resolver a adoptar o que nós agora vamos, supponho eu, fazer, embora muito tardiamente, para acudir as infelizes, que têem podido resistir á desgraça, á fome e a nudez.

Repito ainda. Considero que esta lei não póde ser approvada por esta camara.

Esta lei ha de ser sempre uma lei nulla, e por isso entendo que não póde ser submettida á sancção regia. Isso seria desacatar a magestade, pois que a sancção regia não póde dar valor a leis de sua natureza nullas, por se acharem em contradicção com os preceitos estatuidos no codigo fundamental.

Portanto, peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se delibera que este projecto seja retirado da discussão.

O sr. Presidente: — Lembro ao sr. deputado que, se deseja fazer alguma proposta ou requerimento, deve ser por escripto.

O sr. Pinheiro Chagas: — Referiu-se o sr. Namorado á lei de 1867, que supprimiu em regra as pensões por serviços ao estado; mas s. ex.ª devia notar tambem que a lei de 1867, estabelecendo em regra que o paiz não podia conceder pensões, estabeleceu ao mesmo tempo a excepção a respeito d'aquelles que prestassem serviços verdadeiramente relevantissimos o excepcionaes.

Negar uma pensão ao actor Santos, que, na arte que professa, é o primeiro entre nós, o que lhe deu mais brilho, o que o levantou mais alto, (Apoiados.) quando esta camara de certo não recusaria uma prova de reconhecimento nacional a um militar illustre, a um historiador de primeira ordem, a um grande vulto emfim que com outra qualquer manifestação do pensamento humano honrasse o paiz, significaria simplesmente que a camara, adoptando preconceitos velhos e já extinctos, considerava a arte de representar como indigna de consideração nacional. (Apoiados.)

E comtudo os factos mostram o contrario.

Um paiz, como o nosso, que honrou altamente a arte dramatica, um paiz que não se limitou a considerar a arte dramatica a par de outra qualquer, mas que lhe concedeu um certo numero de privilegios, tomando em conta os serviços que ella lhe póde prestar pela sua influencia nos costumes e na moralisação popular; um paiz que elevou á arte dramatica um templo que lhe custou centenares de contos de réis, que lhe elevou uma escola para onde chamou aquelles que quizessem tornar-se distinctos n'este ramo, que é um dos mais nobres da intelligencia humana, (Apoiados.) não póde ao mesmo tempo arredar aquelles que se tornam mais notaveis n'essa arte, quando, cegos, pobres e proximos a entrar na miseria, não podem ganhar o pão de cada dia, dizendo-lhes: Desviem-se histriões! Não vos conheço saltimbancos! (Apoiados.)

Portanto, ainda mesmo que a camara deliberasse conceder uma pensão ao actor José Carlos dos Santos pelos serviços excepcionaes por elle prestados á arte dramatica, eu entendo que cumpriria um dever votando-a, assim como cumpriria um dever votando pensões identicas a qualquer homem distincto que tivesse prestado serviços relevantes ao paiz nas artes, nas letras ou nas sciencias.

Mas aqui não se trata realmente de uma pensão. Pareceu-me que o illustre deputado não tinha visto bem a legislação quando disse que nós íamos conceder uma reforma quando não havia lei para essa reforma. Perdoe-me o illustre deputado. Não quero demorar a camara indo agora procurar a legislação respectiva; mas essa legislação é muito conhecida, e reduz-se ao seguinte:

Em 1850 fundou-se o theatro normal, concedendo-se um certo numero de vantagens e privilegios aos actores que servissem n'esse theatro um certo numero de annos. E verdade que essa lei foi depois revogada pelo decreto dictatorial de 1868, mas este mesmo decreto estabeleceu que os actores que tivessem já direitos adquiridos gosassem da reforma; e ainda depois de extincto o theatro normal foi concedida a reforma a actores que tinham o tempo do serviço reclamado pela lei.

Ora, com relação ao actor Santos é preciso notar que mesmo depois da extincção do theatro normal elle continuou a prestar serviços importantes á arte dramatica, porque, não obstante não estar no theatro de D. Maria II, continuou a honrar o paiz no exercicio da sua arte. Portanto, a camara dispensando ao actor Santos o numero de annos reclamado pela lei para a reforma, e dispensando-lhe essa condição em attenção, primeiro a ter-se elle impossibilitado pela cegueira, o segundo a ter continuado a prestar serviços excepcionaes á a rio dramatica mesmo depois de extincto o theatro normal, a camara fazendo isto faz realmente um acto de grande justiça, porque seria na verdade vergonhoso que, ao passo que os actores que tiveram a felicidade de trabalhar no theatro normal um certo numero de annos gosain a sua reforma tendo ainda, saude o robustez, estivesse ao lado d'estes um homem a quem todos consideram como o primeiro actor portuguez, esmolando a caridade publica, cego o abandonado pelo paiz. (Apoiados.)

Se a camara se negasse a approvar este projecto, passariamos pela vergonha de irmos aos nossos irmãos que longe da patria, no Brazil, lutando constantemente com o trabalho quotidiano, não se esquecem nunca das glorias nacionaes, e dizer-lhes: «o paiz, representado pela sua camara popular, não se envergonhou de permittir que o homem mais distincto na arte dramatica, aquelle cujo nome e cuja fama echoou n'essas remotas praias, depois de ter honrado a sua patria, viesse pedir-vos a vós o pão da caridade». (Apoiados.)

A camara, não póde consentir que mais uma vez se registe na historia o facto de que aos grandes artistas portuguezes, poetas ou actores, a, patria, que depois de mortos lhes concede estatuas, só em vida lhes dê o abandono e a miseria. (Apoiados.)

Vozes: — Muito bem.

O sr. Namorado: — O nosso illustre collega, o sr. Pinheiro Chagas, não refutou nenhum dos meus argumentos. Eu não me opponho a que se dê uma pensão ao actor Santos; desejo sim que se lhe não concedam vantagens que não hão de ser concedidas a quaesquer outros em identicas circumstancias. Trouxe o exemplo do capitão Northon. O capitão Northon, que era um official distincto, teve uma doença por causa da qual perdeu a voz, como poderia tambem ter perdido a vista, e sem uma lei geral e justa não deveria tambem conceder-se-lhe uma pensão; parece-me que isto é justo. A camara não ha de consentir que se conceda ao infeliz actor Santos uma reforma ou pensão, que se não possa conceder a qualquer cidadão em identicas circumstancias.

Será uma vergonha, e não o devemos querer, que se diga lá fóra, que foi approvada esta lei porque o actor Santos tinha bons patronos n'esta camara...

Uma voz: — Não é uma pensão.

O Orador: — Seja o que for; é uma vantagem que se não concedeu ao capitão Northon, nem a outros quaesquer em igualdade de circumstancias...

Uma voz: — Mas é de uma lei especial que se trata.

O Orador: — E uma lei especial, bem sei; é exactamente o que nós não temos poderes para fazer. Eu quero lei geral, não quero lei especial, não quero favores; e não quero, sobretudo, que se diga lá fóra, que morre mouro quem não tem padrinho n'esta camara.

Não devemos querer que Já fóra se diga, embora sem fundamento, que a immoralidade tambem aqui tem um nicho, e está acafelada com sentimentos de humanidade.

Uma voz: — Isso não se diz; isso é um insulto.

O Orador: — Nunca insultei ninguem. Não se insulta quando se pronunciam aqui verdades. Demais, não estamos aqui para illudir a nação.

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Não entro na vida privada de pessoa alguma, e prezo-me de saber guardar as conveniencias. O que eu desejo é que a justiça seja igual para todos.

Tenho dito.

O sr. Teixeira de Vasconcellos: — Eu pedi a palavra mais em proveito proprio do que em beneficio do distincto actor de que se trata; e digo que pedi a palavra mais em proveito proprio, porque desejo ter a honra de me associar ao pensamento que dictou este projecto e á vontade da camara, que estou certo é a de premiar todos os serviços feitos ao paiz em qualquer assumpto que seja (Apoiados.); e premial-os excepcionalmente, se tanto for necessario, quando os serviços forem tambem excepcionaes. (Apoiados.)

Votei ainda ha pouco tempo uma pensão para a familia do duque de Saldanha, não por ser duque, mas por que esse grande vulto salvou a liberdade (Apoiados.), salvou a corôa, e prestou ao paiz os maiores o mais relevantes serviços. (Apoiados.) Agora voto igualmente a pensão ao insigne actor José Carlos dos Santos pelos serviços que tem prestado e esforços que tem feito para melhorar a arte a que se dedicou durante muitos annos. (Apoiados.)

José Carlos dos Santos não é duque. É principe! Principe dos actores portuguezes, como Camões foi chamado principe dos poetas do seu tempo.

Sabemos todos que muitas familias de militares e de empregados civis ficam a morrer de fome, mas quem apresentou este projecto não podia apresental-o de modo que abrangesse todas as miserias dos portuguezes.

O sr. Namorado: — Eu já o apresentei.

O Orador: — Muito bem. S. ex.ª apresentou esse projecto, e de certo ha de ter o andamento devido. Eu comprometto-me a votal-o se as disposições d'elle forem justas e não desequilibrarem o orçamento do estado. Mas não é este o momento opportuno para se tratar de similhante assumpto.

Agora trata-se de um caso especial, o que serve de exemplo para serem attendidos todos os que se encontrarem nas tristes circumstancias do actor José Carlos dos Santos.

O sr. Paula Medeiros: — Se houver meios para isso.

O Orador: — Se não houver meios, sera o caso do proverbio portuguez: onde não ha, el-rei o perde. Este proverbio foi feito quando não havia camaras, se não diria: onde não ha, el-rei o perde e o parlamento tambem.

José Carlos dos Santos é um actor distincto. Bem sei que ha outros do subido merito porém, nenhum está nas circumstancias d'elle (Apoiados), cego o pobre! (Apoiados.)

O actor Santos, quando podia prestar á arte dramatica immensos serviços, cegou, desgraça que o impossibilita completamente do trabalhar. (Apoiados.)

Da sua pobreza todos têem noticia. É escusado proval-a. Só direi que é vergonha nacional ser obrigado a mendigar homem como o actor José Carlos dos Santos.

Já se disse na Europa, e com vergonha nossa, que o primeiro epico portuguez tinha mendigado o pão da caridade.

Não posso consentir em que se diga outro tanto a respeito do nosso primeiro actor. Acrescentâmos as glorias e o decoro da nação. Evitemos-lhe o opprobio da ingratidão e do desamor aos que mais valem.

É preciso que fique bem assentado que o que se pretende conceder não é uma pensão. O regulamento de 4 de outubro de 1860 diz o seguinte:

(Leu.)

Trata-se unicamente de dispensar ao actor Santos uma parte do tempo que lhe falta. Quando se prestam serviços como os que prestou o actor Santos, a camara póde contar um anno por dois, como se faz a respeito de outros serviços publicos, quando esses serviços são extraordinarios. Não faz injustiça contando assim.

Não quero alongar por mais tempo a discussão d'este

Sessão de G de fevereiro de 1878 projecto, a respeito do qual me parece que o sentimento da camara é quasi unanime, e depois de ter fallado o meu collega e amigo, o sr. Pinheiro Chagas, nada mais tenho a acrescentar. Só quiz associar a minha voz ás que defendem pensamento tão justo, e prestar homenagem ao merecimento de José Carlos dos Santos, na minha qualidade de deputado, de homem de letras e de membro de divercas corporações scientificas e litterarias do nosso paiz, as quaes todas desejam consideração para os que trabalham, e que de nenhuma fórma lh'a recusem os poderes publicos.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Arrobas: — (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Cunha Belem: — Não pedi a palavra para defender este projecto, porque elle foi brilhantemente defendido pelos illustres oradores que me precederam: pedi-a tão sómente para me associar ao pensamento que elle simbolisa e ao qual não quiz dar apenas o apoio mudo do meu voto.

Não vi impugnar o projecto senão por um sentimento de excesso de philanthropia. Quando se trata de fazer bem a alguem, occorre logo a cada membro da camara a idéa de fazer bem a todos os desvalidos da sociedade, e ás vezes os sentimentos philanthropicos acabam por prejudicar a todos a quem se pretende beneficiar.

Discutâmos agora a questão do actor Santos: vejamos se elle está nas circumstancias de merecer da representação nacional a graça que para elle se pede, e depois tratemos de todas as outras miserias o desgraças: estudemol-as, pensemos e deliberemos consoante ao que for justo. Mas não venhamos prender com esta questões que não tem com ella relação nenhuma. (Apoiados.)

A classe militar está prejudicada nos seus interesses? É victima de uma injustiça? Tratemos de melhorar a sua situação: ha funccionarios publicos mal remunerados? Muito bem! Procuremos melhorar a sua sorte. Tratemos d'estas e de outras questões, mas cada uma pela sua vez.

Fallou-se em que um official muito distincto e illustrado, o sr. Northon, cavalheiro que eu muito estimo e com cuja amisade me honro, tinha dez annos de serviço e foi demittido por não ser capaz para o serviço militar; mas, se este official fosse cego, se tivesse necessidade do mendigar o pão de cada dia, a camara já lhe tinha de certo reparado a desgraça. Porém as circumstancias são differentes, e este militar foi depois empregado em outro ministerio onde ganha o que precisa para a sua decente sustentação. (Apoiados.)

O actor Santos, esse é que não póde ser empregado em outra cousa.

Uma voz: — Tem já 400$000 réis do conservatorio.

O Orador: — O actor Santos está exercendo interinamente o encargo de professor de declamação. É verdade. Mas creio que o illustre deputado não acredita que possa haver professores cegos, nem que o desventurado actor possa continuar a exercer aquelle mister.

Quando se tem a cegueira mais desgraçada que eu conheço, e eu pela minha profissão tenho visto cegar muitos individuos, até no vigor da juventude e de um dia para outro, ficando resignados com a sua sorte, até com o animo alegre; mas digo, quando se tem a cegueira mais desgraçada que eu conheço, porque o actor Santos com a sua cegueira perdeu não só o pão, não só a alegria, mas até esse melhor alimento do espirito que se chama a gloria, é preciso que os poderes publicos se condoam da sua sorte e lhe dêem alguma cousa com que elle possa viver.

O actor Santos com a sua cegueira vive em desespero, no desalento constante, em completa prostração, e eu pergunto se este homem póde ser professor de declamação, se póde transmittir aos seus discipulos o enthusiasmo que constituo a essencia da arte.

A chamma sagrada do genio, que illuminava o actor Santos, apagou-se.

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Elle está impossibilitado, perdido; e ha de mendigar ámanhã o pão de cada dia, esmolando de porta em porta, se a camara dos deputados não votar esta pensão. (Apoiados.)

E eu estimei muito que se dissesse que o desgraçado actor tinha aqui padrinhos.

Eu quero ser tambem padrinho do actor Santos, e quero que a camara toda o proteja, porque isso significa que a camara tem uma elevação intellectual e moral, que muito a honra o muito a nobilita. (Apoiados.)

O theatro creio que já hoje ninguem o considera apenas como recreio honesto e agradavel para as familias. O theatro é uma escola tambem, e a arte dramatica é tambem um sacerdocio. (Apoiados.)

O ridendo çastigat mores, inscripto nos templos da arte dramatica, não é uma mentira, não é uma palavra vã. (Apoiados.)

O actor Santos prestou relevantissimos serviços; ergueu no nosso paiz a arte dramatica a alturas a que ella nunca havia attingido. (Apoiados.)

Ninguem, que se preze de illustrado, póde negar que a arte dramatica é em todos os paizes um dos grandes thermometros da civilisação, do progresso e do desenvolvimento intellectual.

Este thermometro infelizmente baixou com a perda do actor Santos, e outros artistas distinctos; e se a ingratidão da patria for a recompensa d'aquelles que bem a serviram quando tinham a inspiral-os a chamma sagrada do talento, veremos rebaixar-se de todo a arte dramatica, com grande vergonha, desdouro e vexame para todos quantos prezam o bom nome de Portugal, que não se cifra só nas glorias da penna e da espada, mas que tambem é symbolisado pelas glorias da arte dramatica.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: Não venho discutir o actor Santos, nem apreciar individualidade alguma; venho apenas declarar que voto contra o parecer, como já votei contra a pensão concedida á familia do duque do Saldanha, o como tenciono votar contra todas as pensões que sejam propostas n'esta casa emquanto os recursos do orçamento, sendo insufficientes para as despezas obrigatorias a que temos de occorrer, não permittirem liberalidades ou recompensas, por mais justas que se nos afigurem.

As distincções á arte dramatica, o as pensões ou subsidios aos actores distinctos que a doença impossibilitou de trabalhar, são idéas proprias d'um estado de civilisação, e foram muito bem defendidas por alguns illustres oradores que me precederam.

É preciso, porém, que os meios não faltem, ou antes, deve haver recursos especiaes para este fim.

Melhor seria, como meio geral de remediar estes inconvenientes, que os illustres deputados apresentassem aqui uma lei, creando um fundo especial alimentado pelos proprios recursos dos actores, e pelos rendimentos dos diversos theatros, lei que fosse geral, e que creasse receita especialissima para este caso e outros analogos.

O sr. Ferreira de Mesquita: — É exactamente o que se diz no artigo 2.° do projecto.

Ha um cofre do qual devo saír o subsidio; é justamente esse cofre que tem dado até agora alguns recursos para o asylo de Maria Pia, por não haver actores a quem os applicar.

O Orador: — Parece que estou a fallar em assumpto de que não tenho conhecimento, e de certo o não tenho perfeito, suppondo até que o mesmo succedo á maior parte dos srs. deputados; mas a culpa é principalmente da illustre commissão, que devendo desenvolver no seu parecer os inconvenientes que se davam, mencionando todas as disposições legaes, e desenvolvendo as rasões que deviam determinar a camara, para obstar a esses inconvenientes, a fazer uma excepção ás disposições vigentes, limitou o seu parecer a quatro linhas (Apoiados.), em que nos dá noticias muito sensibilisadoras do estado de saude e de amargura em que se acha o actor Santos, mas nada nos diz ácerca das disposições legaes sobre o assumpto. (Apoiados.)

Eu vou mostrar a v. ex.ª que, sem estar preparado para esta discussão, e sem encontrar no parecer que me distribuiram esclarecimentos alguns, não sou tão alheio ao assumpto como se poderia esperar, e mesmo era de suppor.

Eu sei que existia, antes do ministerio dictatorial do sr. bispo de Vizeu, um cofre especial administrado pelo conservatorio, ou cousa similhanto, alimentado pelo producto de recitas de beneficio, por multas theatraes, o não sei por que outros meios, que era destinado á aposentação dos actores do theatro de D. Maria; mas essa instituição acabou por um decreto dictatorial, que, depois foi confirmado pelo parlamento; decreto que, mantendo apenas as pensões que existiam n'aquella epocha o os direitos que já existissem como adquiridos, determinou que quando cessassem estas pensões o cofre revertesse para o estado. É isto ou não é isto?

Uma voz: — É, sim, senhor.

O orador: — Pois se é isto, digo que tanto faz nós darmos uma pensão á custa do orçamento, como dal-a á custa de um cofre que ha de fazer parte do orçamento logo que não haja quem por elle tenha de receber; pois claro é que se nós continuarmos com este systema de mandar receber por esse cofre quem pela legislação vigente não tem direito a receber, o cofre que deve vir para o thesouro quando ninguem por elle dever receber, nunca virá, porque nós vamos nomeando, e sempre vae havendo, quem receba.

É por isso que eu digo que os illustres deputados andariam mais bem avisados propondo a revogação do decreto da dictadura do sr. bispo de Vizeu, e melhorando as disposições anteriores, de fórma que não, attendessem ao actor Santos, mas a todos aquelles que em paridade de circumstancias se viessem a encontrar em condições igualmente afflictivas.

Esta é a minha opinião. Voto contra esta pensão, porque voto contra todas, e voto com grande magua em relação ao individuo de que se trata, cujo merecimento reconheço e cuja desgraça sou o primeiro a, lamentar. Não posso, porém, e não quero abrir exemplo para concessão de outras pensões, e ordinariamente quem as pede não é porque esteja em circumstancias agradaveis.

O sr. Pinheiro Cbagas: — Eu não esperava que esta discussão fosse tão alongada; em todo o caso permitta-me v. ex.ª que eu, abandonando completamente o terreno em que ella, foi primeiramente collocada, me levante simples e prosaicamente para mostrar a verdade dos factos; e permitta o illustre deputado, o sr. visconde de Moreira de Rey, que lhe diga que os não conhece perfeitamente.

O sr. visconde de Moreira de Rey accusou a commissão de instrucção publica de ser pouco explicita no seu parecer, e foi injusto, porque o parecer que tem á vista é um parecer interlocutorio da commissão de fazenda.

A commissão de instrucção publica, no parecer que apresentou o anno passado, indicava perfeitamente quaes eram as fontes d'onde se devia tirar esta somma para o actor Santos.

Mas o sr. visconde de Moreira de Rey mostrou, apesar de não estar preparado para a discussão, que conhecia bem o assumpto, porque referiu com perfeita exactidão o que dizem a lei de 1860 e o decreto de 1868. Esqueceu-se comtudo de um artigo que diz o seguinte:

(Leu:)

Para acudir ás exigencias d'este artigo estabeleceu o decreto que as pensões de reformas já decretadas, o aquellas que viessem a ser decretadas, em consequencia de direitos adquiridos, fossem dadas pelo cofre das aposentações e reformas.

(Leu.)

Ora quer v. ex.ª saber d'onde provém em parte a receita do cofre das aposentações?

(Leu.)

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O sr. visconde de Moreira do Rey disse: «Tanto importa dar uma pensão directamente pelo orçamento do estado como dal-a pelo cofre das aposentações, cujo dinheiro deve reverter para o estado, logo que acabe aquelle encargo.»

O que não reverte para o estado é o producto d'essas recitas, seria necessario uma lei especial para impor aos theatros esse tributo injustificavel; esta verba a unica applicação que tem é á aposentação dos actores.

O que fazemos nós? Protrahirmos por algum tempo o pagamento d'essa verba, applieando-o á reforma de um homem, que, como o illustre deputado confessa, é o mais distincto na sua arte.

Tudo quanto os srs. Arrobas e Visconde de Moreira de Rey disseram a respeito da pensão não tem rasão de ser, porque ella deve ser paga por um cofre especial que tem receitas especiaes, tiradas em grande parte do proprio theatro.

Nós com esta lei dispensâmos nas condições de reforma ao actor Santos o tempo de serviço, substituindo-o pela impossibilidade physica.

Isto é uma cousa justa, e que o sr. visconde de Moreira de Rey póde votar sem alterar por fórma alguma o proposito que tem de votar contra outras pensões. (Apoiados.)

O sr. Ferreira de Mesquita: — Duas palavras apenas. Entrei na camara quando a questão Santos linha já sido tratada e esclarecida. Desejo, porém, simplesmente defender a exiguidade do parecer que, a commissão do fazenda apresentou, e que foi do certo mal interpretado pelo illustre deputado o sr. visconde de Moreira de Rey.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Eu vejo agora que o parecer da commissão de fazenda é interluctorio; mas entendo que elle devia andar appenso ao projecto; e como só vi o parecer da commissão do instrucção publica imaginei que não havia parecer da commissão de fazenda. Em vista da declaração do sr. Ferreira de Mesquita vejo que não tem logar nenhum as considerações que fiz.

O Orador: — Não desisto, permitta me s. ex.ª, do me explicar. Eu quero sómente dizer que a commissão de fazenda, sendo chamada a dar parecer sobre a parte da questão que se refere a trazer ou não despeza para o thesouro o subsidio que se confere ao actor Santos pelo projecto de lei n.º 95 que está em discussão, se restringiu exclusivamente a declarar que tal projecto, discutido e approvado já pela illustre commissão de instrucção publica, não originava effectivamente encargo algum para os cofres do estado, visto como a verba á qual se refere o artigo 2.° do projecto tem de ser paga por um cofre especial, existente no ministerio do reino, não subsidiado pelo thesouro, e para o qual, entre outras receitas, entra uma verba entregue pelo theatro de D. Maria II, e que é o producto da recita realisada em certa e determinada noite.

Tudo isto se acha regulado e determinado por lei.

A questão, portanto, tem duas faces: a de ser justo ou não conceder-se, a reforma ao desventurado actor. Esta foi, segundo me informam, já tratada e no sentido favoravel ao artista. A segunda, quo é perfeitamente uma questão de despeza, creio que fica esclarecida com as breves explicações que dei. Não póde a camara ter receio de votar o amparo de uma desgraça grande e o lenitivo de uma grande dor.

Vozes: — Votos, votos.

O Orador: — Nas manifestações que estou ouvindo, está a approvação do projecto, quero acredital-o. É uma grande acção que a camara pratica, e não quero continuar com as minhas humildes reflexões a retardar a solução que de certo este negocio vae ter. Tudo que eu dissesse n'este momento em favor do infeliz actor Santos servir-lhe-ia menos do que a votação que a assembléa vae fazer, o da qual resultará a garantia do seu futuro, que uma terrivel enfermidade converteu, de brilhante que devia ser, em noite cerrada o triste.

O sr. Custodio José Vieira: — Pedi a palavra para dizer o que, acaba de expor o sr. Ferreira de Mesquita, por consequencia nada mais digo.

O sr. Sousa Lobo: — Tinha pedido a palavra para fallar a favor do projecto. Se não ha mais ninguem que falle contra, eu desisto da palavra.

O sr. Presidente: — Não ha mais ninguem inscripto.

Foi approvado o projecto na generalidade por 44 votos.

Entrou em discussão o

Artigo 1.°

O sr. Arrobas: — Eu limito-me, sem fazer reflexões, a mandar para a mesa a seguinte proposta. (Leu.)

Nós vamos fazer uma lei, se houvesse direito não era preciso uma lei. Ha individuos mais antigos que o sr. Santos, e com mais direito do que elle á aposentação, e que a perderam por aquelle decreto de 1868.

Tambem eu entendo, em vista das circumstancias do thesouro, que se não póde dar uma pensão de 72$000 réis mensaes.

O sr. Cunha Belem: — Não é o thesouro que a dá.

O Orador: — É o thesouro que a dá, porque, logo que acabo o encargo d'aquelle cofre, reverte para o thesouro o seu rendimento.

A proposta que apresento é para que a pensão seja fixada em 36$000 réis mensaes.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que seja fixada em 36$000 réis mensaes a pensão de aposentação para o actor Santos. = Arrobas.

O sr. Presidente: — A proposta do illustre deputado tem melhor cabimento quando se tratar do artigo 2.°, que é quando se trata do quanto da pensão.

Foi approvado o artigo 1.°

Entrou em discussão o

Artigo 2.°

Foi lida e admittida á discussão a proposta do sr. Arroba

O sr. Ferreira de Mesquita: — Pedi a palavra para declarar que a proposta que acabo de ouvir ler é uma injustiça relativa. O actor Santos era classificado actor de primeira classe, conjunctamente com aquelles que estão hoje, aposentados pela lei e que, vencem 72$000 réis mensaes; não sei a rasão por que nós devemos ir diminuir a pensão que se ha de dar ao actor Santos, quando elle mais que nenhum outro precisa d'ella. De certo que um homem que está nas circumstancias deploraveis a que elle chegou tem muito mais precisão de recursos do que aquelle que, ainda validos, como os que já estão actualmente aposentados, necessitam.

Parece-me portanto, repito, uma injustiça flagrantissima diminuir a 36$000 réis o subsidio que pela lei já se dá a outros na importancia de. 72$000 réis. (Apoiados.) Não vejo rasão nenhuma para justificar tal proposta. (Apoiados.)

Foi rejeitada a proposta do sr. Arrolas, e seguidamente approvado o artigo 2.º, bem como o 3.º

Leu-se na mesa o seguinte

Projecto de lei n.º 16 (de 1877)

Senhores: — As commissões reunidas de fazenda e obras publicas examinaram com a, devida attenção a proposta do governo, que, tem por objecto auctorisar a construcção do caminho de ferro da Beira Alta, por conta do estado, adoptando um traçado, cujo ponto de partida seja a Pampilhosa no caminho de ferro do norte, e que, seguindo até á fronteira em Villar Formoso, fique assim em condições de se ligar com a linha, hespanhola que por Salamanca segue directamente para a fronteira franceza.

Este traçado, modificando em parte o que nos anteriores projectos fóra adoptado, tem como resultado o encurtar a distancia kilometrica a construir, e attende á grande van-

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tagem que resulta de se reduzir de 1:520 a 1:056 kilometros o actual percurso de Lisboa até entrar em Franca, tornando assim muito mais faceis e activas as communicações com o centro da Europa.

Bastaria esta circumstancia para pôr em relevo a magnitude e o alcance economico da linha proposta, cuja importancia é do todos reconhecida, attentas as vantagens que d'ella devem resultar para o paiz, o que de certo se manifestarão, não só pelo desenvolvimento da riqueza agricola e industrial, nos districtos que elle tem a percorrer no nosso territorio, mas tambem debaixo do ponto de vista da sua importancia internacional, e pelo que deve influir de futuro na actividade commercial e maritima do porto de Lisboa.

Estas considerações não podiam deixar de actuar no animo das commissões, de modo a compenetrarem-se da necessidade impreterivel que hoje se dá, de que um tão util emprehendimento não veja protrahida a sua realisação, e, por conseguinte, de não sujeitar esta a expedientes ou procedimentos conducentes á eventualidade de novos adiamentos.

D'esto convencimento resultou que as commissões reunidas antepozessem o não protrahimenro da construcção d'esta linha a quaesquer outras rasões, que só pudessem dizer respeito ao systema a seguir em sua construcção, desde que do attender a esta ou a qualquer outra questão de fórma, podesse resultar prejuizo á questão essencial, qual a da sua realisação.

E certo que a proposta que o governo apresentou para o mesmo fim, e já convertida em lei na sessão passada, era baseada em differente systema do realisação, qual era o de adjudicar a sua construcção, mediante subvenção kilometrica que parecesse rasoavel, de accordo com a probabilidade de rendimento, o por um praso de exploração em favor do contratante.

As rasões que então se apresentavam a pró d'este systema não tiveram na pratica um resultado que se podesso considerar acceitavel, desde que em dois concursos publicos para a adjudicação o quantum do subvenção kilometrica que foi exigido, sendo considerado já excessivo o oneroso na primeira licitação, ainda na segunda subiu de ponto, apesar de se offerecerem outras condições em sentido a favorecer os licitantes no que dizia respeito á fórma do pagamento da subvenção.

Esta circumstancia, a urgencia de não protrahir um emprehendimento em que está empenhada, não só a vantagem do paiz debaixo de differentes aspectos, mas tambem um justo e natural sentimento de brio nacional, que não lhe permilte sujeitar som rasões plausiveis, a novos e indeterminados mallogros as tentativas de levar a cabo tão urgente obra, aconselharam a acoeitar o alvitre agora apresentado na proposta do governo, qual o da construcção por conta do estado, mediante a emissão de obrigações amortisaveis em cincoenta e seis annos, e ficando o rendimento da linha livre para o estado.

Pelos dados e informações que acompanham a proposta do governo, e que de vós são conhecidos, o pelas considerações que d'ellas resultam, e que por serem fundadas em factos que a experiencia de outras construcções analogas fornecem como exemplos a seguir, e admittindo para a linha de que se trata as hypotheses ainda, menos favoraveis ácerca do seu rendimento, é facil deduzir que pelo systema proposto não se deve esperar maior aggravo para o custo d'esta importante linha, mas pelo contrario tudo induz a suppor que poderá ser a, sua, construcção levada a termo, n'um praso rasoavel e em condições não onerosas para a finança publica, e com mais seguras garantias para a sua construcção e vantajosa, exploração, de modo a, conciliar assim o conseguimento de um grande acrescimo de riqueza publica, com outras condições que, para serem ponderosas e attendiveis, bastaria notar que tendem a facilitar um meio de rapida viação o de activo trafico internacional, a que tambem se ligam considerações de ordem politica o estrategica, cujo alcance não póde ser posto em duvida.

Construida esta linha por conta do estado, ella poderá, portanto, ficar em condições de economia no seu custo, tendo alem d'isso em vista o importante e não menos attendivel fim, de que a sua exploração possa ser mantida de modo que as vantagens e interesses do paiz sejam preferidos na sua generalidade ao mero empenho de um augmento de rendimento liquido; pois a exploração por empreza particular só póde e só devo ter em vista o proprio interesse dos capitães empregados, e não outros incentivos que de preferencia são tendentes ao interesse publico; circumstancia esta que tem induzido governos de outros paizes á adopção do alvitre da construcção por conta propria, ou de tomarem sobre si a administração dos mais importantes caminhos de ferro.

Com relação ao traçado proposto, as commissões tambem ponderaram que da adopção da Pampilhosa como ponto de entroncamento na linha do norte, não sómente se consegue encurtar de alguns kilometros o caminho a construir, mas tambem pelo projectado ramal da estação de Coimbra ao interior da cidade e sobre a margem do Mondego, se attende vantajosamente aos interesses locaes d'aquella importante cidade, e bem assim aos interesses que devem d'ahi provir aos povos marginaes, pela communicação do caminho de ferro com o rio, cujo meio de transporte contribuirá por esta fórma para beneficiar o trafico commercial pela barra da Figueira.

Por todas estas rasões e outras que não podem escapar á vossa illustração, são as vossas commissões de fazenda e obras publicas de parecer que seja approvada e convertida em lei a proposta do governo consignada no seguinte

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° E o governo auctorisado a construir e explorar por conta do estado o caminho de ferro da Beira Alta, o qual partindo de Pampilhosa, na linha do norte, siga por Santa Comba Dão, ou suas proximidades, e termine na fronteira de Hespanha, ligando-se ao caminho de Salamanca.

§ unico. O governo fará continuar o caminho de ferro da actual estação de Coimbra até ao interior da cidade, e construir, no local que for julgado mais conveniente, uma estação para passageiros e mercadorias.

Art. 2.° As condições da construcção e exploração da linha da Beira Alta serão as mesmas que foram estipuladas no contrato approvado pela lei de 5 de maio de 1860, exceptuando-se aquellas que devem ser modificadas, substituidas ou additadas em virtude dos preceitos d'esta lei.

§ 1.° Este caminho será construido com leito e obras de arte para uma só via, excepto nas estações.

§ 2.° Os carris empregados serão de aço, e o seu peso não poderá ser inferior a 30 kilogrammas por metro corrente.

§ 3.° A construcção d'este caminho deverá achar-se terminada no periodo maximo de quatro annos, a contar da data da presente lei, e deverá começar, bem como a do ramal e estacão de Coimbra, dentro de tres mezes, a contar d'esta mesma data.

Art. 3.° As expropriações necessarias para a acquisiçâo dos terrenos que hajam de ser occupados por este caminho de ferro o suas dependencias, e bem assim para emprestimos ou depositos de terras e exploração de pedreiras ou saibreiras, serão ajustadas amigavelmente por commissões especiaes que o governo devo nomear em cada um dos concelhos por onde passar o caminho, ou promovidas judicialmente, nos termos da lei.

Art. 4.° E o governo auctorisado a levantar os fundos necessarios para cumprir o disposto nos artigos antecedentes por emissão de obrigações de 90$000 réis cada uma, ficando á escolha do governo a adopção do padrão em que tenha de ser fixado o juro annual e a amortisação.

§ 1.° Da operação auctorisada n'este artigo não poderá resultar para o estado encargo annual superior a 7 por

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cento sobre o capital realisado, comprehendendo juros e amortisação.

§ 2.° Em caso algum poderá o governo distrahir os fundos levantados por esta fórma da applicação a que, pela presente lei, ficam destinados.

§ 3.° Os juros serão pagos aos semestres, no principio de cada semestre.

§ 4.° Em cada semestre serão amortisadas as obrigações, que a sorte designar, em quantidade necessaria para que a amortisação total se complete no praso determinado pelas condições de juro e amortisação adoptadas pelo governo, applicando-se successivamente para a amortisação em cada semestre o juro correspondente ás obrigações amortisadas no semestre anterior.

§ 5.º A emissão deve ser feita por series, cuja importancia o governo fixará conforme entender conveniente, em attenção ao prompto desenvolvimento dos trabalhos, e por modo que os semestres para pagamento dos juros e amortisação coincidam com os semestres do anno economico.

§ 6.° O governo proporá annualmente ás côrtes a somma necessaria para o pagamento dos juros e amortisação das obrigações. Durante o periodo da construcção, porém, esta verba será para todos os effeitos considerada como um encargo da construcção, e saírá do capital realisado em obrigações emittidas.

Art. 5.° O governo fixará opportunamente os preços da conducção de passageiros, gado e mercadorias, comtanto que não excedam os marcados nas tarifas geraes das linhas ferreas do Minho e Douro.

Art. 6.° Não pagarão direitos nas alfandegas os materiaes, machinas e instrumentos importados para a construcção e exploração por conta do estado do caminho de ferro da Beira Alta e do ramal e estacão central de Coimbra.

Art. 7.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer das auctorisações concedidas n'esta lei.

Art. 8.° Fica revogada a legislação em contrario, e designadamente a lei de 26 de janeiro de 1876 na parte que se refere ao caminho de ferro da Beira Alta.

Sala da commissão, em 10 de fevereiro do 1877. = José Dias Ferreira (vencido) = Placido de Abreu = João Ferreira Braga = Joaquim de Matos Correia = João Maria de Magalhães = Pedro Roberto Dias da Silva = Antonio José de Seixas = Jacinto A. Perdigão = Visconde da Azarujinha = Antonio Maria Barreiros Arrobas = Antonio José d'Avila (com declarações) = M. M. de Mello e Simas (com declarações) = A. C. Ferreira de Mesquita = H. Gomes da Palma = Antonio M. P. Carrilho = Ricardo Julio Ferraz = Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel = Carlos Testa, relator. = Tem voto dos srs. deputados Custodio José Vieira = José Maria dos Santos.

N.° 4-G

Senhores. — A lei de 26 de janeiro de 1876 auctorisou o governo a mandar proceder á construcção dos dois caminhos de ferro da Beira Alta e da Beira Baixa, e bem assim á construcção e conclusão do caminho de ferro do Algarve desde Casevel até Faro. A alta importancia d'este assumpto bastaria, quando não fosse preceito da lei, para que o governo desse conta ás côrtes, como hoje vem dar, do uso que tem feito, embora limitado, das auctorisações que a mesma lei lhe conferiu.

Sendo por disposição da lei a approvação dos projectos definitivos de cada um d'estes caminhos, com o previo exame e informação das instancias consultivas que a mesma lei determina, o ponto de partida e condição especial para que cada um d'elles podesse ser posto em concurso publico; só por decreto de 20 de maio ultimo, data em que foi approvado o projecto definitivo do caminho da Beira Alta, póde ser aberto o concurso para a construcção e exploração d'este caminho, nos termos da lei e conforme as condições publicadas juntamente com o programma. O resultado do concurso effectuado em 22 de julho não correspondeu ao que era esperado, e a unica proposta apresentada foi rejeitada pelo governo, no uso da faculdade que o artigo 10.° da lei expressamente lhe conferiu.

No justo e sincero empenho de promover, como lhe cumpria, a realisação de um melhoramento tão almejado por todos o tão exaltado na geral opinião como o caminho de ferro da Beira Alta, julgou o governo conveniente mandar abrir novo concurso, e n'elle introduziu a modificação do pagamento da subvenção sob a fórma de annuidade fixa por um espaço de cincoenta o seis annos, em substituição do pagamento integral depois de terminada a construcção do caminho.

Ainda n'este concurso, effectuado em 11 de novembro ultimo, uma só proposta foi apresentada e essa mesma rejeitada pelo governo por exagerada e inconveniente para os interesses do thesouro.

N'estas circumstancias, senhores, o governo, a quem o resultado dos dois concursos não demoveu da profunda convicção que ainda hoje, como sempre, conserva sobre o futuro promettedor e fecundo do caminho da Beira Alta, vem offerecer á vossa illustrada apreciação uma proposta de lei para que seja auctorisado a mandar proceder á sua construcção e exploração por conta do estado, como se está praticando com os caminhos de ferro do Minho e do Douro.

A construcção do caminho de ferro da Beira Alta é hoje, mais do que nunca, uma necessidade impreterivel e inadiavel.

Ainda recentemente nas duas casas do parlamento do paiz vizinho foi votada uma lei auctorisando o governo d'aquelle paiz a contratar a construcção e exploração da linha ferrea que, partindo de Salamanca, venha ligar com a linha da Beira Alta, no ponto da fronteira escolhido de commum accordo pelos delegados dos dois governos. O interesse reciproco das duas nações as aconselha a promover com a possivel efficacia a realisação do melhoramento tão favoravel á sua prosperidade e ao desenvolvimento da sua riqueza publica. Em muito breve espaço de tempo a auctorisação conferida ao governo de Hespanha será convertida n'uma concessão definitiva, de cuja realisação ha tanto menos logar para a duvida quanto mais lhe corresponder, por parto do nosso paiz, o empenho deliberado de construir o caminho de ferro da Beira Alta, sem perda de tempo nem quebra de esforços.

Felizmente, senhores, que nas actuaes circumstancias o governo póde, como não podia ha tres annos, intentar a construcção d'este caminho de ferro por conta do estado. A construcção dos caminhos de ferro do Minho e Douro tem habilitado um pessoal technico consideravel, não só com a experiencia profissional, como tambem com a pratica administrativa, tão necessarias, uma como outra, para uma perfeita construcção e boa economia em obras de tanta magnitude.

Não se trata, n'este momento, da construcção simultanea, por conta do estado, das tres linhas decretadas na lei de 26 de janeiro de 1876. Não cabia nos limites da acção da administração directa do estado a construcção de todas estas linhas, sem o concurso da iniciativa industrial o sem a cooperação dos capitães nacionaes, ou estrangeiros, convidados pelo incentivo de um lucro certo a realisar n'um curto periodo estes importantes commettimentos.

Não é infundada a esperança de que a linha da Beira Baixa, que devo servir todo o valle do Tejo, ligando directamente as capitães dos dois reinos, o que é de uma construcção menos dispendiosa do que a da Beira Alta, encontre na iniciativa particular os elementos necessarios, para que alguma companhia pretenda construil a e exploral-a, mediante uma subvenção que o estado possa conceder sem grande sacrificio para o thesouro, attentas as vantagens que da mesma linha devem resultar para o paiz. Pelo que toca á linha do Algarve entende o governo que a sua construcção e conclusão é um facto inteiramente ligado

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Com a resolução, que os poderes publicos hajam de tomar sobre a rede dos caminhos de ferro do sul e sueste, do que são natural complemento não só a linha do Algarve, como os prolongamentos de Extremoz até á linha de leste e de Quintos á fronteira de Hespanha.

E não julgueis, senhores, que a construcção do caminho de ferro da Beira Alta por conta do estado deva trazer ao thesouro encargos superiores aquelles que resultariam da sua construcção por intermedio de uma companhia subvencionada, ainda mesmo que a subvenção fosse limitada a uma cifra igual á que foi dada para a linha do norte, limite de que nem sequer se approximaram as unicas propostas que foram apresentadas nos dois concursos.

Com effeito, applicando a subvenção do 24:300$000 réis á linha da Beira Alta, cuja extensão é, pelo projecto approvado em 20 de maio, de 210 kilometros, teria o estado de desembolsar no fim de quatro annos o capital de réis 5.100:000$000; ou, pelo systema do segundo concurso, uma annuidade, durante cincoenta e seis annos, de réis 357:000$000.

A construcção por conta do estado obrigaria o thesouro á despeza, dentro do quatro annos, periodo em que deve estar terminada, de uma quantia que não seria inferior a 7.500:000$000 réis, que tal é a somma em que está orçado o caminho de ferro da Beira Alta, pelo projecto approvado em conformidade da lei, e é de esperar que tal somma não haja de ser excedida, mormente se considerarmos que de um estudo mais detido o minucioso do projecto e das modificações a adoptar, devem advir á construcção economias muito apreciaveis, que compensem a elevação dos preços elementares da mão de obra, e com tanta mais vantagem que todas essas modificações são conseguidas, em geral, com melhoria consideravel das condições de tracção e de exploração.

Acceitemos, pois, como cifra total da despeza do caminho de ferro da Beira Alta a verba do 7.500.000$000 réis, e supponhamos que o thesouro levanta essa somma por meio do emissão de obrigações, cujo encargo não exceda 7 por cento, comprehendidos o juro e a amortisação no periodo de cincoenta e seis annos. Na menos favoravel das hypotheses tem o estado a despender durante aquelle periodo, uma verba annual de 525:000$000 réis. Cesta quantia, porém, haveria a deduzir o producto liquido da exploração do caminho, que não devo ser calculado desde o principio da sua exploração em menos de 1:250$000 réis, computando o rendimento bruto kilometrico em réis 2:500$000, e a percentagem das despezas de exploração, para receita illiquida, em 50 por cento.

N'estas hypotheses, pois, que nunca poderiam ser taxadas de exageradas, o encargo annual de 525:000$000 réis achar-se-ía, desde o principio, reduzido a metade, isto é, a 262:500$000 réis, e, portanto, inferior ao que resultaria da subvenção sob a fórma de annuidades que, como vimos, seria de 357:000$000 réis.

Mas não é só isto, senhores, pois que o producto kilometrico d'este caminho de ferro não póde de modo algum ficar estacionario, e a sua receita liquida deve crescer ainda n'uma proporção mais forte do que o mesmo rendimento bruto; visto que a percentagem das despezas de exploração é tanto mais favoravel, sem excepção em linha alguma conhecida, quanto maior é a sua receita illiquida. Assim, pois, o encargo annual irá successivamente decrescendo, achando-se completamente annullado quando o rendimento liquido attingir a cifra de 2:500$000 réis.

Pondere-se ainda que, extincto o encargo, em qualquer das hypotheses, no fim de cincoenta e seis annos, a construcção o exploração por conta do estado traz no fim d'este periodo aos cofres do thesouro o producto liquido do caminho de ferro; producto que, no caso do uma concessão, continuaria a ser arrecadado pela companhia concessionaria até se completar o periodo de noventa e nove annos.

Na proposta que o governo tem a honra do apresentar-vos, pareceu conveniente fixar como ponto de partida d'este caminho do ferro a Pampilhosa em substituição, e de preferencia a Coimbra, a fim do poder ser adoptado o projecto elaborado partindo d'aquelle ponto, pela dupla rasão de ser mais barato e menos moroso na execução.

Tambem pareceu conveniente continuar o caminho de ferro até ao interior da cidade de Coimbra, construindo-se uma estação com o fim não só de melhor servir a população d'aquella cidade e dos povos da margem esquerda do Mondego, como tambem de pôr o caminho em mais facil e barata communicação com o rio, cujo meio de transporte não poderá deixar do ser aproveitado para as mercadorias a exportar ou importar pela barra da Figueira. Esto melhoramento é tanto mais justificado quanto é fóra de duvida que o seu custo maximo de 170:000$000 réis é largamente compensado com a economia que d'elle resulta, para o movimento de passageiros e mercadorias que, se hoje é já consideravel, muito mais o deve ser depois de feito o caminho.

A extensão da linha pelo traçado da Pampilhosa é de 201 kilometros e o seu custo kilometrico acha-se calculado em 32:771$420 réis, ou proximamente 33:000$000 réis. Os orçamentos foram feitos com todo o esmero por distinctos engenheiros, e póde confiar-se seguramente que não serão excedidos na pratica, mormente se se attender a que as economias que resultam das modificações no acto da execução dão margem sufficiente para quaesquer deficiencias. As series de preços foram estabelecidas sobre os preços de execução dos caminhos de ferro do Minho e Douro, o que lhes imprime um perfeito caracter de realidade e segurança.

Assim, pois, será o custo total do caminho da Beira Alta por este traçado, comprehendida a estação central em Coimbra, de 6.800:000$000 réis, e é esta a quantia que o governo tom a levantar pelo meio que mais conveniente vos parecer, para dar realidade a tão desejado melhoramento.

O systema que o governo vos propõe é o de emissão do obrigações amortisaveis no praso de cincoenta o seis annos como tem sido applicado na construcção dos caminhos ao norte do Douro. Não se torna, porém, necessario levantar tal somma desde o principio dos trabalhos, o bastará que no primeiro anno se realisem 1.500:000$000 réis, no segundo anno identica somma, no terceiro 2.000:000$000 réis, e o restante no ultimo.

O ataque dos trabalhos póde com estes meios ser levado por modo que toda a linha se ache simultaneamente concluida no praso maximo do quatro annos. As verbas a despender nos dois ultimos annos são necessariamente mais elevadas, attentas as despezas de material fixo e circulante o todas as obras de ferro que n'esse periodo têem de ser realisadas.

A fim de tornar os encargos d'estas operações effectivos para o thesouro só a partir da exploração da linha, para que o seu rendimento liquido, se não póde solvel-os desde logo, pelo menos os attenue, se estabeleceu na proposta de lei que a verba destinada ao juro e amortisação da primeira emissão seja encorporada na importancia da immediata, e assim successivamente pela fórma seguinte:

Importancia da 1.ª emmissão........... 1.500:000$000

Dita da 2.ª emissão.................. 1.500:000$000

Encargo maximo da 1.ª emissão, juros

o amortisação, a 7 por cento......... 105:000$000

Total da 2.ª emissão.................. 1.605:000$000

Importancia da 3.ª emissão............ 2.000:000$000

Encargo da 1.ª e 2.ª emissão........... 217:000$000

Total da 3.ª emissão.................. 2.217:000$000

Importancia da 4.ª emissão............1.800:000$000

Encargo da 1.°, 2,a e 3.ª emissão....... 373:000$000

Total da 4.º emissão.................. 2.173:000$000

Total das quatro emissões..............7.495:000$000

ou 7.500:000$000 réis.

Encargo maximo, a 7 por cento......... 525:000$000

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Felizmente, senhores, que as circumstancias do credito do nosso paiz são bastante vantajosas, o que o encargo de taes operações póde ser computado em condições mais favoraveis, ainda do que as que, como limite superior, acima ficam indicadas.

O bom acolhimento que encontram nos mercados monetarios os titulos do obrigações de caminho de ferro com garantia do estado, e o excellenle resultado das anteriores operações d'esta natureza, auctorisam a crer que o encargo annual, comprehendendo juro e amortisação, não exceda 6,5 por cento.

Sendo assim, o total da emissão no fim dos quatro annos será de 7.444:000$000 réis, e o encargo annual para o thesouro, até á sua extinceâo em cincoenta o seis annos, de 484:000$000 réis. lias este encargo achar-se-ha diminuido de toda a importancia do rendimento liquido do caminho de ferro, rendimento que deve crescer progressivamente, porque é essa a lei geral do todos os caminhos de ferro, mormente quando elles formam um systema unido o completo, como acontece com a linha da Beira Alta depois de ligada com a rede do paiz vizinho. Tudo leva a crer que o rendimento bruto d'esta linha seja, desde a sua abertura ao publico, superior a 2:500$000 réis por kilometro, e que as despezas da exploração se mantenham em limite inferior a 50 por cento da receita bruta. Porém, ainda mesmo na hypothese que considerámos mais desfavoravel, a receita liquida será de 251:000$000 réis e o encargo effectivo do thesouro ficará desde logo o pelo menos reduzido a 233:000$000 réis, sacrificio realmente minimo perante as enormes vantagens que o paiz devo auferir da construcção d'este caminho de ferro.

Por ultimo, senhores, o governo confia inteiramente que a construcção d´esta importante via estará terminada dentro do mesmo periodo que a lei tornou obrigatorio para a companhia que a tomasse por adjudicação. Todos os meios de que dispõe uma grande companhia estão perfeitamente ao alcance da administração por conta do estado. O systema a seguir é perfeitamente identico e tem sido applicado com vantagem nos caminhos de ferro do Minho e do Douro. A construcção por empreitada de todos os trabalhos, que facilmente podem ser fiscalisados, reservando apenas para administração directa aquelles que, ou mal se podem calcular previamente, ou exigem um complexo do precauções e e um esmero de construcção mais particulares, reune todas as vantagens de uma execução rapida o economica, e permitte realisar, pelo ataque simultaneo, trabalhos da maior importancia n'um curto espaço de tempo.

Pelas considerações que ficam expostas, e outras que a vossa illustração dispensa de produzir, o governo tem a honra de sujeitar a vossa apreciação, o espera que mereça a vossa approvação a seguinte:

PROPOSTA DE LEI

Artigo 1.º É o governo auctorisado a construir o explorar por conta do estado o caminho de ferro da Beira Alta, o qual partindo da Pampilhosa, na linha do norte, siga por Santa Comba Dão, ou suas proximidades, o termine na fronteira do Hespanha, ligando-se ao caminho de Salamanca.

§ unico. O governo fará continuar o caminho de ferro da actual estação de Coimbra até ao interior da cidade, e construir, no local que for julgado mais conveniente, uma estação para passageiros e mercadorias.

Art. 2.º As condições da construcção e exploração da linha da Beira Alta serão as mesmas que forem estipuladas no contrato approvado pela lei de 5 de maio de 1860, excepluaudo-se aquellas que devem ser modificadas, substituidas ou additadas em virtude dos preceitos d'esta lei.

§ 1.° Este caminho será construido com leito o obras de arte para uma só via, excepto nas estações.

§ 2.° Os carris empregados serão de aço, e o seu peso não poderá ser inferior a 30 kilogrammas por melro corrente.

§ 3.° A construcção d'este caminho deverá achar-se terminada no periodo maximo de quatro annos, a contar da data da presente lei, e deverá começar, bem como a do ramal o estacão de Coimbra, dentro do tres mezes, a contar d'esta mesma data.

Ari. 3.° As expropriações necessarias para a acquisição dos terrenos que hajam de ser occupados por este caminho de ferro o suas dependencias, o bem assim para emprestimos ou depositos de terras e exploração de pedreiras ou saibreiras, serão ajustadas amigavelmente por commissões especiaes que o governo deve nomear em cada um dos concelhos por onde passar o caminho, ou promovidas judicialmente, nos termos da lei.

Art. 4.º E o governo auctorisado a levantar os fundos necessarios para cumprir o disposto nos artigos antecedentes por emissão de obrigações de 90$000 réis cada uma, ficando á escolha do governo a adopção do padrão em que tenha de ser fixado o juro annual e a amortisação.

§ 1.° Da operação auctorisada n'este artigo não poderá resultar para, o estado encargo annual superior a 7 por cento sobre o capital realisado, comprehendendo juros e amortisação.

§ 2.° Em caso algum poderá o governo distrahir os fundos levantados por esta fórma da applicação a que, pela prosente lei, ficam destinados.

§ 3.° Os juros serão pagos aos semestres, no principio de cada, semestre.

§ 4.° Em cada semestre serão amortisadas as obrigações, que a sorte, designar, em quantidade necessaria para que a amortisação total se complete no praso determinado pelas condições do juro e amortisação adoptadas pelo governo, applicando-se successivamente para, a amortisação em cada semestre o juro correspondente ás obrigações amortisadas no semestre anterior.

§ 5.° A emissão deve ser feita por series, cuja, importancia o governo fixará conforme entender conveniente, em attenção ao prompto desenvolvimento dos trabalhos, e por modo que os semestres para pagamento dos juros e amortisação coincidam com os semestres do anno economico.

§ 6.° O governo proporá annualmente ás côrtes a, somma necessaria para, o pagamento dos juros e amortisação das obrigações. Durante o periodo da construcção, porém, esta verba será para todos os effeitos considerada como um encargo da construcção, e sairá do capital realisado em obrigaçõos emittidas.

Art. 5.° O governo fixará, opportunamente os preços da conducção de passageiros, gado o mercadorias, com tanto que não excedam os marcados nas tarifas geraes das linhas ferreas do Minho e Douro.

Art 6.° Não pagarão direitos nas alfandegas os materiaes, machinas e instrumentos importados para a construcção e exploração por conta do estado do caminho de ferro da Beira Aila e do ramal e estação central do Coimbra.

Art. 7.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer das auctorisações concedidas n'esta lei.

Art. 8.° Fica revogada a, legislação em contrario, e designadamenlo a lei de 26 de janeiro de 1876 na parte que se refero ao caminho de ferre da Beira Alta.

Ministerio das obras publicas, commercio o industria, em 8 de janeiro do 1877. —Antonio de Serpa Pimentel = Lourenço Antonio de Carvalho.

Õ sr. Presidente: — Esta discussão tinha, começado na sessão de 2 de marco do anno passado. Continua agora a discussão da generalidade do projecto.

O sr. Osorio de Vasconcellos (Sobre a ordem): — Conformando-me com as prescripções do nosso regimento, tenho a honra de ler e mandar para a mesa a seguinte proposta.

[Leu.)

Poucas palavras julgo eu necessario proferir para defender esta proposta.

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Desde a primeira vez que houve um governo em Portugal que apresentou uma proposta de lei para a construcção do caminho de ferro da Beira Alta. v. ex.ª deve estar lembrado de que acabaram todas as dissidencias n'esta casa (Apoiados), todas as distincções de partidos, e que todos nós nos associámos sinceramente n'esse commum pensamento, que era a realisação breve e rapida d'este grande melhoramento, do qual depende em elevadissimo grau a fecundação e aproveitamento dos recursos naluraes do paiz. (Apoiados.)

N'essa occasião, isto é, na sessão de 1875, nós todos, os deputados que militavamos nas fileiras da opposição, declarámos que não faziamos d'este assumpto uma questão de politica partidaria, mas sim uma questão de politica nacional; e que votariamos não só aquillo que o governo pedia, se não tambem uma auctorisação amplissima, concedendo ao poder executivo a faculdade de construir o caminho de ferro da Beira Alta, pelo modo que julgasse mais conveniente aos interesses do paiz, e segundo as circumstancias dos mercados monetarios. (Apoiados.)

Mas antes do governo regenerador apresentar aqui uma proposta de lei n'este sentido, á qual ligou o seu nome o meu illustre amigo o sr. Cardoso Avelino, já alguns deputados, que pertenciam ao então chamado partido reformista, tinham apresentado á camara um projecto relativo ao mesmo assumpto. (Apoiados.)

Sem querer pleitear primasias, porque são diversas as attribuições, conforme se está no governo, ou se é simples deputado, e, sendo simples deputado, conforme se é da maioria ou se é da opposição; sem querer pleitear primasias, é certo que ha uma certa conveniencia em fazer a historia d'este assumpto, é certo que não é completamente inutil recordar os factos. (Apoiados.)

Mostram estes factos que nos anima a todos a mais completa uniformidade nos desejos do ver realisado este melhoramento. (Apoiados.)

Por consequencia, o principio a que entendo que devemos obedecer n'esta discussão é o de não restringir o modus faciendi.

E necessario que o governo fique com a auctorisação mais ampla, a fim de escolher o meio que julgue mais conveniente e mais consentaneo com as circumstancias.

E não se diga que nós somos latitudinarios e vamos talvez prevenir hypotheses que ainda se não realisaram.

V. ex.ª e a camara sabem que, quando passou a lei de 1876, concedendo ap governo a auctorisação de procederá construcção d'este caminho de ferro por meio de concurso, nenhum de nós imaginou que fosse necessario voltar outra vez este negocio á camara; nenhum de nós imaginou que, sendo esta linha tão promettedora, evidentemente a primeira linha do nosso paiz (Apoiados), haveria propostas menos acceitaveis. E essa hypothese infelizmente realisou-se.

Abriu-se o concurso pela primeira vez; houve uma proposta unica, e em termos taes que o governo entendeu, e muito bem, que não devia acceital-a.

Modificaram-se depois as condições do contrato, entendendo-se que com essas modificações o mercado se facilitaria, e todavia não succedeu assim; abriu-se nova licitação, e a proposta apresentada ainda foi em condições priores do que a primeira.

E para que isto se não repita é que é conveniente armar o governo com uma auctorisação ampla. (Apoiados.)

Esta questão não é politica, nem ninguem a póde considerar como tal debaixo do ponto de vista restricto e partidario com que nós definimos a palavra.

E uma questão nacional, altamente economica (Apoiados.) e de maxima importancia para os interesses da nação. (Apoiados.)

Bem sei que a politica e a economia são duas idéas que se completam.

Eu não comprehendo que exista uma questão economica sem ser uma questão politica. Mas, acecitando a terminologia parlamentar a que estamos costumados, digo que é uma questão nacionalmente economica.

Portanto creio que não póde haver discordancia na doutrina d'esta proposta.

Sobre as vantagens do caminho de ferro da Beira Alta e a necessidade de se realisar este melhoramento, muito se discreteou já aqui, e creio inutil iniciar de novo agora uma discussão.

Sobre os diversos modos de construir o caminho de ferro poderiamos tambem fallar mui largamente. Reduzem-se a tres typos principaes os de construcção de caminhos de ferro: administração directa por conta do estado, subvenção kilometrica, ou garantia de juro.

Este ultimo typo subdivide-se ainda em dois subtypos; garantia do juro sobre o rendimento bruto, ou sobre o rendimento liquido. Mas esta discussão seria n'esta occasião puramente academica. (Apoiados.)

Toda a camara sabe melhor do que eu, porque não é permittido a ninguem ignorar estas altissimas questões do caminhos de ferro, a que estão ligados os mais vivazes interesses da civilisação; toda a camara conhece melhor do que eu estes diversos meios de construcção, e sabe que são melhores ou peiores conforme as cireumstancias do paiz, conforme as circumstancias do mercado, conforme um certo numero de elementos que é impossivel prevenir.

Assim, pois, entrar n'esta discussão puramente academica ou tbeoriea sobre a melhor maneira do proceder á construcção do caminho de ferro, é completamente inutil, e não levaria a nenhum resultado pratico. Eu já sou accusado de politico opportunista, e estimo que essa accusação se alargue ainda — quero que tambem me chamem opportunista nas questões economicas. (Riso — Apoiados.)

Não quero tomar tempo á camara, não quero alargar este debate, entendo que é da maxima conveniencia pôr ponto em discussões rhetoricas que não servem n'esta casa para estabelecer a verdade, porque a verdade já está demais estabelecida no animo de todos nós.

Por conseguinte, seja-me permittido dizer apenas aos srs. deputados, que zelam, uns o caminho de ferro do Algarve, outros e da Beira Baixa, e outros não sei que mais linhas ferreas, que notem que não ha paiz algum no mundo que possa iniciar de uma só vez, e ao mesmo tempo, todos os melhoramentos materiaes cuja necessidade é reconhecida. (Apoiados.)

Não quero admittir preferencias, não está isso no meu animo, e entendo mesmo que faria desserviço á causa que advogo; mas ha factos tão evidentes e que se impõem de tal modo á attenção publica, que negal-os seria um absurdo e uma contradicção. Não ha, nem póde haver, competencia entre todas as linhas ferreas já construidas ou já em projecto, com a linha ferrea da Beira Alta; este é um facto sabido por todos aquelles que conhecem as condições especiaes do nosso paiz. Este é um facto innegavel e demonstrado.

Se o estado do thesouro fosse tão producente que permitlisse realisar ao mesmo tempo todos estes melhoramentos, creia v. ex.ª que não hesitaria em dar o meu voto; mas infelizmente a verdade é que nós lutâmos com graves difficuldades, que é mister debellar pela creação de novas receitas, pelo augmento da materia collectavel, pela eliminação das despezas inuteis ou infrucliferas. (Apoiados.)

Sempre entendi que os caminhos de ferro são os mais fecundos elementos de civilisação que se tem creado até hoje. Não ha, não póde haver verdadeiro desenvolvimento das forças vivas da nação, sem retalhar o paiz com essas arterias que levam o sangue aos membros mais remotos do corpo social.

Tanto isto é reconhecido, que attentando no que tem feito os governos das nações mais civilisadas nós vemos que o seu primeiro cuidado é empregar e envidar todos os esforços para construir caminhos de ferro.

Não ha muitos annos saíu a França de uma das crises

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mais dolorosas o mais tremendas que a historia commemora; não ha muitos annos que a França viu duas provincias perdidas, viu-se sobrecarregada com uma indemnisação de guerra tão extraordinaria que muita gente duvidou que aquella poderosa nação podesse solvel-a; viu-se a França alastrada de ruinas e perdida não só a sua gloria militar mas compromeitido o seu futuro economico.

Sabe v. ex.ª o que fez o governo francez, esse governo da grande republica que levantou a França do abatimento consociando-se com o paiz? Tratou immediatamente do construir caminhos de ferro, e se me é permittido citar o ultimo trabalho apresentado ao parlamento francez pelo sr. de Freycinet, ministro das obras publicas, direi a v. ex.ª o á camara, que o governo acaba de propor a construção de mais deseseis mil kilometros de caminhos de ferro, por modo lai que a rede dos caminhos de ferro francezes poderá ascender no fim de quatro annos a mais de quarenta mil kilometros; isto é um numero de kilometros de caminho de ferro igual ao numero de kilometros de estradas ordinarias.

É isto o que tem feito a Italia, o que vae fazendo a Austria e a Hungria, o que vae fazendo a Allemanha, e o que se vae fazendo hoje em toda a parte; porque hoje todos reconhecem que som caminhos de ferro é impossivel viver.

E entre nós mesmo precisâmos reconhecer o grande influxo dos caminhos de ferro; porque se as receitas têem crescido d'uma maneira evidente e consoladora, se ha um verdadeiro desenvolvimento moral e material que já se vae tornando notavel, creia v. ex.ª que o devemos principalmente aos caminhos de ferro já construidos, com quanto no concerto das nações europeas seja Portugal a nação que proporcionalmente tem menos caminhos de ferro.

Estamos numa situação tão deploravel, que nem mesmo nos podemos comparar com a vizinha Hespanha.

A Hespanha tem hoje perto de 7:000 kilometros de caminhos de ferro, e nós temos apenas perto de 1:000.

A relação da população de Portugal para a Hespanha é de 1 para 4, e a dos caminhos de ferro é de 1 para 7. Quer dizer, sendo a Hespanha uma nação muito atrazada na construcção dos caminhos de ferro em relação á Franca e a outras nações da Europa, nós ainda estamos em relação á Hespanha n'uma posição muito mais desvantajosa. (Apoiados.)

Nós precisâmos pois de saír d'este estado quanto antes; não podemos proseguir n'esta via ruinosa de abandonar a construcção dos caminhos de ferro. São despezas santas e abençoadas que pagam no cetuplo os sacrificios que custam.

Declaro, pois, a v ex.ª que voto a favor do projecto no caso mesmo de que o governo o a commissão não acceitem a minha proposta, o que não espero; porque assim fica salvaguardada de uma maneira absoluta e completa a construcção do caminho de ferro da Beira Alta, que é, seja-me permittida a phrase, a minha delenda Carthago.

Para mim a fórma é perfeitamente secundaria, attendendo á grandeza do fim.

Portanto, acceitando o governo a minha proposta, eu folgarei muito com isso; mas, em todo o caso, estou disposto, declaro-o a v ex.ª, como já o tenho declarado por mais de uma vez, a conceder o meu voto a todas as propostas, quaesquer que sejam, partam d'onde partirem, que tenham por fim a construcção immediata do caminho de ferro de que se trata.

Digo isto da maneira mais categorica, o estou prompto a repetil-o quando for necessario.

Nada mais tenho a acrescentar.

Vozes: — Muito bem.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho:

1.º Que para a construcção do caminho de ferro da Beira Alta seja adoptado o systema de concurso estabelecido no artigo 3.° da carta de lei do 26 de janeiro de 1874.

2.° Que no caso previsto no artigo 10.° da mesma carta de lei, ou não havendo concorrente, fique o governo auctorisado a proceder á construcção do mesmo caminho de ferro, nos termos do projecto que está em discussão.

3.° Que o projecto volte á commissão, approvado que seja na generalidade, a fim de ser redigido em conformidade d'esta proposta. = Osorio de Vasconcellos.

Foi admittida.

O sr. Carlos Testa: — Sr. presidente, haverá proximamente um anno entrou n'esta casa em discussão o projecto relativo á construcção do caminho de ferro da Beira Alta, projecto que certamente envolve uma das questões mais importantes para o paiz, segundo o meu modo de pensar. (Apoiados.)

Por essa occasião, sendo eu membro da commissão de obras publicas, tive a honra de ser nomeado relator para tratar d'este assumpto, e d'ahi provém, portanto, o acharme actualmente revestido das mesmas funcções.

Devo dizer a v. ex.ª e á camara, que é para mim muito difficil desempenhar este encargo, por isso que reconheço que na commissão havia para elle pessoas muito mais competentes do que eu, pelos seus conhecimentos technicos e por outros predicados; todavia não quero eximir-me a um dever tão honroso como é este que me compete n'este momento.

Para me desempenhar d'este encargo, pesado para as minhas forças, recorrerei á confiança que tenho em que a camara acceitará gostosamente o fim que se tem em vista, pois o assumpto de que se trata é de uma importancia tal, como acaba de demonstrar o illustre deputado, o sr. Osorio de Vasconcellos, que eu creio que está na mente de toda a camara conseguir a realisação de um tão grande melhoramento para o paiz. (Apoiados.)

Eu considero este assumpto debaixo de tres pontos de vista: o da sua importancia, o do traçado, e do modo da sua construcção.

Pelo que respeita á importancia d'este emprehendimento, entendo que, alem de todas as rasões que o sr. Osorio de Vasconcellos acaba de apresentar, certamente todas plausiveis, e expostas com a lucidez com que o illustre deputado costuma sempre apresentar os assumptos de que se occupa, como são a grande vitalidade e o grande desenvolvimento, em diversos sentidos, que este caminho de ferro vem dar aos districtos por onde passar, ha ainda outro ponto de vista mais lato, mais vasto e de maior alcance, que devemos ter em toda a consideração, e por isso direi que considero o caminho de ferro da Beira-Alta, por assim dizer, como a parte portugueza do grande caminho de ferro europeu, e que porá a Europa central em communicação directa com o porto mais adequado para escala de todas as communicações transatlanticas, maxime com a America do sul. (Apoiados.)

Um tal caminho de ferro terá a importancia enorme, não só de fecundar e desenvolver a riqueza da provincia da Beira Alta, uma das mais importantes do paiz (Apoiados.), e por um de cujos circulos eleitoraes eu tenho a honra de ser deputado, mas tambem de pôr o porto de Lisboa nas condições para que o destina a sua excepcional posição geographica.

O porto de Lisboa póde dizer-se que é uma especialidade, pois talvez que não haja no globo um outro porto que reuna mais condições especiaes para lhe poder destinar um futuro de grande desenvolvimento e importancia commercial. (Apoiados.)

Se agora fosse occasião opportuna, eu faria algumas considerações, que, remontando a factos historicos, viriam mostrar as grandes transformações que tem tido logar no movimento commercial do mundo, e que confirmam o que ha a esperar d'este grande melhoramento material, pois sendo o caminho de ferro da Beira Alta o trajecto mais curto

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para o centro da Europa, sendo,para assim dizer, a hypothenusa entre Lisboa e os Pyrinéus, este caminho, alem de desenvolver os recursos das provincias, e localidades por onde passar, beneficio que de certo se espalhará a todo o paiz (Apoiados.), virá pôr o porto de Lisboa nas condições da maxima importancia commercial (Apoiados.), de que devem resultar as maiores vantagens ao paiz, sobretudo se se adoptar um regimen mais liberal na legislação aduaneira, e no que respeita ás franquias dos navios e a outras condições tendentes a facilitar o trafico commercial maritimo, o se se dotar este porto com todos os melhoramentos que são indispensaveis (Apoiados), a fim de que as embarcações empregadas na grande navegação transatlantica encontrem sempre facilidade e conveniencia de vir a Lisboa, de modo tal que virão aqui como a um porto de escala quasi obrigada.

Portanto eu não me demorarei a demonstrar a importancia do caminho de ferro da Beira Alta, mesmo porque demonstrar isso era quasi tão difficil como demonstrar um axioma.

Quanto ao traçado da linha, direi que não sendo eu o competente para dizer se este ou aquelle projecto é o melhor ou o peior, parece-me que o adoptado no projecto deve ser o melhor traçado, por isso que foi feito por pessoas competentissimas e porque é o que mais encurta a distancia. Direi ainda, que, embora este caminho de ferro não tivesse de passar pelo districto que eu tenho a honra de representar n'esta casa, desde que o traçado fosse o mais curto, eu por esse facto o consideraria o mais conveniente.

A ultima questão é a do modo de construir, e é aquella a que se refere a proposta do illustre deputado. Parece-me que s. ex.ª propõe que o caminho de ferro seja de preferencia construido por adjudicação, emquanto que a proposta do governo era para que a linha fosse construida por conta do estado.

Ora a proposta do governo justifica-se, porque o governo já tinha feito dois concursos para a construcção d'esta linha, e ainda assim não obteve resultado. Portanto o governo, depois de ter appellado em vão para os concursos, entendeu que devia fazer a construcção por conta do estado, e n'isto andou mui acertadamente.

O governo dirá se aeceita ou não esta condição indicada na proposta do illustre deputado. Pela minha parto como relator da commissão, e tendo já conferenciado com alguns dos meus collegas da mesma, devo declarar que a commissão não terá duvida de acceitar o pensamento da proposta, pois é uma auctorisação que não obriga, e o governo depois dirá na commissão em conferencia se aeceita ou não o alvitre proposto.

O que eu creio é que ha uma grande necessidade de resolver esta questão por uma vez. É preciso que a camara seja coherente comsigo, porque devemos notar que se esta camara já por duas vezes tratou d'este assumpto sem ter ainda conseguido resolvêl-o cabalmente, tambem já por duas vezes, respondendo ao discurso da corôa, disse que o caminho do ferro da Beira Alta era uma necessidade impreterivel; e é preciso que, finalmente, a camara se desempenhe d'este compromisso.

Pela minha parte, repito, o fim para que pedi a palavra, foi para declarar por parte da commissão que esta acecitára a proposta do illustre deputado, a fim do no seio da commissão combinar sobre este assumpto com o governo, o se este acceitar a proposta a commissão dará, conta á camara do accordo a que se tiver chegado.

Nada mais tenho a dizer.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Lourenço de Carvalho): — E para declarar, por parte do governo, que elle acceita a proposta apresentada pelo sr. Osorio do Vasconcellos, desejando que, sem prejuizo da votação na generalidade, apenas concluida essa discussão, o projecto volte á commissão, para n'elle se inserirem as disposições que dimanam da adopção d'aquelle pensamento.

Limito-me por agora a esta, declaração, e se a opportunidado e conveniencia da proposta do sr. deputado, que a illustre commissão e o governo, como já disse, acceitam, forem contestadas, o que se me afigura que não está no animo da camara, procurarei, por parte do governo, indicar os rasões e os fundamentos que teve para adoptar tão completa e expontaneamente o pensamento do illlustre, deputado o sr. Osorio de Vasconcellos.

O sr. Bivar: — V. ex.ª, sr. presidente, e a camara comprehendem que, tratando-se de auclorisar o governo a construir um caminho do ferro, que vae exigir do paiz enormes sacrificios, o meu silencio seria imperdoavel, deixando do perguntar ao nobre ministro das obras publicas se s. ex.ª tenciona apresentar alguma providencia, o qual, a respeito da construcção do caminho de ferro do Algarve, que tão adiantado está já, e que tem custado grandes sommas ao estado.

Não é meu intuito combater por fórma alguma o projecto que está em discussão,nem tambem pretendo, a exemplo do meu illustre collega, o sr. Osorio de Vasconcellos, disputar primazia entre esta e áquella provincia. Represento aqui um circulo do Algarve, mas sou deputado da nação, o melhoramentos d'esta importancia em qualquer parte que se façam levam o seu benefico influxo a todo o paiz. (Apoiados.)

E se mesmo no meu animo houvesse idéa de levantar quaesquer dificuldades, baldados seriam os meus esforços, porque sei que a opinião da maior parte dos membros da cantara é favoravel ao projecto. Eu tambem o voto.

E direi que sempre tenho approvado com enthusiasmo melhoramentos d'esta importancia,; porque, quaesquer que sejam os encargos que elles trazem comsigo, é certo, mais cedo ou mais tarde se converter em outros tantos elementos de receita, de prosperidade e de riqueza. (Apoiados.)

Na sessão passada, quando estava na tela da discussão este projecto, tinha v. ex.ª, sr. presidente, dado, a requerimento meu, para ordem do dia um outro projecto, com relação ao caminho de ferro do Algarve.

Então sabia-se qual era a solução que se havia de dar á viação accelerada ao sul do Tejo, e por consequencia ao caminho de ferro do Algarve.

É verdade que por essa occasião se espalhou que nenhuma empreza ou companhia acceitava a construcção e exploração da rede dos caminhos do ferro do sul nos termos da proposta do governo.

Nós, deputados pelo Algarve, auxiliados por outras pessoas igualmente empenhadas em dotar áquella provincia com o mais poderoso instrumento de progresso e civilisação, empregámos todos os meios para conhecermos a verdade do que se propalava, e viemos a ganhar a convicção, por informações colhidas dentro e fóra do paiz, de que effectivamente capitalistas e industriaes respeitaveis pretendiam vir ao concurso nas condições da mesma proposta. Hoje mudaram as cousas de figura, porque depois de passado tanto tempo, e conhecendo-se que os poderes publicos tomavam outro rumo sobre o modo de concluir os caminhos de ferro do sul o sueste, de certo os capitães que se haviam associado tiveram outro destino. A muitos sobresalta o receio de que, emprehendendo o governo e empenhando-se em levar á execução uma obra tão collossal como a da construcção do caminho de ferro da Beira Alta, se ponha de lado, e Deus sabe até quando, a construcção do caminho de ferro do Algarve.

Repugna ao meu espirito pensar, sequer, que um governo em que é ministro das obras publicas um homem tão distincto como o sr. Lourenço de Carvalho (Apoiados.), possa commetter um erro tal de administração, abandonando valores importantes que a nação já tem nas obras que existem no caminho de ferro do Algarve. E quando não bastasse esta circumstancia, e não confiasse tanto na

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elevada intelligencia do nobre ministro das obras publicas, ou tinha para segurança o garantia das minhas convicções o illustre presidente do conselho de ministros, o sr. Fontes Pereira de Mello, que em todas as occasiões tem sido o defensor mais estrenuo do caminho de ferro do Algarve, mostrando sempre a mais firme convicção no futuro d´esta linha.

E não é sómente o illustre presidente do conselho que assim tem sempre pensado, differentes parlamentos e diversos governos desde 1864 têem proposto e decretado a construcção do caminho de ferro do Algarve. (Apoiados.) E esta camara mesmo já o votou, e approvou os meios de que o governo lançou mão para que a construcção continuasse, e até lhe deu uma auctorisação ampla, indeterminada e indefinida para concluir a mesma construcção, auctorisação que não chegou a ser convertida em lei do paiz por circumstancias supervenientes.

N'estes termos supponho, e espero mesmo, que o governo não deixará improductivas sommas, aliás importantes, já gastas nos 60 kilometros d'aquelle caminho entre Faro o Portela das Silveiras; e que o governo, meditando nos recursos de que deva lançar mão, não deixará, na actual sessão legislativa, de apresentar á camara as convenientes propostas, que o habilitem a continuar e concluir pelo menos, e quanto antes, a construcção do caminho de ferro do Algarve.

Dirijo-me a homens illustrados, cuja proficiencia na governação do estado, de todos reconhecida, me auctorisa, sem duvida, a ter toda a confiança n'elles; e a esperar que justiça será feita á provincia do Algarve. (Apoiados.)

Por consequencia, nenhuma proposta mando para a mesa; todavia tolere-se que eu, como na sessão do anno passado, lembre que tendo sido, ha muitos annos, o rendimento dos caminhos de ferro de sul e sueste, na importancia approximada de 200 contos de réis, applicado para alguns dos seus prolongamentos, já bastante adiantados, póde essa somma servir de base, para sobre ella se levantarem as quantias necessarias, e mais do que sufficientes, para a conclusâo dos mesmos caminhos e prolongamentos, visto que taes obras estão orçadas em 2.700:000$000 réis pouco mais ou menos.

Por esta fórma, sem novos sacrificios do paiz o sem desequilibrio do orçamento, pois que o thesouro apenas continuaria privado por mais alguns annos, como tem estado até agora, do referido rendimento, se completará a rede dos caminhos de ferro ao sul do Tejo, e a nação ficará em pouco tempo com uma valiosa propriedade, para a reter na sua posse, ou realisar sobre ella qualquer operação que a habilite a novos commettimentos.

Eram estas as singelas considerações que tinha a fazer, e peco que não as tomem como menos bem cabidas e impertinentes, porque nunca tenho embaraçado, nem espero embaraçar, a realisação de qualquer melhoramento; e confio em que a camara, o appello para a sua sabedoria, tambem contribuirá para a realisação da maior e mais ardente aspiração dos povos de uma provincia que tem tanto direito,: como outros, a que se lhes concedam os beneficios da viação accelerada, que é hoje tão necessaria para o desenvolvimento da riqueza publica. (Apoiados.)

O sr. Sousa Lobo: —... (O sr. deputado ficou com a palavra, e o seu discurso será depois publicado na integra.)

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é trabalhos em commissões; para sexta feira a continuação da de hoje e mais o parecer da commissão de fazenda sobre o orçamento da receita.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

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