SESSÃO DE 5 DE FEVEREIRO DE 1886 317
Na fornada de 2 de dezembro de 1878 nem um proprietario ou capitalista entrou; nem um industrial ou commerciante!
Em janeiro de 1880 houve numerosa fornada, na qual encontro apenas dois ou tres proprietarios e um capitalista. Industrial nem um! As cartas regias da nomeação dos pares escolhidos então, quasi todas, têem a mesma data - 8 de janeiro -; mas a do capitalista tem a de 15 de janeiro e das dos proprietarios uma tem a data de 21 de janeiro e outra a de 4 de março. Esta differença de datas traduz difficuldades que alguns dos nomeados tiveram, mais que outros, para demonstrar, por documentos, categoria para as altas funcções em que íam ser investidos.
Na fornada de 7 de janeiro de 1881 lembro-me de ter encontrado um só proprietario. Na de 29 do dezembro do mesmo anno encontro apenas dois proprietarios.
E industrial? Nem um!
O enormissimo defeito da actual lei de categorias para o pariato está na desproporção entre as respectivas bases, como já tive occasião de fazer notar para algumas.
No quadro dos professores de instrucção superior a grande maioria está comprehendida na respectiva categoria, por ter mais de dez annos de serviço; e, nas numerosas classes da proprietarios, capitalistas, industriaes e commerciantes, poucos, mesmo muito poucos, poderão provar que attingem as condições fixadas na lei de 3 de maio de 1878! Mas esta desigualdade excede ainda quanto se tem dito sobre o assumpto; chega a ser monstruosa para algumas classes!
Como ha de conquistar ingresso na categoria 20.ª da referida lei o escriptor publico? Os que fazem profissão habitual d'esta illustrada industria, profissão que tanto se approxima das funcções de professor, estão comprehendidos com o n.° 213 na tabella B, na parte 1.º da 6.ª classe, para a contribuição industrial, tabella approvada pelo decreto de 3 de junho de 1880, e sujeitos a taxas variaveis com a ordem das terras, desde 22$400 réis para a . 1.º até 4$200 réis para a 6.ª ordem. Ora, quantos escriptores publicos serão necessarios para constituir um gremio, em terra de primeira ordem, de modo que pague 1:400$000 réis? São precisos 63, ficando apenas um resto de 12$200 réis para ser distribuido por 62! E esta hypothese é extrema, mesmo inverosimil. E é em terra de primeira ordem. E em terra de segunda? São precisos 73, ficando um resto inferior a l$820 réis para ser distribuido por 72!
Os medicos têem na administração publica uma funcção importante, por todos reconhecida. Ha muitos de subido merito e bem dignos de um logar na camara alta. Pois bem; na lei de 3 de maio de 1878 encontram quasi a mesma consideração que os escriptores públicos; posso até dizer a mesma.
Com o numero 340 estão os médicos comprehendidos na tabella B, na parte 1.ª da 5.ª classe, para o pagamento da contribuição industrial, á qual estão sujeitos pelo decreto de 3 de junho de 1880. A taxa para estes benemeritos industriaes desce de 36$400 réis nas terras de 1.ª ordem até 7$700 réis nas de 6.ª ordem. Para que, em terra de 1.ª ordem, possa organisar-se um gremio de medicos por fórma que haja um a pagar 1:400$000 réis, embora cada um dos outros pague uma quantia insignificante, é necessario que ahi haja 39 medicos; e n'este caso ficarão pouco mais de 36$000 réis para ser pagos por 38.
Para que calculeis bem o valor d'esta observação, indico-vos, meus senhores, as paginas 2:182 e 2:183 do Diario do Governo do anno ultimamente findo. O n.° 178 d'esta folha, de 12 de agosto, traz publicada a lista nominal e residencial dos medicos matriculados nos commissariados das tres divisões da policia civil d'esta capital; e ahi se vê que estavam então matriculados:
31 na primeira divisão;
69 na segunda; e
60 na terceira.
Exactamente o mesmo succede com os advogados, que tantas illustrações contam a engrandecer o fôro portuguez; que tão valiosos serviços têem prestado no parlamento, quando aqui os têem trazido os votos dos seus concidadãos.
Estas observações mostram que não têem remedio na lei de 21 de julho de 1885 os maiores defeitos da lei de 3 de maio de 1878. Era justo e conveniente reduzir as bases das categorias 19.ª e 20.º d'esta ultima lei, principalmente para haver approximada proporção na representação das mais importantes classes da nação; mas muito mais urgente, ainda mais justo e conveniente, fôra revogar disposições que traduzem as monstruosas desigualdades por mim aqui ligeiramente indicadas.
Mas, se era justo e conveniente reduzir as bases d'estas duas categorias, que estou apreciando, nem menos conveniente, nem menos justo fôra exigir aos proprietarios, capitalistas, industriaes e commerciantes algum serviço publico, no qual elles possam revelar, não só aptidão para negocios publicos, mas tambem dedicado interesse em servir o paiz. Porque um cidadão alcançou grangear e conservar uma fortuna avultada; porque soube promover o estabelecimento de uma fabrica, melhorar e aperfeiçoar uma industria; não se póde suppor que esse mesmo cidadão seja o mais apto para representar a sua classe na alta assembléa dos dignos pares do reino: e menos ainda ao póde calcular que no mesmo estejam reunidos os dotes indispensáveis de legislador.
Por estes motivos tenho a honra de propor-vos, meus senhores, nas leis de 3 de maio de 1878 e 21 de julho de 1885 as modificações que encontrareis nas categorias XXXVII, XXVIII e XXXIX d'este projecto de lei.
Não sou o primeiro a ter a honra de lembrar perante esta assembléa a manifesta conveniencia de uma categoria especial para os socios da academia real das sciencias de Lisboa. O fallecido deputado, escriptor erudito e inspirado, Teixeira de Vasconcellos, cujo vulto sympathico o querido explende com os brilhos da gloria na historia da litteratura portugueza, prestou esta justa homenagem era phrases breves e sentidas, n'esta casa, quando aqui foi approvado o projecto de lei vindo da outra casa do parlamento com a fixação das categorias para o pariato.
Deixando este e outros detalhes da mesma valia, em relação aos quaes, tão singelos como importantes, haveis de encontrar plena justificação para o que tenho a honra de propor-vos, desde que a este assumpto dispenseis uns minutos de reflexão, vou concluir desenvolvendo um ponto que reputo capital n'este projecto de lei.
Convem ou neto que as mesmas sejam as condições de elegibilidade para os pares temporários, de nomeação dos pares vitalicios e de fruição do direito successorio?
A lei de 3 de maio de 1878, resentindo-se naturalmente da vicios da sua origem, que foi da iniciativa da camara dos dignos pares, estabeleceu para a successão do pariato, no § unico do seu 5.° artigo, condições diversas das que fixára para a nomeação dos pares. Estabeleceu-as com muito menos rigor! A consideração que devo ter pela outra casa do parlamento, meus senhores, impede-me de classificar este facto como em minha consciencia o avalio. Mas não offendo aquelle alto corpo legislativo, cujas tradicções respeito e estimo como liberal, apresentando o seguinte quadro comparativo: