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SESSÃO DE 5 DE FEVEREIRO DE 1886

Presidencia ao exmo. sr. Pedro Augusto de Carvalho (supplente

Secretarios os exmos. srs.

João José d'Antas Souto Rodrigues
Henrique da Cunha Matos de Mendia

SUMMARIO

Tres officios do ministerio da guerra acompanhando diversos esclarecimentos requeridos por alguns srs. deputados. - Representação da camara de Villa Real apresentada pelo sr. Lopes Navarro e mandada publicar no Diario do governo.-Requerimentos de interesse publico mandados para a mesa pelos srs. Mariano de Carvalho, Agostinho Lucio e visconde de Alentem. - Requerimentos de interesse particular apresentados pelos srs. Scarnichia, Santos Viegas e Eduardo José Coelho. - Justificação de faltas do sr. Góes Pinto. - Declaração de voto do mesmo sr. deputado. - Nota de interpellação do sr. Consiglieri Pedroso. - O sr. Luiz José Dias estranha a ausencia dos srs. ministros, a alguns da quaes deseja interrogar sobre importantes assumptos; e, entrando n'esta occasião o sr. ministro da justiça, continua o orador no uso da palavra, formulando as suas perguntas, a que responde em seguida o mesmo sr. ministro. - Apresenta um projecto de lei o sr. conde de Villa Real. - O sr. Lopes Navarro faz algumas considerações sobre a representação que manda para a mesa, e, pedindo a sua publicação no Diario do governo, a camara annue. - O sr. Luciano Cordeiro apresenta um projecto de lei e alguns documentos que recebeu do ministerio do reino sobre emigração.- O sr. Azevedo Castello Branco refere-se ao projecto apresentado pelo sr. conde de Villa Real. - Dirige algumas perguntas ao governo o sr. Consiglieri Pedroso, respondendo-lhe em seguida o sr. ministro da marinha, que apresenta n'essa occasião uma proposta de lei. - Tambem o sr. ministro da justiça presta esclarecimentos ao sr. Consiglieri sobre um processo a que alludíra este sr. deputado. - Trocam-se explicações, sobre assumptos de marinha, entre o sr. Ferreira de Almeida e o respectivo sr. ministro. - Usa de novo da palavra o sr. Consiglieri Pedroso, terminando por mandar para a mesa uma nota de interpellação.- Dá ainda explicações o sr. ministro da justiça e o sr. ministro da marinha declara-se habilitado a responder á nota de interpellação do sr. Consiglieri. - O sr. Eduardo José Coelho dirige algumas perguntas ao sr. ministro da justiça, que lhe responde em seguida.
Na ordem do dia entra em discussão projecto de lei n.° 5, que auctorisa o governo a transferir provisoriamente para a penitenciaria central alguns presos do Limoeiro. - Combate este projecto com largas considerações o sr. Eduardo José Coelho. - O sr. Jalles participa que se acha constituida a commissão de agricultura. - Responde, como relator do projecto, o sr. Franco Castello Branco ao sr. Eduardo José Coelho. - Toma parte no debate e fundamenta uma proposta de substituição ao mesmo projecto o sr. Beirão, que fica com a palavra reservada.

Abertura - Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada - 58 srs. deputados.

São os seguintes: - Agostinho Lucio, Garcia de Lima, Silva Cardoso, Sousa e Silva, Pereira Corte Real, Garcia Lobo, A. J. da Fonseca, Lopes Navarro, Fontes Ganhado, Moraes Machado, Santos Viegas, Sousa Pavão, Pereira Leite, Neves Carneiro, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Lobo d'Avila, Conde de Villa Real, Cypriano Jardim, E. Coelho, Emygdio Navarro, Estevão de Oliveira, Firmino Lopes, Francisco Beirão, Francisco de Campos, Guilherme de Abreu, Matos de Mendia, Augusto Teixeira, J. C. Valente, Scarnichia, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, J. Alves Matheus, Ponces de Carvalho, Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Azevedo Castello Branco, Ferreira de Almeida, Oliveira Peixoto, Simões Dias, Luciano Cordeiro, Luiz de Lencastre, Luiz Ferreira, Luiz Dias, Luiz Jardim, Manuel d'Assumpção, Correia de Oliveira, Miguel Dantas, Pedro de Carvalho, Rodrigo Pequito, Barbosa Centeno, Visconde de Alentem, Visconde de Reguengos e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Albino Montenegro, Torres Carneiro, Alfredo Barjona de Freitas, Antonio Candido, Antonio Centeno, Moraes Sarmento, Cunha Bellem, Jalles, Carrilho, Pinto de Magalhães, Seguier, Urbano de Castro, Augusto Poppe, Avelino Calixto, Barão de Viamonte, Elvino de Brito, Goes Pinto, Fernando Geraldes, Fernando Caldeira, Correia Barata, Castro Mattoso, Wanzeller, Barros Gomes, Dias Ferreira, Elias Garcia, Laranjo, Lobo Lamare, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, José Luciano, Lourenço Malheiro, M. P. Guedes, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Mariano de Carvalho, Santos Diniz, Pereira Bastos, Tito de Carvalho, Vicente Pinheiro, Visconde de Ariz, Visconde de Balsemão e Visconde das Laranjeiras.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Adriano Cavalheiro, Lopes Vieira, Agostinho Fevereiro, Moraes Carvalho, A. da Rocha Peixoto, Antonio Ennes, Pereira Borges, A. M. Pedroso, Almeida Pinheiro, A. Hintze Ribeiro, Augusto Barjona de Freitas, Fuschini, Barão do Ramalho, Bernardino Machado, Carlos Roma du Bocage, Conde da Praia da Victoria, Conde de Thomar, Ribeiro Cabral, Sousa Pinto Basto, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Mártens Ferrão, Frederico Arouca, Sant'Anna e Vasconcellos, Silveira da Mota, Costa Pinto, Baima de Bastos, Franco Frazão, J. A. Pinto, Melicio, Ferrão de Castello Branco, Sousa Machado, J. A. Neves, Simões Ferreira, Avellar Machado, Correia de Barros, Borges de Faria, Ferreira Freire, José Maria Borges, J. M. dos Santos, Pinto de Mascarenhas, Bivar, Reis Torgal, Luiz Osorio, M. da Rocha Peixoto, Manuel de Medeiros, M. J. Vieira, Aralla e Costa, Martinho Montenegro, Guimarães Camões, Miguel Tudella, Pedro Correia, Gonçalves de Freitas, Dantas Baracho, Visconde do Rio Sado e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada sem reclamação.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Do ministerio da guerra, participando, em satisfação ao requerimento do sr. Mariano de Carvalho, que por este ministerio não foi abonada gratificação alguma ao empregado da fiscalisação externa das alfandegas, Jeronymo de Vasconcellos.
Á secretaria.

2.° Do mesmo ministerio, remettendo os documentos requeridos pelo sr. Consiglieri Pedroso, ácerca das cooperativas militares.
Á secretaria.

3.° Do mesmo ministerio, remettendo, em satisfação, ao requerimento do sr. Antonio Ennes, nota das quantias entregues para occorrer ao pagamento de despezas para evitar a invasão do cholera.
Á secretaria.

REPRESENTAÇÃO

Da camara municipal do concelho de Villa Real, pedindo a construcção do caminho de ferro do Valle do Corgo.
Apresentada pelo sr. deputado Lopes Navarro, enviada á commissão de obras publicas e mandada publicar no Diario do governo.

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REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

1.° Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, sejam enviados com urgência a esta camara os seguintes esclarecimentos:
Data em que foram entregues e a quem, quaesquer quantias para o pagamento de emolumentos do segundo trimestre de 1885 dos guardas e mais empregados da fiscalisação externa do terceiro corpo central (quartel em Abrantes);
Data em que os mesmos emolumentos foram effectivamente pagas aos empregados a quem pertenciam;
Copia de quaesquer queixas que superiormente tenham sido feitas ácerca da falta do pagamento d'esses emolumentos. = Mariano de Carvalho.

2.° Roqueiro que, pelo ministerio da fazenda, sejam remettidos com urgencia a esta camara os seguintes esclarecimentos:
Nota das operações de supprimentos de divida fluctuante realisadas no mez de dezembro findo, indicando-se, em relação a cada uma d'ellas, o juro, commissão, corretagem, cambio ou quaesquer outros encargos. = Mariano de Carvalho.

3.° Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, seja enviado com urgencia a esta camara, o seguinte esclarecimento:
Numero de carteiros supranumerios em serviço em Lisboa, existentes em 31 de dezembro de 1884;
Numero de supranumerarios promovidos, despedidos ou fallecidos em cada mez de 1885;
Numero dos supranumerarios admittidos em cada um dos mezes de 1885;
Numero medio de dias de serviço que os carteiros supranumerarios tiveram em cada mez do mesmo anno. = Mariano de Carvalho.

4.° Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, sejam enviados com urgencia a esta camara os seguintes esclarecimentos : nota das quantias pagas por conta da construcção das seguintes pontes: de D. Luiz I no Porto, de Villa Velha de Rodam, de Entre Rios no Douro e sobre o Guadiana na estrada de Evora a Marvão.
Nota das quantias a pagar até completa construcção das referidas pontes o indicação das epochas em que devem estar concluidas. = Mariano de Carvalho.

5.° Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, sejam com urgencia enviados os seguintes esclarecimentos: relação dos engenheiros civis que no anuo do 1885 tenham sido admittidos para o serviço do ministerio das obras publicas, e das commissões em que tenham sido collocados; relação dos officiaes do exercito que para o serviço do mesmo ministerio tenham sido requisitados n'aquelle anno com indicação das commissões em que tenham sido collocados. = Mariano de Carvalho.

6.° Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, me seja enviada copia dos contratos celebrados pelo governo com os empreiteiros das obras de construcção do caminho de ferro do sul e sueste desde 1883 a 1885. = O deputado, Agostinho Lucio.

7.° Requeiro uma nota da quantidade de milho, quer em cereal, quer em farinha, que tenha dado entrada nas alfandegas do continente e ilhas, em proveniencia das provincias ultramarinas (nos termos da lei de 15 de junho de 1882) sem pagamento dos respectivos direitos. = O deputado, Visconde de Alentem.
Mandaram se expedir.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

1.° De João Albino de Aguilar, capellão de 3.ª classe da armada, em commissao no hospital da marinha, pedindo se lhe tornem extensivas as disposições do decreto de 30 de dezembro de 1868, sendo-lhe contado para os effeitos da promoção e reforma todo o tempo que serviu até ao presente desde a sua primeira entrada como capellão extraordinario no serviço da armada real.
Apresentado pelo sr. deputado Scarnichia e enviado ás commissões de marinha e de fazenda.

2.° Do Antonio Xavier Esteves, capellão de 3.ª classe I da arruada, em commissão na escola de marinheiros no Porto, no sentido do antecedente.
Apresentado pelo sr. deputado Scarnichia e enviado ás commissões de marinha e de fazenda.

3.° De Antonio Dias Pedroso, pedindo para se dar andamento ao requerimento em que pede o premio da quinta parte das quantias por elle denunciadas á fazenda publica.
Apresentado pelo sr. deputado Scarnichia e enviado á commissao de fazenda.

4.° De José Maria Trintão, general de brigada reformado, pedindo para se dar andamento aos seus requerimentos apresentados nas sessões de 2 e 10 do maio ultimo.
Apresentado pelo sr. deputado Santos Viegas e enviado ás commissões de guerra e de fazenda.

5.° De Gregorio J. de Queiroz, contra a aposentação que lhe foi dada na qualidade de segundo official da direcção geral das alfandegas.
Apresentado pelo sr. deputado Eduardo José Coelho e enviado á commissão de fazenda.

JUSTIFICAÇÃO DE FALTAS

Cummunico a v. exa. e á camara que por motivo justificado tenho faltado às sessões. = O deputado, E. J. Goes Pinto.
Para a acta.

DECLARAÇÃO DE VOTO

Declaro que, se tivesse assistido ás sessões de 20 e 26 de janeiro, teria votado a favor da proposta de inquerito feita pelo sr. Mariano de Carvalho e de moção apresentada pelo ar. Alves Matheus. = O deputado, E. J. Goes Pinto.
Para a acta.

NOTA DE INTERPELLAÇÃO

Desejo interpellar n'uma das proximas sessões o sr. ministro dos negocios estrangeiros ou o sr. ministro da marinha, ácerca da não apresentação ao parlamento do tratado de protectorado do Dahomey, em menosprezo do preceito constitucional do artigo 10.º do acto addicional, e bem assim ácerca do conteúdo d'este instrumento diplomatico. = Consiglieri Pedroso.
Mandou-se expedir.

O sr. Luiz José Dias: - Pedi a palavra no intuito de fazer algumas perguntas e pedir esclarecimentos ao governo; este porém não está presente, nem se faz representar n'esta casa.
Lamento a ausencia systematica dos membros do gabinete, que ou não surgem ou não apparecem a tempo e a horas para que os deputados possam fazer as perguntas que desejam.
Já nas sessões antecedentes desejei fazer algumas per-

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guntas ao sr. ministro do reino, s. exa. não compareceu, como hoje!
Consta me que se acha nos corredores o sr. ministro da justiça, pedia a v. exa. que se dignasse mandal-o prevenir de que desejava fazer algumas perguntas a s. exa., dando-me por muito feliz ter ao menos um a quem me possa dirigir, porque com todos tenho assumptos importantes a tratar.
Espero.
O sr. Presidente: - O sr. ministro da justiça não está na sala, mas consta-me que está no edificio e eu vou mandar prevenil-o.
O sr. Scarnichia: - Mando para a mesa dois requerimentos de capellães da armada, em que pedem que lhes seja contado para a reforma o tempo que serviram como capellães extraordinarios da armada.
Tambem mando para a mesa um requerimento de Antonio Dias Pedroso, pedindo uma quantia que lhe é devida.
Tiveram o destino, indicado a pag. 296.
O sr. Luiz José Dias: - Visto estar presente o sr. ministro da justiça, aproveito a occasião para fazer algumas perguntas.
Como o sr. ministro da fazenda não tem comparecido e eu desejo saber se o governo durante, a gerencia do 1884 a 1885, levantou algum credito extraordinario ou supplementar, e se as sommas votadas pelo parlamento chegaram para fazer face ás despezas variaveis, e se essa receita não chegou, qual o modo como fui supprida, se foi por creditas supplementares ou por meio de transferencia de senhas?
Talvez s. exa. me possa informar a esse respeito, se bem que este assumpto prende directamente com os negocios da gerencia do collega da fazenda.
Pergunto tambem a s. exa. se tem, ou tenciona trazer ao parlamento alguma proposta sobre a dotação do culto e do clero.
(Interrupção que não se ouviu..)
Eu sei perfeitamente que a observação do illustre deputado tem cabimento, attentos os costumes vigentes, porque n'esta terra só os medicos têem direito a melhoria de posição e de vencimento.
Os serviços da alfandega, de engenheira civil e do outros ramos de administração publica reformam-se, porque os respectivos empregados se impõem com a mira no augmento pessoal.
Faz-se a reforma do exercito em dictadura e em condições extraordinariamente excepcionaes, na vespera da abertura das côrtes, afrontando o poder legislativo e determinadamente a camara dos dignos pares, e até se pretende inculcar esta medida como meio de solemnisar os annos de El-Rei, e tudo para melhorar serviços!!! O clero porém nada mereço, e até nem é licito fallar dos seus serviços, porque os illustres deputados até com isso se incommodam.
Posso affirmar que o clero é a classe que mais serviços tem prestado á sociedade, e por isso é a classe que mais desprezada tem sido pelos poderes publicos.
Todas as classes e todos os ramos de actividade humana, era todas as espheras de acção, representam energicamente aos poderes publicos em favor de seus interesses e são mais ou menos attendidas, mais ou monos beneficiadas, mas o clero não incommoda, não tem sddo impertinente, e todavia presta ao estado serviços, que se fossem pagos como os dos outros servidores, importariam em muitos contos de réis.
Pois os serviços temporaes relativos a funcções civis e administrativas, que elles estão confiados gratuitamente, não valem nada?
O proprio atheu ha de concordar commigo e confessar que o clero entre nós tem sido desprezado pelos poderes publicos e isto não só quanto aos altos serviços, que presta á instrucção e á moralidade, mas ainda pelo que respeita ás attribuições temporaes.
Ao menos dêem-lhe parte do que lhe roubaram.
Esse Ostracismo, a que está votado o clero, mostra o desleixo e a pouca conta em que o governo tem a instrucção e a moralidade do povo.
Pois, meus senhores, estes dois assumptos momentosos deviam preoccupar-nos antes de tudo e mais que tudo, porque toda a civilisação e progresso que não assenta na instrucção, na religiosidade e na educação moral dos povos não podem durar, porque não são legitimos.
Querer progredir materialmente sem ter assentado previamente aquellas bases e lançado estes alicerces, é o mesmo que pretender levantar um castello no ar ou crear o predominio da materia sobre o espirito, invertendo os verdadeiros e legitimes factores do progresso.
Por mais que o illustre ministro da justiça com os seus louvaveis esforços pretenda melhorar a sorte desgraçada dos infelizes, com um projecto, que tem em vista o melhoramento das casas de correcção e cadeia do Limoeiro, por mais que s. exa. se canse, nada poderá fazer sem tomar em toda a consideração o elemento religioso e moral e a instrucção d'esses desgraçados.
Para mim o crime representa sempre uma doença do espirito, uma anomalia nas funcções da alma, um defeito religioso ou moral, quasi sempre filho da falta de instrucção, que se reflecte na diminuição da liberdade.
O maior ou menor grau de liberdade depende do maior ou menor desenvolvimento da rasão e esclarecimento da intelligencia e por isso, para que o homem exerça a sua actividade e liberdade dentro da esphera legitima da sua acção, precisa de ter o conhecimento claro e a comprehensão nitida de seus deveres e obrigações e os defeitos n'esta parte não podem deixar de provir das faltas de que adoece o espirito sob aquelle aspecto considerado.
Se, pois, um dos fins da pena é a regeneração do criminoso, e se o crime é producto da liberdade extraviada, e se este desvio provém da falta de instrucção, de moral e de religiosidade, claro está que é com estes meios e por via d'estes elementos que essa beneficiação do réu se deve operar.
Estes agentes de regeneração são bem mais poderosos e efficazes do que toda e qualquer coacção physica, do que toda e qualquer pressão temporal, que, referindo-se á sensibilidade, só produz impressões de momento, já pela esperança de um premio, já pelo temor e receio de um castigo. E as leis nos seus elementos constitutivos, com o edicto e sancção abrangem perfeitamente toda a natureza morai do individuo, não deixando as penaes de encerrar virtualmente o principio da regeneração.
Se, pois, o sr. ministro da justiça tenciona interessar-se pela sorte dos criminosos, elle não póde deixar de ter em vista estes principias de direito philosophico e elementos de direito criminal, porque tirada a causa cessa o effeito.
Releve-me a camara esta digressão, a que fui conduzido pela interrupção do illustre deputado.
O sr. Agostinho Lucio: - Ainda bem que a interrupção a isso o levou.
O Orador: - Mas tudo isto trouxe eu para mostrar que os serviços de instrucção e de moralidade, prestados pelo clero, devem ser tomados em consideração pelos poderes publicos, porque o estado muito lucra com elles em todos os ramos do serviço publico, e para exemplo citei o projecto a que acabo de alludir.
As perguntas que eu desejava dirigir ao sr. ministro da justiça são simples. Quero, em primeiro logar, saber se as sommas votadas para fazer face ás despezas variaveis foram sufficientes, e, no caso negativo, qual o meio por que foram supprimidas essas verbas.
Talvez o sr. ministro me não possa responder, de prompto, porque é assumpto que tem mais rola cão com a pasta da fazenda, como já disse.
Em segundo logar, s. exa. tenciona apresentar alguma proposta de lei relativa á dotação do culto o clero - e se

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nomeou ou existe nomeada alguma commissão encarregada de estudar este assumpto e o arredondamento e circumscripção parorhial, e n'este caso em que altura estão os trabalhos d'essa commissão.
Tambem desejava que s. exa. me dissesse, se porventura no seu ministerio foram celebrados alguns contratos de valor excedente a 500$000 réis, durante o anno de 1885, porque, segundo a lei vigente e regulamento respectivo, o governo é obrigado a mandar á camara uma nota indicativa d'esses contratos, e até hoje ainda nenhum appareceu vindo d'esse ministerio.
A lei marca para esta apresentação um praso curto, que é de quinze dias, a contar da sua constituição.
Em differentes ministerios toem sido celebrados contratos superioies a 500$000 réis, sem que o mappa indicativo ordenado pela lei tenha chegado a esta camara.
Espero a resposta de s. exa., e peço a v. exa. me reserve a palavra para eu poder, em resposta ao sr. ministro, continuar a usar d'ella se o julgar conveniente.
O sr. Ministro da Justiça (Manuel d'Assumpção): - Em poucas palavras responderei ás perguntas com que me honrou o illustre deputado, e transmittirei ao meu collega da fazenda o que s. exa. deseja saber, para que na primeira occasião elle aproveite ensejo de responder-lhe.
Com referencia á dotação do culto e clero, procuro ver se posso conseguir ainda n'esta sessão trazer uma proposta sobre este assumpto. S. exa. reconhece, como eu, que elle é difficil e complicado.
Desde Mousinho da Silveira, desde o decreto que aboliu os dizimos, que se pensa n'este paiz em resolver a questão da dotação do clero. Havia porém muito a fazer para se chegar a este resultado.
Era o primeiro passo a tratar da reducção das dioceses, já está feita: segue-se a fixação dos quadros capitulares e em seguida proceder a uma nova circumscripção parochial. O problema é muito complicado, mas posso assegurar a s. exa. que a elle tenho prestado a minha attenção, por que reconheço a necessidade urgente que ha n'este paiz do melhorar a sorte do clero.
Tenho dito n'esta camara e lá fóra, e repito sempre que se offerece occasião, eu sou catholico, na carta fundamental do meu paiz a religião catholica está declarada religião do estado, é necessario pois dar-lhe as garantias e protecção de que carece. Reconheço, como o illustre deputado, os altos serviços que o clero tem prestado, e os muitissimos que póde ainda prestar. Ao mesmo tempo prezo-me de liberal, á liberdade devo quanto sou, e por ella saberei morrer.
Mas, no meu espirito, religião e liberdade harmonisam-se maravilhosamente, e creio que devemos trabalhar para que estes dois poderosos meios de civilisação se auxiliem e engrandeçam mutuamente.
Com referencia á ultima pergunta que s. exa. me fez, respondo que alguns contratos se têem feito, pelo ministerio da justiça e d'elles enviarei a nota á camara.
O sr. Presidente: - O sr. Luiz José Dias pediu a palavra para responder immediatamente ao sr. ministro da justiça, mas eu não posso conceder a palavra a s. exa., alterando a ordem da inscripção, sem uma resolução especial da camara. Fica por isso s. exa. inscripto na sua altura.
O sr. Conde de Villa Real: - Mando para a mesa um projecto de lei, que tem por fim auctorisar o governo a adjudicar a construcção e exploração de um caminho de ferro da Régua a Chaves.
Vae tambem assignado pelos srs. Eduardo Coelho e Moraes Sarmento, e é apenas a renovação do iniciativa do projecto por mim apresentado na sessão de 8 de junho do anno passado e que infelizmente não alcançou parecer ás respectivas commissões, cabendo sorte igual a um projecto identico, apresentado na mesma sessão pelo sr. Antonio José d'Avila, e que ia assignado por varios membros d'esta camara que militam nas fileiras regeneradoras, entre os quaes o actual sr. ministro da justiça e meu amigo, o sr. Manuel da Assumpção.
Esta ultima circumstancia leva-me a crer, que o malogro da tentativa do anno passado se deve attribuir unicamente ao facto de terem sido os projectos apresentados no fim da sessão e que de melhor resultado será coroada a tentativa que faço este anno, apresentando o projecto quando ainda se não acham constituidas algumas das commissões a cujo exame tem de ser submettido.
Sr. presidente, v. exa. comprehende que não é esta a melhor occasião sara entrar em mais largas considerações; só porventura o projecto for discutido, como espero e muito desejo, então terei occasião de o defender, se for impugnado; hoje limito-me simplesmente a apresentar á camara duas considerações, que me parece muito devem influir para que o projecte a que me refiro seja quanto antes, convertido em lei, e vem a ser, a importante diminuição de receita da linha do Douro, propriedade do estado e por elle explorada, diminuição que convém combater por todos os modos, afigurando-se-me ser a construcção do caminho de ferro da Régua a Chaves, que vae atravessar a parte mais populosa, mais fertil e mais productiva da provincia de Traz os Montes, o mais seguro meio de o conseguir, e que o encargo eventual resultante da condição do garantia de juro, póde perfeitamente deixar de se traduzir em augmento effectivo das despezas, o que facilmente demonstrarei á camara quando se discutir o projecto; não devendo portanto ser invocado o estado bem pouco prospero da fazenda publica como motivo bastante para que, uma região cuja população orça por 200:000 habitantes, e que bem pouco tem beneficiado dos enormes sacrificios que as exigencias do estado lhe têem imposto, continue privada de um melhoramento tão indispensavel para o seu desenvolvimento agricola e industrial.
Passo a ler o projecto que, não vae acompanhado das bases especiaes que d'elle fazem parte integrante, por ter a mesa concordado que bastava referir-me ao Diario da camara em que vem publicado o projecto primitivo, cuja iniciativa venho hoje renovar.
O sr. Lopes Navarro: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Villa Real, pedindo se vote a construcção prompta de um caminho de ferro de via reduzida, a que o sr. conde de Villa Real acaba de alludir, que partindo da linha do Douro, nas proximidades da Régua, siga pelo valle do Corgo até Chaves, servindo assim, entre outros, os importantes concelhos da Régua, Santa Martha de Penaguião, Villa Real, Villa Pouca de Aguiar, Valle Passos e Chaves.
Sobre este assumpto já o anno passado, eu e alguns dos meus collegas apresentámos n'esta casa um projecto de lei, que não póde ser discutido, por ter tido de certo togar a sua apresentação já nos ultimos dias de sessão.
Agora, porém, que estamos por assim dizer no começo da actual sessão parlamentar, pedia á respectiva commissão, que com a maior urgencia desse o seu parecer sobre aquelle projecto, por isso que são altamente justas as rasões com que a camara municipal do concelho de Villa Real fundamenta o seu pedido. (Apoiados.) Não renovo a iniciativa do alludido projecto, por ser desnecessario, visto esta sessão pertencer á mesma legislatura.
Peço por ultimo a v. exa. tenha a bondade de consultar a camara, se permitte que esta representação seja publicada no Diario do governo.
Assim se resolveu.
Teve o destino indicado a pag. 295.
O sr. Agostinho Lucio: - Desejava fazer algumas perguntas ao sr. ministro das obras publicas, sobre a morosidade com que se está offectuando a construcção do caminho de ferro do Algarve; mas como s. exa. não está presente, limito-me a mandar para a mesa um requeri-

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mento, pedindo uma copia dos contratos com os empreiteiros d'aquelle caminho de ferro.
Peço a v. exa. se digne fazer expedir com urgencia este requerimento, porque desejo interpellar o sr. ministro sobre o assumpto a que me refiro.
O requerimento voe publicada na secção competente.
O sr. Mariano de Carvalho: - Pedi a palavra para mandar para a mesa alguns requerimentos, pedindo esclarecimentos ao governo, e desejava ser d'esta vez mais feliz do que fui com os requerimentos, que fiz na sessão de 11 do janeiro, porque até agora só tive uma carta do sr. ministro da marinha dizendo que não podia mandar os documentos pedidos. Dos outros ministerios nem ao menos essa resposta pude ainda obter.
Vão publicados no logar competente.
O sr. Santos Viegas: - Quando ha pouco entrava na sala, ouvi o meu illustre amigo o sr. Luiz José Dias fazer algumas considerações sobre assumptos, para que eu desejava igualmente chamar a attenção do meu nobre e antigo amigo o sr. ministro da justiça. Como, porém, o illustre deputado fez essas considerações, algumas das quaes eu não houvi, reservo-me para mais tarde tratar desenvolvidamente dos assumptos sobre que realmente desejo chamar a attenção do nobre ministro, sendo esse assumpto principalmente o da circumscripção parochial e o da execução da lei de 20 de abril de 1876. Circumstancias, porém, tem havido e que do certo s. exa. o ministro virá a saber, se as não sabe já, que me toem embaraçado de entrar no debate, que eu desejava travar, amigavelmente como é do meu dever, com o nobre ministro da justiça.
E visto que pela primeira vez n'esta casa do parlamento me refiro a s. exa., devo igualmente congratular-me com o illustre ministro por vel-o occupar tão dignamente aquelle logar nos conselhos da corôa; (Muitos apoiados) logar inquestionavelmente ganho com o brilho da sua palavra, com a elevação dos seus conceitos em seus formosissimos discursos, e, sobre tudo, com a excellencia do seu nobilissimo caracter. (Muitos apoiados.)
Depois d'isto, sem querer expor as considerações que poderia fazer sobre os assumptos a que me referi, peço licença para mandar para a mesa um requerimento do general José Maria Tristão, em que pede que as illustres commissões de guerra e de fazenda attendam o requerimento que, pelo mesmo general, lhes foi enviado por intermedio d'esta camara, pedindo melhoria de reforma.
O pretendente diz que fundamentou o seu requerimento em occasião mais opportuna, isto é, quando no anno passado, e não sei se antes, pediu a esta camara que attendesse á justiça da sua causa, como em igualdade de circumstancias tem attendido á causa de outros generaes, que igualmente pediram melhoria de reforma.
V. exa. dignar-se-ha enviar este requerimento ás commissões de fazenda e de guerra para os devidos effeitos, e confio em que a pretensão d'este official-general seja attendida como for de justiça.
O requerimento teve o destino indicado a pag. 296.
O sr. Luciano Cordeiro: - Por parte da commissão parlamentar de emigração, mando para a mesa mais alguns documentos por ella recebidos, em resposta a um dos questionarios que formulou, a fim de que sejam juntos áquelles que ha dias apresentei e que v. exa. enviou para a imprensa nacional, em virtude da resolução da camara.
Chamo a attenção de v. exa. para a urgencia da publicação e distribuição d'estes documentos.
Eu não podia prever a apresentação das propostas do sr. ministro das obras publicas, quando apresentei os primeiros, e já então disse que me parecia que estes documentos importavam subsidio importante para o estudo de questões graves de economia publica, que naturalmente se proporiam á attenção do parlamento na presente sessão.
Depois da apresentação d'aquellas propostas não posso deixar de insistir na publicação urgente dos documentos a que alludo. Encontra-se n'elles lição e informações extremamente interessantes que respeitam a todas as propostas apresentadas pelo sr. ministro das obras publicas, e que elucidam, a meu ver, pratica e por vezes definitivamente, os assumptos sobre que ellas incidem.
Até aqui fallei em nome da commissão parlamentar de que tenho a honra de ser presidente.
Como estou com a palavra, peço licença para enviar para a mesa um projecto de lei que tem por fim corrigir a situação verdadeiramente extraordinaria que se creou ás armas de artilheria e engenheria pela ordem diversa e irregular da promoção dos officiaes com o curso d'aquellas armas, e dos officiaes não habilitados com o curso geral das mesmas. Essa situação é conhecida, e não o é menos a necessidade de a corrigir de prompto. Peço a v. exa. que dê a este projecto o destino que lhe pertence.
Os documentos foram para a secretaria e o projecto fiem para segunda leitura.
O sr. Luiz José Dias: - Pedi apalavra para agradecer ao sr. ministro da justiça as explicações que mo dou, e ao mesmo tempo para fazer votos a fim de que s. exa., que se mostrou animado dos melhores desejo em relação ao assumpto principal, sobre que o interroguei, não esfrio no seu enthusiasmo, nem diminua no seu ardor, conscio de que prestará ao seu paiz um serviço relevantissimo e assignalará com louvor a sua passagem pela pasta da justiça, e ao mesmo tempo para declarar que estimei ouvir da bôca de s. exa. palavras que exprimem a verdadeira doutrina, e que estão em harmonia com as minhas mais profundas convicções e enraizadas crenças pelo que respeita á religião catholica e á sua alliança com os principies da verdadeira o legitima liberdade, que brota do Evangelho como do ramo a flor.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Azevedo Castello Branco: - Pedi a palavra para declarar que abundo nas idéas apresentadas pelos srs. conde de Villa Real e Lopes Navarro com relação ao caminho de ferro de via reduzida entre Villa Real e Chaves.
O sr. conde de Villa Real apresentou um projecto para que o governo pozesse a concurso o caminho de ferro do valle do Corgo. Não é occasião opportuna para discutir a conveniencia d'aquelle projecto; em todo o caso tenho hoje esperanças do que este assumpto seja submettido ao exame da camara, por isso mesmo que me consta que ha um grupo de banqueiros, importante, que deseja construir, sem subsidio do governo essa linha, e que tambem o sr. ministro das obras publicas, n'este mesmo momento, estuda a maneira de conformar, os interesses do estado com os interesses desses banqueiros, devendo ser, dentro de algum tempo, apresentado um projecto de lei para habilitar o governo a abrir concurso. Quando elle venha á discussão eu tratarei mais detidamente do assumpto, e em todo o caso o que desejo é deixar consignado que concordo com as idéas expostas pelo illustres deputado, e que, se não renovei a iniciativa do projecto, foi porque elle é d'esta legislatura, não precisava ser renovado.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Como está presente o sr. ministro da justiça, aproveito a occasião de renovar o pedido que d'este mesmo logar lhe fiz n'uma das anteriores sessões, ácerca do estado em que se encontra o processo do concurso das alfandegas.
Tendo, n'um dos últimos dias e a proposito não sei de que incidente, o sr. ministro da justiça alludido á resposta que não duvidava dar-me logo que eu lh'a exigisse, é este o motivo por que agora renovo o meu pedido, na certeza de que hei de obter da parte de s. exa. es esclarecimentos que desejo.
Como está presente o sr. ministro da marinha, desejo tambem perguntar-lhe se o sr. ministro dos negocios estrangeiros comparece hoje n'esta camara; e, no caso d'elle hoje aqui não comparecer, se o sr. ministro da marinha me

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póde informar se o governo já tem opinião assente e definida ácerca da fórma como ha de proceder para com o parlamento a proposito do tratado de Dahomey.
Mais de uma vez tenho solicitado a presença do sr. ministro dos negocios estrangeiros n'esta casa, tem-me sido respondido que s. exa. continua doente.
Ninguem sente mais do que eu a doença do sr. ministro; desejo-lhe pela minha parte os mais promptos alivios, mas não me parece que a doença de um ministro qualquer possa ou deva privar indefinidamente a camara de obter esclarecimentos ácerca de factos que são da mais alta importancia. (Apoiados.)
Se o sr. ministro está impossibilitado, por motivo de doença, de se occupar dos assumptos da sua pasta, evidentemente deve haver um dos seus collegas que se encarregue de por elle responder á camara, principalmente quando os assumptos, sobre os quaes se requer uma resposta, são classificados de urgentes pelos deputados interpellantes.
Demais sr. presidente, embora os srs. ministros não desejem que para aqui se traga o que diz a imprensa, o que é facto é que corre em publico que o sr. ministros dos negocios estrangeiros não está tão doente que não tenha saído, e mesmo não tenha estado um destes dias no paço. Não sei se este boato é verdadeiro, mas em todo o caso é o que corre, e o que é certo é que pelo menos elle prova não estar a ausencia do sr. ministro nesta camara cabalmente justificada.
Se, porém, o sr. ministro da marinha me pode certificar que o seu collega dos estrangeiros vem hoje á camara, escuso de repetir a minha pergunta; no caso contrario, desejo que s. exa. me informe do que conta o governo fazer a respeito do tratado de protectorado de Dahomey.
Desde que pela ultima vez se alludiu aqui a este assumpto, tem havido repetidas vezes conselhos de ministros, e é provavel, é mesmo certo, que uma questão tão importante se tenha n'elles tratado.
Eu hei de insistir todos os dias para que se me de uma resposta, em que pese aos srs. deputados da maioria e aos srs. ministros; e não é só o meu partido que deseja essa resposta, é tambem o partido progressista, que tem da mesma sorte insistido por ella.
Peço a v. exa. que me inscreva de novo para fazer as considerações que entender necessarias ás palavras do sr. ministro da marinha.
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - Tenho o desprazer de declarar que as noticias dos jornaes são infelizmente inexactas, porque o sr. ministro dos negocios estrangeiros não está melhor, pelo contrario está em tratamento e impossibilitado de sair de casa. Creio que o sr. ministro foi ao paço na terça feira e tencionava vir á camara, mas achou-se peior, e d'ahi por diante não tornou a saír.
Em segundo logar devo dizer ao illustre deputado que, se ha mais tempo não respondi á pergunta de s. exa. e do sr. Elvino de Brito, foi porque, tanto o illustre deputado, como o seu collega, desejavam fazer essa pergunta ao sr. ministro dos negócios estrangeiros, e como eu tinha a esperança de que o sr. ministro podesse vir responder, não quiz antecipar a resposta.
Mas, permitta-me o illustre deputado que lhe observe que, se julgava tão urgente e importante para a camara o saber qual é a opinião do governo, que está perfeitamente assente ha muito tempo, tinha uma occasião excellente, assim como o sr. Elvino de Brito, para fazer com que o governo respondesse cabalmente a todas as suas interrogações, se na discussão do projecto de resposta tivessem notado que no discurso da corôa se não fazia menção de similhante facto. Se s. exa. entendia que d'ahi se deduzia que o governo não tencionava apresentar o tratado ao parlamento, discutindo o projecto de resposta, como fez o seu correlegionario politico, o sr. Elias Garcia, interrogava o governo ácerca de um acto praticado no intervallo da sessão, e obtinha uma resposta ampla, cabal e immediata. (Apoiados.)
Digo ao illustre deputado que a opinião do governo é de ha muito assente, e manifestou-se no discurso da corôa.
O governo entende que as negociações com o rei de Dahomey não são d'aquellas que devem ser presentes ao parlamento para a sua ratificação, porque esse contrato não entra no numero dos tratados que o artigo 1.° do acto addiciocal obriga a trazer ás côrtes para serem ratificados. É esta a opinião do governo, que o illustre deputado póde atacar como entender. Póde s. exa. annunciar uma interpellação, á qual, na ausencia do sr. ministro dos estrangeiros, eu mo darei por habilitado para responder immediatamente, mas o que não póde vir dizer com verdade é que o governo não tem opinião segura a este respeito, quando essa opinião estava claramente exarada no discurso da corôa. (Apoiados.)
Aproveito a occasião para mandar para a mesa uma proposta de lei fixando a força naval.
Leu-se na mesa a seguinte

Proposta de lei n.° 6-F

Artigo 1.° A força naval para o anno economico de 1886-1887 é fixada em 3:061 praças distribuídas por um navio couraçado; tres corvetas e dez canhoneiras de vapor; dois vapores; uma lancha; dois transportes; uma fragata, escola pratica de artilheria naval; duas corvetas, escolas do alumnos marinheiros, e um rebocador.
Art. 2.° O numero e qualidade dos navios armados podem variar, segundo o exigir a conveniencia do serviço, comtanto que a despeza não exceda a que for votada para a força que se auctorisa.
Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 5 de fevereiro de 1SSQ. = Manuel Pinheiro Chagas.
Á commissão de marinha.

O sr. Ministro da Justiça (Manuel da Assumpção): - Effectivamente já ha dias podia responder á pergunta com que me honrou o illustre deputado, o sr. Consiglieri Pedroso.
O processo a que s. exa. se referiu não tem tido andamento. Procedeu-se ao acto de exame do corpo de delicto indirecto. O ministerio publico entendeu que precisava tambem do exame directo em varios documentos que solicitou do procurador regio. Foram pedidos esses documentos á procuradoria geral da coroa, e ainda não tinham sido enviados.
Este facto ainda não chegara ao conhecimento do ministerio da justiça, porque, como s. exa. sabe, para ali não se dá conta d'essas promoções.
Em virtude da solicitação feita pelo illustre deputado, mandei saber o estado em que o processo estava, o ordenei ao procurador regio que solicitasse immediatamente da procuradoria geral da corôa todos os documentos que lhe foram pedidos, e promovesse de modo que o processo tivesse andamento rapido, nos termos da lei. E assim se fez. (Apoiados.)
O sr. Goes Pinto: - Mando para a mesa uma justificação de falta e uma declaração de voto.
Vão publicados nos logares competentes.
O sr. Ferreira de Almeida: - Uso da palavra para dirigir a s. exa. o sr. ministro da marinha duas perguntas, e, ouvida a resposta de s. exa., farei as observações que julgar convenientes se a camara o permittir.
As perguntas são as seguintes:
1.ª Com que graduação vae desempenhar o logar de chefe da divisão naval da Africa occidental o contra-almirante supranumerario Teixeira da Silva.
2.º Que commissão esteve desempenhando á disposição

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da direcção geral do ultramar desde a sua exoneração em 3 de abril de 1864 até hoje.
Ouvidas as respostas do sr. ministro, peço a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que eu faça quaesquer considerações.
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - Respondendo ao illustre deputado que me precedeu, devo dizer que o sr. contra-almirante Teixeira da Silva, exonerado em 1884, para ser encarregado de outra commissão de serviço, continua á disposição do ministerio do ultramar, e não regressou ainda ao posto de capitão de mar e guerra, apesar de não ter completado o tempo de tres annos de serviço no ultramar, porque, estando pendente a questão da sua nova collocação, não valia a pena fazer lhe perder o posto de contra-almirante para o reassumir dentro em pouco.
Devia ainda dizer que este official, desde a data da sua exoneração até hoje, não esteve exercendo commissão alguma; esteve á disposição da direcção geral do ultramar, porque a commissão para a qual o governo tenciona nomeal-o não pôde realisar-se immediatamente.
O sr. Presidente: - O sr. deputado Ferreira de Almeida pediu que se consultasse a camara sobre se permittia que s. exa. usasse da palavra logo em seguida ao sr. ministro da marinha.
Vozes: - Falle, Falle.
O sr. Presidente: - Em vista da manifestação da camara tem o illustre deputado a palavra.
O sr. Ferreira de Almeida: -Disse que achava extraordinaria a resposta do sr. ministro da marinha, e observou que o official em questão, tendo sido promovido em 1883 a contra-almirante, segundo o decreto de 10 de setembro de 1846, e exonerado em abril de 1864, não completara o tempo minimo da commissão de tres annos no ultramar marcado na lei, para ter direito ao posto e seus vencimentos, e que lei alguma concedia o posto do supranumerario a um official por estar á disposição da direcção geral do ultramar. Que o sr. ministro declarando que elle estivera ali durante dois annos sem commissão, tomava mais flagrante o favoritismo com que um official percebia vencimentos, que lei alguma auctorisa; que os decretos de 30 do dezembro do 1868, que regulam a situação dos officiaes e seus vencimentos, não prevêm, nem estabelecem similhante situação, e que, portanto, o ministro tinha incorrido nas disposições do artigo 16.° d'um d'esses decretos, que o accusam do crime de peculato e concussão por auctorisar abonos e adiantamentos em condições não designadas na lei.
Que um governo, que dava tal elasticidade ás despezas, e com tal favoritismo, não tinha auctoridade para pedir ao paiz mais elasticidade nos impostos, e como exemplo, apresentou dois factos, um de um alferes que ganha como major, e outro a do secretario da escola naval, cujo Jogar o próprio ministro pretende supprimir por dispensavel com o seu projecto de reorganisação da escola naval, mas que provisoriamente tem um acrescimo de gratificação superior á dos professores da mesma escola, que accumulem serviço.
Que a illegitimidade da situação do contra-almirante Teixeira da Silva se provava ainda pela informação da direcção geral da marinha, que dizia, que este official «não póde exercer commissão propriamente de marinha sem reverter ao posto de capitão de mar e guerra.»
Que d'esta fórma os actos do ministro estavam em conflicto com as informações officiaes auctorisadas, e que sendo s. exa., quando opposição, de parecer que se não podia confiar nos orçamentos apresentados pelo governo, agora os actos da sua gerencia em conflicto com a lei, com as informações officiaes, e até com as suas proprias propostas, mostravam qual a confiança que a camara e o paiz podia ter na administração de s. exa.
(O discurso na integra, será publicado quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - A camara tambem avaliará o procedimento nobre e generoso do illustre deputado, vindo aqui de um modo imprevisto fazer-me censuras, apreciando a seu modo os documentos que obtém, sem me dar tempo a habilitar-me a responder munido com os competentes documentos. (Apoiados.)
S. exa. d'isso que eram simples incidentes e foi fazendo accusações. Eu confesso que em relação a alguns pontos não estou habilitado a responder desde já, como, por exemplo, em relação ao sr. Sá, aquém o illustre deputado se referiu como sendo por mim protegido escandalosamente, e que eu debaixo da minha palavra de honra posso affiançar á camara que nem sei quem é.
Estou prompto a responder, não só a s. exa., mas a todos os srs. deputados, comtanto que formulem as suas interpellações. Logo que o façam, estou prompto para responder immediatamente a ellas.
(Sussurro.)
O sr. Elvino de Brito: - Já annunciei duas interpellações a s. exa.
O Orador: - E eu já me dei por habilitado para responder a ellas quando a presidencia as der para ordem do dia. (Dirigindo-se ao sr. presidente.) V. exa. faz-me muitissimo favor se der para ordem do dia de ámanhã ou de segunda feira as duas interpellações do sr. Elvino de Brito, que são como os mandamentos da lei de Deus, encerram-se em duas e são muitas. (Riso.)
Entro os factos citados pelo sr. Ferreira de Almeida, com relação a este sr. Sá ha um em que s. exa. fez grande forca, que é um projecto apresentado a respeito d'esse official, que eu não sei quem é, como já disse, e em quem ouço fallar pela primeira vez.
Vozes: - Então não assignou o documento?!
O Orador: - Se v. exa. fallassem só tres de cada vez, poderia responder-lhes. Fallando vinte ao mesmo tempo, não é possível a resposta. (Apoiados.)
Uma das gratificações que o illustre deputado censurou lentos da escola naval por accumulação de cadeiras.
O sr. Ferreira de Almeida: - Não censurei, fiz o parallelo.
O Orador: - Fez o parallelo?!...
Pois s. exa. não citou o facto, e não me censurou por elle?!...
Pois s. exa. não me censurou pela circumstancia de eu conceder gratificação por accumulação de cadeiras, que é de lei, e nada mais?!...
Pois s. exa. não me censurou por isto?!...
Depois a gratificação dada por serviços extraordinarios ao secretario da escola naval, que não sei se na opinião de s. exa. é meu amigo politico, foi um acto do favoritismo que eu quiz praticar em favor d'aquelle funccionario!
O sr. secretario da escola naval recebeu gratificação por trabalhos extraordinarios, porque teve effectivamente trabalhos extraordinarios; porque fez trabalhos que não tinha obrigação de fazer, e foram a organisação de muitas serviços que n'aquella escola estavam desorganisados.
Não quero alludir aos motivos por que esses serviços estavam deserdonisados, mas esses motivos eliminei-os eu.
O sr. secretario da escola naval vence o soldo e a gratificação da sua patente, porque a lei lh'os concede, e está n'aquelle logar, porque a lei não o aboliu.
Quando uma nova lei o abolir, seguir-se-ha outro regimen; mas, emquanto não succeder assim, elle não é obrigado a fazer trabalhos que não lhe competirem sem gratificação. (Apoiados.)
É o illustre deputado, que pede tantos e tão variados documentos, e cita tanto o regulamento de contabilidade, não viu ainda que eu não tenho excedido as verbas orçamentaes n'este ponto.
Se excedesse essas verbas, teria em frente de mim o tribunal de contas, que não visava de certo as ordens de pa

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gamento, e por isso não comprehendo que s. exa. diga que eu faço pagar gratificações illegaes quando não póde citar uma ordem minha que não tenha sido visada pelo tribunal de contas, e quando não póde citar o facto de me ter sido preciso lançar mão do meio que a lei me facultava de recorrer ao conselho de ministros para ordenar áquelle tribunal que pozesse o visto em alguma ordem de pagamento. (Apoiados.)
Agora, referindo-me mais especialmente á questão do sr. Teixeira da Silva, observarei que o illustre deputado se enganou completamente.
O illustre deputado, que pede tantos documentos, errou n'este ponto.
O sr. Teixeira da Silva não recebia gratificação.
O sr. Teixeira da Silva recebia o soldo de contra-almirante, e entre o soldo de contra-almirante e o soldo e gratificação do posto de capitão de mar e guerra creio que o illustre deputado não hesitava, creio que o illustre deputado optava logo pelo soldo o gratificação do capitão de mar e guerra, que constituem uma somma muito mais avultada do que a do soldo de contra-almirante.
Já vê o illustre deputado que se enganou redondamente no ponto capital da sua accusação.
S. exa. citou o facto do sr. Teixeira da Silva não exercer commissão alguma, e apesar d'isso, não se lhe tirar o posto de contra-almirante por não ter concluido o tempo da commissão.
Não discuto agora se isto está ou não dentro das formulas legaes.
Mas sei que o precedente que posso invocar para o modo por que procedi, não pode ser suspeito para o illustre deputado; é o precedente do sr. Francisco Maria da Cunha, seu correligionário, e que v. exa., de certo, considera como todos nós.
O sr. Francisco Maria da Cunha veíu do ultramar, sem ter completado o tempo necessario para ganhar o posto, e não se lhe retirou o posto, foi dirigir o collegio militar. (Apoiados.)
Disse o illustre deputado que nem a direcção do ultramar, nem o Terreiro do Paço, é o ultramar; mas, segundo parece, o ultramar é a Luz. (Riso.)
Por consequencia, foi por motivo d'esse precedente, que não ousei obrigar o sr. Teixeira da Silva a arrancar os galões de contra-almirante, quando a final de contas vae exercer uma commissão a que a lei dava gratificação e comedorias iguaes aos capitães do mar e guerra e aos contra-almirantes.
O sr. Ferreira de Almeida: - Mas tenho aqui documentos do secretario, que estão em contradição com o que v. exa. affirma, a informação da repartição.
(Leu.)
O Orador:- Sim, senhor, a repartição informou assim, e eu despachei contra a informação da repartição. A repartição não podia basear se em precedentes.
Eu é que entendi que não devia arrancar ao sr. Teixeira da Silva os galões de contra almirante, em vista do precedente estabelecido com o sr. Francisco Maria da Cunha, posto que nem o illustre deputado, nem os seus correligionarios se lembraram do censurar. (Muitos apoiados.)
Tenho a consciencia plenissima do que em nada prejudiquei os interesses da fazenda, nem prejudiquei os interesses da marinha, quando nomeei para a divisão naval da Africa occidental um dos officiaes mais respeitados por todos, e que tem competencia bastante para representar o paiz na commissão que lhe é confiada.
Tencionava nomeal-o para a commissão internacional do Zaire, que ainda se não constituiu. E, se tive culpa em conservar a este official o vencimento de contra-almirante, eu mostrarei ao illustre deputado que tenho muitos companheiros de culpa.
Mas o illustre deputado accusava-me por lhe ter conservado todos os vencimentos, e a verdade é que, se conservou o soldo, gratificação não a recebeu nunca o sr. Teixeira da Silva. (Muitos apoiados,)
Vozes: - Muito bem.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Pedi a palavra para responder aos srs. ministros da justiça e da marinha, e é o que farei n'este momento do modo mais succinto possivel.
Não entrarei na questão levantada pelo sr. Ferreira de Almeida; o sr. ministro da marinha está perfeitamente entregue ao meu illustre collega da opposição, e opportunamente elle saberá deslindar com s. exa. este assumpto.
Mas permitta-me v. exa., sr. presidente, que accentue bem a minha estranheza, de que um ministro da corôa venha dizer que absolutamente desconhece o empregado a quem elle arbitrou durante annos uma gratificação! Este facto é muito curioso e muito excepcional para se deixar passar sem um reparo; e eu insisto n'elle, para que fique nos nossos annaes consignado. A seu tempo lhe tiraremos a moralidade! (Apoiados.)
Mas não entrarei nesta questão; o sr. Ferreira de Almeida, quando tiver novamente a palavra sobre o assumpto, responderá, e eu não quero affastar-me do meu caminho. Ora o meu caminho e responder ao sr. ministro da marinha no que diz respeito á declaração que acaba de fazer, de que o governo não apresentará o tratado do protectorado de Dahomey ás côrtes; e responder tambem ao sr. ministro da justiça.
A resposta ao sr. ministro da marinha seria desde já apresentar a seguinte nota de interpellação:
Desejo interpellar, n'uma das proximas sessões, o sr. ministro dos negocios estrangeiros ou o sr. ministro da marinha ácerca da não apresentação ao parlamento do tratado do protectorado de Dahomey, em menosprezo do preceito constitucional do artigo 10.° do acto addicional, e bem assim ácerca do conteúdo d'este instrumento diplomatico.
Entretanto não apresentarei esta nota de interpellação sem que por parte do sr. ministro da marinha, ou por parte de algum membro do ministerio, me seja assegurado que o governo virá responder promptamente a esta interpellação.
(Interrupção.)
Não se admirem os illustres deputados da maioria d'esta minha asserção, que é corroborada pelos factos da sessão inteira do anno passado. (Apoiados.)
Annunciei durante a sessão do anno passado, que durou seis ou sete mezes, seis ou sete interpellações e para nenhuma d'ellas os srs. ministros se deram por habilitados!
Já n'esta mesma sessão apresentei uma nota de interpellação bem facil do ser respondida, e para a qual não é necessario exame especial de numerosos documentos da parte do ministro respectivo, e no entretanto ainda esse ministro se não deu por habilitado.
Não fallo no sr. ministro da justiça, seja dita a verdade, que ha pouco me declarou estar prompto a responder á interpellação que a respeito de um acto do seu ministerio eu aqui annunciei.
Mas se o conteúdo da resposta do sr. ministro da marinha é para ser tratado em sessão especial pela sua excepcional gravidade, é este comtudo o momento de desde já declarar a s. exa. que é curiosa a sua affirmação, de que os ministros ha muito que têem uma opinião sobre o assumpto; porque, tendo eu interrogado por mais de uma vez o governo sobre se já tinha juizo formado a respeito do modo como devia proceder para com o parlamento em relação ao tratado de Dahomey, foi-me sempre respondido pelos srs. ministros da marinha e da justiça, com evasivas, que bem significavam que o governo não podia dar uma resposta definitiva, porque ainda não tinha sobre o assumpto opinião assente.
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): -

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Porque não tinha opinião assente? Parece-me que v. exa. está illudido.
O Orador: - A prova de que não estou illudido, é que se porventura o governo tivesse logo dito qual era a são, opinião, os deputados da opposição não teriam estado a insistir todos os dias sobre o assumpto. (Apoiados.)
Assim, se o governo me disser que vem responder a esta interpellação, não tenho duvida em mandar a respectiva nota para a mesa.
A resposta que me compete dar ao sr. ministro da justiça é a seguinte: agradeço ao sr. ministro da justiça actual (peço á camara que tome nota d'estas minhas palavras), a promptidão com que diz se prestou a promover o rapido andamento do processo das alfandegas. Da parte de s. exa. esse procedimento prova que comprehende bem a gravidade do assumpto a que me refiro, e colloca o na situação de que nenhum ministro deveria querer saír; infelizmente a attitude correcta do sr. ministro da justiça, é não só uma censura pungente ao seu antecessor, mas tambem a um dos mais altos funccionarios do estado, a quem n'este momento, em virtude das palavras que acabo de ouvir, tenho o direito de accusar.
E como não hei de accusar o procurador geral da corôa, se elle, segundo a confissão do sr. ministro, durante dois annos se negou a satisfazer os pedidos do procurador regio, não lhe enviando os documentos que eram indispensaveis, para se fazer a luz em um processo tão importante. processo que tinha sido debatido n'esta mesma camara em uma memoravel sessão em que ficou empenhada a honra politica do sr. ministro da fazenda?!
Não é licito, sr. presidente, a um alto empregado da nação, que tem funcções tão graves e tão melindrosas a exercer, como é o procurador geral da corôa, constituir-se em um novo poder do estado, que ninguem conhece e que a constituição não define, para dar amnistia por sua conta a criminosos, cujo destino só deve depender do poder judicial, quando este tenha pronunciado o seu veredictum.
É triste que d'aquellas cadeiras se digam palavras como estas:
«Vae-se promover o andamento do processo»... depois de dois annos decorridos sobre a declaração do sr. Ministro da fazenda de que esse processo estava entregue já então á rapida acção da justiça!...
Não chamo evasiva a similhantes palavras hoje, porque acredito na boa fé do sr. ministro da justiça até prova em contrario; mas insisto em que n'esta declaração vão uma accusação pungentissima ao governo, que ha dois annos tem estado a illudir a camara, ludibriando-a com promessas que nunca teve intenção de cumprir.
Quando o sr. Mariano de Carvalho em 1883 exigia a apresentação ao parlamento dos documentos do concurso falsificado, o sr. ministro da fazenda respondia que não podia mandar buscar ao procurador geral da corôa esses documentos, porque não queria demorar nem um instante a punição dos criminosos!
Pois se o sr. ministro se comprometteu solemnemente ha dois annos perante o parlamento, a que somem e lhe negava a apreciação dos documentos para os entregar a um poder mais imparcial, mais severo e mais augusto, e para que principalmente o processo instaurado sobre esses documentos se podesse decidir em mais breve tempo, como é agora que se sabe, por declaração official do governo, que o sr. procurador geral da corôa teve estes documentos em seu poder durante dois annos, e que por sua causa não pôde ter o processo até hoje andamento?! Isto é extraordinario!
(Pausa.)
V. exa. fez agora um movimento negativo, pelo qual parece não dar assentimento completo a uma das minhas asserções, mas creio que a resposta de v. exa. foi perfeitamente clara e categorica e que está em harmonia absoluta com as deducções que d'ella tirei.
Disse s. exa., e insisto com intenção neste ponto, que o procurador regio pedíra ao procurador geral da corôa alguns documentos indispensaveis, que estavam em seu puder, que esses documentos lhe não tinham sido até hoje enviados, e que s. exa. encontrára portanto o processo sem andamento. Disse mais s. exa. que dera ordens terminantes para que o mesmo processo continuasse.
Foi esta a resposta de s. exa.
Pois bem, louvo o procedimento de s. exa., ainda que tal procedimento não é mais do que o cumprimento de um dever da parte do sr. ministro; mas não posso deixar de notar, repito, que esta correcção de proceder da parte do sr. ministro da justiça actuai, é a mais pungente accusação aos seus collegas, que durante dois annos não souberam obrigar um empregado, embora altamente collocado, a cumprir com o seu dever, porque o procurador geral da corôa, e não me refiro agora a pessoas, refiro-me a entidades officiaes, esta entidade - procurador geral da corôa - é o expediente mais facil e mais commodo que todos os ministros têem, quando se vêem embaraçados n'alguma questão importante! (Apoiados.)
Ha, por exemplo, não certos documentos sobre um assumpto grave, de que os deputados da opposição carecem, mas que extremamente compromettem um determinado ministro ou alguns dos e seus amigos, vem o governo e diz: Esses documentos estão affectos ao procurador geral da corôa!»
E não ha meio de os arrancar d'aquelle limbo!
Pois se até já o sr. ministro da fazenda se lembrou de sustentar com toda a seriedade que o procurador geral da corôa é o poder judicial! quando este funccionario não é mais do que o chefe do ministerio publico!
Ora, quando taes heresias constitucionaes se sustentam e se defendem, unicamente para se ganhar tempo e se furtarem á apreciação dos deputados da opposição alguns documentos indispensaveis, o que havemos de dizer ou fazer agora, quando vemos caír o véu que encobria esse estratagema, improprio de um governo que se préza, e conhecemos que ao cabo de dois annos temos de renovar, talvez com identica sorte, as nossas instancias, para que emfim a justiça se faça e seja dada uma satisfação á opinião publica offendida?
Entretanto, creia o sr. ministro que não me esqueço da sua promessa!
Tenho dito.
O sr. Ministro da Justiça (Manuel d'Assumpção): - Posso assegurar ao illustre deputado que hei de esforçar-me, quanto caiba em mim, quanto suggerir a minha consciencia, para que s. exa. se não veja obrigado nunca a ensinar me a cumprir o meu dever. (Apoiados.)
Hei de empenhar todos os esforços; e no dia em que me persuadir de que não posso cumprir o meu dever, não precisarei que mo obrigue a retirar-me d'aqui; saberei cumprir os dictames da minha consciencia. (Vozes: - Muito bem.)
Eu não acceitei as asserções do illustre deputado, porque me parece que s. exa. foi injusto para com um alto funccionario, respeitado pelo seu caracter, (Apoiados.) pelo seu saber...
O sr. Consiglieri Pedroso: - Eu não me referi a pessoas; referi-me á entidade.
O Orador: - Eu tambem não cito nomes; fallo da entidade; e nem preciso recordar que o cavalheiro que exerce as funcções de procurador geral da corôa é um caracter tão respeitavel pelas tuas qualidades moraes, pelo seu sabor, tão prompto sempre no cumprimento dos seus deveres, (Apoiadas.) que eu nem tenho precisão de defendel-o. (Apoiados.)
Elle não só negou nunca a mandar documento algum; cumpriu o seu dever, remettendo immediatamente para o poder judicial os documentos precisos para se instaurar o

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processo. Instaurou-se o processo, seguiu os termos regulares. O delegado do procurador regio entendeu porém que precisava de alguns outros documentos para esclarecer o corpo de delicto, e pediu-os. Esses documentos tinham de ser enviados pela procuradoria geral da corôa, mas não eram documentos que estivessem na procuradoria geral da corôa, era preciso pedil-os a outras estações, e muito diversas. Não sei as rasões porque se tem demorado a remessa, mas hei de sabel-as; e o illustre deputado verá que não ha de ter motivo para accusar o procurador geral da corôa.
Tambem o illustre deputado não tem rasão quando accusa os meus antecessores de não terem dado a este negocio toda a attenção. Os ministros da justiça não toem a seu cargo regular as promoções que nos tribunaes judiciaes fazem os magistrados competentes.
Não são enviadas para o ministerio da justiça notas de andamento dos processos. Só quando ha alguma reclamação ácerca de um funccionario qualquer, de qualquer magistrado, sobre o cumprimento dos sem deveres, é que o ministro manda investigar, para determinar depois o que for conveniente e foi exactamente o que eu fiz.
Não tenho mais nada a dizer.
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - Pedi a palavra simplesmente fiara dizer ao illustre deputado o sr. Consiglieri Pedroso, que posso assegurar lhe que o governo será prompto em responder á interpellação de s. exa. Simplesmente não está presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros, a quem s. exa. quer dirigir a sua interpellação; mas se o illustre deputado quizesse dirigir a sua interpellação ao ministro da marinha, eu poderia responder-lhe immediatamente.
O sr. Consiglieri Pedroso: - V. exa. não tem então duvida em declarar se habilitado para responder á interpellação?
O Orador: - Nenhuma.
Agora muito de relanço, direi apenas ao illustre deputado, quanto á estranheza que lhe causou o eu ignorar o nome de um funccionario do meu ministerio, que para ser agradavel ao illustre deputado, irei de hoje em diante decorar a lista da armada, para conhecer o nome do todos os officiaes de marinha. (Riso.)
O sr. Eduardo Coelho: - Eu tinha pedido a palavra para quando estivesse presente o sr. ministro do reino. Como, porém, a sessão vae muito adiantada e s. exa. não compareceu ainda, pedi novamente a palavra, e vou usar d'ella para dirigir uma pergunta ao sr. ministro da justiça.
O sr. ministro das obras publicas apresentou uma serie de projectos de lei, da sua iniciativa, e entre elles um, que profundamente modifica a emphyteuse, e escuso de encarecer á camara a importancia do assumpto.
Convertida em lei similhante proposta, fica alterado e revogado o codigo civil em muitos artigos; póde dizer-se que isto faz uma como revolução n'esta parte do codigo, o que não póde fazer-se com precipitação, e quero acreditar que á apresentação da proposta de lei procedeu serio estudo e muita reflexão.
É certo que a lei de 1 de julho do 1867, no artigo 7.°, se bem me recordo, creou uma commissão de jurisconsultos, encarregados de dar parecer sobre as alterações que conviria para o futuro fazer no codigo.
Ninguem desconhece que, posteriormente á lei de 1 de julho de 1867, se providenciou de modo a tornar proveitosa a commissão, de que falla o artigo 7.° da lei de 1 de julho citada.
Havendo, pois, urna proposta de lei, que altera profundamente o codigo civil, pergunto ao sr. ministro da justiça:
Foi ouvida essa commissão de jurisconsultos sobre a proposta, que altera a emphyteuse?
Pergunto ainda ao sr. ministro da justiça:
As propostas do sr. ministro das obras publicas foram discutidas e approvadas em conselho de ministros?
Bem sei que o sr. ministro da justiça póde invocar o principio da solidariedade ministerial; mas a isso tenho a oppor, que não é indifferente saber-se, que certas e determinadas propostas foram ou não discutidas e approvadas em conselho de ministros. (Apoiados.)
Tambem desejo saber por que motivo não apparece a assignatura de s. exa. na proposta de lei, que altera profundamente o codigo civil.
Não se tem feito, não convem que se faça, o que agora faz o sr. ministro das obras publicas, e se o principio é bom, segue-se que tem sido pessima a pratica usada até agora.
Figuram sempre nas propostas de lei as assignaturas dos ministros, quando essas propostas alteram profundamente os serviços publicos, ou quaesquer leis anteriores, que directamente dizem respeito aos seus ministerios.
O contrario disto é irregular e anomalo. (Apoiados.)
Aproveito a occasião para mandar para a mesa a representação de um empregado fiscal, na qual se queixa de ser aposentado em condições injustas; a representação está escripta em linguagem respeitosa e urbana, e por isso a envio para a mesa.
Peço a v. exa. se digne envial-a á respectiva commissão, para ella a considerar como entender que é de justiça.
Tenho dito.
Teve o destino indicado a pag. 296.
O sr. Ministro da Justiça (Manuel da Assumpção): - Declarou que, tendo o sr. deputado ouvido a resposta que já dera ás suas duas ultimas perguntas o sr. ministro das obras publicas, só tinha por isso a declarar que fazia suas as palavras do seu collega.
E quanto á pergunta sobre se fôra ouvida a commissão especial, tinha a declarar que não fôra ouvida.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Vae ler-se para entrar era discussão o projecto que está dado para ordem do dia.
Leu-se na mesa o

PROJECTO DE LEI N.° 5

Senhores. - A proposta de lei n.° 1-F, da iniciativa do illustre ministro da justiça, apesar dos seus traços singelos e despretenciosos, é uma medida de incontestavel e manifesta utilidade, de caracter absolutamente pratico, e de verdadeiro alcance moral. E se não resolve definitivamente um problema cuja solução a cada passo vemos reclamar com a maxima urgencia, satisfaz de prompto ás necessidades, as mais instantes, e por fórma pouco despendiosa para o thesouro publico.
A cidade de Lisboa possue, como é sabido, duas cadeias civis para os réus do sexo masculino, a cadeia geral penitenciaria do districto da relação, e o Limoeiro; aquella destinada ao cumprimento da pena de prisão cellular maior, a outra occupada pelos réus em prisão preventiva, e pelos que soffrem prisão correccional.
O Limoeiro, descripto com tão vivo colorido no relatorio que precede a proposta de lei, é uma verdadeira mansão da miséria e do vicio, talvez o padrão mais ignominioso do nosso atrazo em certos ramos de administração publica.
A sua substituição por uma penitenciaria districtal é facto ha muito previsto na lei, mas até hoje sem o menor começo de realisação. E seja qual for a boa vontade dos poderes publicos n'este ponto, alguns annos terão fatalmente de decorrer, antes da effectiva conquista de tão indispensavel melhoramento.
Ao contrario porém do que succede com o Limoeiro, a pe-

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nitenciaria geral é uma prisão recentemente construida, de largas proporções, e possuindo os requisitos necessarios para inteira realisação das nobres e generosas aspirações das modernas theorias de direito penal. Uma parte consideravel do edificio está ainda desoccupada. Portanto a idéa de a aproveitar para remedio, ainda que provisorio, das difficuldades de momento, não póde deixar de merecer o applauso e a approvação d'esta commissão, como de certo a merecerá de toda a camara.
Estatuindo-se, porém, que a prisão preventiva até hoje soffrida no Limoeiro o seja de futuro na cadeia geral penitenciaria, necessario se tornava acautelar, que uma tal determinação não fosse prejudicar o fim principal, a que o referido estabelecimento é destinado.
No artigo 1.°, como vereis, fica claramente traduzida uma tal necessidade.
Nada se preceitua quanto ao regimen, a que deverão ficar sujeitos os réus em prisão preventiva, por motivo desse facto estar devidamente regulamentado nos §§ 1.° e 2.° do artigo 59.° da lei de 1 de julho de 1867.
Parece, pois, á vossa commissão de legislação criminal, que é digno de ser approvado o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Emquanto houver espaço disponivel, sem restringir a admissão de réus para cumprimento das penas de prisão maior cellular, terá logar na cadeia geral penitenciaria do districto da relação de Lisboa a execução do disposto no artigo 59.° da lei de 1 de julho de 1867, com referencia aos réus indiciados e aos ainda não definitivamente condemnados por crimes a que correspondam penas maiores, que forem da comarca de Lisboa, ou venham de outras comarcas acompanhando os seus processos, e por motivo de segurança.
Art. 2.° Os réus actualmente retidos na cadeia civil de Lisboa, que estiverem nas condições do artigo antecedente, serão removidos para a cadeia geral penitenciaria.
Art. 3.° Os réus que em virtude das disposições d'esta lei forem detidos na cadeia geral penitenciaria, não pagarão ali quantia alguma a titulo de salario de carcereiro.
Art. 4.º Logo que esteja construída a cadeia districtal de Lisboa deixará de vigorar a presente lei.
Art. 5.° Fica o governo auctorisado a nomear mais dez guardas para a cadeia geral penitenciaria, sendo tres de 1.ª classe e sete de 2.ª
Art. 6.° É revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões da commissão, 20 de janeiro de 1886. = José Dias Ferreira = Correia Barata = João Arroyo = Firmino J. Lopes = Pereira Leite = Teixeira de Vasconcellos = Marçal Pacheco = Moraes Carvalho = Agostinho Lucio = José Novaes = Franco Castello Branco, relator.

Na parte em que é chamada a dar o seu parecer, a commissão de fazenda não tem que oppor á proposta de lei n.° 1-F.
Sala da commissão de fazenda, aos 27 de janeiro de 1886.= José Dias Ferreira = Franco Castello Branco = Pedro de Carvalho = Lopes Navarro = Adolpho Pimentel = Moraes Carvalho = Marçal Pacheco = João Arroyo = Correia Barata = Luciano Cordeiro = Augusto Poppe = Arthur Hintze Ribeiro = Antonio M. P. Carrilho.

N.º 1-F

Senhores.- A cadeia civil de Lisboa, conhecida pelo nome tradicional de Limoeiro, é um estabelecimento perigoso, onde manifestamente será impossivel realisar os fins de justiça e moralidade a que são destinadas as prisões nos paizes civilisados.
Quem de perto a examina assombra se por ver que n'uma cidade como Lisboa se consente ainda a existencia legal de tal monstruosidade.
É absolutamente necessario extinguil-a.
Está ali uma escola do crime, um poderoso agente de desmoralisação. A promiscuidade do vicio, o contacto da miseria, a convivencia forçada entre malfeitores, o ensino mutuo da maldade, o contagio do odio, o espectaculo constante de homens em que desesperos de soffrimentos e as revoltas do crime suffocam os bons instinctos, transformam aquella habitação de tristezas n'um antro medonho e fatal para todos aquelles a quem a desgraça ali arremessou.
No tempo em que serviam as cadeias apenas de estancias no caminho do cadafalso ou de masmorras para torturas, onde amontoavam os expulsos da sociedade para d'elles tirar só a legal vingança: quando punir era simplesmente castigar, e todas as miserias que formavam o funebro cortejo da pena se julgavam necessarias para inspirar o pavor do castigo; talvez podesse tolerar-se uma prisão nas condições em que se encontra a do Limoeiro.
Hoje, porém, que se procura realisar um fim piedoso e santo, como é o da regeneração do criminoso, ordena a justiça que seja a prisão uma escola de moralidade, onde o turbulento aprenda a respeitar a ordem, onde o vicioso a regrar a vida, o arrebatado a soffrear seus impetos; o criminoso a ter horror do crime.
É indispensavel que os delinquentes encontrem ali exemplos de virtude que os commovam, e consolos da religião que os suavisem; para que lhes desperte a consciencia á voz do dever; o espirito se lhes illumine pela contemplação do bem; o animo se lhes pacifique com os balsamos da esperança, o domados pelo respeito, vencidos pelo direito, remidos pela expiação, possam voltar contrictos ao seio da sociedade, que respeita o homem ainda no criminoso.
Mas como poderá isto alcançar-se n'uma prisão como a do Limoeiro, onde até hoje se não logrou nem manter a ordem nem impedir o crime? Que lições de honestidade e de virtude podem apparecer entre criminosos cujo viver é immoral, licenciosa e torpe a linguagem, fazendo gala do crime e jactancia da desvergonha? Que educação moral ha de encontrar-se onde é livre a embriaguez, quasi constante o jogo, frequentes as desordens, e clara ou occultamente se pratica quanto póde perverter o homem, empanar a consciencia, apagar o brio, asphyxiar a honra, atrophiar os bons instinctos?
N'aquella prisão fabrica-se moeda falsa, falsificam-se firmas commerciaes em títulos de credito, angariam se e adestram se falsas testemunhas, planeiam-se e combinam-se crimes, recebem só e occultam-se objectos illicitamente adquiridos, andam os presos armados como salteadores no ermo, commettem-se assassinatos, evadem-se os criminosos, e é tal a atmosphera de criminalidade que lá se respira, que poucas noites passadas n'aquelle covil têem sido, por mais de uma vez, bastantes para transformar em grave criminoso o homem honesto que por leve falta fôra detido.
Se abstrahindo, porém, d'estes factos a piedade move a observar o estado material em que se encontram os infelizes reclusos na lobrega cadeia, confrange-se o coração ao deparar com ignoto quadro das maiores miserias. Immunda a casa, infecta, glacial; sem ar, sem luz; os presos agglomerados aos centos em estreitos recintos onde apenas cabem; andrajosos, esqualidos, mal alimentados, dormindo no lagodo das salas ou na lama das enxovias, similham no aspecto, no viver, no soffrimento, os habitantes d'aquella mansão funesta onde acabam todas as esperanças.
A justiça, a moral, a caridade não permittem aguardar a construcção de novas prisões para pôr fim aos horrores do Limoeiro. A proposta que tenho a honra de apresentar á vossa illustrada apreciação é o primeiro passo para alcançar este resultado.
A lei de 1 de julho de 18G7 ordenou no artigo 59.º que a prisão preventiva, quer fosse retenção de réus indiciados, quer de sentenciados, mas não definitivamente, seria nas cadeias comarcas com absoluta separação entre os presos; mas no § 2.° do artigo 53.° dispensou a edificação d'essa cadeia nas comarcas que fossem capital de districto. Como, porém, no de Lisboa não ha cadeia districtal,

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nem a póde haver ainda por algum tempo, forçoso é aproveitar-se provisoriamente a parte disponivel da cadeia geral penitenciaria para os réus sujeitos a prisão preventiva, por crimes a que correspondam penas maiores.
Esses presos, todavia, não podem ficar obrigados ao cumprimento de todas as disposições do regulamento geral da penitenciaria: sujeitos apenas a prisão preventiva, logo que estejam satisfeitas as condições de segurança para que se não evadam á acção da justiça, e adoptadas as providencias necessarias para impedir que se corrompam ou empeiorem ou desesperem com a convivencia e lição de homens perversos ou desmoralisados, devem ser-lhes concedidas todas as franquias compativeis com o seu estado.
Assim ser-lhes-ha permittido receberem as visitas dos seus parentes, amigos, advogados, solicitadores, subordinando apenas esta permissão ás condições de segurança, ordem e respeito que devo haver n'aquella cadeia. Não ficam obrigados ao trabalho imposto aos réus já condemnados; como, porém, o trabalho é um elemento de vida e um poderoso agente para a regeneração do criminoso, ser-lhes-ha permittido o exercicio do trabalho possivel n'aquella casa aos que tiverem arte ou officio que queiram exercitar, facultando-se tambem os meios de o aprenderem aos que nenhum tiverem e quizerem trabalhar.
Poderão sustentar-se á sua custa, mandarão vir os alimentos de fóra da cadeia os que tiverem meios para o fazer, finalmente, ser-lhes-hão garantidos todos os direitos e liberdades relativas que lhes reconhece ou concede a lei de 1 de julho de 1867.
Tambem não são obrigados na cadeia geral penitenciaria a pagar quantia alguma nem a titulo de salarios do carcereiro nem por a cella em que forem alojados. O imposto lançado sobre a extrema miseria, que na lei de 30 de junho de 1864 apparece com o titulo de baianos de carcereiro, é urgente que desappareça, e eu espero em breve apresentar á vossa approvação uma medida geral n'este sentido.
Proponho tambem augmentar o numero dos guardas na cadeia geral penitenciaria com mais dez guardas, sendo tres de 1.ª classe e sete de 2.ª Já o serviço da penitenciaria tem demonstrado que não é sufficiente o numero de guardas auctorisado pela lei de 20 de maio de 1884, e merecendo a vossa approvação a premente proposta é obvia a necessidade de augmentar aquelle numero.
São provisorias as providencias adoptadas na proposta, é indispensavel a construcção das cadeias districtaes; a vossa illustração, porém, ha de reconhecer que uma urgentissima necessidade as determina. Se merecerem, como espero, a vossa approvação, successiva e rapidamente terei a honra de apresentar-vos outras propostas destinadas ao mesmo fim, que não descansarei emquanto não lograr arrancar o ultimo desgraçado d'essa casa de horrores, a que chamam Limoeiro.
Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 12 de janeiro de 1886. = Manuel d'Assumpção.

Proposta de lei

Artigo 1.° Emquanto houver espaço disponivel, sem restringir a admissão de réus para cumprimento das penas de prisão cellular, terá lugar na cadeia geral penitenciaria do districto da relação de Lisboa a execução do disposto no artigo 59.° da lei de 1 de julho de 1867, com referencia aos réus indiciados o a já condemnados por crimes a que correspondam penas maiores, que forem da comarca de Lisboa ou venham de outras comarcas acompanhando os seus processos ou por motivo de segurança..
Art. 2.° Os réus actualmente retidos na cadeia civil de Lisboa, que estiverem nas condições do artigo antecedente, serão removidos para a cadeia geral penitenciaria.
Art. 3.° Os réus que, em virtude das disposições d'esta lei, forem detidos na cadeia geral penitenciaria, não pagarão ali quantia alguma a titulo de salario de carcereiro.
Art. 4.° Logo que esteja construída a cadeia districtal de Lisboa deixará de vigorar esta lei.
Art. 5.° Fica o governo auctorisado a nomear mais dez guardas para a cadeia geral penitenciaria, sendo tres de 1.ª classe e sete de 2.ª
Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 12 de janeiro de 1886. = Manuel d'Assumpção.

O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade.
O sr. Eduardo Coelho: - Proponho-me apreciar e discutir o presente projecto de lei sem intuitos partidarios. Sendo este o primeiro projecto da iniciativa do illustre ministro da justiça, sinto não lhe poder dar o meu apoio incondicional. E digo que sinto não lhe dar o meu apoio incondicional, não obstante a minha posição politica n'esta casa, porque de mim sei, e dos outros creio que projectos d'esta natureza apreciam-se, discutem-se, votam-se, approvam-se ou rejeitam-se fóra das preoccupações partidarias. (Apoiados.)
Qual é o pensamento do projecto? O que exprime elle na sua fórma mais simples, mais concreta? Arrancar aos vicios da promiscuidade, aos horrores de uma prisão infecta e immunda, chamada Limoeiro, os réus iniciados, ou condemnados não definitivamente.
É pois um pensamento generoso, que dictou este projecto, e portanto extremamente sympathico. (Apoiados.) Mas os projectos de lei não podem ser escriptos e meditados por impulsos do coração; não bastam os brados de uma consciencia limpa, e indignada a impol-os á approvação dos parlamentos. É preciso mais alguma cousa, e porque falta alguma cousa no projecto, que reputo essencial, é que o discuto, e se a discussão não dissipar as minhas duvidas, magoa-me ter de o rejeitar.
Quem ler o primoroso relatorio do illustre ministro, (primoso na fórma, talvez pouco reflectido na essência, o que não é um proposito discutir) póde facilmente enthusiasmar-se; mas o estudo reflectido do confronto d'esse relatorio com as disposições do projecto, talvez, e ainda mal, faça esmorecer os primeiros enthusiasmos.
Vou, pois, em desempenho do meu dever parlamentar, expôr os motivos, e fal-o-hei com lisura e lealdade, que me impedem do dar apoio ao projecto em discussão.
Já disse e repito: que o projecto se limita, na sua formula mais concreta, a converter parte da penitenciaria de Campolide em prisão preventiva dos réus iniciados e condemnados não definitivamente. Pois é esse o seu primeiro defeito, e defeito que reputo capitalissimo.
Nas considerações que vou fazer sobre este projecto, proponho-me demonstrar que elle é um retrocesso scientifico, não consegue resultados praticos e immediatos, e aggrava a situação do thesouro. (Apoiados.)
Isto é, vou discutir o projecto sob o ponto de vista scientifico, sob os effeitos praticos e immediatos, que d'elle se esperam, e na parte financeira, a qual não é tão innocente como á primeira vista parece.
Não é licito a ninguem desconhecer o caracter da chamada prisão preventiva. Ninguem duvida que a prisão preventiva não tem, não póde ter, caracter propriamente penal. (Apoiados.)
Desejando ser, quanto possivel, auctoritario, quero admittir que a sociedade possa custodiar, deter, prender preventivamente. Admittamol-o, ao menos, por hypothese.
Mas o que e indispensavel é que a detenção seja o menos incommoda possivel, que dure o menos espaço de tempo que seja possivel, e que só seja permittida em casos raros e extraordinarios. (Apoiados.)
O regimen penitenciario, porém, é essencialmente penal, essencialmente repressivo. E d'ahi vem que um estabelecimento propriamente penitenciario não deve, ao mesmo tempo, servir de prisão preventiva. (Apoiados.)

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As condições materiaes da prisão, o regimen interno, a educação do pessoal, tudo carece de ser abe latamente differente.
Nem o regimen interno, nem a adaptação do edificio, nem os regulamentos e educação do pessoal de uma cadeia penitenciaria póde util e efficazmente servir aos intuitos de um systema de prisões para os réus meramente detidos, por suspeitos apenas de crimes, pelos quaes terão opportunamente de responder. (Apoiados.)
Não ha regimen penitenciario que não combine em proporções rasoaveis o principio da intimidação, o principio do castigo, e que se não proponha conseguir, como resultado mais ou menos incerto, a emenda dos delinquentes.
O regimen cellular é de uma applicação delicadissima; é isso que constitue a honra e o perigo d'este systema, na phrase de E. Labulaye. O systema ou regimen penitenciario não se coaduna com um sentimentalismo exagerado. Não póde dar-se o caracter da pena, nem substituir se a justiça pela misericordia. Tudo isto não desarmaria o crime, desprotegeria a sociedade. (Apoiados.)
E, sendo evidente que no regimen de prisão preventiva, nem póde procurar-se a intimidação, nem o castigo, nem a emenda, que presuppõe a condemnação definitiva, chego á conclusão, de que o projecto prejudica os fins a que foi destinada a penitenciaria de Campolide, contrariando os principios da sciencia, e as resoluções de todos os congressos penitenciarios.
Tenho procurado apoiar-me nos principios da sciencia; preciso ainda fortalecer na opinião dos homens praticos. Ninguem desconhece, que nos congressos penitenciarios não se tem tratado sómente realisar idéas scientificas, mas do chegar a soluções verdadeiramente praticas.
Todas as nações vão ahi buscar ensinamentos, porque todos têem comprehendido, que o bom regimen das prisões é hoje um problema social. (Apoiados.)
N'este assumpto temos tambem o antigo e novo regimen. As prisões do antigo regimen só o verdugo as podia descrever, porque ellas eram inspiradas por duas paixões abominaveis, a paixão da vingança e a paixão de dominação pelo terror. (Apoiados.)
Infelizmente, tão atrazados estamos n'este ponto, que só o carrasco é que poderia descrever bem as nossas prisões. Estamos em pleno antigo regimen. (Apoiados.)
Dizia eu que os congressos penitenciarios condemnam os projectos do illustre ministro da justiça.
Não quero fazer alardo de erudição n'um assumpto, onde ella é muito facil; mas não posso deixar de fallar do congresso penitenciario de Bruxellas de 1847, que de preferencia cito, pois, se não estou em erro, foi o principal inspirador da lei de 1 de julho de 1867.
Em tempo que já vae longe, escrevi um modesto relatorio, que corre impresso, e no qual apreciei a lei de 1867, que pretendeu inaugurar entre nós o regimen penitenciario.
Pareceu-me então, e ainda me parece hoje, que o congresso de Bruxellas de 1847, nas suas resoluções, votadas umas por unanimidade, outras por maioria maior ou menor, o legislador de 1867 teve muito presentes aquellas resoluções. Pois n'esse congresso, que o illustre ministro por certo conhece, ahi se fez radical distincção, como não podia deixar de fazer-se, em condições de prisão destinada
a cumprimento de penas. E assim a auctoridade d'aquelle congresso condemna o projecto em discussão, que pretende, embora temporariamente, confundir no mesmo edificio, um e outro systema. (Apoiados.)
Não posso de deixar de referir-me ao congresso penitenciário de Stockolmo, realisado, se não estou em erro, em 1879. Não posso procurar auctoridade mais a proposito n'esta discussão.
O presidente d'aquelle illustre congresso, o celebre dr. Winnes, iniciou os trabalhos com a leitura de um notavel discurso, no qual expoz os effeitos surprehendentes que em muitas nações tinha feito o ultimo congresso penitenciario de Londres.
Escuso dizer á camara, que a nação portugueza não foi representada no congresso de Londres, de effeitos transcendentes na resolução do problema social sobre o regimen das prisões, nem no congresso de Stockolmo. Para isto não ha dinheiro. (Apoiados.)
Como ía dizendo, aquelle illustre sabio individualisou as nações, a quem o congresso de Londres havia mais ou menos influenciado, e ao referir-se á Hespanha, depois de louvar e encarecer, como é de primor em casos taes, os esforços d'aquelle paiz em melhorar o regimen das prisões, e referindo-se á penitenciaria de Madrid, disse pouco mais ou menos o seguinte, e para o que tenho a honra de chamar a attenção da camara e do nobre ministro: «Que não podia deixar de solicitar para a nação hespanhola os applausos do congresso por mostrar desejos de melhorar o systema penitenciario, mas que a prisão em construcção em Madrid tem graves deficits porque é um estabelecimento destinado a servir de prisão penitenciaria e correccional. O regimen, acrescenta o sabio presidente d'aquelle illustre congresso, que deve empregar-se n'um e n'outro caso é tão diverso, quanto é grande a distancia, que separa o homem, embora preso, reputado innocente, e o homem já definitivamente condemnado pelos tribunaes.
Quer o nobre ministro auctoridade mais notavel para condemnar o seu projecto sob o ponto de vista scientifico? (Apoiados.) Vou invocar outra auctoridade, e será a ultima, sob este ponto de vista.
É a auctoridade das proprias camaras hespanholas. A commissão de senado hespanhol, encarregada de dar parecer sobre o projecto de lei da penitenciaria de Madrid, disse pouco mais ou menos, o seguinte: «entende a commissão, que o projecto tem graves deficits, adolece de graves defeitos, como é o detinar um só edificio para prisão dos detidos ou processados, e para penitenciaria correccional. A commissão desculpa-se por não poder deixar de dar parecer favoravel ao projecto, attendendo á estreiteza do tempo, e para evitar «las dificultades de sujetar el asunto á comision mixta y nuevo exámen de ambos los enerpos colegisladores».
Vou terminar a analyse do projecto sob o ponto de vista scientifico, recordando ao illustre ministro que a commissão governo do senado hespanhol pede ao governo do seu paiz, que faça desapparecer, quanto antes, tal defeito da penitenciaria, e que recorra, se tanto for necessario, aos corpos colegisladores.
Ora emquanto a sciencia e os congressos penitenciarios reprovam, que no mesmo estabelecimento se accumulem condemnados definitivamente, e réus meramente iniciados; emquanto o senado hespanhol pede ao governo que não pozesse esforços, nem sacrificios para que a penitenciaria de Madrid seja construida sem aquelles graves defeitos, o governo portuguez pretenda que as camaras portuguezas introduzam na penitenciaria de Campolide aquelles graves defeitos, de que ella estava isenta. (Apoiados.)
Talvez o illustre ministro queira justificar o seu projecto de lei com as mesmas rasões, que o representante de Hespanha no congresso de Stockolmo tenta desculpar o governo hespanhol. A penuria do thesouro, diz o sr. Francisco Lastres, a justificada retistencia das côrtes a votar novos impostos, e a urgentissima, necessidade de derribar o immundo Saladero, ao que parece o Limoeiro de lá, desculpam o governo hespanhol, resolvendo assim a questão da penitenciaria por esta fórma, embora tivesse de sacrificar algo o ideal scientifico. Sendo esta, e não me parece ser outra, a defeza do projecto em discussão, vou apreciar a iniciativa do illustre ministro, sob o ponto de vista pratico e pelo que respeita aos seus effeitos immediatos.
Começo por notar, que o projecto do governo, e o parecer da illustre commissão de legislação, estão completamente

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desacompanhados de dados officiaes, e é para lamentar. (Apoiados.)
E não se queira amesquinhar a importancia d'este projecto, para justificar a apresentação d'elle sem dados estatísticos de especie alguma.
Vista, pois, a carencia absoluta de elementos officiaes, e desejando proceder com circumspecção na apreciação do projecto pelo que respeita aos effeitos praticos o immediatos, tive de recorrer á estatistica criminal, e em especial aos registos parlamentares. A obrigação do governo é habilitar o parlamento a apreciar os seus projectos de lei com vantagem, procedendo de modo a convencel-o, de que as suas propostas de lei assentam em bases solidas. (Apoiados.)
É triste ver formular projectos, fundados em meras affirmativas. O governo deve saber, que discutir e approvar, ou rejeitar projectos, nem sempre é dar voto de confiança politica. (Apoiados.)
Não me faço cargo das differentes tentativas feitas para inaugurar entre nós o regimen penitenciario, creando o pessoal necessario para funccionar a penitenciaria de Campolide. É certo que a penultima foi a do illustre ministro, o sr. Julio de Vilbena, que conseguiu fazer votar nesta casa do parlamento o projecto de lei n.° 171. Creava se nelle o pessoal da penitenciaria, como é sabido. Na outra casa, porém, do parlamento encontrou serias difficuldades, e o sr. conselheiro Barros e Sá deu parecer em separado. É n'este substancioso parecer, que vou encontrar dados estatisticos importantes para conhecer das vantagens praticas d'este projecto.
De passagem direi, que o parecer do digno par, o sr. Barros e Sá, revela profundo estudo, como todos os pareceres por elle apresentados ao parlamento, (Apoiados.) e se o comparo com as propostas de lei do sr. Lopo Vaz, na parte que se refere á alteração da lei de 1 de julho de 1867, para tornar exequivel entre nós o systema penitenciario, parece que o digno par foi um precursor, um como João Baptista da reforma do sr. Loqo Vaz n'esta parte. (Riso.)
Aproveitando, porém, d'aquelle notavel parecer só o que aproveita ao meu intuito, observo que elle diz o seguinte:
(Leu.)
Vê se, pois, que o digno par, fundado na estatistica criminal, fornecida pela repartição official, de que o sr. presidente d'esta camara é director, chega á conclusão de que, sendo condemnados 339 criminosos no anno de 1878 e 312 no anno de 1879, a penas maiores que devem cumprir sob o regimen penitenciario, o numero medio dos condemnados annualmente não póde ser inferior a 300.
O digno par, na epocha que escreveu o parecer (1883) partia da hypothese, que havia só 450 cellas na penitenciaria, e, por isso affirmava com rasão, que a penitenciaria só teria espaço para conter os presos ou condemnados de dois annos.
Sendo incontestavel, como parece, este calculo, condemna elle irremediavelmente o projecto do governo quanto aos seus effeitos praticos.
E, com effeito, a estatistica criminal, que é a eloquencia dos algarismos, prova que a penitenciaria de Campolide não póde conter os condemnados a penas maiores, e que devem expial-as sob o regimen penitenciario e, sendo assim, como quer o illustre ministro achar ali espaço disponivel para os presos nas condições do seu projecto? (Apoiados.)
O sr. Lopo Vaz, no relatorio que precede as suas propostas de lei, apresentado á camara dos senhores deputados, em sessão de 10 de março de 1884, confirma e auxilia os calculos do digno par, o sr. conselheiro Barros e Sá.
N'aquelle relatorio, que é trabalho de qualificada importancia, que será sempre consultado com proveito, (Apoiados.) todas as vezes que se tratar d'estes assumptos e d'aquelles ali mencionados, folgando de fazer esta justiça ao ex-ministro, o sr. Lopo Vaz, com o qual sympathiso muito pouco politicamente (convencido como estou que elle me retribuo por igual); n'aquelle relatorio, repito, vejo confirmados e ampliados os calculos do digno par. É preciso que isto se apure, porque a efficacia pratica do projecto depende d'este calculo e exame.
Na penitenciaria de Campolide não podem cumprir pena mais de 556 condemnados, porque ha 536 cellas simples e 20 cellas duplas. Ha 18 cellas para castigo, que estão fóra d'este calculo. No relatorio do illustre antecessor do actual sr. ministro da justiça, invocando-se a estatistica official, affirma-se que o numero dos condemnados a penas maiores (deduzidas as categorias das penas perpetuas) é superior a 260.
Vou ler as proprias palavras do ex-ministro, antecessor de s. exa.; e são as seguintes:
«Sendo superior a 260 o numero de condemnados a penas maiores, deducção feita dos incluidos nas quatro categorias, e variando em geral a duração da prisão maior cellular de 2 a 8 annos, é evidente (peço a attenção da camara) que não ha cellas disponiveis para todos, de maneira a funccionar regularmente o systema penitenciario, e por isso é mister fixar regras pelas quaes se regule a auctoridade competente na escolha dos réus destinados á penitenciaria central, evitando-se o arbítrio, quanto seja possivel em materia tão melindrosa e de tamanha responsabilidade.»
A camara de certo prestou attenção á leitura d'esta parte do relatorio do sr. Lopo Vaz, e parece-me que não posso invocar melhor auctoridade, e adduzir mais e melhores rasões para provar que o projecto em discussão é praticamente inutil. (Apoiados.)
A penitenciaria não tem espaço para n'ella se cumprirem todas as penas do regimen penitenciario, e como quer o illustre ministro que n'ella haja espaço disponivel ainda para servir de prisão preventiva? (Apoiados.)
Não era preciso recorrer aos dados estatísticos, que aliás são fulminantes contra a proposta ministerial. Bastaria reflectir que a lei do 1 de julho de 1867 mandou construir duas cadeias geraes penitenciarias para os réus do sexo masculino, e estando só construída a de Campolide, é incontestavel que n'ella não podiam caber todos os réus condemnados a soffrer penas do regimen penitenciario.
O contrario seria suppor que o legislador de 1867 foi leviano, ou imprudente, mas a estatistica criminal mostra a toda a evidencia que o não foi.
Não sendo, pois, possivel executar integralmente o regimen penitenciario creado pela lei de 1 de julho de 1867, propunha-se o antecessor do illustre ministro crear um conselho penitenciario, e estabelecer as regras a seguir para a admissão dos réus condemnados a penas maiores, pela proposta de lei n.° 1, com data de 10 de março de 1884.
Essa proposta, como é sabido, não foi convertida em lei.
Conseguida, porém, a revisão do codigo penal e da lei de 1 de julho de 1867 pela lei de 14 de junho de 1884, julgou-se o governo auctorisado a regulamentar esta lei, e por decreto de 20 de novembro de 1884 organisou o conselho penitenciario, e estabeleceram-se as regras a seguir na escolha dos réus condemnados a penas do regimen penitencio, vista a impossibilidade de admittil-os todos na penitenciaria de Campolide.
É notavel o relatorio que fundamenta este decreto, e parece que foi escripto para reprovar o projecto de lei em discussão. Não posso resistir á tentação de ler os periodos principaes.
(Leu.)
Depois d'esta leitura e do que tenho ponderado, o sr. ministro só poderá sustentar o projecto em discussão, arguindo dois ministros regeneradores de terem baseado as suas propostas de lei, os seus relatorios e pareceres em dados officiaes inexactos.

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Não ha que fugir d'este dilemma: ou os algarismos do parecer do digno par Barros e Sá e do sr. Lopo Vaz são colligidos erradamente, ou a obra do illustre ministro não tem alicerces. (Apoiados.)
Mas os ciados estatísticos são verdadeiro n'elles fundados rigorosamente exactos.
No entretanto, e pois que o illustre ministro foi avaro de informações officiaes, é possivel que na discussão apresente alguns elementos, ou documentos officiaes, que destruam es documentos e algarismos, que têem servido de apoio á minha argumentação.
Emquanto o não fizer, permaneço na crença de que o projecto é praticamente inutil.
Quero ainda ler outro periodo importante do relatório do decreto de 20 de novembro de 1884.
(Leu.)
Ahi tem o illustre ministro mais uma prova de que não póde destruir, ou tornar inutil a infecta e immunda prisão do Limoeiro pelo seu projecto de lei.
Pensou nisso o seu antecessor; mas, depois do um reflectido estudo, adquiriu a convicção que era impossivel sem consentir na penitenciaria a agglomeração de presos, o que seria deslocar o mal, e prejudicar (note o illustre ministro) inteiramente o systema do regimen penitenciario.
O projecto é ainda inutil, porque, como medida provisoria, se interpreta bem o decreto de 20 de novembro de 1884 em alguns dos artigos; (leu) o ministro da justiça está por elle auctorisado a remover para a penitenciaria alguns presos meramente iniciados, porque o decreto no artigo que já li falla em presos sem distinguir.
Demonstrada a inefficacia do projecto, pois não é possivel haver espaço disponivel na penitenciaria de Campolide para os réus iniciados, cumprindo-se as leis, e fazendo entrar n'ella todos os réus condemnados ás penas maiores, vou desempenhar-me da minha palavra, analysando o projecto pelo lado financeiro.
E não farei a este respeito grandes considerações; mas não posso deixar de notar, que o projecto n'esta parte não é tão innocente, como á primeira vista parece.
A lei de 29 de maio de 1884, que creou o pessoal da penitenciaria, determina que haverá 10 guardas de 1.ª classe, vencendo de ordenado cada um 280$000 réis, e 16 guardas de 2.ª classe com ordenado cada um de 220$000 réis.
Convertido em lei o presente projecto, temos mais 3 guardas de 1.ª classe e 7 de 2.ª classe, e devendo estes perceber o mesmo ordenado, verifica-se que o augmento de despeza é de 2:380$000 réis.
Não é quantia insignificante, e sobretudo convem aprecial-a como symptoma.
É assim que o governo se desempenha da promessa feita no discurso da corôa.
Affirma que vae dedicar toda a sua attenção á questão financeira, porque o estado do thesouro é grave, e o primeiro projecto que se discute importa augmento de despeza. (Apoiados.)
E como justifica o governo este augmento de despeza?
No relatorio do illustre ministro encontro apenas um argumento. Depois de se insinuar que o pessoal da penitenciaria não é sufficiente para o serviço actual da penitenciaria, concluo que a approvação da proposta justifica o augmento de pessoal, como quem quer dizer, que ha augmento de numero de presos, e portanto maior serviço.
Este argumento é especioso.
Quer se approve, ou rejeite este projecto de lei, a penitenciaria não póde admittir mais presos, alem do numero das cellas, que contém.
Cumpre, por outro lado, notar que o pessoal da penitenciaria foi creado partindo da hypothese, de que ella estaria cheia de presos, isto é, que todas as cellas seriam occupadas.
Não faltou quem impugnasse o pessoal, por excessivo e muito numoroso, e a commissão de fazenda e legislação d'esta casa responderam da maneira, que vou ler á camara.
(Leu.)
Affirmou-se, e repetiu-se a affirmação, de que era preciso um pessoal numeroso para uma penitenciaria com 600 cellas.
Portanto, ainda que agora vão para a penitenciaria alguns presos nas condições do projecto em discussão, isso não altera as previsões de legislador, quando creou o pessoal de que se trata.
Nunca o numero de presos póde exceder o maximo do numero das cellas, e o pessoal de guardas foi creado na hypothese d'esse maximo.
Não ha, pois, augmento de trabalho em caso algum; não póde tambem haver augmento de pessoal. (Apoiados.)
Suppondo, porém, que o projecto é approvado, fica a penitenciaria com 3G guardas de 1.ª e 2.ª classe.
O regulamento da penitenciaria de Madrid, que é de 8 de outubro de 1883, e que serviu de modelo, como é sabido, ao regulamento da nossa penitenciaria, chama vigilantes de 1.ª, 2.ª e 3.ª classe ao pessoal que nós chamamos guardas de L* e 2.º classe (artigo 4.°), e fixou esse numero em 39.
Vê-se, pois, que apenas ha 2 guardas a mais, comparado com o pessoal d'esta categoria na nossa penitenciaria. Convem ainda confrontar as disposições dos artigos 44.°, 45.°, 46.° e 47.° do regulamento da penitenciaria de Madrid com os artigos 119.° a 122.° do regulamento da penitenciaria de Campolide, para se ficar convencido de que os serviços se equivalem, se é que não são inteiramente idênticos. Postos estes factos, é preciso lembrar que a penitenciaria de Madrid, inaugurada, se bem me recordo, em novembro ou dezembro de 1883, contem 957 cellas, isto é, mais de 400 cellas do que a penitenciaria do Campolide.
Vê-se, pois, que na penitenciaria de Madrid ha 39 guardas para 957 cellas, e na de Portugal ha 36 para pouco mais de 500 cellas!
Este confronto dispensa commentarios. (Apoiados.) Tenho exposto, sem ter a intenção do esclarecer o debate, as rasões que me determinaram a combater este projecto sob o ponto de vista scientifico, pelo que respeita aos effeitos praticos e immediatos, e quanto á parte financeira. Cumpri o meu dever parlamentar.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Jalles: - Pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte:

Participação

Tenho a honra de participar a v. exa. e á camara que se constituiu a commissão de agricultura, elegendo presidente o sr. Estevão Antonio de Oliveira Junior, e a mim secretario, havendo relatores especiaes para as differentes propostas e projectos que forem submettulos á sua consideração. = O secretario da commissão, Antonio Maria Jalles.
Para a secretaria.

O sr. Franco Castello Branco: - Serei muito breve na exposição das considerações, que por parte da commissão se me offerecem em resposta ao illustre deputado, o sr. Eduardo Coelho.
Desde o momento em que s. exa. começou por declarar que é altamente sympathico o pensamento do projecto, a pouco fica reduzida a nossa divergencia.
E estou mesmo convencido, que de todo desappareceria, se o illustre deputado houvesse attentado mais demoradamente nos relatorios que precedem a proposta e o projecto de lei.
É que todo o erro de s. exa. provem de haver considerado de caracter definitivo uma medida inteiramente provisoria, e como tal considerada por quem a propoz.
Foi por isso que se embrenhou em largas considerações

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scientificas, na phrase de s. exa. de certo muito sensatas e eruditas, como é proprio do illustre deputado, mas inteiramente deslocadas na discussão de um projecto sem maiores pretensões que a de prover de remedio immediato a um mal que a todos se impõe com indiscutivel evidencia, e cuja extincção radical e definitiva não poderá infelizmente ser tão rapida e prompta, como se fazia mister.
Como o proprio ministro declara no seu relatorio, esta é apenas a primeira de uma serie de medidas, que successivamente espera trazer ao parlamento no sentido de dar inteira execução á lei de 1 de julho de 1867.
Não serei eu, pois, quem faça perder tempo á camara com a exposição de doutrinas e de factos de todo em todo alheios á natureza e indole especialissima do projecto que se discute.
A questão reduz-se simplesmente a isto. Existem no Limoeiro algumas dezenas de réus em prisão preventiva, soffrendo todas as influencias deprimentes d'essa casa sem limpeza, sem condições hygienicas aos mais rudimentares, n'uma promiscuidade perigosa para a saude publica, e dos mais terriveis effeitos moraes.
Por outro lado temos a penitenciaria central, estabelecimento de recente construcção, obedecendo a um plano de idéas altamente generosas e salutares, conducentes á regeneração possivel dos criminosos, e n'elle cinco mas inteiramente desocupadas e por emquanto desnecessarias para o fim mais especial a que se destina.
Pois não será generoso e humanitario transferir para ali os presos que apodrecem nas enxovias do Limoeiro? (Apoiados.)
A que vem, pois, discussões ácerca do melhor systema penitenciario, quando ninguem propõe alterar ou conservar definitivamente o estabelecido pela lei de 1 de julho de 1867?
Prefere o illustre deputado conservar no Limoeiro todos os presos que hoje lá existem, e que a maior parte da penitenciaria central continue desoccupada e perdida para qualquer utilidade que póde prestar?
Esta e só esta é a nossa questão.
A penitenciaria comporta 550 presos, e guarda hoje apenas 97. D'este facto nasceu a idéa traduzida na proposta do nobre ministro, que ninguem poderá deixar de applaudir, e que eu espero ainda merecerá até a approvação do sr. Eduardo Coelho.
É provisoria a medida apresentada, como provisorio é tambem o espaço por agora livre na penitenciaria central e que dia a dia irá diminuindo. Como porém a construcção de edificio apropriado para n'elle se executar a prisão preventiva terá de levar forçosamente certo espaço de tempo, entretanto melhorará a condição dos que actualmente se accumulam no Limoeiro.
Argumentou o illustre deputado com as previsões contidas n'uns relatorios apresentados ás camaras em 1883 e 1884, para d'ahi concluir que, ou aquellas previsões saíram erradas, ou que na penitenciaria não poderá haver lugar para os réus em prisão preventiva.
Nem uma nem outra cousa. Aquellas previsões referiam-se a um praso de tempo que ainda não decorreu. Não ha, portanto, erro algum.
Tambem se não prejudica a natureza e indole especial d'aquelle estabelecimento. Os réus condemnados definitivamente em prisão cellular maior continuarão sendo admittidos de preferencia a quaesquer outros.
A impugnação do sr. Eduardo Coelho mostra-se ainda eivada do mesmo equivoco. Considerar definitivo o que só como provisorio se propõe. Ora eu declaro francamente, que assim como me parece inattacavel á presente medida, condemnaria sem remissão qualquer applicação permanente que se lhe pretendesse dar. (Apoiados.)
Sustento mais. Rejeitado este expediente, não vejo outro algum que possa trazer um lenitivo prompto e real para a situação mais que desgraçada dos presos do Limoeiro. (Apoiados.)
Não ha outro local para a sua remoção immediata. E seja qual for a boa vontade da camara e do governo, uma penitenciaria districtal não se improvisa com a publicação de uma lei ou de um decreto. Levará annos a construir, e entretanto o Limoeiro continuará sendo o tormento dos que n'elle se encerram.
Depois é preciso não esquecer que o nobre ministro affirmou no seu relatorio ser este projecto apenas a primeira de uma serie de medidas com que tenciona modificar radicalmente o novo systema actual de cadeias districtaes e comarcas. O pensamento é nobre e alevantado, e creio bem que encontrará o mais caloroso apoio em todos os membros d'esta camara.
Virá, pois, naturalmente, a creação da cadeia districtal de Lisboa, ha muito existente na lei, mas só ali infelizmente. E quando ella for uma realidade, mas só então, chegará o momento de se discutir com vantagem e escolher com proveito o regimen penitenciario dos réus em prisão preventiva.
O regimen estabelecido pela lei de 1 de julho de 1867 póde soffrer contestação, não faltando tambem quem o continue preferindo a outro qualquer.
Mas o projecto em questão, modesto e limitado como é, não podia ter pretensões a resolver tão importante e difficil problema.
Acceita as disposições da lei de 1867, sem as discutir nem confirmar, consignadas no artigo 59.° e seus paragraphos.
Esse facto só por si é a melhor prova do limitado mas preciso fim que teve em vista.
As garantias e immunidades concedidas aos réus em prisão preventiva por aquelle artigo são sufficientes ou perigosas? Não o discutimos n'esta medida.
Acceitâmos os factos realisados, e pela experiencia a que vamos proceder obteremos um mais seguro criterio, do que o fornecido pela leitura das actas dos congressos.
Mas para que é preciso nomear mais guardas?
Pois o quadro estabelecido na lei de 1884 não foi fixado em vista da capacidade real de todo o estabelecimento?
É que o illustre deputado não quiz attender ás necessidades novas provenientes do presente projecto.
Na cadeia penitenciaria vae estabelecer-se um systema differente d'aquelle para que realmente é destinada.
Aos réus em prisão preventiva é dada mais liberdade do que aos outros, e d'ahi a necessidade de uma vigilância mais apertada e constante. Bem diversa é a vigilancia requerida por um preso isolado na sua cellula, trabalhando tambem isoladamente e por obrigação, raras vezes visitado e ainda em dias certos e determinados, e aquella que é preciso ter com os réus em prisão preventiva, que podem receber os seus procuradores, os seus advogados, os seus amigos e as pessoas de sua familia todos os dias a toda e qualquer hora, sem obrigação de trabalho, e apenas obrigados e sujeitos ás condições de ordem e de segurança que é necessario manter em similhantes estabelecimentos. (Apoiados.)
Eis-aqui a rasão por que se augmenta o numero de guardas, e para convencer os mais suspeitosos bastará lembrar, que pelo artigo 5.° do projecto cessam inteiramente as suas disposições logo que se abra a cadeia penitenciaria districtal.
N'esse dia os guardas já não serão precisos, e pela mesma porta por onde os presos saírem, sairão igualmente os que os guardavam. (Apoiados.)
Isto é claro, e está dito do modo mais leal e positivo.
Mas o illustre deputado argumenta ainda, que na penitenciaria central de Madrid ha 39 guardas e 900 cellulas, e que a nossa, tendo apenas 550 cellulas, vae ficar com 36 guardas.
Acabo de apresentar uma das rasões que justificam, um

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tal facto, mas ha ainda outra, que eu devo á informação de quem hoje tão dignamente dirige a penitenciaria central de Lisboa.
Os guardas da penitenciaria de Madrid não exercem senão funcções de vigilancia propriamente ditas, emquanto que na nossa cadeia, um é porteiro, outro está na lavanderia, etc., isto é, desempenham serviços diversos d'aquelles que naturalmente lhes deveriam estar confiados.
E não imagine s. exa. que não ha porteiro na penitenciaria de Madrid, que não ha quem fiscalise o serviço da lavanderia, etc. Ha, mas esses individuos não se chamam guardas, dá-se-lhes outro nome.
Ora como não vale a pena discutir uma questão de nomes, mas o que nos importa é simplesmente a despeza dos serviços, já vê o illustre deputado que de pouco vale o exemplo de Madrid. (Apoiados.)
Alem d'isso, quando a despeza é justificada e indispensavel, absolvo o governo que a propõe, muito embora a situação da fazenda publica não seja tão prospera, como todos desejariamos.
O administrar bem, não consiste só em gastar pouco. Consiste principalmente em gastar bem. (Apoiados.) É verdade que todas as despezas, mesmo as mais uteis e justificadas, toem um limite forçado. Mas algumas ha que são inadiaveis. E sinceramente, não é com um acrescimo de despeza de 2:280$000 réis que as nossas finanças hão de perigar irremediavelmente. Oxalá que toda a despeza orçamental tivesse tão util applicação.
Mas o illustre deputado não attendeu ainda a que o Limoeiro tambem tem guardas e estes guardas percebem ordenado, (Apoiados.) e que ao saírem d'ali os presos serão tambem dispensados os guardas no todo ou em parte.
Por consequencia, o illustre deputado não deveria pôr simplesmente em evidencia o acrescimo de despeza que se fará na penitenciaria, mas lembrar tambem a diminuição que se dará na do Limoeiro. Só assim saberemos o que nos custa a execução da medida proposta.
Portanto, vou concluir, porque não desejo tomar tempo á camara, que melhor poderá aproveital-o em outros assumptos.
Os srs. ministros já se deram por habilitados para responder ás interpellações que lhes foram annunciadas, e eu acho de grande conveniencia que essas interpellações se realisem com brevidade, para que os deputados da opposição não possam accusal-os de futuro.
Alem do que me parece urgentissima a approvação d'este projecto.
Todos conhecem os recentes factos succedidos na cadeia do Limoeiro e que são da maior gravidade. O ultimo foi a evasão de dois presos implicados em processos importantes, evasão acompanhada de um assassinato.
É natural que taes factos não se dêem na penitenciaria, onde o serviço é excelentemente dirigido, e intelligentemente executada a lei de 1867. (Apoiados.)
Termino fazendo votos para que as circumstancias mais desafogadas do thesouro publico permittam aos srs. ministros o trazerem ao parlamento todas as medidas que tenham por fim acabar de vez com o Limoeiro e todas as outras enxovias, que são uma vergonha para o paiz e uma affronta para a civilisação.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Francisco Beirão (sobre, a ordem): - Cumprindo as disposições regimentaes, e, conformando-me com os usos d'esta casa, leio a minha moção de ordem, que, em boa verdade, mais apropriadamente, caberia como conclusão, do que como principio, das considerações com que me proponho combater o projecto que se acha em discussão.
É a seguinte.
(Leu.)
Cabe-me a palavra n'uma sessão de que, para o seu termo, apenas faltam poucos minutos. Apesar d'isso; porém, antes de entrar em materia, vejo-me forçado a pedir, senão licença, desculpa, ao illustre relator e meu amigo, que acaba de defender o projecto, para tomar algum tempo á camara, com a apreciação de um projecto que elle reputa tão simples, e pouco importante, que mal merece as honras da discussão. Devo dizer ao illustre relator que sou completamente contrario a esta sua opinião.
S. exa. convidou até os deputados da opposição a porem de parte esta questão, a fim de poderem, quanto antes, dedicar-se a outras discussões taes como ás dos projectos de fazenda e às das interpellações já annunciadas.
Ora, a verdade, é que, os projectos, financeiros, ainda não foram presentes á camara, e, se ha muitas interpellações annunciadas, os srs. ministros ainda se não deram por habilitados para responder. ..
Uma voz: - Já se deu por habilitado o sr. ministro da marinha.
O Orador: - Foi o único que se promptificou já a responder a algumas.
Não concordo, repito, com a opinião do illustre relator; entendo que este projecto, não só não é tão simples como parece, mas, tem grande importancia, visto ligar-se intimamente, com a solução do problema penitenciário, que se impõe, fatalmente, ao paiz.
E, por isso, me proponho discutil-o, como puder, e, sobretudo, como souber.
Estudei com a attenção devida não só ao nome do seu auctor, mas á importancia do assumpto, o relatorio com que o illustre ministro dá justiça entendeu dever prefaciar a primeira proposta de lei que, por iniciativa individual sua, veiu submetter á apreciação parlamentar. Examinaram-n'o, de certo, com a sua habitual solicitude, todos os membros desta casa que têem de emittir voto sobre o assumpto. Fóra do parlamento, tel-o-ha lido, não digo todo o paiz, visto o grau da nossa illustração tal não comportar, mas a parte d'elle que se preoccupa com o andamento dos negocios publicos. E, ámanhã, fóra do paiz, terão conhecimento d'elle, senão todos, quantos por officio, profissão ou amor ao trabalho, se entregam a estudos penitenciarios, muitos mais do que aquelles, que nós, por exagerada modestia nacional, presumimos terem noticia do que se passa no paiz.
Em cada uma d'essas pessoas, a leitura d'este relatorio despertou, ou despertará, sentimentos varios, conforme o espirito que as animar, e consoante as condições em que se encontrarem; mas em todas, fio, que provocará a mesma penosa impressão que produziu no meu espirito: qual a do governo não haver podido ou querido tirar d'este relatorio a unica conclusão logica que d'elle resulta, - a abolição completa e radical, do que, por um barbarismo scientifico, se chama ainda, emphaticamente, a cadeia civil de Lisboa.
Pois que?! O governo vera declarar, ou antes confessar, num documento publico, que existe n'uma cidade, como Lisboa, uma cadeia civil,, conhecida pelo nome tradicional de Limoeiro, que é um estabelecimento perigoso, onde, manifestamente, será impossivel realisar os fins de justiça e moralidade a que são destinadas as prisões nos paizes civilisados, monstruosidade que é absolutamente necessario extinguir, e não indica ou propõe, se disso entendia carecer, ao parlamento, as providencias necessarias para tal extincção?! (Apoiados.)
O governo depois de expor qual o fim que deve ter a pena, diz-nos o seguinte:
(Leu.}
«Mas como poderá isto alcançar-se numa prisão como a do Limoeiro, onde até hoje se não logrou nem manter a ordem nem impedir o crime? Que lições de honestidade e de virtude podem apparecer entre criminosos, cujo viver é immoral, licenciosa e torpe a linguagem, fazendo gala do crime e jactância da desvergonha? Que educação moral ha de encontrar-se onde é livre a embriaguez, quasi con-

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etante, o jogo, frequentes as desordens e clara ou occultamente se pratica quanto póde perverter o homem, empanar a consciencia, apagar o brio, asphyxiar a honra, atrophiar os bons instinctos?»
Pois quê!? Existe e tolera-se, na capital, uma prisão onde os regulamentos prisionaes mais simples, mais elementares e mais modestas, suo deste modo calcados aos pés, e o governo não toma, ou não propõe, as providencias indispensaveis para acabar com este estado de cousas? Pois isto é governar? (Apoiados.)
Este assumpto é muito grave. O sr. ministro da justiça Tem dizer-nos que no Limoeiro se postergam os regulamentos das cadeias, que os presos andam embriagados, aos desordeiros, jogam e usam de linguagem torpe, têem toda a especie de mau exemplo, e não nos diz ao mesmo tempo como só ha de acabar este mal? Pois não constitue tudo isto grave responsabilidade para o governo? E póde a camara deixar passar sem reparo e sem protesto este diploma? (Apoiados.)
Será esto assumpto pouco grave e pouco importante? Todos os dias, a todas as horas e a todos os minutos, nos ameaça similhante perigo, e havemos de ficar silenciosos, sem procurar conjural-o? Isto não póde continuar assim, Grave responsabilidade a do governo que vem fazer tal declaração, apontar tão grave mal, sem ao mesmo tempo dizer qual o remedio que empregou ou que pretende applicar para o extirpar! Não tinha recursos para tanto? (Apoiados.)
Precisava para isso de que as côrtes lhe dessem meios? Pedisse-os. Estou certo que parlamento algum lhe recusaria os meios necesssrios para acabar com similhante estado. (Apoiados.)
Ainda mais. Não se censuram só transgressões de regulamento, indicam-se factos criminosos praticados no recinto do Limoeiro.
Chamo a attenção da camara, e do paiz, para o que o sr. ministro da justiça acrescenta no seu relatorio:
«N'aquella prisão fabrica-se moeda falsa, falsificam-se firmas commerciaes ou titulos de credito, angariam-se e adextram-se falsas testemunhas, planeiam-se e combinam-se crimes, recebem-se e occultam se objectos illicitamente adquiridos, andam os presos armados como salteadores no ermo, commettem-se assassinatos, evadem-se os criminosos, e é tal a atmosphera de criminalidade que lá se respira, que poucas noites passadas n'aquelle covil têem sido, por mais de uma vez, bastantes para transformar em grave criminoso o homem honesto que por leve falta fora detido.»
Mas onde estão as providencias, tendentes a reprimir, e os processos instaurados para castigar todos estes crimes?
O sr. ministro da justiça vem desenrolar perante a camara este sudario, e não nos diz como intentou reprimir e punir todos esses crimes! (Apoiados.)
Eu sei que as circumstancias são graves, mas os governos não se inventaram para administrar só em condições faceis, mas para superar e dominar difficuldades. (Apoiados.)
O illustre ministro da justiça não achou em toda a litteratura antiga e moderna simile mais apropriado á situação da cadeia do Limoeiro do que aquella mansão funesta que o poeta florentino viu n'um sonho verdadeiramente genial? Esculpiu na porta do Limoeiro a mesma inscripção que o Dante escreveu na porta do inferno. E, depois de ter feito este parallelo, não nos diz o que fez, ou que vae fazer, para fechar as portas d'aquelle outro inferno.
O Dante ao sair do inferno avistou logo as estrellas; o illustre ministro, depois de nos ter entre-mostrado, com o seu relatório, um outro inferno, deixa-nos... a ver estrellas. (Vozes: - Muito bem.)
O sr. Franco Castello Branco: - Se elle não é uma estrella de primeira grandeza, é comtudo uma estrella.
O sr. Mariano de Carvalho: - São dez cometas. (Riso.)
O Orador: - Vejo que o assumpto, para o illustre relator da commissão, não é só pouco importante, é tambem pouco serio.
S. ex.a, quando o governo vem patentear ao parlamento e ao paiz um estado de cousas com relação á cadeia civil da capital, como o que consta d'este relatorio, acha que o assumpto não só é pouco importante, mas ainda é dos que fazem rir.
O sr. Franco Castello Branco: - Não fui eu que os fiz rir; foi o sr. Mariano de Carvalho.
O Orador: - Depois da descripção que se faz n'este relatorio do estado actual da cadeia civil de Lisboa, o primeiro dever do governo, repito, o dever, que, logicamente, se lhe impunha era indicar, ou pedir, ao parlamento, se de tanto precisava, o remedio para curar tão grande mal. (Apoiados.)
É possivel que o sr. ministro me responda não se ter julgado habilitado com os recursos necessarios para acabar, de vez, e desde já com similhante estado de cousas, que, entendera necessario caminhar n'este assumpto gradual e paulativamente, e que, por isso, resultados completos, só d'aqui a muito tempo se poderiam conseguir.
Foi isto que, interpretando, creio, o pensamento do sr. ministro, disse o sr. relator da commissão, quando avançou que a medida que se propunha tinha um caracter provisorio.
A defeza do illustre ministro, a ser qual a suppuz, não procederia.
O governo tem tido os meios necessarios para de ha muito haver acabado com o Limoeiro.
Se não acabou, a responsabilidade é toda sua, porque não cumpriu as leis. (Apoiados.)
E, como desde 1867 até hoje se têem succedido, com pequenas interrupções, governos da parcialidade politica do actual sr. ministro da justiça, essa responsabilidade é, na maxima parte, do partido que s. exa. representa. (Apoiados.)
Publicou-se a lei de 1 de julho de 1867. Ficava o governo obrigado, não só a crear tres cadeias penitenciarias centraes, mas tambem a fazer com que os districtos creassem penitenciarias districtaes, e com que os concelhos que compõem cada camara, creassem as prisões comarcas.
Era esta a principalissima disposição pratica da lei de 1 de julho de 1867.
Não discuto n'este momento, se o systema do estado descentralisar de si para as corporações locaes o direito, ou antes, o dever, de construir as cadeias penitenciarias, é, ou não, o preferivel. Lembrarei só que tal systema deu mau resultado na Belgica, e notarei que me não pareço indispensavel levar tão longe os principios descentralisadores, que se deva julgar improprio da missão do estado o construir, elle, todas as prisões penitenciarias.
Bom ou mau, o systema da lei de 1 de julho de 1867, é o que está em vigor: ao governo cumpria pol-o em completa execução.
Mas que se tem feito desde 1 de julho de 1867?
Acaso o governo tem pelos seus representantes obrigado as juntas geraes de districto e as camaras municipaes a inserir, nos seus orçamentos, as verbas necessarias para a construcção de prisões districtaes e comarcas?
O codigo administrativo declara estas despezas obrigatorias para as juntas geraes e camaras municipaes. Pergunto: como é que o governo tem deixado passar tantos annos, depois de publicada a lei de 1867, e tem consentido o Limoeiro n'este miseravel estado, sem obrigar a junta geral do districto de Lisboa a construir a prisão districtal, a que era obrigada?! Grave responsabilidade! E responsabilidade, não só em absoluto, mas responsabilidade relativa, porque o governo tem auctorisado empréstimos para outras despezas de certo não mais urgen-

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tes. O Diario ao governo, ha poucos dias, publicou o seguinte decreto:
«Tendo a junta geral do districto de Lisboa, em sessão de 27 de novembro ultimo, deliberado contrahir com a companhia geral do credito predial portuguez um emprestimo de 180:000$000 réis, amortisavel em sessenta annos e com as condições actualmente estipuladas por esta companhia para as operações de igual natureza, devendo a mesma junta inscrever como despeza obrigatoria nos seus orçamentos ordinarios a respectiva annuidade tirada da receita proveniente da percentagem addicional ás contribuições geraes do estado, e devendo o producto d'este emprestimo ser exclusivamente applicado á construcção de estradas districtaes nos termos das auctorisações orçamentaes; e
«Attendendo a que no orçamento districtal para o corrente anuo está inscripta a verba de despeza necessaria para pagamento da respectiva annuidade:
«Hei por bem conceder a auctorisação pedida pela commissão executiva da mesma junta para, nos termos acima declarados, poder contratar o referido emprestimo.
«O ministro e secretario d'estado dos negocios do reino assim o tenha entendido e faça executar. Paço, em 21 de janeiro de 1886. = REI.= Augusto Cesar Barjona de Freitas.»
Assim, ajunta geral do districto do Lisboa, é auctorisada a contrahir um emprestimo de 180:000$000 réis para a construcção de estradas districtaes, e o governo não a obriga a propor a verba necessaria para se cumprir uma obrigação muito mais importante, qual é a de construir a cadeia districtal de Lisboa! (Apoiados.)
Se se tivesse cumprido a lei de 1 de julho de 1867 e se se tivesse obrigado as juntas geraes e camaras municipaes a construir as suas cadeias penitenciarias, districtaes e comarcas, o que acontecia? O Limoeiro já estava ha muito tempo desimpedido - melhor diria, desentulhado - e era inútil trazer este projecto á camara. (Apoiados.)
Porque vem aqui, pois, este projecto? Se o Limoeiro está ainda no estado lastimoso, em que o sr. ministro da justiça o descreve; é porque o governo não cumpriu a lei de 1867, que obrigava...
Uma voz: - O sr. ministro está ali ha apenas um mez!
O Orador: - Mas a situação não é o sr. ministro da justiça; a situação não está ali ha só um mez!
Uma voz: - E os governos progressistas?
O Orador: - Referi-me a todos os governos desde 1867 até hoje. Não estou a fazer questão politica; quando quizer, sei quando, onde, e como, a, hei de levantar. (Apoiados.) É assim respondo, por agora, á interrupção que me foi dirigida.
Portanto, se o governo tivesse cumprido esta obrigação legal, não era preciso trazer aqui o projecto.
Póde o illustre ministro dizer: esse mal erra feito, já não tem cura. Tratemos, por isso, do unico expediente acceitavel nas actuaes condições. E esse é o que consta do projecto que submetto á deliberação parlamentar.
Ora, eu proponho-me demonstrar que similhante proposta não satisfaz, por fórma alguma, o fim a que o illustre ministro se propoz.
Vozes: - Deu a hora.
O sr. Presidente: - Deu a hora. O illustre deputado póde continuar o seu discurso na sessão seguinte, ou terminal-o hoje, querendo.
O Orador: - Visto que deu a hora, eu não quero abusar, um minuto sequer, da benevola attenção da camara. Reservo-me, por isso, para, ámanhã, continuar na ordem de considerações que encetei, visto não me ser possivel terminal-as hoje.
O sr. Ministro da Justiça (Manuel d'Assumpção): - Tenho a participar a v. exa., que Sua Magestade El-Rei receberá ámanhã, pela uma hora da tarde, a deputação que tem de apresentar lho a resposta ao discirno da corôa.
O sr. Presidente: - Serão prevenidos os srs. deputados que compõem a deputação.
Fica com a palavra reservada o sr. Beirão.
A ordem do dia para amanha é a continuação da que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Redactor = S. Rego.

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Projecto de lei estabelecendo as condições que são necessarias para a elegibilidade dos pares electivos e para a nomeação dos vitalicios, apresentado pelo sr. deputado Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto na sessão de 5 de janeiro,
e que devia ler-se a pag. 5

Senhores.- São grandes e manifestas as desigualdades observadas entre as bases das vinte categorias fixadas para o pariato pela lei de 3 de maio de 1878; sem fundamento sensato é a distincção estabelecida, como uma excepção no paragrapho do artigo 5.°, entre as categorias para a successão ao pariato e para a nomeação de pares vitalicios, das quaes estas são, pela carta do lei de 24 de julho ultimo, applicadas á eleição dos pares temporarios, e modificadas pela lei de 21 do mesmo mez na parte relativa aos capitalistas, proprietarios, commerciantes e industriaes.
Evitemos considerações theoricas, quando temos tantos factos a indicar-nos a verdadeira estrada.
A independencia e a illustração provadas era funcções publicas, reconhecidas por garantias mais ou menos provaveis, constituem evidentemente a condição fundamental para o ingresso na camara dos dignos pares do reino; e esta base ha de ser traduzida, para cada classe, por uma equivalencia que só a experiencia dos negocios publicos póde indicar.
Attendâmos á natural comparação entre algumas das mais importantes funcções publicas.

Um lente de direito é escolhido por muitos que foram seus mestres, entre os mais distinctos alumnos dos cursos desta faculdade; e depois de ter atravessado as difficeis provas estabelecidas nos estatutos e regulamentos da nossa universidade para os gráos superiores de licenciado e doutor.
Por estes motivos é obvio e justo que o tempo de serviço effectivo como lente de direito não póde ter só o mesmo valor e a mesma significação que o tempo de serviço em qualquer das outras carreiras publicas, para as quaes o curso juridico seja habilitação indispensavel ou de summa conveniencia.
Mas obvio é tambem que esta distincção não póde ir até ao limite monstruoso de que dez annos de serviço como lente, valham tanto como oito a dez annos no logar de delegado de procurador regio, quinze a vinte na primeira instancia da magistratura judicial e ainda mais cinco na segunda instancia; é justo que tão longe não vá.
Não adduzirei para argumento o concurso que abre a carreira do ministerio publico para os delegados de procurador regio.
Esse concurso tem sido quasi sempre uma ridicula ficção; e antes tivesse sido sempre assim, para não ter sido, por vezes, origem de atrozes injustiças contra meritos provados.
Observe-se, porém, que, salvas rarissimas excepções, os magistrados judiciaes são escolhidos entre os delegados de procurador regio com mais de oito annos de serviço ou na magistratura do ultramar com seis annos de serviço judicial ou de serviço no ministerio publico superior, nos termos do regimento de justiça de 1 de dezembro de 1866, artigo 149.°, e do decreto de 17 de novembro de 1869, artigo 7.°, tendo estes, os do ultramar, em geral, dois annos de serviço como delegado do procurador geral da corôa e da fazenda junto á relação judicial de Loanda ou Goa.
Só conheço um magistrado que tenha passado da magistratura administrativa para a judicial, juiz que é um dos mais distinctos ornamentos da nossa magistratura superior; esta excepção tem justificado plenamente a disposição da lei que a permittiu.
Só conheço um juiz que, tendo feito a sua carreira no continente do reino, se tenha demorado menos de oito annos no serviço do ministerio publico; mas a promoção d'este magistrado, á custa da preterição de quarenta collegas seus, muitos de merito superior, foi tão mal apreciada e tão mal recebida pelo paiz e em especial pela magistratura, que certo estou de que mais não haverá ministro com coragem para repetir o facto, pelo menos em condições normaes de administração publica.
A novissima reforma judicial, artigo 91.° § unico, determina que os juizes de direito de 3.ª classe sejam escolhidos entre os delegados de procurador regio que tenham mais de seis mezes de serviço; mas o facto é, como deixo observado, que, salvas rarissimas excepções, só com oito annos de serviço são estes funccionarios collocados na magistratura judicial.
É assim preparados que os bachareis formados em direito entram na magistratura judicial, em cujo quadro a promoção de classe e de instancia não é dependente da livre escolha do ministro da justiça, nem regulada unicamente pela, antiguidade.
Para cada vacatura o supremo tribunal de justiça indica tres que julga mais dignos entre os nove mais antigos, podendo preterir os que conheça sem condições para bem exercer funcções de tão grave e seria responsabilidade; o ministro da justiça escolhe um d'esses tres; tal é a disposição do artigo 5.° da lei de 21 de julho de 1855.
Entendo por isto que é digna de uma categoria especial para o pariato a magistratura judicial de primeira instancia na 1.ª classe, com dez annos de serviço effectivo, sendo contado o tempo de serviço nas outras duas classes.
Sei que sem este tempo do serviço nenhum magistrado chega á segunda instancia, nas circumstancias actuaes da organisação judicial; mas, ainda assim, julgo que a lei das categorias para o pariato não fica completa, nem rasoavel, sem que tenha fixado uma categoria especial para os conselheiros do supremo tribunal de justiça e para os juizes da segunda instancia da magistratura judicial, sem limitação de tempo.
Mais do que estas considerações e outras que facil me fôra adduzir, todas exactas e justas, valem os nove quadros que apresento, os quaes tive o cuidado de organisar pelas listas dos magistrados judiciaes publicadas em 1878. 1882 e 1885 por um habil funccionario da secretaria da negocios da justiça. Um rapido correr de olhos descobre em algarismos a confirmação d'estas considerações.

Passo a comparar outras carreiras.

Em geral, salvas rarissimas excepções, as quaes aliás têem sido quasi todas justificadas pelos meritos das pessoas por ellas favorecidas, para a arma de engenheria só têem sido chamados praças e officiaes que, no terceiro anno da faculdade de mathematica da universidade de Coimbra ou no da escola polytechnica de Lisboa, tenham sido collocados em 1.ª classe, isto é, os mais distinctos dos seus cursos.
O mappa n.° 10, que tenho a honra de offereccr á vossa illustrada e recta apreciação, bem mostra que cuidados os conselhos d'estas escolas têem posto no recrutamento dos seus alumnos para os legares de 1.ª classe.
É de tres annos, com muitas cadeiras e variados programmas, com rigorosas provas theoricas e praticas, o curso de engenheria militar, para entrar no qual é habilitação indispensavel ter a carta de bacharel na faculdade de mathematica e seis das oito cadeiras, as mais importantes, da faculdade de philosophia, cujos diplomas juntos

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são equivalentes á carta de bacharel na mesma faculdade; ou a carta da escola polytechnica de Lisboa.
Esta rapida exposição parece-me que justifica plenamente a categoria que proponho para os officiaes d'esta arma. Para os das outras armas e do corpo do estado maior lembro differenças que reputo consequencias necessarias das habilitações legalmente exigidas para o ingresso nos respectivos quadros.
É tambem por considerar a importancia das habilitações, comprehendidas no curso a que são obrigados os officiaes da armada, e o valor dos serviços proprios d'esta heroica instituição, que para estes officiaes proponho a menina categoria fixada para os officiaes do corpo do estado maior.
Hesitei, senhores, n'este ponto.
Não fôra mais rasoavel agrupar na mesma categoria e com a mesma consideração officiaes da arma de engenheria e os da armada?
Talvez.
Repito que hesitei n'este ponto; decidiu-me unicamente a consideração de que para a arma de engenheria é exigida classificação distincta no curso preparatorio superior, salvas rarissimas excepções.
É bem merecida esta distincção para as armas, as quaes têem hoje, entre as nações cultas, feição rigorosamente scientifica.
A guerra é uma sciencia; já tem regras traduzidas por formulas mathematicas; e estas pequeninas constellações de symbolos são grandes systemas de idéas.

Não podem ficar esquecidos, n'esta lei de categorias, os serviços prestados pelos prelados das dioceses das ilhas adjacentes e das provincias ultramarinas.

novo acto addicional de 24 de de julho de 1885 confirmou o decreto de 30 de abril de 1826, fazendo pares por direito próprio o patriarcha do Lisboa, os arcebispos e bispos do reino, pelo simples facto da sua elevação ás referidas dignidades.
Em 1826 o até muitos annos depois, comprehendia-se que este privilegio não fosse concedido aos prelados das dioceses das ilhas adjacentes e do ultramar pelas difficuldades da viação. Outra rabão não houve a determinar privilegio tão distincto.
Desde que este era applicado a prelados de pequenas dioceses, como Aveiro, Lamego, Leiria e Pinhel; desde que não abrangia o metropolita do Oriente; claro é que nem a importancia das dioceses, nem a categoria das dignidades ecclesiasticas tinham sido consideradas.
A rasão das difficuldades da viação, o argumento das distancias, não vale hoje. Para muitos hoje é mais difficil, mais incommoda e até mais perigosa a jornada de Bragança que a viagem da Madeira ou da Terceira para Lisboa.
Nem se diga que o inconveniente está em augmentar o numero dos pares por direito proprio. Pequeno fôra este augmento em 1826; hoje nem augmento haveria, para ser notado, em relação a essa epocha, porque foram ultimamente reduzidas as dioceses do continente.
Sendo pares do reino por direito proprio o arcebispo primaz do Oriente, os bispos de Angra, do Funchal, de Angola e Congo, de Cabo Verde e Macau, não haveria por este titulo hoje muitos mais pares que em 1826, desde que foram supprimidas as sés de Castello Branco, Leiria, Aveiro, Pinhel e Elvas; só mais um.
Mas é perder tempo tratar d'este assumpto; e o mesmo fora discutir se é rasoavel, conforme com os principios do direito publico, em harmonia com as verdadeiras conveniencias da igreja e do estado, conferir aos prelados o direito proprio de legislar.
É questão resolvida, ha menos de um anno; nem podem as côrtes alterar o que está prescripto, sem que tenha decorrido o praso constitucional que o novo acto addicional fixou. Repetirei, ainda assim, o que tive occasião de dizer no debate das reformas politicas.
Se em 1826 as condições da política portugueza exigiam este favor para o episcopado, era tambem do summa conveniencia, na corrente legislatura, transigir com as circumstancias especiaes da nossa epocha e do nosso paiz. Acertado foi conservar o direito proprio do pariato aos prelados das dioceses do continente, como tambem fôra acertado tel-o conferido aos das outras dioceses da monarchia.
Mas, já que ao episcopado das ilhas adjacentes e do ultramar não foi conferido este distincto privilegio; desde que as côrtes não podem conferil-o sem que haja decorrido um praso determinado; desde que o mesmo privilegio não constituo, como em verdade não constitue, motivo sufficiente para perturbar o andamento constitucional da nação com um terceiro acto addicional ao codigo fundamental; é de manifesta justiça que a camara alta seja aberta para cidadãos elevados ás principescas culminações da igreja portugueza, em terras que Portugal deve amar como filhas queridas.
Não é sómente porque têem honras de principes 1 o arcebispo primaz do Oriente, os bispos das dioceses das ilhas adjacentes e das províncias ultramarinas que entendo que uma categoria especial para o pariato tem de ser fixada para estes prelados. Se a presumpção do talento e do saber é condição sufficiente para considerar-se um cidadão apto para entrar na camara alta, não póde haver duvida alguma no estabelecimento d'esta categoria; pois «para a ordem episcopal requer-se o grau de mestre, doutor ou licenciado na sagrada theologia ou canones; ou que, por testemunho publico de alguma academia o ordinando seja declarado capaz de instruir os outros (concilio de Trento, sessão XXII, capitulo II; e sessão XXIV, capitulo I) 2.
Se, nos ultimos tempos, têem sido elevados á ordem do episcopado clerigos que não tenham estas distinctas habilitações, têem sido esses factos erros excepcionaes de administração, que não podem ser invocados como argumento para influir n'uma lei justa e sabia. O Santissimo Padre parece mesmo ter reconhecido esta doutrina, agraciando, como para corrigir um erro, com o grau de doutor um clerigo feito arcebispo sem ter em rigor as habilitações exigidas pelo sagrado concilio tridentino. Deixarei de apreciar este caso, tão curioso como o de um soberano que se lembrasse de honrar um grande dos seus estados com a côr azul no sangue; assumptos mais serios reclamam a minha attenção.
O mappa n.° 11, extraindo de uma primorosissima memoria historica 3, demonstra o valor da escolha feita, durante

1 Entre as honras e os titulos de consideração a que têem direito, pelo facto da sua elevação á dignidade episcopal, o patriarcha de Lisboa, todos os arcebispos e bispos portugueses, têem a de receber, nas terras e praças de suas dioceses, cortezias militares iguaes ás de pessoa real (carta regia de 27 de fevereiro de 1743).
Os do ultramar, dentro de suas dioceses, precedem a toda e qualquer pessoa secular, ainda que tenha patente de capitão general (decreto de 21 de janeiro de 1826).
São todos grandes do reino, sem exceptuar os simplesmente titulares ou in partibus nomeados por el-rei (lei de 29 de janeiro de 1739. §§ 1.° e 5.°).
Sobre este assumpto muito convem ler o excellente livro do fallecido lente da faculdade de direito, da universidade de Coimbra, dr. Bernardino Joaquim da Silva Carneiro, Elementos de direito ecclesiastico portuguez e seu respectivo processo, livro adoptado ainda hoje na mesma faculdade para texto das lições d'este importante ramo da sciencia juridica.
Em 1882 foi publicada a terceira edição d'esta obra, revista e correcta pelo meu presadissimo amigo e collega dr. José Pereira de Paiva Pitta, um dos mais conspicuos ornamentos da nossa universidade, um dos mais eximios canonistas da actualidade.
Este assumpto vem tratado no § 147.° do livro citado.
2 § 68.° do livro citado na nota anterior.
3 Appendice IV da Memoria historica e commemorativa da faculdade de theologia da universidade de Coimbra pelo dr. Manuel Eduardo da Motta Veiga.

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um seculo, para as sagradas culminações da igreja portugueza, ennobrecida com os gloriosos brazões de D. Fr. Bartholomeu dos Martyres, o austero reformador que no concilio de Trento marcou uma das mais notaveis epochas da historia da igreja catholica; de D, Fr. Caetano Brandão, o piedosissimo ministro da caridade, cuja pobreza offuscou na igreja primacial de Braga a opulencia de um filho de D. João V; do douto benedictino D. Fr. Joaquim de Santa Clara, o bravo heroe do pulpito; de D. Fr. Francisco de S. Luiz, o patriota honradíssimo e sincero liberal, que foi sempre um santo de virtudes; de D. Fr. Joaquim do Desterro ou Joaquim Pereira Ferraz, o Lingua do Prata; de D. Fr. José Maria da Silva Torres 1, que na cadeira primacial do Oriente mostrou que no seu tempo ainda havia portuguezes dignos da patria do marquez de Pombal; e de outros muitos prelados illustres de virtudes e saber.
Depois de 1872, e sem demorar me em investigações, lembro-me de que têem sido chamados para mitras episcopaes os seguintes doutores theologos 2:
Antonio José de Freitas Honorato - arcebispo de Mitylene como vigario geral do patmsrehado - ultima e actualmente arcebispo de Braga;
Antonio Sebastião Valente - arcebispo de Goa;
Augusto Eduardo Nunes - coadjutor e futuro successor do arcebispo de Evora com o titulo de arcebispo de Perga;
Fr. João Chrysostomo de Amorim Pessoa - arcebispo de Braga;
Fr. Manuel Bernardo de Sousa Ennes - bispo de Macau - bispo de Bragança e Miranda - ultima e actualmente bispo de Portalegre.
D'esta relação deduzi o mappa n.° 12.
Os doutores theologos não têem sido os unicos doutores elevados a tão altas dignidades; muitos prelados têem eido escolhidos tambem entre os das outras faculdades.
Eram doutores em canones o insigne cardeal D. Pedro Paulo de Figueiredo da Cunha e Mello, que foi arcebispo de Braga; e seu irmão D. Luiz, que foi bispo de Beja e um dos deputados do soberano congresso constituinte de 1821.
Até a faculdade de mathematica concorreu para o episcopado com um do seus lentes, o qual não conseguiu agradar á curia. Foi este apresentado na sé de Aveiro, ultimamente supprimida; mas não foi confirmado.. Succedett isto com o dr. fr. Antonio de Santo Illidio da Fonseca e Silva.
E notem v. exas. que só tenho fallado de doutores. Tambem muitos prelados toem sido escolhidos entre os bachareis formados na faculdade de theologia ou na de direito; mas entre os de superior illustração provada e reconhecida.
Uma das mais acertadas e distinctas nomeações feitas nos ultimos tempos, nomeação que foi um acto de honrada e patriotica administração, digna do eminente estadista que a decretou, o nosso illustre collega o sr. conselheiro Lopo Vaz, foi a do s. exa. revma. o sr. arcebispo-bispo do Algarve, cujo governo ha de marcar na historia da igreja portugueza uma epocha de luzimento e gloria.
Não era doutor este illustradissimo sacerdote; mas tinha concluido na faculdade de direito a sua formatura com mui notavel distincção, no tempo em que esta faculdade contava alumnos de merecimentos extraordinarios como Lopo Vaz, Emygdio Navarro, Antonio das Neves de Oliveira e Sousa, Gaspar Borges Garcia Pereira, Julio de Vilhena, Hintze Ribeiro, Mergulhão e outros mais.
Tenho-me demorado tanto em justificar a categoria que proponho para os prelados das igrejas episcopaes das ilhas adjacentes e das provincias ultramarinas, mais para deixar aqui bem consignados os meus sentimentos de veneração por esta reverendissima classe, do que para levar a convicção ao espirito de alguem.

Para outras dignidades ecclesiasticas (deão, arcediago, chantre, thesoureiro-mór, mestre-escola), como para os desembargadores das relações ecclesiasticas e governadores de dioceses, proponho tambem uma categoria, desde que tenham doze annos de serviço, tempo bem sufficiente para cada qual mostrar, em funcções tão modestas como augustas, merecimentos que o recommondem para a subida honra a que se refere este projecto de lei.
O decreto de 5 de dezembro de 1836, artigo 77.°, e o decreto com força de lei de 20 de setembro de 1844, artigo 97.°, exigem a formatura na faculdade de theologia como habilitação necessária para todas as dignidades ecclesiasticas, como para os canonicatos; e, n'este ponto, estas sapientissimas disposições, consentaneas aos cânones da igreja, do manifesta necessidade para os interesses da igreja e do estado, se estão modificadas pelo artigo 9.° da carta do lei de 28 de abril de 1845, podem ser consideradas como subsistindo ainda, porque esta ultima disposição legislativa equiparou, para este effeito unicamente, os bachareis formados em direito aos bacharéis formados em theologia. É pois verosimil e legitimo suppor se, em cidadãos que possuem habilitações d'esta ordem, a illustração sufficiente para as funcções legislativas.
Alem d'estas rasões ou ainda acima d'ellas, está a do culto externo, que os poderes publicos devem augmentar em esplendor para a religião, que é a educação permanente do genero humano, na phrase de Lessing, reproduzida n'esta camara pelo nosso talentoso collega dr. Santos Viegas.

A lei de 3 de maio de 1878, que a muitos seduziu como liberal, exigia para a categoria de proprietario ou capitalista um rendimento não inferior a 8:000$000 réis annuaes, provado pelas respectivas matrizes de contribuição predial, ou por titulos de divida publica fundada, devidamente averbados com tres annos de antecipação, pelo menos, sendo liquido e livre de quaesquer onus ou encargos; e para a de industrial ou commerciante o pagamento, noa ultimos tres annos, de 1:400$000 réis annuaes do contribuição industrial ou bancaria. Estas bases foram reduzidas a metade pela lei de 21 de julho do anno ultimamente findo, devida á iniciativa do digno par do reino progressista o sr. Henrique de Macedo.
Para as circumstancias da propriedade, do capital, da industria e do commercio n'este paiz eram, em verdade, excessivas estas bases; e portanto foi justa a reducção n'ellas ultimamente introduzida. Alem de justa, foi conveniente e opportuna para a politica da nação.
Se não convem alargar muito a elegibilidada, nem as condições de nomeação para o pariato, tambem não é conveniente apertal-as em estreitos limites, correndo-se o risco de não haver cidadãos habilitados real e legalmente para tão subido cargo.
Alem de tudo isto e em summa, convem uma rasoavel proporção entro as bases das diversas categorias, proporção que era muito desfavoravel para os proprietarios, capitalistas, conimerciantes e industriaes, poderosissimos agentes da vida nacional. Este facto é conhecido de todos; não é preciso organisar mappas de todos os cidadãos comprehendidos nas diversas categorias, em determinada epocha, o que exigiria demorado trabalho. Sufficiente será o mappa dos que têem sido nomeados pares do reino depois da referida lei de 3 de maio de 1878.
Consultemos os factos, meus senhores; bastam os que naturalmente cada um de nós tem presentes á memoria, sem precisar de folhear os registos parlamentares.

1 Foi monge benedictino e tomou o grau de doutor com o nome de fr. José de Jesus Maria Torres.
2 Sigo a ordem, alphabetica, a mesma que o dr. Manuel Eduardo da Motta Veiga observou no citado appendice IV.

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Na fornada de 2 de dezembro de 1878 nem um proprietario ou capitalista entrou; nem um industrial ou commerciante!
Em janeiro de 1880 houve numerosa fornada, na qual encontro apenas dois ou tres proprietarios e um capitalista. Industrial nem um! As cartas regias da nomeação dos pares escolhidos então, quasi todas, têem a mesma data - 8 de janeiro -; mas a do capitalista tem a de 15 de janeiro e das dos proprietarios uma tem a data de 21 de janeiro e outra a de 4 de março. Esta differença de datas traduz difficuldades que alguns dos nomeados tiveram, mais que outros, para demonstrar, por documentos, categoria para as altas funcções em que íam ser investidos.
Na fornada de 7 de janeiro de 1881 lembro-me de ter encontrado um só proprietario. Na de 29 do dezembro do mesmo anno encontro apenas dois proprietarios.
E industrial? Nem um!
O enormissimo defeito da actual lei de categorias para o pariato está na desproporção entre as respectivas bases, como já tive occasião de fazer notar para algumas.
No quadro dos professores de instrucção superior a grande maioria está comprehendida na respectiva categoria, por ter mais de dez annos de serviço; e, nas numerosas classes da proprietarios, capitalistas, industriaes e commerciantes, poucos, mesmo muito poucos, poderão provar que attingem as condições fixadas na lei de 3 de maio de 1878! Mas esta desigualdade excede ainda quanto se tem dito sobre o assumpto; chega a ser monstruosa para algumas classes!
Como ha de conquistar ingresso na categoria 20.ª da referida lei o escriptor publico? Os que fazem profissão habitual d'esta illustrada industria, profissão que tanto se approxima das funcções de professor, estão comprehendidos com o n.° 213 na tabella B, na parte 1.º da 6.ª classe, para a contribuição industrial, tabella approvada pelo decreto de 3 de junho de 1880, e sujeitos a taxas variaveis com a ordem das terras, desde 22$400 réis para a . 1.º até 4$200 réis para a 6.ª ordem. Ora, quantos escriptores publicos serão necessarios para constituir um gremio, em terra de primeira ordem, de modo que pague 1:400$000 réis? São precisos 63, ficando apenas um resto de 12$200 réis para ser distribuido por 62! E esta hypothese é extrema, mesmo inverosimil. E é em terra de primeira ordem. E em terra de segunda? São precisos 73, ficando um resto inferior a l$820 réis para ser distribuido por 72!
Os medicos têem na administração publica uma funcção importante, por todos reconhecida. Ha muitos de subido merito e bem dignos de um logar na camara alta. Pois bem; na lei de 3 de maio de 1878 encontram quasi a mesma consideração que os escriptores públicos; posso até dizer a mesma.
Com o numero 340 estão os médicos comprehendidos na tabella B, na parte 1.ª da 5.ª classe, para o pagamento da contribuição industrial, á qual estão sujeitos pelo decreto de 3 de junho de 1880. A taxa para estes benemeritos industriaes desce de 36$400 réis nas terras de 1.ª ordem até 7$700 réis nas de 6.ª ordem. Para que, em terra de 1.ª ordem, possa organisar-se um gremio de medicos por fórma que haja um a pagar 1:400$000 réis, embora cada um dos outros pague uma quantia insignificante, é necessario que ahi haja 39 medicos; e n'este caso ficarão pouco mais de 36$000 réis para ser pagos por 38.
Para que calculeis bem o valor d'esta observação, indico-vos, meus senhores, as paginas 2:182 e 2:183 do Diario do Governo do anno ultimamente findo. O n.° 178 d'esta folha, de 12 de agosto, traz publicada a lista nominal e residencial dos medicos matriculados nos commissariados das tres divisões da policia civil d'esta capital; e ahi se vê que estavam então matriculados:
31 na primeira divisão;
69 na segunda; e
60 na terceira.
Exactamente o mesmo succede com os advogados, que tantas illustrações contam a engrandecer o fôro portuguez; que tão valiosos serviços têem prestado no parlamento, quando aqui os têem trazido os votos dos seus concidadãos.
Estas observações mostram que não têem remedio na lei de 21 de julho de 1885 os maiores defeitos da lei de 3 de maio de 1878. Era justo e conveniente reduzir as bases das categorias 19.ª e 20.º d'esta ultima lei, principalmente para haver approximada proporção na representação das mais importantes classes da nação; mas muito mais urgente, ainda mais justo e conveniente, fôra revogar disposições que traduzem as monstruosas desigualdades por mim aqui ligeiramente indicadas.
Mas, se era justo e conveniente reduzir as bases d'estas duas categorias, que estou apreciando, nem menos conveniente, nem menos justo fôra exigir aos proprietarios, capitalistas, industriaes e commerciantes algum serviço publico, no qual elles possam revelar, não só aptidão para negocios publicos, mas tambem dedicado interesse em servir o paiz. Porque um cidadão alcançou grangear e conservar uma fortuna avultada; porque soube promover o estabelecimento de uma fabrica, melhorar e aperfeiçoar uma industria; não se póde suppor que esse mesmo cidadão seja o mais apto para representar a sua classe na alta assembléa dos dignos pares do reino: e menos ainda ao póde calcular que no mesmo estejam reunidos os dotes indispensáveis de legislador.
Por estes motivos tenho a honra de propor-vos, meus senhores, nas leis de 3 de maio de 1878 e 21 de julho de 1885 as modificações que encontrareis nas categorias XXXVII, XXVIII e XXXIX d'este projecto de lei.

Não sou o primeiro a ter a honra de lembrar perante esta assembléa a manifesta conveniencia de uma categoria especial para os socios da academia real das sciencias de Lisboa. O fallecido deputado, escriptor erudito e inspirado, Teixeira de Vasconcellos, cujo vulto sympathico o querido explende com os brilhos da gloria na historia da litteratura portugueza, prestou esta justa homenagem era phrases breves e sentidas, n'esta casa, quando aqui foi approvado o projecto de lei vindo da outra casa do parlamento com a fixação das categorias para o pariato.

Deixando este e outros detalhes da mesma valia, em relação aos quaes, tão singelos como importantes, haveis de encontrar plena justificação para o que tenho a honra de propor-vos, desde que a este assumpto dispenseis uns minutos de reflexão, vou concluir desenvolvendo um ponto que reputo capital n'este projecto de lei.

Convem ou neto que as mesmas sejam as condições de elegibilidade para os pares temporários, de nomeação dos pares vitalicios e de fruição do direito successorio?
A lei de 3 de maio de 1878, resentindo-se naturalmente da vicios da sua origem, que foi da iniciativa da camara dos dignos pares, estabeleceu para a successão do pariato, no § unico do seu 5.° artigo, condições diversas das que fixára para a nomeação dos pares. Estabeleceu-as com muito menos rigor! A consideração que devo ter pela outra casa do parlamento, meus senhores, impede-me de classificar este facto como em minha consciencia o avalio. Mas não offendo aquelle alto corpo legislativo, cujas tradicções respeito e estimo como liberal, apresentando o seguinte quadro comparativo:

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318 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Algumas das categorias para a nomeação de pares do reino (artigo 4.º da lei de tres de maio de 1878):

a) Conselheiro do supremo tribunal do justiça - juiz de segunda instancia em alguma das relações do continente e das ilhas adjacentes, com cinco annos de exercido.
b) Procurador geral da corôa e da fazenda com cinco annos de exercicio - ajudante do procurador geral da corôa e da fazenda com dez annos do exercicio.
c) Marechal do exercito ou almirante - general de divisão ou vice-almirante- general de brigada ou contra-almirante com cinco annos de exercicio n'este posto.
d) Lente de prima na universidade de Coimbra - lente cathedratico ou substituto, effectivo ou jubilado, da mesma universidade ou professor, proprietario ou substituto, effectivo ou jubilado, em qualquer escola ou instituto de instrucção superior, com dez annos de exercicio.
e) Embaixador em missão ordinaria, ministro plenipotenciario com cinco annos de serviço em missão ordinaria.

Algumas das categorias para a fruição do direito successorio do pariato (§ unico do artigo 5.° da lei do 3 de maio de 1878):

a) Membro da magistratura judicial com cinco annos do exercicio.

b) Ajudante do procurador geral da corôa e da fazenda com cinco annos de exercicio.

c) Capitão do exercito do reino ou primeiro tenente da armada com cinco annos de exercicio n'este posto.

d) Lente da universidade do Coimbra ou professor em alguma das escolas superiores de instrucção publica, com cinco annos de exercicio.

e) Primeiro secretario de legação, tendo cinco annos do exercicio.

Como v. exas. sem duvida hão do ter observado, este quadro parece incompleto.
A condição de estar um cidadão comprehendido numa das categorias da lei de 3 de maio do 1878, para fruir do direito successorio ao pariato (artigos 4.° e 5.°), é só modificada pelo § do 5.° artigo para onze categorias; para as outras, que são nove, sem contar a extraordinaria do 1.° § do artigo 4.°, não foi introduzida modificação alguma! Incrivel! Nem para a categoria de deputado! Parece que as modificações do paragrapho do artigo 5.° foram determinadas unicamente por conveniencias individuaes!
Este ponto é capital. Estou certo de que a vossa superior illustração ha de reconhecer a justiça e a conveniencia do projecto que tenho a honra de apresentar para que as mesmas sejam as condições da fruição do direito successorio ao pariato que as de elegibilidade para os pares temporarios e as da nomeação dos vitalicios.
Se este projecto alcançar as honras do debate, cumprirei gostosamente o dever de defendel-o no que elle for atacado e acceitarei reconhecido todos os melhoramentos que lhe forem propostos.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados da nação portugueza, 5 de janeiro de 1886. = O deputado, Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto.

Projecto de lei

Artigo 1.° Sãs as seguintes as condições para a elegibilidade dos pares do reino temporarios, para a nomeação dos pares do reino vitalicios e para o excepcional direito successorio ao pariato garantido pelo § 7.° do artigo 6.° do acto addicional de 24 de julho de 1885:
1.ª Ser cidadão portuguez sem nunca ter perdido a nacionalidade por culpa propria;
2.ª Estar no uso pleno dos direitos civis e politicos;
3.ª Ter mais de trinta e cinco annos de idade;
4.ª Estar comprehendido em qualquer d'estas categorias:
I. Conselheiro d'estado;
II. Ministro e secretario d'estado com dois annos de effectivo serviço;
III. Presidente da camara dos senhores deputados da nação, em duas sessões legislativas;
IV. Deputado da nação em seis sessões legislativas;
V. Arcebispo primaz do oriente, bispos das dioceses das ilhas adjacentes e das provincias ultramarinas;
VI. Dignidade ecclesiastica (deão, arcediago, chantre, thesoureiro-mór, mestre-escola), governador de dioceses ou desembargador de relação ecclesiastica, em qualquer das sés do continente, das ilhas adjacentes ou das provincias ultramarinas, com doze annos de serviço effectivo;
VII. Juiz conselheiro do supremo tribunal de justiça;
VIII. Juiz relator do tribunal superior de guerra e marinha;
IX. Juiz de segunda instancia na magistratura do continente ou das ilhas adjacentes;
X. Adjunto ao juiz relator do tribunal superior de guerra e marinha;
XI. Juiz de 1.ª classe na primeira instancia da magistratura judicial do continente ou das ilhas adjacentes, com dez annos de serviço effectivo, sendo para este effeito contado o tempo do serviço nas outras duas classes da mesma magistratura;
XII. Juiz de segunda instancia nas relações judiciaes do ultramar, com dez annos de serviço effectivo na magistratura, judicial ultramarina;
XIII. Procurador geral da corôa e fazenda, com cinco annos de exercicio;
XIV. Ajudante do procurador geral da corôa e fazenda, com dez annos do exercicio;
XV. Procurador regio junto a qualquer das relações judiciaes do continente ou das ilhas adjacentes, com dez annos de exercicio;
XVI. Lente de prima em qualquer das faculdades da universidade de Coimbra, effectivo ou jubilado;
XVII. Lente cathedratico em qualquer das escolas de instrucção superior ou especial do reino, effectivo ou jubilado, com cinco annos de serviço como cathedratico;
XVIII. Lente, cathedratico ou substituto, effectivo ou jubilado, em qualquer das escolas de instrucção superior ou especial do reino, com dez annos de serviço, quer este tenha sido como cathedratico, quer como substituto;
XIX. Vice-presidente da academia real das sciencias de Lisboa, tendo servido dois annos;
XX. Socio effectivo da academia real das sciencias de Lisboa, dez annos depois da sua eleição para effectivo, tendo concorrido regularmente ás sessões da mesma academia, tanto das duas classes reunidas, como da sua respectiva;
XXI. Professor de instrucção secundaria, effectivo ou jubilado, tendo vinte e cinco annos de serviço reputado distincto;
XXII. General de divisão, vice-almirante;
XXIII. General de brigada, contra-almirante;
XXIV. Coronel de engenheria, do corpo de estado maior, de artilheria, capitão de mar e guerra;
XXV. Coronel das armas de infanteria ou cavallaria, com tres annos de serviço effectivo n'este posto;
XXVI. Tenente-coronel da arma de engenheria, do corpo do estado maior, capitão de fragata;
XXVII. Tenente-coronel da arma de artilheria com tres annos de serviço n'este posto;
XXVIII. Major de engenheria;
XXIX. Major do corpo do estado maior, capitão-tenente, com tres annos de serviço effectivo no respectivo posto;
XXX. Capitão da arma de engenheria com seis annos de serviço effectivo n'este posto;

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SESSÃO DE 5 DE FEVEREIRO DE 1886 319

XXXI. Embaixador em missão ordinaria;
XXXII. Ministro plenipotenciario, com cinco annos de exercicio em missão ordinaria;
XXXIII. Governador gerai de possessões ultramarinas, com tres annos de exercicio;

XXIV. Conselheiro effectivo do tribunal de contas ou do supremo tribunal administrativo;
XXXV. Director geral em algum dos ministerios, com dez annos de exercicio;
XXXVI. Governador civil com dez annos de serviço;
XXXVII. Proprietario ou capitalista com rendimento não inferior a 4:000$000 réis annuaes, liquido e livre de quaesquer onus ou encargos, tendo exercido, durante dois annos, cargos de administração publica, ou do estado, ou districtal, ou municipal, remunerados ou gratuitos;
XXXVIII. Industrial ou commerciante que, em cada um da ultimos tres annos, tenha pago ao estado 700$000 réis, ou mais, de contribuição industrial ou bancaria e que haja exercido, durante dois annos, cargos de administração publica, ou do estado, ou districtal, ou municipal, remunerados ou gratuitos;
XXXIX. Advogado, medico ou escriptor publico, que, em cada um dos ultimos tres annos, tenha pago ao estado 60$000 réis ou mais de contribuição industrial e que haja exercido a sua profissão por mais de dez annos;
XL. Benemerito e distincto por serviços ou merito relevantes e extraordinarios.
§ 1.° Para que possa ser reputado distincto o serviço de professor de instrucção secundaria a que se refere a categoria XXI, é indispensavel que assim seja considerado e provado nos relatorios do inspector da respectiva circumscripção, durante dez annos.
§ 2.° O rendimento de 4:000$000 réis annuaes exigido pela categoria XXXVII, ha de ser provado pelas matrizes respectivas de contribuição predial ou por titulos de divida publica, devidamente averbados com tres annos de antecipação pelo menos.
§ 3.° A categoria XL, ha de ser previamente reconhecida por cada uma das camaras dos dignos pares do reino e dos senhores deputados da nação, tendo cada uma declarado, em votação nominal, publica e superior a dois terços do numero dos que votarem, extraordinarios e relevantes os meritos e serviços allegados.
§ 4.° As cartas regias de nomeação dos pares do reino vitalicios; os diplomas dos pares do reino temporarios; os requerimentos para a fruição do excepcional direito successorio ao pariato garantido pelo § 7.° do artigo 6.° do acto addicional de 24 de julho de 1885; e os pareceres das commissões de verificação dos poderes da camara dos dignos pares do reino hão de fazer menção expressa da categoria ou das categorias em que estejam comprehendidos os cidadãos nomeados ou eleitos pares do reino, ou que pretendam entrar na camara da dignos pares do reino por direito de successão.
§ 5.° No caso da categoria XL, alem da menção expressa prescripta pelo paragrapho anterior, será feita a dos meritos e serviços declarados extraordinarios e relevantes, com o numero dos votos que, em cada uma das duas camaras legislativas assim o tenham declarado.
Art. 2.° A quarta condição fixada no artigo anterior será dispensada para os cidadãos que em mais que um dos cargos publicos n'ella designados, tenham tempo de serviço inferior ao fixado para que estejam comprehendidos na categoria respectiva, desde que for igual a um ou maior a somma das fracções que representem a relação entre o tempo do serviço prestado em cada cargo publico e o tempo do serviço exigido na categoria fixada para o mesmo cargo.
§ unico. O calculo d'estas fracções será mencionado nos diplomas referidos no § 4.° do artigo anterior.
Art. 3.º A mesma condição será dispensada para os cidadãos que, sendo proprietarios ou capitalistas e industriaes ou commerciantes, não estejam comprehendidos em qualquer das categorias XXXVII ou XXXVIII por ser a importancia do rendimento que tenham por anno, como proprietarios ou capitalistas, inferior a 4:000$000 réis, e por não ser de 700$000 réis ou maior a da contribuição industrial ou bancaria que tenham pago, como industriaes ou commerciantes, em cada um dos ultimos tres annos, logo que seja igual a um ou maior a somma das duas fracções que constituam: uma a relação entre a media dos rendimentos que por anno tenham recebido, nos ultimos tres annos, como proprietarios ou capitalistas, rendimentos líquidos e livres de quaesquer onus ou encargos, e a quantia de réis 4:000$000; e outra a relação entre a media das quantias de contribuição industrial ou bancaria que, nos ultimos tres annos, tenham pago por anno, como industriaes ou commerciantes, e a quantia de 700$000 réis; satisfazendo tambem á condição de ter exercido, durante dois annos, cargos de administração publica, ou do estado, ou districtal, ou municipal, remunerados ou gratuitos.
§ 1.° O rendimento annual dos proprietarios ou capitalistas comprehendido n'este artigo ha de ser provado do mesmo modo determinado pelo § 2.6 do 1.° artigo.
§ 2.° O calculo das fracções consideradas n'este artigo será mencionado nos diplomas referidos no § 4.° do artigo 1.º
Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados da nação portugueza, 5 de janeiro de 1886. = Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto, deputado.

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320 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

N.° 1

Mappa estatistico dos annos de serviço dos magistrados judiciaes, extrahido do annuario judicial publicado, em 1878, pelo bacharel Augusto Maria de Almeida e Silva (a)

[Ver tabela na imagem]

(a) É o mappa dos annos decorridos desde o primeiro despacho judicial. Estes
annos nem para todos os magistrados são de serviço effectivo. Uns
magistrados terão passado alguns annos no respectivo quadro sem exercicio;
outros em commissões ou cargos estranhos á magistratura. Ainda assim, este
quadro tem valor, porque não é provavel, nem natural, que qualquer d'estas
especiaes circumstancias tenha succedido com grande numero de magistrados.
(b) D'estes um veio da magistratura do ultramar.
(c) Veiu da magistratura do ultramar.
(d) Veiu da magistratura administrativa.

N.º 2

Mappa estatistico dos annos de serviço dos juizes de segunda instancia, em 1878, a contar da posse n'esta instancia, extrahido do annuario judicial publicado no mesmo anno pelo bacharel Augusto Maria de Almeida e Silva

[Ver tabela na imagem]

N.º 3

Mappa estatistico dos annos de serviço dos delegados de procurador regio dos districtos do continente e ilhas adjacentes, em 1878, extrahido do annuario judicial publicado pelo barachel Augusto Maria de Almeida e Silva.

[Ver tabela na imagem]

N.º 4

Mappa estatistico dos annos de serviço dos magistrados judiciaes extrahido da lista publicada, em 1882, pelo barachel Augusto Maria de Almeida e Silva (a)

[Ver tabela na imagem]

(a) É applicavel a nota (a) do primeiro mappa.
(b) Estes tres magistrados vieram da magistratura do ultramar.
(c) D'estes quatro um veíu da magistratura do ultramar.
(d) D'estes tres um veiu da magistratura administrativa.

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SESSÃO DE 5 DE FEVEREIRO DE 1886 321

N.° 5

Mappa estatistico dos annos de serviço dos juizes de segunda instancia, em 1882, a contar da posse n'esta instancia, extrahido da lista publicada pelo bacharel Augusto Maria de Almeida e Silva

[Ver tabela na imagem]

N.° 6

Mappa estatistico dos annos de serviço dos delegados de procurador regio, dos districtos judiciaes do continente e das ilhas adjacentes, em 1882, extrahido da lista publicada pelo bacharel Augusto Maria de Almeida e Silva

[Ver tabela na imagem]

N.°7

Mappa estatistico dos annos de serviço dos juizes conselheiros do supremo tribunal de justiça em 1885, extrahido da lista publicada, ha um anno, pelo bacharel Augusto Maria de Almeida e Silva (a)

[Ver tabela na imagem]

(a) Na lista d'onde extrahi este mappa, os juizes conselheiros do supremo tribunal de justiça são os unicos magistrados judiciaes que têem mencionado o tempo de serviço a contar do primeiro despacho judicial.

N.° 8

Mappa estatistico dos annos de serviço dos juizes de segunda instancia em 1885, a contar da posse n'esta instancia, extrahido da lista dos magistrados judiciaes publicada no mesmo anno pelo bacharel Augusto Maria de Almeida e Silva

[Ver tabela na imagem]

Página 322

322 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

N.° 9

Mappa estatistico dos annos de serviço dos delegados de procurador regio, dos districtos judiciaes do continente e ilhas adjacentes, em 1885, extraindo da lista publicada pelo bacharel Augusto Maria de Almeida e Silva

[Ver tabela na imagem]

Na relação donde este mappa foi extraindo vêem seis sem a especial indicação da data da primeira posse: d'estes um era o curador dos orphãos na quinta e sexta varas do Lisboa; o outro era o secretario da procuradoria regia do Porto.

N.° 10

Mappa estatistico da classificação numerica dos alumnos da faculdade de mathematica da universidade de Coimbra e dos alumnos da escola polytechnica de Lisboa no terceiro anno (a)

[Ver tabela na imagem]

(a) Esta classificação na universidade de Coimbra é feita em virtude da portaria de 3 de aposto de 1853; e na escola polytechnica de Lisboa pelas disposições do decreto de 10 de dezembro de 1851 e das portarias de 7 de junho de 1852 e 12 de junho de 1853.
(b) D'estes um era do curso do anuo de 1878-1879.
(c) D'estes um era do curso do anno de 1880-1881.
N'este mappa o numero dos alumnos classificados é representado por (C) para a universidade de Coimbra e por (L) para a escola polytechnica de Lisboa.
Para organizai o em relação á universidade, recorri aos annuarios da mesma academia, nos quaes vem a relação nominal dos alumnos que entraram na referida classificação; e ácerca da escola polytechnica obtive relações analogas por obsequio do meu prezadissimo amigo, eminente geometra e distincto professor Alfredo Augusto Schiappa Monteiro de Carvalho e do zelosissimo se retario da mesma escola.

N.º 11

Nota numerica dos doutores theologos que desde 1772 até 1882 têem sido elevados á ordem episcopal

[Ver tabela na imagem]

(1) Um foi coadjuctor e futuro successor do bispo de Coimbra; depois bispo de Coimbra; depois patriarcha de Lisboa.
Outro foi arcebispo de Mitylene como vigario geral do patriarchado; depois seguiu a mesma carreira do primeiro.
Ambos entram n'este mappa contados em cada uma das dioceses que pastorearam como prelados mitrados. Tinham sido doutorados depois da reforma pombalina.
(2) Um tinha sido doutorado antes de 1772; pelo menos o seu nome, fr. Antonio Correia, não vem mencionado na relação dos que foram doutorados na faculdade de theologia depois de 1772, relação que constituo o segundo appendice da Memoria historica e commemorativa da mesma faculdade.
O outro foi doutorado em 1778. Este foi o primeiro presidente do soberano congresso constituinte de 1821, D. fr. Vicente da Soledade.
(3) A mitra primacial do Oriente foi a da sua sagração. Tendo-a nobremente resignado por causada questão do padroado, foi nomeá-lo arcebispo de Palmyra. coadjuctor e futuro successor do arcebispo de Braga. No mappa é contado em cada um d'estes titulos.
(4) D'estes um recebeu o grau de doutor em 1778, primeiro anno em que, depois da reforma pombalina, houve doutoramentos na faculdade de theologia: o illustre monge benedictino Joaquim de Santa Clara. Foi este um da mais illustrados ornamentes da faculdade de theologia; e fez a mui notavel oração funebre nas solemnes exequias feitas na villa de Pombal, na igreja do extincto convento de Santo Antonio, em 11 de maio de 1782, tres dias depois da morte do grande estadista a quem foram consagnadas essas solemnes exequias, presididas pelo bispo da diocese D. Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho, o primeiro reitor reformador da- universidade de Coimbra depois de 1772.
O outro foi graduado em 1810.
(5) D'um d'estes já fallei na nota (3).
O outro, doutorado em 1850, principiou a carreira episcopal na é de Cabo Verde, d'onde passou para a sé de Goa e d'esta, depois de 1872, para a de Braga, a qual resignou ultimamente.
(6) Este e outros indicados com a mesma nota (6) foram doutorados depois da referira pombalina.
(7) Veiu se a nota (1)
(8) Foi nomeado coadjuctor e futuro successor do arcebispo bispo do Algarve em 10 de agosto de 1782. Devo este esclarecimento a s. exa. revma. o actual arcebispo bispo do Algarve.
No appendice d'onde extrahi este mappa, vem o nome do dr. André Teixeira Palha. com a indicação de coadjuctor e futuro successor do arcebiepode Faro. Succedia então o que esta succedendo na actualidade: á santa igreja do Algarve presidia um prelado que havia sitio arcebispo antes de ter sido apresentado nesta diocese. Este prelado era D. fr. Lourenço de Santa Maria, que havia sido arcebispo de Goa.
Não apparece o nome d'este prelado na relação dos doutores graduados depois de 1872; do que concluo que fui graduado ante das reforma pombalina.

Página 323

SESSÃO DE 5 DE FEVEREIRO DE 1886 323

Na relação de todos os doutores que desde 1772 até 1872 têem sido professores da faculdade e theologia na universidade de Coimbra (appendiee III da memoria aqui tantas vezes citada) vem este com appellido de Palias. Nos esclarecimentos que mui obsequiosamente me foram ciados por s. exa. revma. o actual arcebispo-biapo do Algarve, vem este seu antecessor com o appellido de Palha.
(9) Na relação dos doutores graduados em theologia, referida na nota anterior, vem este prelado com o nome de fr. Manuel Nicolau de Almeida e com a indicação de ter sido douturado em 1790; no appendice Iv, donde foi extrahida esta relação, não traz appellido.
(10) O nome deste e os que vem marcados com a mesma nota (10) não vem na referida relação dos doutores graduados desde 1772 a 18S2; calculo pois que estes foram doutorados antes da reforma.
(11) Todos tres foram doutorados depois da reforma.
Um d'elles o monge benedictino fr. Joaquim do Desterro, chamado no seculo Joaquim Pereira Ferraz, fui depois bispo na diocese de Leiria; o outro principiou a sua carreira episcopal na diocese de Bragança e Miranda, passou depois para a de Vizeu, e em seguida para a de Coimbra, onde morreu. Este foi D. José Manuel de Lemos, natural de Troviscoso, do districto de Vianna, um santo homem a cuja memoria tributo a homenagem da mais respeitosa saudade e da mais sincera gratidão, por ter-me dittinguido com sua affectuosa benevolencia, nos primeiros annos da minha carreira academica.
(12) O segundo a quem alludo na nota (5).
(13) Os dois da nota (1) e um da nota (11).
(14) Doutorado depois da reforma pombalina, foi primeiramente bispo do Funchal e depois de Vizeu.
(15) O santo franciscano D. fr. Caetano Brandão, que depois foi arcebispo de Braga. É notavel que este bonemerito da igreja e do estado não vem mencionado como arcebispo de Braga no referido appendice IV; tanto mais notavel isto é que este venerando prelado é lembrado na Memoria historica e commemorativa da faculdade de theologia. Na pagina 170 lê-se. «O venerando D. fr. Caetano Brandão chegou a adquirir conhecimento da lingua tapuia da sua diocese do Pará». Estas ultimas linhas haviam sido escriptas pelo sr. conselheiro José Silvestre Ribeiro na Historia dos estabelecimentos scientificos e luteranos de Portugal.
Assim tem de ser augmentado com mais um o numero dos arcebispos de Braga n'este mappa.
(16) D'estes um, D. Manuel de Aguiar, foi o primeiro que recebeu o grau de doutor depois da reforma. O outro D. fr. Joaquim Pereira Ferraz, já foi indicado na nota (11).
(17) Um foi indicado na nota (14); outro na nota (11); Q todos quatro foram doutorados depois da reforma.

N.° 12

Nota numerica dos doutores theologos que, depois de 1872, têem sido elevados á ordem episcopal

2 arcebispos de Braga.
1 coadjuctor e futuro successor do arcebispo de Evora com o titulo de arcebispo de Perga.
2 arcebispos de Goa.
1 arcebispo de Mitylene como vigario geral do patriarchado.
1 bispo de Bragança e Miranda.
1 bispo de Macau.
1 bispo de Portalegre.

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