SESSÃO DE 4 DE FEVEREIRO DE 1888 329
contar, embora correntemente, difficil lhe será ganhar a vida. Não póde negar-se a necessidade de alhar a instrucção litteraria, com a profissional; mas, a ter de optar-se, parece n'aquellas circumstancias indubitavelmente preferi vel a profissional e em relação ás classes laboriosas deve ella merecer muito maior attenção.
Estes principios, que nos parecera de eterna verdade, são, muitas vezes, e com as melhores intenções, infelizmente desprezados na pratica.
Se pois a educação moral e a instrucção profissional e litteraria elementar são os meios mais efficazes para combater o crime nas classes da "sociedade onde este mais abunda, corre á sociedade o dever de acudir com elles aos desvalidos da fortuna, conciliando assim o interesso individual com a social; e assiste-lhe tambem o direito de impor a todos a obrigação de adquirirem aquelles recursos assim facilitados, mormente com relação aos individuos da l.ª classe a que allude o digno inspector inglez, empregando até os meios coercitivos por elle indicados. E nem o pratrio poder, ou o amor de familia, sagrados quando reaes e sufficientemente esclarecidos, podem invocar-se aqui; nem tão pouco a commiseração mal entendida, a que allude o mesmo inspector quando falla dos magistrados que, muitas vezes, não comprehendem ser o castigo apparente um verdadeiro beneficio.
N'estas circurnstancias a unica objecção, aliás especiosa, que póde apresentar-se contra as casas de correcção, é ter necessario o crime ou, antes, o procedimento irregular para lhes abrir as portas; e servirem os guardas, muitas vezes, mais para prohibir a entrada do que para impedir a saída. Santo defeito este! Que mostra evidentemente o que ainda resta por fazer para completar as caridosas instituições das créches e dos" asylos de infancia desvalida, orçando se collegios municipaes onde os filhos dos pobres e os dos menos abastados possam obter a educarão e instrucção litteraria, e sobretudo a profissional, convenientes ao catado que hajam de ter na sociedade, contribuindo os paes com aquillo que cada um possa, ou nada absolutamente, quando nada podérem.
Voltando porém a fallar da casa de correcção, torna-se ella tanto mais necessaria nos grandes centros de população, quanto maior é a falta, que ali se sente do collegio municipal a que alludimos.
Pintemos o quadro sem exageração e só com a triste verdade, qual tantas vezes se vê infelizmente. A pobre mãe, emquanto o filho, que já não frequenta o asylo, não tem idade para ser collocado em casa de um mestre, enxota o para a rua, se elle para lá não foge espontaneamente, porque em casa torna-se-lhe um estorvo insupportavel. Na rua começa elle a aprendizagem de vadio; e para lá volta todas as vezes que póde, ainda depois de estar na casa do mestre como aprendiz. Se o seguirmos aqui, raras vezes ficaremos satisfeitos. O modo como querem inicial-o no trabalho, não é de ordinario o mais efficaz ou conveniente para que o abrace com vontade; o quando, apesar de tudo, elle mostra essa vontade, não existe a mesma da parte do mestre, de crear de prompto e com perfeição um official do seu officio, o que em geral costuma traduzir se por um inimigo.
Nos grandes centros de população, assim como nos grandes banquetes, ha sobras com que não se vive bem, mas sempre se vae passando, embora mal. Ha a caridade individual, sempre santa e respeitavel, ainda quando não olha a quem soccorre, porque corresponde ao mais nobre de nossos instinctos e sentimentos: ha mil empregos para os menores vadios, onde elles ganham um pequeno salario, mas que, sem futuro, os impedem de se habilitarem para ganhar a vida quando forem homens.
N'aquellas idades abusa-se da vitalidade tenaz; dorme-se pelas escadas ou sob alpendres, comem-se as sobras dos ranchos dos quarteis e casas de guarda, partilha-se o passadio e a educação dos cães vadios e vive-se como elles;
mas vivo se sem trabalhar.
O mal ficaria apenas individual, se não fossem as consequencias. Quaes estas sejam, sabem-no, todos; para os que escapam á valla do cemiterio, succedem necessariamente á vadiagem o furto, é roubo violento, com suas horrendas circumstancias, a cadeia, e o degredo que, embora para alguns seja a impunidade, é para muitos outros a pena de morte aggravada. Dados certos principios, as leis moraes cumprem-se com a mesma fatalidade das leis physicas.
0 que deve então fazer a sociedade que deseje guiar-se pelos principios, não só da eterna justiça mas, do seu proprio interesse? Atulhar o mal emquanto é, tempo; chamar a si, adoptar aquelles desgraçados, a quem chamâmos criminosos; dar-lhes a educação moral e a instrução profissional que seus pães muitas vezes, sejamos; justos, não poderam dar lhes. Se então gastar mais, ainda que por pouco tempo, com o pão do corpo e da intelligencia, gastará depois muito menos com as dietas no hospital, com as despezas nas cadeias, com a policia, com os degredos, com os combates em suffocar revoluções, que, vão sempre remexer e levantar aquelle lodo sem consciencia, que lucta pela vida, embora talvez não a mereça. Se ha casos, em que o principio da prevenção é verdadeiro, justo, util, para todos, e summamente pratico, é este um, se não o unico.
Mas o que deve ser uma casa de correcção?
Destinada a recolher e educar menores de dezoito annos, rarissimas vezes pervertidos ou de má indole (mormente entre nós), não deve ella ser uma cadeia, ma? um estabelecimento de educação moral e de instrucção profissional acompanhada da primaria elementar; onde se ensine e faça amar o trabalho, onde a hygiene regule o estrictamente necessario, e d'onde sejam severamente banidas todas as necessidades facticias, e que os alumnos, em geral, não hão de encontrar depois no decurso da vida.
Não póde a casa de correcção ter uma cadeia pois como castigo, seria injusto. Onde estava o crime? Não deve tão pouco ser um collegio onde se ensine a instrucção litteraria com detrimento da profissional, porque fôra nocivo.
Longo de satisfazer no fim que se desejava iria todos os annos lançar para fóra de si um enxame de moços que, não podendo continuar uma carreira em que os metteram caridosa mas imprudentemente cheios de aspirações, as mais das vezes impossiveis de satisfazer, se tomariam outros tantos criminosos, ou iriam pelo, menos. Augmentar, o numero, já tão crescido, dos descontentes, de, sua posição social, os mais tenazes e, irreconciliaveis inimigos da, ordem publica, a quem, a sociedade tinha, aquecido e animado, era seu seio; e em vez de serem artistas optimos ou pelo menos soffriveis, cidadãos honestos e, contentes, torna-se-íam espiritos inquietos e reformadores sociaes; tanto mais, inquietos e tanto mais reformadores, quanto menos instruidos e mais desgraçados pela incapacidade de ganharem a vida honradamente.
Deve pois a casa de correcção ser um estabelecimento de educação, destinado na maioria doe casos para ministrar a olhos do povo a educação e instrucção que este não quizeram ou não poderam receber, na casa paterna. E dizemos filhos do povo; sem a menor idéa de, desprezo para com esta classe, da qual saem e se renovam necessariamente todas as outras; dizemol o porque é a verdade. Nem póde deixar de haver taes estabelecimentos emquanto a numerosa classe popular não tiver ao seu alcance e acommodados as suas circumstancias especiaes, os meios de instrucção e moralisação que possuem as classes abastadas.
Ás classes desvalidas, longe de sobrar, mal chega o tempo para ganharem o pão; e, ainda quando o tempo sobrasse, nem sempre poderia haver a intelligencia e vontade necessarias para aquella inspecção activa e incessante que requer a educação de uma creança. Como hão, de elles, ignorantes e pouco educados, e luctando com grandes pri-