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330 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

vações, ter essa vontade e essa intelligencia de que os abastados com rasão se julgam incapazes, quando confiam a collegios a educação de seus filhos? Da falta d'estes collegios, adaptados ás classes pobres, é que nasce, como dissemos, em grande parte a necessidade das casas de correcção.
Entre nós foi reconhecida esta necessidade, e creada pela lei de 15 de junho de 1871 uma casa de correcção e detenção para os menores de dezoito annos da comarca de Lisboa. Para aquelle fim destinou se o arruinado edificio do extincto convento de Santa Monica, da ordem de Santo Agostinho, depois do feitas as obras indispensaveis para o adaptar ao novo serviço. A obra foi dirigida com superior inteligencia e inexcedivel zelo pelo procurador regio junto da relação de Lisboa, o conselheiro M. P. de Faria e Azevedo, e a casa inaugurou se em 20 de outubro de 1872.
Até então os menores do sexo masculino da comarca de Lisboa, a quem a miseria ou o desleixo de seus pães, ou ainda a má indole propria lançavam na vadiagem ou introduziam na senda do crime, eram condemnados á pena de prisão, cumprida no andar terreo da cadeia do Aljube, se ainda não tinham quatorze annos de idade, ou na enxovia do Limoeiro, se já os tinham completado. No Aljube viviam em casas humidas, quasi sem luz, respirando um ar viciado, sem exercicio, sem trabalho, sem educação; na enxovia do Limoeiro, de envolta com facinorosos, faltam expressões para dizer o que os aguardava!
Os resultados de similhante systema penal, se tal nome póde dar-se-lhe, são faceis de prever; são necessarios e fataes, nem é mister exageral-os para fazer sobresaír toda a sua immoralidade.
Uns saíam do Aljube, se não moral e physicamente peiores, pelo menos nas mesmas circumstancias em que para lá tinham entrado, e por isso aptos para continuar na carreira do vicio e do crime; os outros deixavam a enxovia do Limoeiro habilitados para ali voltar em breve, menos se, por milagre, não tivessem aproveitado assaz n'aquella pessima escola.
E para que se impunha similhante pena a umas e outras creanças, quando, cumprida ella, voltavam para a rua no mesmo se não em peior estado?
Aterradas pelas consequencias da prisão na enxovia, ou convencidos da inutilidade d'ella no Aljube, alguns juizes absolviam os vadios menores de dezoito annos; verdade é que depois de estabelecida a casa onde elles podiam regene-rar-se, outros juizes tem tornado inutil a condemnação, emquanto, receiando impor pena muito severa a um crime leve, condemnam a prisão por curto praso, sem reflectirem que a supposta pena é um verdadeiro beneficio. Torna-se pois necessario, para acabar com taes escrupulos, reformar a lei penal no que respeita aos menores vadios.
Durante aquelle estado de cousas havia muitos annos; e sempre assim fôra, apenas interrompido no reinado da senhora D. Maria I por iniciativa do intelligente Manique, que, se não nos enganâmos, foi quem creou no castello a casa pia de correcção, a qual, depois de tempos prosperos e de varias vicissitudes, veiu a dar na actual casa pia Com destino hoje muito diverso.
Existe pois em Lisboa uma casa de detenção e correcção, que, melhorada com as modificações que a experiencia tem mostrado necessarias, póde servir de norma para as demais que hajam de crear se em Portugal.
As ruinas de um convento, que a sciencia official condemnára como inaproveitaveis, tornaram-se sob a direcção de uma vontade energica e intelligente, e com tão modica despeza(6:000$000 réis), que causou espanto no parlamento que a votou, tornaram-se, diziamos, em casas alegres e asseiadas, e que de cadeia só têem o nome; a cerca, antes abandonada e coberta do silvas e entulhos, vestiu-se de arbustos e de flores; e n'aquella verdadeira casa de saude moral e physica encontram as pobres creanças, mais extraviadas do que criminosas, o que a maior parte não tinha em casa de seus pães; o sustento sadio, a instrucção, o trabalho, a ordem e a moralisação; encontram guardadas as devidas proporções, e tendo em vista as suas necessidades especiaes, o que os pães abastados procuram para seus filhos quando os collocam em collegios por não poderem dar-lhes em suas casas a instrucção que os habilite para entrarem na grande Inecta da vida.
Ás Monicas (com este nome baptisou o povo aquelle estabelecimento) concorre immensa gente todos os dias santificados, o não acha uma cadeia, mas uma casa de caridosa educação; não vê luxo, que ali fôra prejudicial, mas o estrictamente necessario, e a ordem que deve acompanhar a pobreza para não degenerar em miseria. Ali ouve a missa dita para os menores em modesta e decente igreja, ao som da musica por elles mesmo executada; visita depois o estabelecimento e compra flores ou os artefactos fabricados por aquellas mãos que, ainda ha pouco, apenas sabiam estender-se á esmola ou ensaiar-se no roubo; pasma, e a unica mágua que ás vezes manifesta é não poderem todos os filhos dos pobres entrar em similhantes estabelecimentos se não pela porta odiosa do vicio.
Os menores ali detidos respiram o ar mais puro, effeito das optimas condições hygienicas da casa; gosam da luz do sol, vivem no asseio, que não é incompativel com a pobreza, recebem educação moral e religiosa, têem os exercicios conveniente para conservarem e desenvolverem as forças physicas, aprendem a ler, a escrever e a contar, e alguns tambem a musica, e trabalham em diversos officios com que ao depois poderão ganhar honradamente o seu pão.
O que hoje é a casa de correcção de Lisboa deprehende se do relatorio apresentado pelo conselheiro procurador regio, em 31 de dezembro de 1876, ao ministro e secretario d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça; o que ainda lhe falta póde deprehender-se tambem do mesmo relatorio, e foi para procurar remedio a essa falta, que a presente commissão dirigiu tambem este seu trabalho.
Duas são as alterações que ella julga indispensaveis: l.ª augmentar a capacidade do estabelecimento, mórmente se for destinado a receber os menores das comarcas de todo o districto da relacção de Lisboa, conforme a commissão indica no artigo l.° do seu projecto de lei; 2.ª reformar a lei penal relativa aos menores, nos termos dos artigos 8.° e seguintes do mesmo projecto.
O augmento da capacidade do estabelecimento não é cousa difficil nem despendiosa, se attendermos a que ha proximo terreno de facil aequisição, e se nas obras que hajam de fazer-se continuar a seguir-se o mesmo systema já adoptado nos trabalhos de adaptação do antigo edificio, isto é, a estricta economia, procurando só o necessario e o util, e aproveitando o trabalho dos presos da cadeia civil, muito mais barato e, seja dita a verdade, mais proficuo do que geralmente se obtem.
O timbre e gloria d'aquelle estabelecimento é a pobreza, pois d'esta provém, em grande parte, a sua utilidade e efficacia. Muitos estabelecimentos magnificos e sumptuosos, assim publicos como particulares, se têem fundado em Portugal; mas em nenhum nos conota que se fizesse e conseguisse tanto com tão poucos meios: é caso comum em paizes estrangeiros, novo porém em o nosso.
Não censurâmos as boas intenções de nossos maiores nem de nossos contemporaneos; lastimâmos sómente ver muitas vezes desperdiçadas forças que poderiam ter proveitosa applicação. E isto é principalmente lamentavel em estabelecimentos de educação para as classes pobres, pois não ha então sómente o desperdicio das forças, torna-se tambem a educação ruim em vez de proveitosa.
A reforma da lei penal relativa aos menores, nos termos do artigo 8.º e seguintes2, é a outra necessidade; sem ella

1 Artigo 8.º da proposta
2 Artigo 1.º e seguintes da proposta.