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SESSÃO DE 4 DE FEVEREIRO DE 1888

Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretarios os exmos. srs.

José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral
Francisco José Machado

SUMMARIO

Dá-se conta de dois officios : 1.°, da mesa da santa casa da misericordia do Porto, acompanhando uma representação, em que a mesma santa casa pede algumas modificações á proposta de lei n.° 9 do sr. ministro da fazenda; 2.°, do ministerio da marinha, remettendo alguns esclarecimentos relativos ao caminho de ferro de Ambaça, requeridos pelo sr. Antonio Maria de Carvalho. - Teve segunda leitura o projecto de lei do sr. Dantas Baracho, assignado por outros srs. deputados, creando mais dez majores na arma de cavallaria. - O sr. Alpoim apresenta uma representação dos artistas de Lamego. - O sr. Eduardo José Coelho renovou o requerimento que fez em 6 de março de 1885, pedindo documentos com referencia aos srs. bispos da Guarda e Angra do Heroismo, e referiu-se aos acontecimentos de Moncorvo, dizendo que as autoridades tinham cumprido com os seus Deveres, ao inverso do que se tinha affirmado. - O sr. Teixeira de Vasconcellos fez algumas reflexões para mostrar que a doutrina expressa em officios da repartição de contabilidade do ministerio da fazenda, dirigidos a algumas camaras, estavam em opposição o artigo 147.º do actual codigo administrativo com relação aos recebedores das comarcas. Responde lhe o sr. ministro da fazenda - O sr. visconde de Silves pede á commissão de fazenda que dê parecer sobre um projecto relativo ao drawback, que apresentou o anno passado. - O sr. Abreu e Sousa pede que seja tambem enviado á commissão de guerra o projecto de lei do sr. Barbosa de Magalhães, relativo ao contingentes do anno passado. O sr. presidente diz que lhe seria enviado. O sr. João Arrojo refere-se a um telegramna, em que se lhe noticiara que não tinham sido pagos os ordenados dos escripturarios de fazenda de Soure. Responde-lhe o sr. ministro da fazenda. - O sr. José do Novaes expõe as irregularidades que se deram na eleição da commissão do recenseamento de Espozende, d'onde resultou um protesto, que se lhe não admittiu, de onze maiores contribuintes (minoria),que não foram admittidos a votar. Responde o sr. ministro da fazenda, que exporia os factos, se elles assim só passaram, ao sr. ministro do reino. - O sr. Alfredo Brandão apresenta um requerimento de Antonio Cravid, capitão do exercito de Africa Occidental, e advoga o pedido que ahi se faz, e bem assim o que se pondera no requerimento do contra almirante o sr. Teixeira da Silva, porque ambas as pretensões eram justas. - O sr. José de Azevedo Castello Branco insta pela remessa de esclarecimentos que requererá, e acompanha este pedido de differentes considerações como justificando-o, referindo se tambem aos acontecimentos de Moncorvo, no sentido em que os expozera n'uma sessão anterior, e a uma correspondencia que vinha no jornal Districto de Villa Real, descrevendo os tumultos em Mondim de Basto. Responde- lhe o sr. ministro da fazenda, e replica ainda o sr. José de Azevedo Castello Branco. - Apresentam requerimentos de interesse particular os srs. Francisco José Machado e Alfredo Brandão. - Requerem esclarecimentos: o sr. Lopo Vaz de Sampaio e Mello, pelo ministerio do reino e o sr. Ferreira de Almeida, pelo ministerio da marinha. - Insta pela remessa de documentos, que tinha pedido, o sr. Avellar Machado - Apresenta uma declaração de voto o sr. Sousa e Silva. - O sr. Serpa Pinto apresenta a declaração de que o sr. Jacinto Candido não tem comparecido ás sessões por motivo de doença.

Na ordem do dia continua a discussão do artigo 1.º do projecto n.º 6 (contribuição industrial), usando da palavra o sr. termino João Lopes, em que apresentou propostas, sendo em seguida approvado o artigo 1.°, salvas as emendas apresentadas. A requerimento do sr. Estrella Braga é prorogada a sessão até se concluir a votação do projecto. - Fallam sobre o artigo 2.º os srs. Teixeira de Vasconcellos e Julio Pires, e ambos mandam propostas. - Mandam tambem propostas, sem as justificar, os srs. Albano de Mello e Luiz José Dias. Em seguida é approvado o artigo-2.° - Por proposta do sr. Laranjo, que foi approvada, discutem-se juntamente os restantes artigos do projecto, que, depois de breves reflexões do sr. Arroyo, Barbosa de Magallhães ministro da fazenda, é approvado, apresentando propostas os srs. Arroyo, Barbosa de Magalhães e Vicente Monteiro. Uma votação nominal, que o sr. Elias Garcia requereu para o artigo 4.°, foi rejeitada. - As propostas foram todas enviadas á commissão de fazenda. - O sr. ministro da justiça apresentou uma proposta de lei modificando a legislação
sobre a reclusão e prisão dos menores, reformando as casas de correcção e estabelecendo colonias agricolas para esse fim. - Encerrou-se a sessão.

Abertura da sessão - Ás tres horas e meia da tarde.

Presentes á chamada 67 srs. deputados. São os seguintes: - Serpa Pinto, Mendes da Silva, Alves da, Fonseca, Sousa e Silva, Oliveira Pacheco, Antonio Villaça, Guimarães Pedrosa, Tavares Crespo, Moraes Sarmento, Jalles, Santos Crespo, Eduardo José Coelho, Elvino de Brito, Feliciano Teixeira, Fernando Coutinho (D.), Francisco de Barros, Castro Monteiro, Fernandes Vaz, Francisco Machado, Sá Nogueira, Pires Villar, Franco de Castello Branco, João Arroyo, Vieira do Castro, Teixeira de Vasconcellos, Sousa Machado, Correia Leal, Alves Matheus, Simões Ferreira, Jorge de Mello (D.), Amorim Novaes, Alves de Moura, Avellar Machado, Ferreira Galvão, José Castello Branco, Pereira de Matos, Ferreira de Almeida, Eça de Azevedo, Ruivo o Godinho, Elias Garcia, Abreu. Castello Branco, Laranjo, Pereira dos Santos, Vasconcellos Gusmão, José de Napoles, Alpoim, José Maria de Andrade, Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Santos Moreira, Julio Graça, Julio Pires, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Poças Falcão, Luiz José Dias Bandeira Coelho, Manuel José Vieira, Brito Fernandes, Matheus de Azevedo, Miguel da Silveira, Miguel Dantas, Pedro Monteiro, Sebastião Nobrega, Dantas Baracho Estrella Braga e Visconde de Silves.

Entraram durante a sessão os srs.: - Albano de Mello, Alfredo Brandão, Anselmo de Andrade, Baptista de Sousa, Campos Valdez, Ribeiro Ferreira, Gomes Neto, Pereira Borges, Pereira Carrilho, Barros e Sá, Hintze Ribeiro, Augusto Fuschini, Miranda Montenegro, Victor dos Santos, Bernardo Machado, Lobo d'Avila, Conde de Castello do Paiva, Conde de Villa Real. Elizeu Serpa, Madeira Pinto, Estevão de Oliveira, Freitas Branco, Firmino Lopes, Almeida e Brito, Francisco Beirão, Francisco Mattoso, Francisco Ravasco, Lucena e Faro, Soares de Moura, Severino de Avellar, Frederico Arouca, Sant'Anna e Vasconcellos, Baima de Bastos, Izidro dos Reis, Souto Rodrigues, Alfredo Ribeiro, Silva Cordeiro, Joaquim da Veiga, Oliveira Martins, Dias Ferreira, Figueiredo Mascarenhas, Ferreira Freire, Barbosa de Magalhães, Simões Dias, Pinto Mascarenhas, Abreu e Sousa, Mancellos Ferraz, Manuel d'Assumpção, Manuel José Correia, Pinheiro Chagas, Marcai Pacheco, Marianno de Carvalho, Marianno Presado, Pedro de Lencastre (D.), Pedro Victor e Vicente Monteiro.

Não compareceram á sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Alfredo Pereira Antonio Castello Branco, Antonio Candido, Antonio Centeno, Antonio Ennes, Antonio Maria de Carvalho, Mazziotti, Fontes Ganhado, Simões dos Reis, Augusto Pimentel, Augusto Ribeiro, Barão de Combarjua, Conde de Fonte Bella, Eduardo de Abreu, Emygdio Julio Navarro,- Goes Pinto, Mattoso Santos, Francisco de Medeiros, Gabriel Ramires, Guilherme de Abreu, Guilhermino de Barros, Casal Ribeiro, Candido da Silva, João Pina, Cardoso Valente, Scarnichia, Dias Gallas, Santiago Gouveia, Menezes Parreira, Rodrigues dos Santos, Oliveira Valle, Joaquim Maria Leite, Jorge 0'Neill, Barbosa Cellen, Guilherme Pacheco, Oliveira Matos, José Maria dos Santos, Santos Reis, Vieira Lisboa, Manuel Espregueira, Visconde de Monsaraz, Visconde da Torre, Wenceslau de Lima e Consiglieri Pedroso.

Acta - Approvada.

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EXPEDIENTE

Officios

Do ministerio da marinha, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Antonio Maria de Carvalho, copia dos documentos relativos ao caminho de ferro de Ambaca.
A secretaria.

Da santa casa da misericordia do Porto, remettendo uma representação em que a mesa d'esta santa casa pede que se façam algumas modifficações na proposta de lei n.° 9, apresentada pelo sr. ministro da fazenda, que salvaguardem os interesses d'esta prestante instituição.
A secretaria.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - Seja-nos permittido, no goso de um direito que nos assiste, chamar a vossa esclarecida attenção para o estado em que se encontra a arma de cavallaria, e não propor medidas de maior alcance, porque as circumstancias do thesouro o não permutem, mas simplesmente as alterações que de justiça é fazer á organização de 1884, a fim de que esta arma não constitua uma excepção, odiosa como todas as excepções que não se desculpam, entre as outras armas do exercito. Referimos-nos á maneira como está constituido o pessoal superior dos regimentos de cavallaria.
Ninguem ignora que a arma de cavallaria, que parecia condem nada a desempenhar, na arte da guerra, um papel secundario, em seguida á adopção das armas portateis e da artilheria com o alcance do tiro que estas armas actualmente têem, se rehabilitava mais tarde, reeccupando o antigo e preponderante logar que ontr'ora desempenhou. Os mais esclarecidos escriptores militares são hoje unanimes a esse respeito.
As famosas expedições dos hulanos, durante a guerra franco-prussiana foram o prenuncio d'essa rehabilitação, a qual mais se accentuou na ultima campanha turco-russa, ficando registadas como lendarias as arrojadas correrias do general Gurko que, pouco depois de os russos atravessarem o Danubio, transpunha os Balkans aventurando-se até ás portas de Andrinopla, com surpreza geral, do quem acompanhava com interesse as peripecias d'aquella campanha. Foram ainda a habilidade e rapido, com que operou a cavallaria, que evitaram que Plewna fosse abastecida, e depois da rendição d'esta praça, cuja defeza heroica, por parte do Osman-Pachá, está na memoria de todos, foi tambem essa arma que preparou o prompto aniquilamento da defeza turca.
Estas provas praticas, cujos effeitos foram escrupulosamente estudados, chamaram a attenção para aquella arma, e as nações previdentes ampliaram os seus exercitos com mais corpos d'essa indole, dotando os com melhoramentos attinentes a que a sua mobilisação seja, para assim dizer, instantanea. D'este modo, a Fiança, por exemplo, onde são destinados seis dias para que a artilheria e a infanteria passem do pé de pé ao pé de guerra, reserva apenas quarenta e oito horas para identica operação na cavallaria. E comprehende-se esta desigualdade, desde que é esta arma que inicia as hostilidades, por vezes apoiando a arti-lheria, e sempre adiantando-se em correrias, preparando a invasão.
Entre nós, triste é dizel-o, muito ha que fazer para que a cavallaria esteja á altura da sua missão, quer como elemento essencial invasor, quer cobrindo as retiradas, já batendo-se a cavallo, já combatendo a pé, como com frequencia a isto póde ser forçada, o que tem dado margem a que seja designada infanteria a cavallo. Indicar e propor os meios para que ella attingisse esse desideratum, taxar se-ía n'esta occasião do ocioso, porque as despezas a realisar seriam avultadas, porventura iriam muito alem dos nossos actuaes e parcos recursos financeiros. Mais nem por isso se deve deixar de procurar, dentro de modestos limites, que se caminhe para o aperfeiçoamento, nivelando desde já, pelo que respeita ao numero dos officiaes superiores, as differentes armas.
Reconhecer que dois majores são indispensaveis para a instrucção, administração e boa organisação nos corpos do infanteria, de artilheria montada e até de engenheria e de artilheria de posição, e fazer excepção para a cavallaria, cujo serviço é tão complexo e demanda, para bem cumprido, muita intelligencia, applicação e actividade, não só justifica, nem se quer desculpa.
Em 1884, quando se procedeu á reforma do exercito, só poderia ter imperado, para que se decretasse aquella anomalia, o facto, que no nosso paiz tanto se tem, infelizmente, em linha de conta, de a promoção em cavallaria estar mais adiantada do que na infanteria, embora estivei-se já mais atracada do que no estado maior, na engenheria e artilheria.
Mas ha tempo que desappareceu este obise, se obice se póde denominar a desigualdade de então. É a arma de cavallaria aquella em que, pelo seu trabalho violento, a saude e as vidas mais se gastam, e todavia é ella a que actualmente está mais atrazada em promoção.
As seguintes indicações, referidas a l de janeiro do corrente anno, dão d'isso perfeita idéa.

Relação nominal do ultimo major em cada arma e no corpo de estado maior, relação referida a l de janeiro de 1888

[VER TABELA NA IMAGEM]

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Quadro comparativo da promoção nas armas de infanteria e cavallaria, desde alferes até major inclusive, e referidos a l de janeiro de 1888

Postos Armas Nomes Data das promoções Observações

[VER TABELA NA IMAGEM]

Notas. - Pela promoção a effectivo do alferes graduado de infanteria, Santos Pestana, ficou extincta, como acima se diz, esta classe n'aquella arma. Este alferes graduado era de 22 de julho de 1885.
O ultimo alferes graduado de cavallaria, promovido a effectivo é de 7 de janeiro de 1881. Ficam existindo ainda 63 alferes graduados na arma de cavallaria.

Mappa demonstrativo do movimento das differentes armas, referido a l de Janeiro de 1888 com relação aos officiaes que terminaram os respectivos oursos em 1867, e despachados em alferes em 15 de janeiro de 1868

Armas Nomes Data das promoções Observações

[VER TABELA NA IMAGEM]

É em presença d'estas considerações que nós temos a honra de submetter á vossa esclarecida apreciação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° A organisação do exercito de 30 de outubro de 1884 é modificada na parte relativa ao quadro dos officiaes superiores de cavallaria, sendo este augmentado com mais dez majores, a fim de que cada um regimento d'aquella arma tenha dois officiaes d'essa patente.
Art. 2.°, Fica revogada a legislação em contrario.
Lisboa, 3 de janeiro da 1888.= Sebastião Baracho = Marianno Prezado = D. Jorge de Mello = Francisco Ravasco = F. J. Machado =José Gonçalves Pereira dos Santos.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

REPRESENTAÇÕES

Da mesa da santa casa da misericordia do Porto, pedindo que seja modificada a proposta de lei n.° 9 apresentada pelo sr. ministro da fazenda, de modo a salvaguardar os interesses d'esta prestante instituição.
Remettida em officio d'esta santa casa e enviada á commissão de fazenda.

De uma commissão, representando os artistas da cidade de Lamego,- pedindo, que sejam isentos de contribuição industrial os artistas que não tenham mais de 500 réis de salario diarios; que aquelles artistas que a tenham de pagar o possam fazer em duas ou mais prestações; e que sejam isentos de contribuição os monte pios ou estabelecimentos destinados a soccorros de caridade.
Apresentada pelo Sr. deputado Alpoim e enviada á commissão de fazenda.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

Renovo o meu requerimento feito na sessão de 6 de maio de 1885, pedindo, pelo ministro da justiça, todos os documentos n'elle especificados, relativamente aos bispos da Guarda e de Angra do Heroismo. = O deputado, Eduardo José Coelho.

Requeiro, pelo ministerio da marinha, nota do pessoal contratado para o serviço naval, sua classificação, vencimentos de qualquer ordem, tempo de duração dos contratos e condições em que foram effectuados. = J. B. Ferreira de Almeida, deputado pelo circulo n.° 92.

Requeiro que, pelo ministerio do reino, sejam enviados com urgencia a esta camara os documentos originaes ou sua copia, que serviram de base ao governo para os decretos de 10, 17 e 24 do novembro de 1887, relativos á fixação do maximo dos addicionaes das contribuições dire-

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etas locaes, tanto districtaes, como concelhios e parochiaes, á da percentagem dos impostos locaes sobre os generos sujeitos ao real de agua, e á da pauta dos generos não sujeitos a esta ultima contribuição. - Lopo Vaz de Sampaio e Mello.
Mandaram-se expedir.

REQUERIMEMOS DE INTERESSE PARTICULAR

De Augusto Pereira de Castro Soromenho, primeiro aspirante do correio de Lisboa, pedindo que, para a sua promoção por antiguidade, lhe sejam relevadas as faltas não justificadas, commettidas pelo supplicante na repartição, desde outubro de 1880.
Apresentado pelo sr. deputado F. J. Machado, e enviado á commissão de obras publicas.

Do tenente coronel reformado Antonio Vellosa Castello Branco, pedindo que seja approvado por esta camara o projecto de lei apresentado na camara dos dignos pares pelo ex.mos sr. D. Luiz da Camara Leme, em sessão de 9 de janeiro, tendente a melhorar o soldo dos officiaes reformados anteriormente á lei de 22 de agosto do anno findo.
Apresentado pelo sr. deputado F. J. Machado e enviado á commissão de guerra, envida a de fazenda.

Do capitão do exercito de Africa Occidental, Antonio Cravid, pedindo que se lhe façam extensivas as disposições da carta de lei de 29 de maio de 1884, que concede o augmento de 50 por cento para os effeitos da reforma aos officiaes naturaes da India ou de Macau, que servirem em Africa ou Timor.
Apresentado pelo sr. deputado Alfredo Brandão e enviado á commissão de fazenda, ouvida a do ultramar.

DECLARAÇÃO

Declaro que me achava na sala das sessões quando v. exa. não abriu a sessão no dia 28 do mez passado, por falta de numero, apesar de no Diario da camara se não encontrar o meu nome entre os dos que se achavam presentes. = Sousa e Silva.
Para a acta.

JUSTIFICAÇÃO DE FALTA

Declaro que o sr. deputado Jacinto Candido da Silva não tem pedido, nem póde comparecer ás sessões, por falta de saude. = Serpa Pinto.
Para a secretaria.

O sr. Eduardo José Coelho: - Sr, presidente pedi a palavra para mandar para a mesa o seguinte requerimento.
(Leu.}
Visto que estou com a palavra não posso deixar de fazer ligeiras considerações relativamente ao que hontem expoz o meu illustre amigo o sr. Pinheiro Chagas, quando se referiu aos acontecimentos de Moncorvo. Disse s exa. que as informações que d'ali chegaram, todas ellas provavam que auctoridades civil o militar tinham procedido menos correctamente no desempenho dos seus deveres por occasião dos tumultos que ali houve
Não posso por em dúvida a respeitabilidade das informações que foram dadas ao illustre deputado, mas tambem me é licito contrapôr-lhe outras, que chegaram ao meu conhecimento e que narram factos do maneira inteiramente favoravel ás auctoridades, civil e militar. Resumirei essas informações.
"Grande numero de populares entraram na villa de Moncorvo, dando gritos sediciosos, e tentando invadir as reparticões publicas. Uma pequena força de infanteria. Estacioda n'aquella villa, formou em frente da cadeia e repartições publicas, e intimou os desordeiros a dispersarem. Não foi obedecida. A attitude prudente da tropa, e os meios suasorios da auctoridade administrativa, não eram attendidos. Novamente intimados os desordeiros a dispersarem, redobraram de esforços para invadir as repartições publicas, arremessando sobre a tropa muitas pedradas. O commandante da força, dando provas de uma grande prudencia e valor pessoal, muito para louvar e encarecer, fez-se respeitar sem empregar os meios extremos, e os tumultuarios foram postos em debandada apenas com o emprego de algumas coronhadas.
Esta attitude energica e digna do commandante da força, e a actividade e prudencia da auctoridade administrativa, foram coroados do melhor exito, e a ella deve a villa de Moncorvo o não presencear scenas calamitosas. E a demonstração é facil. Populares de differentes povoações do concelho dirigiam-se sobre Moncorvo, era attitude verdadeiramente sediciosa, e sabendo no caminho qual a sorte dos seus companheiros de armas, retrocederam, e Moncorvo ficou livre d'aquella invasão de tumultuarios criminosos. Ahi tem v. exa. o que a villa de Moncorvo e os bons cidadãos d'ella, sem distincção de partidos, devem á prudencia, energia e actividade das auctoridades militar e civil. (Apoiados.) A repressão opportuna evitou que o numero dos populares aumentasse de modo, que só poderia salvar-se a Ordem publica, e impor-se o respeito á lei, com empregos extremamente violentos. (Apoiados.)
Alem das informações, que me foram dadas por pessoas de inteiro credito, posso invocar um testemunho de qualificada importancia, e que não poderá ser contradictado. O digno deputado por Moncorvo, ausente d'esta camara por motivo justificado, estava n'aquella villa no dia das occorrencias criminosas a que me tenho referido. Posso asseverar, em nome d'aquelle distincto cavalheiro, que os factos se passaram como ficam relatados, e que por elle foram presenceados. Se não estou em erro, aquelle nosso illustre collega foi testemunha no processo que Se instaurou na camara por causa dos acontecimentos agora trazidos ao debate parlamentar.
Não devo dar maior desenvolvimento a estas informações, mas discutirei largamente o assumpto, se algum dos illustres deputados sobre elle interpellar o governo.
Por ora direi que não acceito a theoria de suspeição e desfavor contra os agentes da auctoridade. no momento que elles mais carecem de apoio e prestigio para o restabelecimento da ordem publica e fazer-se impor aos amotinados. (Apoiadas.)
A boa theoria, a unica possivel e governamental, no bom sentido da palavra, é que as auctoridades procedem bem, emquanto o contrario se não prova. (Apoiados)
E sendo assim como me parece indubitavel, as provas contra os agentes dia auctoridade, pertence aos accusadores fornecei-as. Accusem, pois, mas provem. (Apoiados.)
Como já tive occasião de dizer a v. exa. e a camara, parece me que não devo, agora, dar maior desenvolvimento a este incidente. (Apoiados.)
Tenho dito.
O sr. Teixeira de Vasconcellos:- (O discurso será publicado quando s. exa. o restituir).
O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - O illustre deputado póde estar certo de que communicarei ao meu collega as observações que s. exa. fez, e elle tomará as providencias necessarias com relação a alguns dos factos que s. exa. apontou.
Se bem que devo dizer em boa paz que as considerações do illustre deputado em parte pareceram obedecer um pouco exageradamente á ordem de principios que o dominam e são contrarias áquelles que dictaram a promulgação do codigo, mas isto não obsta a que eu participe ao sr. ministro do reino as observações do illustre deputado.

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Como estou com a palavra mando para a mesa uma proposta de lei, cujo relatorio passo a ler.
(Leu.}
Apresentou uma proposta de lei, modificando a legislação sobre a reclusão e prisão dos menores, reformando as catas de correcção e estabelecendo colonias agricolas para esse fim.
Vae adiante a pag, 328.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno do Carvalho):- Direi ao sr. Teixeira de Vasconcellos, de quem só ouvi as ultimas, palavras, que o papel do ministro da fazenda na questão dos recebedores de comarcas é meramente passivo.
O ministerio da fazenda tem de aguardar, as providencias de ministerio do reino e dar as ordens necessarias aos recebedores para que as cumpram.
Por, ora no ministerio, da fazenda não apparece, que me lembre, senão uma queixa a respeito do procedimento do recebedor que não quiz cumprir o mandado da camara municipal. Creio que é o de Arganil. Recebi esta queixa, ha quatro ou cinco dias, e já encarreguei o sr. director geral da thesouraria de tomar as providencias necessarias a este respeito.
Emquanto ao direito que as camaras municipaes têem de lançar impostos sobre varios ganeros conforme a tabella publicada no Diario do governo, devo notar que essa latitude, pela antiga legislação, não era menor, antes, pelo contrario, era maior. (Apoiados.)
E basta que o illustre deputado tenha a curiosidade de lançar os olhos para a famosa pauta da camara municipal de Faro, que vem de longa data, para ver que só n'aquelle concelho a pauta dos generos de consumo sujeitos a direitos era ,quasi do tamanho da pauta geral do estado. (Apoiados.)
A actual legislação restringe a faculdade tributaria ás camaras, municipaes e restringe tanto quanto me parece que convem ao publico.
Mas não é essa a questão, a questão é da queixa a respeito dos recebedores que tinham desobedecido ao mandado das camaras municipaes, por agora só appareceu uma relativamente á camara municipal de Arganil.
Já mandei informar ao administrador para tomar as providencias necessarias.
Quanto ao, mais aguardo o regulamento, que deve ser publicado pelo, ministerio do reino, para o fazer cumprir.
O sr. Abreu e Sousa:-Participo a v. exa. e á camara que se acha constituida a commisão de guerra, tendo nomeado para presidente o sr. Eliseu de Sousa e Serpa e para secretario o sr. Bandeira Coelho.
Por parte da mesma commissão tenho ainda a dizer mais alguma cousa.
No extracto da sessão de hontem vejo que teve segunda leitura o projecto de lei apresentada pelo meu illustre amigo e collega o sr. Barbosa de Magalhães, alterando a lei do contingente militar do anno passado nas condições em que tinha sido votada, e que a mesa determinou que fosse enviado á commissão do recrutamento.
Requeiro, portanto, a v. exa. que, ou por deliberação propria, ou consultando a camara, se tanto for necessario, sobre este projecto exclusivamente militar seja ouvida a commissão de guerra. (Apoiados.)
O sr. Presidente:-A mesa póde fazer essa indicação independentemente da resolução da camara. Por consequencia será (avisada a commissão do recrutamento para que ouça a commissão de guerra, enviando-lhe o projecto.
O sr. Visconde de Silves: - Tinha pedido a palavra para usar d'ella quando estivesse presente o sr. ministro das obras publicas, visto que o assumpto que tenho a tratar diz respeito ao seu ministerio; mas como s. exa. não está presente, limito-me portanto a recommendar á solicitude da illustre commissão o projecto que tive a honra de apresentar n'esta casa na sessão de l de agosto do anno passado.
Este projecto diz respeito a um assumpto de draroback, que tem uma certa importancia, que demonstrarei quando a commissão der o seu parecer.
Portanto peço á illustre commissão a especial fineza de não demorar o seu parecer, visto que ha bastante tempo que apresentei esse projecto.
O sr. Arroyo : - Desejo chamar a attenção do sr ministro da fazenda para um telegramma que me foi entregue hontem a hora de já não poder usar da palavra. O telegramma diz assim:
(Leu)
Não tenho muito desejo de perguntar a v. exa. quaes são os motivos porque se não paga o ordenado ao escripturario de fazenda do concelho de Soure, o que desejo, é que se porventura é exacta a noticia que consta d'este telegramma, o sr. ministro da fazenda, pelo ministerio a seu cargo, de as providencias necessarias para que esta falta se remedeie o mais depressa possivel.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Não posso dizer precisamente se se pagou ou não ao escripturario de fazenda de Soure. O illustre deputado sabe muito bem que não é o ministro que expede as ordens de pagamento, e que são expedidas pela direcção geral de contabilidade era virtude das folhas que vem das repartições districtaes. Vou informar-me do caso, que me parece estranho, e se for verdadeiro darei as providencias necessarias para que se pague ao escripturario.
O sr. José de Novaes: - Desejava chamar a attenção do sr. ministro do reino para um facto que, a meu ver, me parece de toda, a importancia; s. exa., porém, anda desviado d'esta casa ha umas poucas de sessões. Ha dias o sr. ministro da fazenda disse-nos o motivo por que não chegara mais cedo a esta camara, foi por ter encontrado umas carroças no caminho Não sei que genero de carroças o sr. presidente do conselho tenha encontrado que obstem a que s. exa. compareça n'esta camara para dar conta dos seus actos, principalmente n'esta occasião, em que a agitação do paiz exige que venha aqui todos os dias que lhe seja possivel, para dar infomações á camara. (Apoiados.)
O fado é o seguinte:
No concelho das Espozende, procedendo-se á eleição dos 40 maiores contribumtes, appareceram 22 eleitores pertencentes á maioria e 11 á minoria.
Segundo as disposições da lei, a minoria tinha o direito de ter a terça parte na commissão do recenseamento e assim o reclamou. O administrador do concelho e o presidente da camara oppuzeram se a que fosse dada representação á minoria e declararam que a lista linha vencido por unanimidade.
A minoria pediu para protestar na acta, em vista das disposições da lei, e o administrador declarou, que a lei era feita por elle e não admittiu protesto algum na acta.
Ora que o governo faz dictadura do modo como a faz, nós sabemos desde 1836, (Apoiados.) que os governadores, civis faziam tambem dictadura por telegrammas e editaes, e mesmo por meio dos jornaes, estando igualmente convencido que, o Campeão das provincias esta tambem resolvido a fazer dictadura, (Muitos apoiados) tudo isto sabiamos nós; mas que os administradores de concelho a façam em concelhos sertanejos, como o de Espozendo, é um facto extraordinario. (Apoiados.}
Eu desejava pedir a algum dos srs. ministros presentes o obsequio dê communicarem este facto ao sr. presidenta do conselho para que tome contas ao seu delegado de confiança dos abusos que praticou, ou, desculpando o procedimento do administrador do concelho com o seu codigo administrativo, que é para manter a ordem (Apoiados.) ou então que s. exa. venha tomar a responsabilidade d'aquelles actos perante a camara. (Apoiados.)
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carva-

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lho): - É effectivamente verdade que cheguei hontem á camara mais tarde pelo motivo plausivel de assignar um officio da remessa dos documentos pedidos pelos srs. Arroyo e Ruivo Godinho, e pelo embaraço de carroças na rua do Arsenal, que vendiam um producto que tinha por letreiro saude engarrafada". (Riso.)
O facto de hontem ora verdadeiro e eu tinha obrigação de dizel-o. (Apoiados.)
Quanto ao sr. presidente do conselho, sabe o illustre deputado que a causa que o tem impedido de vir a esta camara, é o estar empenhado na camara dos pares na discussão da resposta ao discurso da côroa. (Apoiados.) E s. exa. bem vê que n'esta hypothese não póde aqui vir.
Quanto aos factos que o illustre deputado referiu a respeito do Espozende, se elles se passaram como s. exa. está informado, effectivamente o administrador do concelho procedeu irregularmente.
Se s. exa. fosse testemunha presencial, não tinha a mais pequena duvida; mas, como não foi, informarei o sr. presidente do conselho para tomar as informações necessarias o vir elle proprio dar explicações, ou encarregar outro seu collega de as dar.
O sr. Avellar Machado: - Desejo que v. exa. me informe seja chegou á mesa a nota que pedi, pelo ministerio das obras publicas, ácerca das sociedades anonymas que tenham satisfeito as disposições dos artigos 36.° e 39.° da lei de 22 de julho de 1867.
Este pedido foi feito em 14 de maio do anno passado.
O sr. Secretario (Francisco Machado): - O pedido de s. exa. ainda não foi satisfeito.
O Orador: - Desejo ainda que v. exa. me informe se já chegou á mesa a nota das despezas feitas pelo ministerio das obras publicas com o inquerito agricola.
Este meu pedido já foi feito este anno, em 18 de janeiro.
O sr. Secretario (Francisco Machado): - O requerimento do sr. Avellar Machado foi expedido em 19 de janeiro e ainda não foi satisfeito.
O Orador: - Desejo por ultimo quo v. exa. me informe se já chegou á mesa a nota das gratificações extraordinarias mandadas abonar por despacho do sr. ministro da fazenda aos empregados dependentes d'aquelle ministerio.
Todos estes documentos me são necessarios, porque sobre estes assumptos tenho que fazer algumas perguntas e talvez interpellações aos respectivos ministros.
Principalmente o pedido que fiz no anno passado não acho motivo plausivel para que não tenha sido satisfeito.
Quanto aos pedidos feitos este anno, em que ha muito expediente nas repartições, não me admira que não tenham sido satisfeitos, o que me admira e que tenha acontecido o mesmo com os meus pedidos feitos na outra sessão.
Todos estes tres requerimentos peço que me sejam remettidos para fazer as perguntas que para bem do paiz entendo que devo fazer.
O sr. Ferreira de Almeida: - Mando para a mesa o seguinte raquerimento.
(Leu.)
A deficiencia do pessoal da armada está fazendo com que em algumas classes se veja o governo obrigado a contratar por preço mais elevado do que aquelle por que sairia se os quadros estivessem devidamente organisados.
Peço a v. exa. me informe se já foram satisfeitos os requerimentos que fiz em 17 de janeiro, pedindo documentos pelo ministerio da marinha, e a respeito dos quaes o sr. ministro disse em sessão de 21 ter dado despacho para que fossem satisfeitos com urgencia.
Já recebi os que têem os n.os 2 e 5 no registo do Diario das sessões. Desejo igualmente saber se já foram enviados para a mesa os originaes sobre a questão do protectorado de Dahomey.
O sr. Presidente: - O pedido do sr. deputado vae a informar á secretaria.
O Orador: -Peço a v. exa. para que, quando se remetter o requerimento que acabo de apresentar, se menciono n'esse officio de remessa que tenho urgencia das copias dos officios e processos a que se refere o meu requerimento n.° 4 de 17 de janeiro.
U sr. Alfredo Brandão : - Mando para a mesa um requerimento de Antonio Cravid, official do exercito do Africa occidental, em que pode se lhe tornem extensivas as disposições da lei de 29 de maio de 1884, que applica aos officiaes europeus de primeira linha em serviço nas possessões ultramarinas e aos naturaes da India ou de Macau, quo servirem em Africa ou em Timor o disposto no artigo 3.° § unico da lei de 8 de junho de 1883.
Este official sentou praça em 1868, quando vigorava a lei de 8 de junho de 1863, e adquiriu por isso direito ás garantias concedidas n'esta lei a todos os officiaes do ultramar, e entre estas a de lhe ser contado o tempo do serviço com 50 por cento de augmento para os effeitos da reforma.
Posteriormente a lei de 2 de dezembro de 1869, que organisou as forças do ultramar, concedeu estas garantias aos officiaea da metropole que fizessem serviço no ultramar, e não fez referencia alguma aos officiaes naturaes das nossas provincias ultramarinas.
Tem-se por isso entendido que este augmento dos 50 por cento é simplesmente garantido aos officiaes europeus em serviço no ultramar, e ultimamente aos officiaes naturaes da India ou Macau, que servirem em Africa ou Timor, por virtude da lei de 21 de abril de 1884.
Já v. exa. vê quanto é justa a pretensão dos officiaes naturaes das nossas possessões da Africa, que nem mesmo não equiparados aos naturaes da India, e isto sem lembrar a differença de soldos e gratificações concedidos aos offi-ciaes europeus, que vão prestar serviços no ultramar, e que tornam vergonhosa e miseravel a situação do nosso exercito colonial.
Presentemente um official do ultramar, um major por exemplo, ganha tanto como qualquer alferes europeu que para ali vae fazer temporariamente serviço á patria.
Aproveito a occasião para chamar a attenção da commisão de marinha para o requerimento apresentado pelo contra-almirante o sr. Teixeira da Silva, em que pede que lhe seja reconhecido o posto de accesso a que foi promovido como governador de S. Thomé.
A este official, que é innegavelmente um dos mais serios e mais intelligentes da marinha portugueza, devem pelo menos ser reconhecidos os direitos de que está gosando o seu successor n'aquelle governo, garantindo-se-lhe a sua patente em attenção aos valiosos serviços que tem prestado em muitas commissões de serviço publico, e especialmente na citação naval de Angola, para onde foi logo depois de ser demittido de governador de S. Thomé.
Espero que a camara tomará em consideração o requerimento que acabei de apresentar, bem como o do contra-almirante Teixeira da Silva, em que sómente se pede o que é de inteira justiça.
O sr. Serpa Pinto: - Mando para a mesa a participação do que o sr. deputado Jacinto Candido não tem podido comparecer ás ultimas sessões por incommodo de saude.
O sr. José de Azevedo Castello Branco:-(O discurso será publicado quando s. exa. o restituir.)
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho):- Não contava com a pergunta hoje, contava com ella hontem. (Riso.)
Vê-se que é um telegramma de Villa Real, annunciando uma cousa, que é, por assim dizer, um dos costumes da terra.
Todos os annos os cidadãos de Atei, n'uma determinada epocha, quasi sempre por occasião da cobrança das contribuições, entram desordenadamente em Mondim, e vão ali fazer um grande barulho.

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Parece que este anno, o que houve de novidade, foi as mulheres irem munidas de dynamite, mas sem que se dessem, que me conste, factos alguns extraordinarios.
O telegramma que se recebeu foi que este anno, como nos anteriores, um grupo de gente de Atei entrou em Mondim fazendo grande vozearia, e que se rolhara sem fazer maiores disturbios.
Quanto ao caso do escrivão da camara ser devedor de contribuições, e não as pagar, não sei que especie de contribuições são; mas se forem contribuições do estado, s. exa. sabe perfeitamente que n'esse caso não póde caber censura alguma ao administrador do concelho, porque as exercções por falta de pagamento de contribuições ao estado correm pelos respectivos juizos. (Apoiados )
Em todo o caso vou procurar informar-me do que ha a esse respeito.
Mas se s. exa. já me deu a honra, aliás immerecida, de ler o meu relatorio de fazenda, apresentado ultimamente á camara, de certo já viu uma cousa n'elle relatada, e é que por todo o reino ha uma quantidade enorme do conhecimentos de Contribuições por cobrar, que só em Lisboa o numero d'esses conhecimentos se eleva a 800:000, o que tenho feito todos os esforços para ver se posso realisar a cobrança.
Tenho dado instrucções aos escrivães de fazenda, alguns d'elles têem soffrido censuras, e outros chegado a ser suspensos, pelo que já fui accusado no parlamento; tenho feito tudo emfim quanto cabe nas minhas forças para conseguir a cobrança do maior numero que possa.
Vou indagar o que ha a esse respeito e se porventura o escrivão da camara de Mondim deve ao estado 200$000 réis, póde s. exa. estar certo de que se não demorará muito a execução contra elle.
Creia o illustre deputado que procuro quanto possivel fazer cumprir as leis, e a verdade é, não em louvor meu, mas em honra dos empregados do ministerio da fazenda, que n'este ultimo anno têem trabalhado assiduamente sem excepção nenhuma.
Com relação a mercês lucrativas, a contribuição é de diversas especies, e de tal maneira se tem caminhado, que em poucos mezes se têem liquidado cerca de nove mil processos, o que produziu a receita de mais de 200:000$000 réis.
Alguma cousa póde escapar n'este trabalho; mas, desde que s. exa. me previniu,
eu tomarei as providencias necessarias, se o caso existe. E digo se o caso existe, porque o illustre deputado não fallou em virtude de informação propria, fallou em virtude do que leu n'um jornal; se tivesse fallado em virtude de informação propria, acreditai o ia logo.
O sr. Presidente: - O sr. José de Azevedo Castello Branco tinha pedido novamente a palavra Como já deu a hora de se passar á ordem do dia, não lh'a posso conceder sem consultar a, camara.
O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Peço, a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que me seja concedida novamente a palavra.
Consultaria a camara resolveu afirmativamente.
O sr José de Azevedo Castello Branco:-(O discurso será publicado quando s. exa. o restituir.)
O sr. Presidente:- Tenho a communicar ao sr. deputado Ferreira de Almeida que, pelo ministerio da marinha, foi já satisfeita a segundar nota, e parto da quinta, da sua reclamação.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do artigo 1.º do projecto n.º 6, relativo às licenças

O sr. Firmino João Lopes:-(O discurso será publicando s. exa. restituir:)

Propostas

Proponho a substituição ou alteração seguinte ao Artigo 2.° São igualmente isentos d'esta contribuição os idividuos que não tiverem lucros ou salarios correspondentes a 600 réis em cada dia. . .
Proponho que ao artigo 3.º se acrescente: Que tiverem ordenado fixo em cada mez, por trimestre ou annual. = Firmino João Lopes.

Proponho a substituição seguinte ao Artigo 4.° O pagamento da, contribuição industrial póde ser feito pela fórma das licenças de que trata o artigo 4.° da lei de 15 de julho de 1887.
Proponho a eliminação do artigo 7.°
Proponho a substituição do
Artigo 8° Ficam revogados os regulamentos de 8 de setembro e 30 de novembro de 1887. = Firmino João Lopes.

Foram admitidas e mandadas á commissão.
Não havendo mais nenhum sr. deputado inscripto, foi julgada a materia discutida e approvado o artigo 1.°, salvo as emendas, que foram á commissão.
Foi julgada prejudicada a proposta do sr. Arouca, e rejeitada a do sr. Arouca Machado
O Sr. Estrella Braga (para um requerimento}: Requeiro a v. exa. que consulte a camara, sobre se consente que seja prorogada a sessão, até se votar o projecto que se discute.
Consultada a camara, resolveu affirmativamente. Entrou em discussão o artigo 2.° do projecto.
O sr. Teixeira de Vasconcellos: - (O discurso será publicado quando s. exa. o restituir.) Leram-se na mesa as seguintes:

Propostas
Proponho para que a tabella das taxas, annexa a este
projecto, seja alterada na sua classe da fórma seguinte:
Classe 8.ª- 1$700, 1$400, 1$100, 700, 400 e 200 réis
Proponho que fiquem isentos da contribuição industrial todos os contribuintes, comprehendidos nos n.os 303, 306 e 483, ainda mesmo que para o exercicio da sua industria empreguem cavalgaduras e vehiculos. = Teixeira de Vasconcellos.

Proponho para que os contribuintes comprehendidos no n.° 9 da tabella B, classe 3.ª, sejam collocados na classe 6.ª da mesma tabella.
Proponho para que os mercadores do gado vaccum, representados pelo n.° 274 da tabella 3, passem da 2.ª classe para a 5.ª da mesma tabella.
Proponho para que o n ° 237, mercador, de estrumes, seja annullado e incluido no n ° 283 da tabella B, classe 8.ª = Teixeira de Vasconcellos.

Proposta de modificação ao artigo 2.°
São igualmente isentos d'esta contribuição os individuos que não tiverem lucros ou salarios de 800 réis por dia util nas terras de l.ª e 2.ª ordem, de 700 réis nas de 3.ª e 4.ª e a de 500 réis nas de 5.ª e 6.ª ordem. = Teixeira de vasconcellos.

Proponho que seja eliminado da tabella A o n.° 400, que se refere aos singeleiros ou alugadores de bois ou vaccas =Teixeira de Vasconcellos.
Foram admittidas e enviadas á commissão.

O sr. Julio Pires (sobre a ordem): - Devo declarar ao illustre deputado que me precedeu, com quem tenho as melhores relações pessoaes, relações que desejo manter e

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conservar, que não é por menos consideração pessoal que o não acompanho no seu discurso, mas porque pedindo a palavra sobre a ordem, simplesmente desejo apresentar á consideração da camara algumas propostas que não alteram o pensamento do parecer, e não podia deixar de ser assim, porque concordo com elle.
Já o anno passado votei a favor do projecto de modificação da contribuição industrial, não só porque em absoluto não reprovo o systema do cobrança denominado licenças, antes em muitos casos o acho util para o estado e para os contribuintes, mas porque o parecer e a modificação proposta representava um voto de confiança ao governo, e tanto n'elle eu tinha confiança que lhe dava, como lhe dou hoje, o meu apoio franco, sincero e leal. (Apoiados.)
A verdade, porém, é que já no anno passado eu senti que se reservasse para mais tarde uma revisão nas tabellas, porque a reputava de muita necessidade.
Levantaram se duvidas e receios na applicação completa da lei de 15 de julho de 1887, applicação completa, que aliás não tinha sido feita, porque o sr. ministro da fazenda só tinha usado d'essa auctorisação parlamentar, por assim dizer, na parte respectiva aos vendedores ambulantes, e o governo julgou acertado alargar mais as modificações para a recepção d'este imposto o vir espontaneamente propor uma revisão nas tabellas.
N'esta revisão que se discute actualmente, póde dizer-se que não ha aggravação de imposto, (Apoiados.) porque a um pequeno augmento nas taxas das 1.as classes, corresponde uma diminuição nas taxas das ultimas; (Apoiados.) e este augmento, aliás pequeno, no meu humilde modo de ver, só poderá affectar os individuos mais ricos e mais abastados d'essas classes, em consequencia das oscillações das collectas annuaes, originadas nos lançamentos feitos pelos gremios, (Apoiados.)
Alem d'isso parece-me que este limitado augmento se justifica plenamente; e fazendo justiça a todos, tenho a convicção intima de que não póde levantar attritos, pelo menos justos e sinceros, desde que tem uma condigna compensação em favorecer sensivelmente as classes menos abastadas, e especialmente aquellas que mais dignas são d'isso, pelos seus limitados interesses. (Apoiados.)
Ora, sendo esta a minha opinião, não posso deixar de louvar o governo e o sr. ministro da fazenda pela deliberação que tomaram, que, quanto a mim, representa uma transigencia acertada e fundamentada. (Muitos apoiados.) .
E como faltei em transigencia, desejo referir-me, como questão da actualidade, a umas palavras proferidas na sessão parlamentar do anno passado, pelo sr. ministro da fazenda, palavras que devo ter aqui nos meus apontamentos.
Tenho por habito, para meu estudo e para minha instrucção, ter nos meus apontamentos excerptos dos discursos dos srs. ministros e dos membros do parlamento, tanto da maioria como da opposição, e fui encontrar em um discurso pronunciado pelo sr. ministro da fazenda no anno passado na outra casa do parlamento o seguinte:
"O que devo e posso dizer a sr. exa. é que o ministro da fazenda não póde ser intransigente senão no pensamento dominante de restabelecer o credito publico e o equilibrio orçamental. Eu não creio que haja caprichos de homens em prejuizo do interesse publico. O digno par sabe quantas vezes tem transigido por considerações do diversas ordens que se impõem a todos. Por mim sou só intransigente em estabelecer, manter e firmar o equilibrio orçamental, e cora elle o credito publico. Para chegar a este resultado hei de acceitar, seja em que projecto for, todas as modificações que o poder legislativo me indicar, quando não offendam o meu decoro."
Pois eu, sr. presidente, colloco-me ao lado do sr. ministro da fazenda, o que do certo para a. exa. de nada serve, e opino tambem, fundado n'esta sã doutrina, que o sr. ministro da fazenda não deve ser intransigente senão em, sustentar com firmeza e affinco o pensamento de nivelar os orçamentos, acabando por uma vez com o cancro de excesso das despegas anmiaes comparadas com as receitas, (Muitos apoiados.) afastando portanto uma situação intoleravel e perigosa para o estado, como o seria, e é, para qualquer particular que esteja em identicas circumstancias.
Ora eu não creio na possibilidade du aggravação dos actuaes impostos ou da creação de impostos novos n'estes proximos annos, isto é, emquanto se não apreciarem e sentirem bem todos os resultados praticos das avultadas e enormes despezas que se têem feito.
Entendo por consequencia que é indispensavel ter toda a persistencia em contrariar todos os augmentos de despeza, quer sejam votados pelas côrtes, quer sejam indicados ou exigidos pelos differentes ministerios, a não ser por causas de força maior ou para melhoramentos verdadeiramente uteis e productivos, e n'este caso creando-se simultaneamente as receitas necessarias para se fazer face aos encargos annuaes resultantes d'essas despezas. (Muitos apoiados.)
E, sr. presidente, quem estará mais no caso de conseguir a realização d'este proposito, collocando-se na vanguarda para esta propaganda, do que o actual sr. ministro da fazenda, que é um homem eminente, um talento privilegiado, (Apoiados.) que é um estadista distincto, (Apoiados.) e que tem feito uma administração financeira, correcta, habil, sensata e de resultados tangiveis. (Muitos apoiados.).
Quem, como o sr. ministro da fazenda, que no preço alto e firme dos nossos fundos tem a prova evidente de confiança publica no paiz e no estrangeiro, (Apoiados.) e a quem não falta tambem no parlamento um apoio politico certo,. firme e constante. (Apoiados.)
Mas, para que digo ou estas palavras? Para lisonjear o sr. ministro da fazenda?
Não é, sr. presidente; e quem me conhece sabe bem que não póde ser essa a minha idéa, mas simplesmente fazer justiça e manifestar convicções. Como ministro não lhe devo favores alguns, e n'esta qualidade, se lhe devo alguma cousa, é o contrario de favores.
Fiz estas observações, porque s. exa., no seu notabilissimo relatorio, admiravelmente bem deduzido, o apresentado ás côrtes n'esta sessão, relatorio que ainda não tivemos o gosto de ler senão no Diario da camara, porque ainda não nos foi distribuido, appella para o parlamento, e eu, pela minha parte, desejo declarar muito categoricamente, que será muito difficil dar o meu voto em contrario do appello que s. exa. nos fez.
Continuo na apreciação do parecer. Eu votei o artigo 1.° do parecer da commissão porque acho justissimas as isenções que estabelece. Em todo o caso, devo dizer á camara que o meu ideal seria uma reforma muito mais radical na contribuição industrial. Entendo, todavia, que a não devo exigir do sr. ministro da fazenda n'esta occasião, porque reconheço que as circumstancias não a permittem, nem a aconselham.
Se em tres ou quatro annos de permanencia no poder s. exa. conseguir nivelar os orçamentos, melhorar as nossas finanças e regularisar a administração financeira, presta já um grande serviço, de que o paiz ha de tirar resultados incalculaveis. Se a sua demora no poder for por maior espaço de tempo, eu espero que s. exa. nos apresente uma reforma de systema tributario como aliás é necessaria, e deve ser feita, supprimindo, ou pelo menos modificando radicalmente dois impostos, com os quaes eu nada sympathiso, e que me parece que se não podem defender á luz dos sãos principios. Refiro-me á decima de juros e á contribuição sobre renda do casas, impostos que, em vez de incidirem sobre elementos de riqueza, incidem quasi sempre sobre manifestações de difficuldades, senão de pobreza.
Se s. exa. não se demorar no poder, a ponto de poder realisar estes actos de administração, os seus successores

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serão forçados a fazei o; e como esses têem necessariamente, pela ordem natural dos acontecimentos, de sair da opposição parlamentar, não faltam lá homens illustrados, talentosos, de valor e de muito merecimento, e eu os conheço, que serão obrigados a resolver este problema, que julgo indispensavel e inadiavel. Vamos agora ao artigo 2.°
O artigo 2.º contém disposições que sobremaneira me agradam; isentar do imposto os individuos d'aquellas classes menos favorecidas, quando as suas remunerações não attinjara um certo limite, parece me um principio altamente equitativo e que não póde ser contrariado. Mas se elle não póde deixar de ser considerado altamente equitativo, parece-me tambem que se devia tornar extensivo a outras classes em que haja individuos que possam ter tambem remunerações que não attinjam o limite estabelecido no projecto. A' este respeito eu devo declarar que não alargo na minha proposta o pedido de isenções, em consequencia das considerações que hontem foram aqui feitas pelo meu illustre amigo o sr. Baptista de Sousa, e que me fizeram grande impressão. Simplesmente proponho o alargamento das isenções a mais algumas classes, nas quaes me parece que com facilidade se póde determinar a media das suas remunerações. Para esse fim a minha proposta é a seguinte:
(Leu.}
O artigo ainda contém outro principio, que eu acho justissimo, qual o determinar o limite medio para a isenção do imposto, e harmonisal-o com a ordem de terras. No projecto estabeleceu-se o salario de 400 réis para as terras de quinta e sexta ordem. Acho não só rasoavel esta media de salario, como que se equiparem as terras de quinta e sesta ordem para esse fim, porque me parece que realmente as condições do vida e as exigencias de familia serão approximadamente as mesmas n'essas duas ordens de terias.
Pela mesma fórma acho rasoavel que se estabeleça com relação ás terras de terceira e quarta ordem o termo medio do salario de 500 réis ; mas o que não me parece rasoavel é que sejam equiparadas as terras de primeira ordem ás de segunda; e para esse fim eu tomo a liberdade de mandar para a mesa a seguinte proposta:
(Leu.}
Creio, sr. presidente, que, ainda mesmo que não tivesse outra rasão para apresentar osta proposta, basta-me o facto de ter sido honrado pelos meus eleitores escolhendo-me para deputado por Lisboa, para eu dever apresentar esta proposta; mas a verdade é que não é essa a rasão que me leva a faze-lo mas sim a convicção que tenho de que ella é justa; porque, quando não houvesse outros fundamentos, bastava attender a que as terras de primeira ordem são as de 100:000 almas para cima, isto é, as primeiras cidades, e n'ellas ha sempre impostos mais elevados de consumo e municipaes. Alem d'isso as exigencias do vestuario são ahi muito maiores, e a carestia das casas de habitação, tambem se torna muito mais notavel nas cidades de primeira ordem.
São estas, pois, sr. presidente, as propostas que eu tenho a mandar para a mesa relativamente ao artigo 2.°; mas, seguindo o que tenho visto fazer sempre a outros oradores, e mesmo porque não desejo nem posso ter n'esta camara senão uma posição muito modesta, e portanto incommodava-me a idéa de pedir novamente a palavra em outros artigos, confiado na benevolencia de v. exa. e da camara, continuarei as minhas ligeiras observações, mandando para a mesa propostas relativas a outros artigos do projecto.
No regulamento de 28 de agosto de 1872, e mesmo anteriormente a esse regulamento, desde a reforma da legislação de contribuição industrial apresentada em 1860 por um dos primeiros estadistas d'este paiz, e com cuja amizade muito me honro, o sr. conde do Casal Ribeiro, encontra-se se a seguinte disposição:
"Os logistas, os donos de estabelecimentos industriaes, e as sociedades anonymas de qualquer natureza são responsaveis pelas collectas dos seus caixeiros, empregados e mestres de officinas."
Esta disposição, com muito ou pouco fundamento, boa ou má, justa ou não justa, é lei do estado ha perto de trinta annos sem reclamação, queixa ou opposição. Agora no parecer da commissão propõe-se que esta responsabilidade seja extensiva aos officiaes de officio.
Não se póde negar que ha uma certa analogia n'uma cousa e na outra: desde que o principio applicado é justo, e se considera rasoavel para os empregados e para mestres, da mesma fórma sé póde sustentar que a responsabilidade seja mantida para os officiaes de officio.
Se me convencesse de que havia inconveniente grande ou prejuizo, quer para os collectados, quer para os responsaveis, na disposição d'este artigo, eu pronunciar-me-ía contra ella e votaria a abolição que foi apresentada pelo meu amigo o sr. Elias Garcia. Mas a verdade é que não tenho essa convicção, nem a que s. exa. apresentou, de que esta disposição possa trazer perigos e conflitos ou qualquer origem de debintelligencias.
Eu, sr. presidente, conheço um pouco esta engrenagem e digo, pelo contrario, que esta disposição não póde senão trazer conveniencia, facilidade e utilidade para os contribuintes que sejam honrados e só com esses me preoccupo, e mais nada. (Apoiados.)
Agora, para os responsaveis é que não traz conveniencia de qualidade alguma. Mas pondo a mão na minha consciencia, digo mais, que não lhe vejo tambem grandes inconvenientes nem prejuizos desde que, assim como se procura garantir para o estado o pagamento do imposto, se garantam tambem os contribuintes responsaveis contra os vexames do fisco e contra a incompetencia, as arbitrariedades e os desleixes que possa haver dos exactores da fazenda.
Ora para conseguir este fim antolham-se-me tres fórmas:
a primeira encontro-aleu no artigo 2.° da carta de lei de 15 de julho de 1887, quando determina que os inviduos têem de ser collectados pelo local onde exercem a sua industria.
Achei regularissima esta determinação porque livra de duplicações e de interpretações diversas dos escrivães de fazenda, das quaes de certo muita gente tem sido victima. Eu conheço o facto por experiencia propria, porque já duas vezes fui victima com incommodo e prejuizo de tempo e de dinheiro.
A segunda fórma vejo a indicada no parecer da illustre commissão no § unico do artigo 3.° quando determina que quando os individuos não sirvam por tempo superior a um mez não haja responsabilidade de collecta.
É justissima esta disposição. Toda a gente sabe que innumeras vezes só accidentalmente se aproveitam os serviços dos officiaes de officio, e seria uma complicação demasiada serem collectados e ficarem as pessoas que os mandam buscar, donos de fabricas e de estabelecimentos industriaes, responsaveis n'esta hypothese!
Não me satisfaz porém absolutamente a disposição como ella se acha no parecer, e parece-me que necessita um additamento, porque, como v. exa. e a camara sabem, n'esta classe ha individuos que, por assim dizer, pertencem a uma população ambulante, senão nómade.
N'este caso pareceu-me rasoavel o additamento que vou mandar para a mesa, ao § unico do artigo 3.°, nas seguintes palavras "e só pelo tempo que servirem." (Apoiados.}
A 3.ª fórma está indicada na proposta que tenho a honra de mandar para a mesa. Ao artigo 3.° proponho o additamento do paragrapho seguinte.
(Leu.}
Estas precauções, que estão aqui na minha proposta, não as inventei, porque não sou capaz de inventar cousa alguma, fui buscai-as ás deposições das leis vigentes. A primeira encontro a eu no regulamento de 28 de agosto de

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1872, a que já me referi; roas encontro-a lá, ciando esta garantia simplesmente aos emprezarios de theatros com relação ás collectas dos actores; e tanto estranhei isto, que imaginei que seria erro de imprensa. Uma garantia distas não se dava aos legistas e donos de estabelecimentos industriaes, pelas collectas dos seus empregados, caixeiros e mestres de officina, " dava-se aos emprezarios de theatros pelas collectas de actores! Eu imaginei portanto que tinha sido erro de imprensa, e não fui só eu, havia mais quem o imaginasse. Tive o cuidado de ir ao ponto principal, creio eu, que é o diploma official, a publicação no Diario do governo, e vejo que está exactamente como está no folheto impresso.
Entendi, pois, que seria Urgentissimo applicar esta disposição do regulamento de 23 de agosto, que julgo importante, aos lojistas e donos de estabelecimentos industriaes e companhias anonymas, para todas as responsabilidades, sem excepção. (Muitos apoiados.)

segunda fui buscal-a á disposição da legislação, que aqui votámos no anno passado, modificando a contribuição de renda de casas, quando se refere ás responsabilidades dos senhorios para com a contribuição sumptuaria e de renda de casas dos inquilinos. Ora desde que nós concordámos em pôr esta precaução para com os senhorios, da mesma fórma se devia achar justo que se pozesse actualmente para com os lojistas e donos de estabelecimentos industriaes, pelas collectas das pessoas a seu serviço. (Apoiadas.)
E sr. presidente, se ha alguem que julgue, que estas precauções não têem importancia, é porque não conhece o que são processos administrativos e as taes custas, que mettem medo a toda a gente. (Apoiados.)
Porque eu proprio, por exemplo, uma vez tive do pagar 580 réis, quantia aliás de pouca importancia, mas por uma collecta primitiva, se bem me recordo, de 30 ou 35 réis de uma junta de parochia de uma freguezia limitrophe de Lisboa.
Por consequencia em dois annos, pouco mais ou menos, chegaram as custas a uma quantia quinze vezes maior do que a collecta primitiva.
Veja pois v. exa., nas devidas proporções, aonde as cousas podem chegar.
Sr. presidente, talvez seja um mau modo de ver da minha parte; parece-me todavia que todas as propostas que mando para a mesa são justas, rasoaveis e fundamentadas.
Nutro portanto a esperança de que serão acceitas pelo nobro ministro e pela illustre commissão de fazenda. Mas se infelizmente assim não acontecer, eu fico com a minha consciencia tranquilla, porque cumpri o meu dever.
Tenho concluido.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi comprimentado por quasi todos os seus collegas de ambos os lados da camara e pelos srs. ministros presentes.
Leram-se na mesa as seguintes

Propostas

Proponho que as disposições beneficas do artigo 2.° sejam extensivas ás seguintes profissões: n.os 98, 212, 258 e 477.
Proponho que a media do salario por dia util, que determina a isenção, seja elevada nas terras de primeira ordem a 700 réis. = Julio José Pires.

Proponho ao artigo 3.° o additamento do paragapho seguinte:
§ 2.° Os logistas, donos de estabelecimentos, industriaes, commerciaes ou companhias anonymas de qualquer especie, que forem obrigados ao pagamento das collectas dos seus empregados, caixeiros, mestres do officinas e officiaes de officio ao sou serviço, serão avisados antes de se proceder ao relaxe das mesmas collectas, cessando toda a responsabilidade se no praso de um anno a contar d'esse aviso não estiver instaurada a respectiva execução. = Julio José Pires.

Proponho ao § unico do artigo 3.° o additamento das seguintes palavras "e só pelo tempo que servirem". = Julio José Pires.
Foram admittidas e mandadas á commissão.

O sr. Albano de Mello: - Mando para a mesa uma proposta, que não justifico, attendendo á estreiteza do tempo.
É a seguinte

Proposta
Proponho que sejam applicadas as disposições do artigo 2.° aos individuos que exercem as profissões de que tratam o n.° 64 (dono ou rendeiro de barcos ou outras embarcações maiores ou menores, que navegam nos rios), e o n.° 450 (singeleiro) da tabella de 3 de junho de 1880.= Albano de Mello.
Foi admittida e mandada á commissão.

O sr. Luiz José Dias:-liando para a mesa diferentes propostas.
Como a hora está adiantada e vejo a camara anciosa pelo encerramento dos trabalhos, abstenho-me de apresentar algumas considerações para fundamentar essas propostas.
É tal a justiça em que ellas se baseiam que espero com bom fundamento que a illustre commissão de fazenda as attenda, a fim de que o projecto possa ser modificado no sentido que proponho.
As propostas são as seguintes:

Propostas
Proponho que a contribuição industrial, com relação á serração mechanica, seja modificada de modo que se pague por numero de serras. - Luiz José Dias."

Proponho que os musicos lisbonenses passem da 7.ª para a 8.ª classe para os effeitos do pagamento da contribuição industrial. -Luiz José Dias."
Foram admittidas e mandadas á commissão.

Posto á votação o artigo 2°, foi approvado, salvas as emendas.
Entrou em discussão o artigo 3.ª
O sr. Arroyo:-Desejou que a commissão ou o sr. ministro explicassem se houve proposito ou esquecimento em não mencionar no artigo 3.° o § 4.° do artigo 219.° do regulamento de 28 de agosto de 1872.
Parecia lhe que se devia fazer declaração expressa do § 4.° do artigo a que só referiu, e a este respeito pedia explicações.
Combinando o que se lia na portaria de 24 de dezembro ultimo, com o artigo em discussão, duvidava se se ficava ou não inteiramente revogado o processo correccional e a pena de prisão do regulamento de 8 de setembro. Depois do varias considerações, convidou o sr. ministro da fazenda a fazer declarações categoricas a este respeito.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - É cousa notavel o illustre deputado não ter discutido nem o artigo nem o projecto.
O illustre deputado o que discutiu foi a proposta e da proposta o artigo, quando O que está em discussão é o artigo 3.° do projecto da commissão.
(Interrupção do sr. Arroyo.)
Eu digo o que é que resulta do seu equivoco, e não quero censurar o illustre deputado porque n'este ponto se enganou, assim como eu me tenho enganado mil vezes.

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SESSÃO DE 4 DE FEVEREIRO DE 1880 327

O que está em discussão é o artigo 3.°; mas vamos ao artigo 4.°
As licenças tornam se voluntarias; mas quando o contribuinte, tendo optado por esta fórma de pagamento, não tirar a licença, liça sujeito ás comminações dos §§ 2.° e 3.° do regulamento de 28 de agosto de 1872.
Portanto, no systema primitivo as licenças eram obrigatorias e recaíam as penalidades do regulamento de 28 de agosto de 1872 mas no systema agora proposto a licença é facultativa, e só quando o contribuinte tenha optado por ella é que lhe é applicada esta penalidade quando a não tirar.
Perguntou o illustre deputado se eu e a commissão tinhamos duvida em acceitar que se diga §§ 2.º, 3.° e 4.°
Eu digo que não foi incluido por se julgar desnecessario. Se o illustre deputado mandar a emenda eu não tenho duvida em a acceitar.
Agora, qual é a interpretação do artigo 219.° §§ 2.°, 3.° e 4.° do regulamento de 28 de agosto de 1872?!
Nós haviamos já visto esgotar-se a inscripção, o sr. Firmino João Lopes até já disse que estava cansado e o illustre deputado ainda vem discutir a legislação de 18721
Está claro que os tribunaes é que hão de resolver; eu limitei-mo a manter as disposições do regulamento de 1872 e essas não foram combatidas pelos illustres deputados. Mantenho as integralmente como estão inscriptas no projecto e que não foram impugnadas por ninguem.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas das explicações que deu nesta sessão.)
O sr. Arroyo:-Mandou para a mesa a seguinte proposta, por lhe parecer que é necessario tornar a lei bem clara, para não haver logar a diversas interpretações.
"Proponho que no § 2.° do artigo 4.° do projecto se diga: "Os contribuintes que, tendo optado pelas licenças, não as tirando nos prasos legaes, ficam sujeitos ás condições do artigo 219.° §§ 2.° a 4.° do regulamento de 28 de agosto de 1872.= João Arroyo."
A resposta do sr. ministro da fazenda demonstrava que havia sido inutil a discussão parlamentar, pois s. exa. se recusava a declarar que ficava abolido o processo correccional do regulamento de 8 de setembro de 1887, que concluia pela prisão, na hypothese do artigo 16.° O sr. ministro da fazenda limitava-se a dizer que os tribunaes decidiriam.
Pois elle, orador, protestava bem alto, para que todo o paiz soubesse que a questão da pena de prisão permanecia de pé, apesar das innumeras manifestações da opinião publica e da apparente cedencia da maioria e do governo!
(O discurso será publicado na integra, quando o orador restituir as notas tachygraphicas.)
A proposta foi admittida e enviada á commissão.
O sr. Barbosa de Magalhães: - Eu tinha pedido a
palavra apenas para mandar pura a mesa uma proposta de acrescentamento ao § unico do artigo 3.° e de substituição ao artigo 4.° do projecto em discussão.
E se não tencionava responder ao illustre deputado que me precedeu, não era por monos consideração, mas por ver que tudo o que s. exa. dissera no seu primeiro discurso fôra brilhantemente respondido pelo sr. ministro da fazenda. Em todo o caso agora, sem desejo de tomar, por um minuto sequer, a attenção da camara, anciosa do encerramento da sessão pelo adiantado da hora, tenho de dizer ás galerias, visto que o illustre deputado para ellas appellou tão alto, que a resposta que o sr. ministro da fazenda já deu ás, observações feitas pelo sr. Arroyo é completa o cabal. Não póde haver hoje mais duvidas sobre a interpretação do regulamento de 28 de agosto de 1872, do que havia antes da lei de 15 de julho de 1887. (Apoiados.) O que disse o sr.- ministro da fazenda, e o que se concluo do projecto em discussão, é que fica era pleno vigor o regulamento de 28 de agosto de 1872. Ora, em faço d'este regulamento, nunca ninguem levantou duvidas sobre se na falta de pagamento da contribuição industrial se applicava o processo de policia correccional ou o de execução civil. Porque é que taes duvidas hão de surgir agora, quando expressamente se declara que não é ás comminações do regulamento de 8 de setembro de 1887, mas sim ás do artigo 219.° do regulamento de 28 de agosto de 1872, e que não é aquelle mas sim este o regulamento que fica em vigor? (Apoiados.) Assim se apagam com um sopro todas essas fulgurações de palavra, mais ou menos phantasticas, e engenhosamente apparatosas, com que o distincto orador pretendeu produzir o effeito final d'esta sessão.
Vozes: - Muito bem.
Leram-se na mesa as seguintes:

Propostas

Emenda e substituição aos artigos 3.° e 4.° do projecto das licenças:
Ao § unico do artigo 3.°:
Acrescentar no fim "e não declararem na respectiva repartição de fazenda até ao fim de dezembro de cada anno, que tomam a responsabilidade das suas collectas."
Ao artigo 4.º:
Aos contribuintes de que trata a lei de l5 de julho de 1887 é permittido pagar a contribuição industrial por uma só vez, ou em prestações mensaes, ou pela fórma e nos prasos estabelecidos na legislação vigente.
§ 1.° Se preferirem pagar uma só vez, declaral-o-hão até ao fim de dezembro de cada anno na respectiva repartição de fazenda e ser-lhe hão abatidos 2 por cento da totalidade das suas collectas.
§ 2.° Se preferirem pagar em prestações mensaes, farão essa declaração nos termos do paragrapho antecedente, o passar-se-lhes ha um certificado ou conhecimento, que será apresentado todos os mezes na repartição de fazenda para ser averbado com a nota de pagamento de cada prestação.
§ 3.° Não se pagando tres prestações, julgar-se-hão vencidas todas as restantes e proceder-se ha, á execução em conformidade com a legislação em vigor.
§ 4.° Não fazendo os contribuintes as declarações de que tratam os §§ 1.° e 2.° d'este artigo, o pagamento da contribuição será feito nos termos da legislarão vigente. = Barbosa de Magalhães.
Foram admittidas e enviadas á commissão

O sr. Laranjo (para um requerimento):-Requeiro a v. exa. que ponham em discussão conjunctamente os restantes artigos do projecto, mas votando-se em separado.
O sr. Elias Garcia (para um requerimento): - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que se unam na discussão os artigos.
O sr. Presidente:- O requerimento é para que os artigos se discutam e não que se votem conjunctamente, votem-se em separado como é de praxe.
Foi approvado o requerimento do sr. Laranjo.
O sr. Vicente Monteiro: - Mando para a mesa uma proposta de modificações á tabella que faz parte do artigo 3.º
É a seguinte:

Proposta
Alteração ao quadro que faz parte do artigo 3:°:
5.ª classe, 5.º ordem, 14$000 réis, em vez de 15$000 réis. = Vicente Monteiro.
Foi admittida e enviada á commissão.

Foi approvado o artigo 3° saltas as emendas.
O sr. Presidente:-Como não ha quem peça á palavra, vae votar-se o artigo 4.°
O sr. Elias Garcia, (para um requerimento): - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que haja votação nominal sobre este artigo 4.°
Consultada a camara, rejeitou a votação nominal.

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Foi approvado a artigo 4.°, salvas as emendas, e seguidamente os restantes artigos do projecto.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para segunda feira é a continuação da de hoje.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas e tres quartos.

Proposta de lei apresentada n'esta sessão pelo sr. ministro da justiça

Projecto de lei n.° 13-B

Senhores. - Tendo a honra de vos apresentar uma proposta de lei tendente a evitar, quanto possivel e a reprimir a criminalidade dos menores, seria fazer aggravo aos vossos sentimentos, e injuria á vossa illustração, pretender fundamentar uma providencia, cuja falta no nosso regimen penal é de ha muito sentida, e cuja adopção por isso tem sido urgentemente reclamada. Deixo, pois, ao vosso levantado criterio a justificação, em principio, da proposta que apresento, certo que a não podia fazer melhor, nem que mais propicia fosse; quanto, porém, ao modo por que entendi dever occorrer ao que reputo uma verdadeira necessidade publica, limitar-me-hei a apresentar o relatorio feito por um illustre magistrado, o sr. visconde de Santa Monica, como relator da commissão creada pelo decreto de 11 de março de 1875 para propor ao governo de Sua Magestade os meios de fundar uma ou mas colonias agricolas e casas de correcção para menores de dezoito annos, nas comarcas do reino e ilhas.
Adoptei, fundamentalmente, o projecto elaborado por aquella commissão, permittindo-me apenas fazer-lhe as modificações e os additamentos que o decurso do tempo, e as circunstancias actuaes tornavam necessarias ou convenientes.
Não devo, n'este ponto, omittir que o meu proposito de levar por diante este projecto, contribuiu em muito um valioso trabalho que recebi do digno procurador regio perante a relação do Porto.
Comquanto qualquer despeza prudentemente feita para se pôr por obra a proposta que vos apresento seja mais do que justificada, devo acrescentar que a sua execução não trará sensiveis encargos ao thesouro publico.
De facto a casa de correcção de Lisboa já tem dotação no orçamento; a do Porto trará apenas, segundo os calculos do digno procurador regio, o encargo de 5:000$000 réis, para despezas de installação, devendo a de Ponta Delgada trazer ainda encargo inferior, quanto á escola de reforma Villa Fernando devida á iniciativa illustrada do actual presidente do conselho, é sabido que tem receita propria, e como tal inscripta no orçamento.
Tenho, porém, ainda fundada esperança de que, especialmente para a colonia agricola perto de Lisboa, a iniciativa particular concorrerá em muito para alliviar o estado do respectivo augmento de despeza. O despendio annual com ordenados será medico, e qualquer outro entrará nas despezas prisionaes.
Isto posto, conto que não recusareis a vossa approvação ao intuito que a proposta pretende realisar, e que, examinando-a com a costumada reflexão, a melhorareis e aperfeiçoareis quanto possivel.
Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 4 de fevereiro de 1888.= Francisco Antonio da Veiga Beirão.

Documento a que se refere o presente relatorio

Não congresso internacional reunido em Londres a 13 de julho de 1872, para conferenciar ácerca da prevenção e repressão da criminalidade, e da organisação o regimen dos estabelecimentos penaes e penitenciarios, o major E. F. Du Cane, que ali representava a Inglaterra e que, alem de outros cargos, exercia o de inspector geral das cadeias civis e militares, apresentou reflexões, que por sua sensatez e pela auctoridade do apresentante sobre taes materias, adquirida durante quarenta annos de pratica, devera por certo merecer a seria attenção de quantos se occuparem de similhantes assumptos.
As investigações por elle feitas e a sua longa experiencia indica vara-lhe varias categorias em que podem ser classificados os criminosos. Cinco lhe pareciam ser estas:
l.ª A dos individuos que foram creados sem cuidado ou educação alguma, muitos d'elles vivendo desde a mais tenra idade em companhia de pães, ou de outros individuos, criminosos.
2.ª A dos que, estando em circumstancias de ganhar subsistencia honrada, cedem por acaso á tentação criminosa.
3.ª A dos que, estando em circumstancias iguaes áquellas, preferem a carreira do crime, já por gosto ou inclinação natural, já por acharem diminutos os proventos de uma occupação honesta.
4.ª A dos que, por incapacidade physica ou intellectual, acham tão difficil ganhar a vida honradamente, que se lançam na carreira do crime.
5.ª Finalmente, a d'aquelles que são levados á pratica de crimes violentos pelo impulso de suas paixões ou por habitos ruins.
A lei, diz o digno inspector, para estancar a fonte da l.ª classe de criminosos deve providenciar, como em certo modo tem feito, que as creanças em perigo de entrar n'ella sejam tiradas a seus descuidados ou immoraes protectores, e educadas á custa do estado; e demais, que os magistrados não postam impedir a acção benefica da lei.
Com relação ás classes 2.ª, 4.ª e 5.ª, julga remedios efficazes um systema de disciplina severa e intimidadora, e a educação moral.
Quanto aos individuos da 3.ª classe, pouca ou nenhuma esperança nutre a respeito da sua emenda. Reconhecida a má indole d'elles depois de uma ou duas reincidencias, entende que o melhor caminho a seguir é impor-lhes a pena de prisão por periodos largos, a fim do proteger a sociedade contra a sua malvadez, e impedir que contaminem os outros: são a escoria social, que, á similhança do certas molestias incuraveis, se encontra mais ou menos em todas as classes da sociedade.
Se analysarmos a opinião do auctoridade tão competente, acharemos que, exceptuada a 3.ª classe de criminosos, podem todas as causas da criminalidade filiar-se, mais ou menos directamente, na falta de educação moral e de instrucção profissional. E dizemos o profissional e não litteraria"; porque erradamente, a nosso ver, á falta d'esta se costuma quasi sempre attribuir a criminalidade. Nasce o engano de que a instrucção litteraria acompanha ordinariamente a educação moral, e d'aquella, quando bem encaminhada, ser um dos grandes meios de adquirir esta; e tambem de não se notar que, sendo insuficiente ou mal dirigida, ou mal applicados os meios que fornece, de nada serve ou, longe de moralisar, produz effeitos inteiramente contrarios.
A instrucção litteraria, assim secundaria como superior, alem de poder servir como meio de educação moral, é tambem efficaz para se ganhar com honra a subsistencia; esta circumstancia já por si ha de afastar do crime os individuos que ainda não estiverem pervertidos. A instrucção primaria, mormente a que póde ordinariamente alcançar um individuo das classes menos abastadas, do pouco lhe serve, era regra, para a sua educação moral; e do nada, só por si, para lhe ministrar meios de subsistencia. Sabendo ler, um individuo torna-se melhor sómente quando, tendo tempo para tanto, se applica a boas leituras; torna-se porém, necessariamente peior, se as leituras forem más; e só com esta habilitação e com a de escrever

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contar, embora correntemente, difficil lhe será ganhar a vida. Não póde negar-se a necessidade de alhar a instrucção litteraria, com a profissional; mas, a ter de optar-se, parece n'aquellas circumstancias indubitavelmente preferi vel a profissional e em relação ás classes laboriosas deve ella merecer muito maior attenção.
Estes principios, que nos parecera de eterna verdade, são, muitas vezes, e com as melhores intenções, infelizmente desprezados na pratica.
Se pois a educação moral e a instrucção profissional e litteraria elementar são os meios mais efficazes para combater o crime nas classes da "sociedade onde este mais abunda, corre á sociedade o dever de acudir com elles aos desvalidos da fortuna, conciliando assim o interesso individual com a social; e assiste-lhe tambem o direito de impor a todos a obrigação de adquirirem aquelles recursos assim facilitados, mormente com relação aos individuos da l.ª classe a que allude o digno inspector inglez, empregando até os meios coercitivos por elle indicados. E nem o pratrio poder, ou o amor de familia, sagrados quando reaes e sufficientemente esclarecidos, podem invocar-se aqui; nem tão pouco a commiseração mal entendida, a que allude o mesmo inspector quando falla dos magistrados que, muitas vezes, não comprehendem ser o castigo apparente um verdadeiro beneficio.
N'estas circurnstancias a unica objecção, aliás especiosa, que póde apresentar-se contra as casas de correcção, é ter necessario o crime ou, antes, o procedimento irregular para lhes abrir as portas; e servirem os guardas, muitas vezes, mais para prohibir a entrada do que para impedir a saída. Santo defeito este! Que mostra evidentemente o que ainda resta por fazer para completar as caridosas instituições das créches e dos" asylos de infancia desvalida, orçando se collegios municipaes onde os filhos dos pobres e os dos menos abastados possam obter a educarão e instrucção litteraria, e sobretudo a profissional, convenientes ao catado que hajam de ter na sociedade, contribuindo os paes com aquillo que cada um possa, ou nada absolutamente, quando nada podérem.
Voltando porém a fallar da casa de correcção, torna-se ella tanto mais necessaria nos grandes centros de população, quanto maior é a falta, que ali se sente do collegio municipal a que alludimos.
Pintemos o quadro sem exageração e só com a triste verdade, qual tantas vezes se vê infelizmente. A pobre mãe, emquanto o filho, que já não frequenta o asylo, não tem idade para ser collocado em casa de um mestre, enxota o para a rua, se elle para lá não foge espontaneamente, porque em casa torna-se-lhe um estorvo insupportavel. Na rua começa elle a aprendizagem de vadio; e para lá volta todas as vezes que póde, ainda depois de estar na casa do mestre como aprendiz. Se o seguirmos aqui, raras vezes ficaremos satisfeitos. O modo como querem inicial-o no trabalho, não é de ordinario o mais efficaz ou conveniente para que o abrace com vontade; o quando, apesar de tudo, elle mostra essa vontade, não existe a mesma da parte do mestre, de crear de prompto e com perfeição um official do seu officio, o que em geral costuma traduzir se por um inimigo.
Nos grandes centros de população, assim como nos grandes banquetes, ha sobras com que não se vive bem, mas sempre se vae passando, embora mal. Ha a caridade individual, sempre santa e respeitavel, ainda quando não olha a quem soccorre, porque corresponde ao mais nobre de nossos instinctos e sentimentos: ha mil empregos para os menores vadios, onde elles ganham um pequeno salario, mas que, sem futuro, os impedem de se habilitarem para ganhar a vida quando forem homens.
N'aquellas idades abusa-se da vitalidade tenaz; dorme-se pelas escadas ou sob alpendres, comem-se as sobras dos ranchos dos quarteis e casas de guarda, partilha-se o passadio e a educação dos cães vadios e vive-se como elles;
mas vivo se sem trabalhar.
O mal ficaria apenas individual, se não fossem as consequencias. Quaes estas sejam, sabem-no, todos; para os que escapam á valla do cemiterio, succedem necessariamente á vadiagem o furto, é roubo violento, com suas horrendas circumstancias, a cadeia, e o degredo que, embora para alguns seja a impunidade, é para muitos outros a pena de morte aggravada. Dados certos principios, as leis moraes cumprem-se com a mesma fatalidade das leis physicas.
0 que deve então fazer a sociedade que deseje guiar-se pelos principios, não só da eterna justiça mas, do seu proprio interesse? Atulhar o mal emquanto é, tempo; chamar a si, adoptar aquelles desgraçados, a quem chamâmos criminosos; dar-lhes a educação moral e a instrução profissional que seus pães muitas vezes, sejamos; justos, não poderam dar lhes. Se então gastar mais, ainda que por pouco tempo, com o pão do corpo e da intelligencia, gastará depois muito menos com as dietas no hospital, com as despezas nas cadeias, com a policia, com os degredos, com os combates em suffocar revoluções, que, vão sempre remexer e levantar aquelle lodo sem consciencia, que lucta pela vida, embora talvez não a mereça. Se ha casos, em que o principio da prevenção é verdadeiro, justo, util, para todos, e summamente pratico, é este um, se não o unico.
Mas o que deve ser uma casa de correcção?
Destinada a recolher e educar menores de dezoito annos, rarissimas vezes pervertidos ou de má indole (mormente entre nós), não deve ella ser uma cadeia, ma? um estabelecimento de educação moral e de instrucção profissional acompanhada da primaria elementar; onde se ensine e faça amar o trabalho, onde a hygiene regule o estrictamente necessario, e d'onde sejam severamente banidas todas as necessidades facticias, e que os alumnos, em geral, não hão de encontrar depois no decurso da vida.
Não póde a casa de correcção ter uma cadeia pois como castigo, seria injusto. Onde estava o crime? Não deve tão pouco ser um collegio onde se ensine a instrucção litteraria com detrimento da profissional, porque fôra nocivo.
Longo de satisfazer no fim que se desejava iria todos os annos lançar para fóra de si um enxame de moços que, não podendo continuar uma carreira em que os metteram caridosa mas imprudentemente cheios de aspirações, as mais das vezes impossiveis de satisfazer, se tomariam outros tantos criminosos, ou iriam pelo, menos. Augmentar, o numero, já tão crescido, dos descontentes, de, sua posição social, os mais tenazes e, irreconciliaveis inimigos da, ordem publica, a quem, a sociedade tinha, aquecido e animado, era seu seio; e em vez de serem artistas optimos ou pelo menos soffriveis, cidadãos honestos e, contentes, torna-se-íam espiritos inquietos e reformadores sociaes; tanto mais, inquietos e tanto mais reformadores, quanto menos instruidos e mais desgraçados pela incapacidade de ganharem a vida honradamente.
Deve pois a casa de correcção ser um estabelecimento de educação, destinado na maioria doe casos para ministrar a olhos do povo a educação e instrucção que este não quizeram ou não poderam receber, na casa paterna. E dizemos filhos do povo; sem a menor idéa de, desprezo para com esta classe, da qual saem e se renovam necessariamente todas as outras; dizemol o porque é a verdade. Nem póde deixar de haver taes estabelecimentos emquanto a numerosa classe popular não tiver ao seu alcance e acommodados as suas circumstancias especiaes, os meios de instrucção e moralisação que possuem as classes abastadas.
Ás classes desvalidas, longe de sobrar, mal chega o tempo para ganharem o pão; e, ainda quando o tempo sobrasse, nem sempre poderia haver a intelligencia e vontade necessarias para aquella inspecção activa e incessante que requer a educação de uma creança. Como hão, de elles, ignorantes e pouco educados, e luctando com grandes pri-

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vações, ter essa vontade e essa intelligencia de que os abastados com rasão se julgam incapazes, quando confiam a collegios a educação de seus filhos? Da falta d'estes collegios, adaptados ás classes pobres, é que nasce, como dissemos, em grande parte a necessidade das casas de correcção.
Entre nós foi reconhecida esta necessidade, e creada pela lei de 15 de junho de 1871 uma casa de correcção e detenção para os menores de dezoito annos da comarca de Lisboa. Para aquelle fim destinou se o arruinado edificio do extincto convento de Santa Monica, da ordem de Santo Agostinho, depois do feitas as obras indispensaveis para o adaptar ao novo serviço. A obra foi dirigida com superior inteligencia e inexcedivel zelo pelo procurador regio junto da relação de Lisboa, o conselheiro M. P. de Faria e Azevedo, e a casa inaugurou se em 20 de outubro de 1872.
Até então os menores do sexo masculino da comarca de Lisboa, a quem a miseria ou o desleixo de seus pães, ou ainda a má indole propria lançavam na vadiagem ou introduziam na senda do crime, eram condemnados á pena de prisão, cumprida no andar terreo da cadeia do Aljube, se ainda não tinham quatorze annos de idade, ou na enxovia do Limoeiro, se já os tinham completado. No Aljube viviam em casas humidas, quasi sem luz, respirando um ar viciado, sem exercicio, sem trabalho, sem educação; na enxovia do Limoeiro, de envolta com facinorosos, faltam expressões para dizer o que os aguardava!
Os resultados de similhante systema penal, se tal nome póde dar-se-lhe, são faceis de prever; são necessarios e fataes, nem é mister exageral-os para fazer sobresaír toda a sua immoralidade.
Uns saíam do Aljube, se não moral e physicamente peiores, pelo menos nas mesmas circumstancias em que para lá tinham entrado, e por isso aptos para continuar na carreira do vicio e do crime; os outros deixavam a enxovia do Limoeiro habilitados para ali voltar em breve, menos se, por milagre, não tivessem aproveitado assaz n'aquella pessima escola.
E para que se impunha similhante pena a umas e outras creanças, quando, cumprida ella, voltavam para a rua no mesmo se não em peior estado?
Aterradas pelas consequencias da prisão na enxovia, ou convencidos da inutilidade d'ella no Aljube, alguns juizes absolviam os vadios menores de dezoito annos; verdade é que depois de estabelecida a casa onde elles podiam regene-rar-se, outros juizes tem tornado inutil a condemnação, emquanto, receiando impor pena muito severa a um crime leve, condemnam a prisão por curto praso, sem reflectirem que a supposta pena é um verdadeiro beneficio. Torna-se pois necessario, para acabar com taes escrupulos, reformar a lei penal no que respeita aos menores vadios.
Durante aquelle estado de cousas havia muitos annos; e sempre assim fôra, apenas interrompido no reinado da senhora D. Maria I por iniciativa do intelligente Manique, que, se não nos enganâmos, foi quem creou no castello a casa pia de correcção, a qual, depois de tempos prosperos e de varias vicissitudes, veiu a dar na actual casa pia Com destino hoje muito diverso.
Existe pois em Lisboa uma casa de detenção e correcção, que, melhorada com as modificações que a experiencia tem mostrado necessarias, póde servir de norma para as demais que hajam de crear se em Portugal.
As ruinas de um convento, que a sciencia official condemnára como inaproveitaveis, tornaram-se sob a direcção de uma vontade energica e intelligente, e com tão modica despeza(6:000$000 réis), que causou espanto no parlamento que a votou, tornaram-se, diziamos, em casas alegres e asseiadas, e que de cadeia só têem o nome; a cerca, antes abandonada e coberta do silvas e entulhos, vestiu-se de arbustos e de flores; e n'aquella verdadeira casa de saude moral e physica encontram as pobres creanças, mais extraviadas do que criminosas, o que a maior parte não tinha em casa de seus pães; o sustento sadio, a instrucção, o trabalho, a ordem e a moralisação; encontram guardadas as devidas proporções, e tendo em vista as suas necessidades especiaes, o que os pães abastados procuram para seus filhos quando os collocam em collegios por não poderem dar-lhes em suas casas a instrucção que os habilite para entrarem na grande Inecta da vida.
Ás Monicas (com este nome baptisou o povo aquelle estabelecimento) concorre immensa gente todos os dias santificados, o não acha uma cadeia, mas uma casa de caridosa educação; não vê luxo, que ali fôra prejudicial, mas o estrictamente necessario, e a ordem que deve acompanhar a pobreza para não degenerar em miseria. Ali ouve a missa dita para os menores em modesta e decente igreja, ao som da musica por elles mesmo executada; visita depois o estabelecimento e compra flores ou os artefactos fabricados por aquellas mãos que, ainda ha pouco, apenas sabiam estender-se á esmola ou ensaiar-se no roubo; pasma, e a unica mágua que ás vezes manifesta é não poderem todos os filhos dos pobres entrar em similhantes estabelecimentos se não pela porta odiosa do vicio.
Os menores ali detidos respiram o ar mais puro, effeito das optimas condições hygienicas da casa; gosam da luz do sol, vivem no asseio, que não é incompativel com a pobreza, recebem educação moral e religiosa, têem os exercicios conveniente para conservarem e desenvolverem as forças physicas, aprendem a ler, a escrever e a contar, e alguns tambem a musica, e trabalham em diversos officios com que ao depois poderão ganhar honradamente o seu pão.
O que hoje é a casa de correcção de Lisboa deprehende se do relatorio apresentado pelo conselheiro procurador regio, em 31 de dezembro de 1876, ao ministro e secretario d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça; o que ainda lhe falta póde deprehender-se tambem do mesmo relatorio, e foi para procurar remedio a essa falta, que a presente commissão dirigiu tambem este seu trabalho.
Duas são as alterações que ella julga indispensaveis: l.ª augmentar a capacidade do estabelecimento, mórmente se for destinado a receber os menores das comarcas de todo o districto da relacção de Lisboa, conforme a commissão indica no artigo l.° do seu projecto de lei; 2.ª reformar a lei penal relativa aos menores, nos termos dos artigos 8.° e seguintes do mesmo projecto.
O augmento da capacidade do estabelecimento não é cousa difficil nem despendiosa, se attendermos a que ha proximo terreno de facil aequisição, e se nas obras que hajam de fazer-se continuar a seguir-se o mesmo systema já adoptado nos trabalhos de adaptação do antigo edificio, isto é, a estricta economia, procurando só o necessario e o util, e aproveitando o trabalho dos presos da cadeia civil, muito mais barato e, seja dita a verdade, mais proficuo do que geralmente se obtem.
O timbre e gloria d'aquelle estabelecimento é a pobreza, pois d'esta provém, em grande parte, a sua utilidade e efficacia. Muitos estabelecimentos magnificos e sumptuosos, assim publicos como particulares, se têem fundado em Portugal; mas em nenhum nos conota que se fizesse e conseguisse tanto com tão poucos meios: é caso comum em paizes estrangeiros, novo porém em o nosso.
Não censurâmos as boas intenções de nossos maiores nem de nossos contemporaneos; lastimâmos sómente ver muitas vezes desperdiçadas forças que poderiam ter proveitosa applicação. E isto é principalmente lamentavel em estabelecimentos de educação para as classes pobres, pois não ha então sómente o desperdicio das forças, torna-se tambem a educação ruim em vez de proveitosa.
A reforma da lei penal relativa aos menores, nos termos do artigo 8.º e seguintes2, é a outra necessidade; sem ella

1 Artigo 8.º da proposta
2 Artigo 1.º e seguintes da proposta.

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a creação da casa de correcção, comquanto fique sempre um grande passo no caminho da moralidade e da justiça, é de pouco proveito para a maior parte dos menores. Condemnar a mezes e até a dias de reclusão um menor vadio, e isso repetidas vezes, quando elle não tem quem o possa ou queira educar, toca as raias do absurdo, para não dizer do ridiculo!
A reclusão na casa de correcção póde considerar-se ou como castigo e beneficio juntamente, ou como beneficio só.
É castigo e tambem beneficio para os menores vadios que tiverem as habilitações litterarias e profissionaes sufficientes; castigo, porque não querem usar d'ellas, tendo-as; beneficio, porque durante o tempo da detenção podem adquirir o habito do trabalho regular. Para estes taes a detenção de seis mezes a um anno, pela primeira vez, deve ser sufficiente; provado que o não seja, prolongue se-lhes o castigo e o beneficio.
É sómente beneficio, para os menores vadios que não tiverem as habilitações litterarias e profissionaes sufficientes, e para estes o minimo da detenção não póde ser inferior a tres annos, e isto, porque se entende que a aprendizagem por tres annos dentro do estabelecimento equivale á de cinco ou seis em casa de um mestre, visto como ali se não dão a perda de tempo, quando menos o indispensavel para ir lá e voltar depois á casa paterna, e outras distracções que não se encontram na de correcção, onde o ensino é necessariamente mais regular e desinteressado.
Mas o menor póde ser condemnado por outro crime que não seja o de vadiagem, e a pena ser inferior a tres annos; n'este caso, se elle tem as habilitações sufficientes, cumpra só a pena que foi condemnado; e se não as tem, é muito provavel que a vadiagem o tenha conduzido ao crime, e é certo que lá o ha de arrastar; e por isso, cumprida que seja a pena, fique sob a tutela do estado, se não a tiver natural ou legal que seja idonea, para ali adquirir as mesmas habilitações. Se for condemnado a pena de prisão por tres annos ou mais, poderá durante esse tempo alcançar as habilitações que lhe faltem.
Pareceu justo e conveniente que o menor, condemnado por qualquer crime que não seja o de vadiagem, quando chegue á maioridade antes de cumprir toda, a pena, seja conservado na casa de correcção até o inteiro cumprimento da mesma, ou recolhido á respectiva cadeia civil, segundo o seu comportamento na dita casa. A prudencia aconselha evidentemente um ou outro d'estes procedimentos.
Tambem não pareceu menos justo que o menor, detido como vadio e que se habilito e regenere antes de cumprir, a pena, se estabeleça fóra da casa de correcção sob a tutela do procurador regio, indo pernoitar no estabelecimento, se tanto for necessario; os proventos do seu trabalho formarão o seu peculio, unico admittido no presente trabalho.
O peculio n'outras circumstancias tem para o menor mais
inconvenientes que vantagens. Perfeitamente sustentavel
em these, ha de na maioria dos casos ser funesto ao individuo inexperiente que recupere a liberdade, tentado por companheiros e infelizmente, ás vezes, pelos proprios pães, em breve o dissipará; mau principio de uma vida que se pretende regenerar!
Em vez do peculio pareceu mais conveniente uma pequena retribuição, para estimular o zelo e o aperfeiçoamento no trabalho e tornar este aggradavel e attractivo; e mais que tudo crear commissões de protecção, complemento indispensavel da educação dos menores detidos nas casas de correcção; commissões que adiante se fallará, depois das colonias agricolas, a cujos alumnos são tambem applicadas.

As diversas causas, principalmente a vadiagem, que tornam indispensavel a creação de casas de correcção nos centros de grandes povoações quasi não se dão nas disseminadas e agricolas a que o movimento da criminalidade dos menores é muito pequeno, e o da vadiagem quasi nullo.
Por isso, aquelles estabelecimentos quasi que não têem rasão de ser, se não tomarem a feição de collegios, onde se recebam alumnos nos termos dos n.os 5.° e 6.° do artigo 29.° do projecto l, e em conformidade do indicado no decreto que creou a presente commissão.
Assim podem elles tornar-se utilissimos, bem como são necessarios para os raros criminosos ou menores vadios, por que não convém, chamar para as cidades os individuos pertencentes a povoações agricolas, já natural e demasiadamente inclinadas a essa emigração, o que em nossa opinião é um verdadeiro mal; assim como nos parece uma utopia o querer applicar a esta hypothese o celebre dito: melhorar a terra pelo homem, e o homem pela terra; pois não nos podemos capacitar de que os menores vadios, de Lisboa ou do Porto com a educação se tornem lavradores, alterada totalmente a sua constituição physica e perdido o instincto, que n'elles julgâmos geralmente invencivel, de voltarem para a terra onde nasceram.
Pareceu, porém, pelo menos prudente, que se comece pelo estabelecimento de uma colonia, como se fez com a casa de correcção de Lisboa; e, passado o tempo necessario para se adquirir a experiencia, se proceda ao estabelecimento das demais colonias, no caso de se mostrarem indispensaveis. Para este ensaio bastará que o governo lance mão de algum edificio publico perto de Lisboa. Qualquer cerca, ainda que pequena, póde servir para o estudo de trabalhos agricolas; quem sabe plantar dez bacellos ou dez oliveiras, planta vinhas e olivaes.
Se porém o terreno for demasiadamente reduzido, poderá tomar-se de renda alguma porção de outro fóra do estabelecimento, como se tem feito nos paizes estrangeiros. As despezas para a adaptação do edificio ao seu novo destino serão insignificantes, quando se adopte o systema acima indicado para augmentar a capacidade da actual casa de correcção.
Quanto ás commissões de protecção, necessarias ou uteis em geral para toda a classe de individuos que, tendo cumprido a pena a que foram condem nados, desejem obter trabalho para ganhar a vida, julgâmol-as indispensaveis para os individuos que estiverem detidos nas casas de correcção ou nas colonias agricolas. Sem ellas corria-se o risco de perder em poucos dias o trabalho e fadigas de annos.- Os individuos d'esta classe precisam de protecção contra a inexperiencia propria e contra a tentação, infelizmente, muitas vezes a aquelles mesmos que por natureza eram obrigados a dar-lhes bons exemplos e a servir-lhes de guia.
Julgâmos ser o systema de commissões adoptado o mais facil, o mais economico e mais util. Em França as commissões de protecção não officiaes só têem dado bons resultados no departamento do Sena. Duvidâmos que entre nós o effeito d'ellas podesse em alguma parte ser comparavel ao das commissões officiaes que propomos".

Proposta de lei

TITULO I

Da reclusão e prisão dos menores

Art. 1.° A reclusão de tres a cinco annos será imposta ao menor de dezoito annos, condemnado como vadio, que não tiver habilitações literarias e profissionaes; se as tiver, a reclusão será de seis mezes a um anno.
$ 1.º Para os efeitos de este artigo entender-se-ha:
1.º Que é vadio o menor de dezoito annos que, não tendo bens de fortuna, viver sem ocupação alguma que o habilitar para alcançar honestamente meios de subsistencia;
2.º Que são habilitações literarias suficientes: Ler, escrever e contar correctamente; e habilitações profissionaes

Artigo 30.º da proposta

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as sufficientes para se poder obter trabalho remunerado em algum estabelecimento publico ou particular.
§ 2.º O tempo da reclusão será graduado segundo a idade do menor e o grau do sua instrucção litteraria e profissional de modo que possa adquirir as habilitações que lhe faltarem para exercer proveitosamente alguma profissão.
§ 3.° A reclusão nunca será, imposta por tanto tempo que o menor não a possa cumprir até completar vinte e um annos de idade.
§ 4.° Findo o tempo da reclusão antes do menor chegar aos vinte e um annos de idade, e não possuindo ainda elle então as habilitações de que trata o n ° 2.° do § 1.° d'este artigo, ficará entregue ao respectivo procurador regio, para lhas, continuar a proporcionar na casa de correcção.
5.° No caso de reincidencia a reclusão do menor só acabará aos vinte e um annos de idade.
Art. 2.º O menor de dezoito annos condemnado por qualquer crime, que não suja o do vadiagem, a pena de prisão por menos de tres annos, e que não possuir ao tempo da condemnação, ou não aquirir durante o cumprimento da pena, as habilitações de que trata o n.° 2.º do § 1.° do artigo 1.°, e não tiver pão, tutor ou protector em circumstancias do o reclamar, ficará entregue ao respectivo procurador regio para lhe proporcionar aquellas habilitações na casa de correcção.
Art. 3.° A detenção de que tratam o artigo 2.°e o § 4.° do artigo 1.°, cessará completamente quando o réu tiver vinte e um annos do idade.
Art. 4.° O menor de dezoito annos condemnado por qualquer crime, que não seja o de vadiagem, a pena de prisão por mais de tres annos, se não tiver acabado de a Cumprir quando completar vinte e um annos de idade, poderá continuar a permanecer na casa de correcção até a cumprir toda, ou sor recolhido á cadeia civil respectiva, segundo o seu bom ou mau comportamento nadita casa.
Art. 5.° O menor de dezoito annos condemnado a reclusão só por vadiagem. e que se habilitar antes do cumprimento total para grangear meios de honesta subsistencia, e for de comportamento exemplar, poderá ser collocado pelo respectivo procurador regio em algum estabelecimento publico ou particular durante o tempo que faltar para o dito cumprimento.
§ l.° Se o menor não poder pernoitar convenientemente fóra da casa de correcção, deverá recolher-se ali todas as noites ás horas marcadas no respectivo regulamento.
§ 2.° Os salarios d'este menor serão recebidos pela administração da casa, que os conservará como peculio d'elle, deduzindo uma percentagem para as despezas do vestuario e outras que com elle fizer.
Art. 6.° O cumprimento da reclusão ou da pena de prisão imposta a qualquer menor de dezoito annos começará com isolamento dos demais reclusos, detidos ou presos.
§ unico. O isolamento nunca será inferior a tres dias, nem superior a quinze, segundo as circumstancias do menor, ouvido sempre o respectivo facultativo.
Art. 7.° O menor de dezoito annos, detido, recluso ou preso, que commetter, alguma infracção dos regulamentos ou se mostrar por qualquer modo remisso ou desobediente, será punido com isolamento durante as horas de trabalho e descanso.
§ unico. O isolamento não excederá a quarenta e oito horas pela primeira culpa, nem a oito dias por qualquer reincidencia.

TITULO II
Das casas de correcção

Artigo 8.° Haverá tres casas de correcção para individuos do sexo masculino menores de dezoito annos, que forem:
2.° Processados e não afiançados nas comarcas de Lisboa, Porto e Ponta Delgada; Presos á ordem da auctoridade administrativa nas ditas comarcas;
3.° Condemnados a revisão ou pena de prisão no continente do reino e ilhas adjacentes;
4.° Detidos nos termos dos artigos 143.° e 224.°, n.° 12, do codigo civil, pertencentes aos districtos administrativos de Lisboa, Porto e Ponta Delgada.
§ unico. Nas mesmas casas serão recolhidos os menores que se acharem nas circumstancias previstas no artigo 49.° do codigo penal.
Art. 9.° Uma das casas será situada em Lisboa o servirá para os menores das comarcas do districto da relação de Lisboa, os quaes, pela sua occupação, ou na falta d'esta, pela de seus pães, tutores ou protectores, não pertençam á classe agricola; as outras serão situadas nas cidades do Porto e de Ponta Delgada, e servirão para os menores, em identicas circumstancias, das comarcas do districto das relações respectivas.
§ unico. O procurador regio promover, ou mandará promover, segundo as circunstancias indicadas pelos respectivos delegados, a classificação dos memores condemnados, para os effeitos d'este artigo e do anterior.
Art. 10.° Para casa de correcção do districto da rolarão de Lisboa, servirá a que se acha actualmente estabelecida.
§ unico. Para satisfazer aos fins d'este artigo será a mesma casa ampliada e reformada em harmonia com as disposições d'esta lei.
Art. 11.° Para casas do correcção dos districtos das relações do Porto e Açores fica o governo auctorisado a adaptar algum edificio dentro das cidades do Porto e Ponta Delgada ou muito proximo d'estas e, no caso de os não haver, a construil-os.
§ unico, Emquanto estas casas não estiverem estabelecidas, servirá a do districto da relação de Lisboa tambem para os menores dos districtos das relações do Porto e dos Açores, indicados no n.° 3.° do artigo 8.°
Art. 12.° As casas de correcção devem ter capella ou oratorio, casas para aulas, dormitorios, refeitorios, casa de banhos, as officinas e acommodações necessarias, segundo o movimento da criminalidade dos menores, e um terreno adjunto susceptivel de jardinagem.
§ unico. Haverá em cada casa de correcção duas enfermarias, pelo menos, sendo uma reservada para o tratamento de doenças contagiosas.
Art. 13.° As casas de correcção ficam dependentes do ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, o qual nomeará os respectivos empregados.
§ unico. A administração d'estas casas será immediatamente sujeita aos respectivos procuradores regios, sendo-lhes applicavel o estabelecido com relação ás cadeias civis das comarcas de Lisboa, Porto e Ponta Delgada, nos pontos em que esta lei não providenciar especialmente.
Art. 14.° O pessoal empregado em cada uma das casas de correcção compor-se ha de:
l director;
l sub-director;
l capellão;
5 guardas.
§ 1.° Se os menores, recolhidos na casa de correcção, excederem o numero de 100, poder-se-ha, sob proposta do respectivo procurador regio, nomear um guarda por cada 20 ou fracção de 20 a mais.
§ 2.° Os empregados residirão dentro do estabelecimento e receberão os vencimentos declarados na tabella que faz parte d'esta lei.
§ 3.° O serviço de saude será feito pelos facultativos das cadeias civis das comarcas de Lisboa, Porto e Ponta Delgada, ficando o governo auctorisado a organisar especialmente este serviço, quando as circurnstancias o exigirem.
Art. 15.° O logar de director será provido por moio de concurso documental.
§ unico. Os candidatos apresentarão certidão de um

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çuso completo de instrucção secundaria, e de approvação em construcções civis, desenho linear, de ornato e architectonico.
Art. 16.º As casas de correcção ficam consideradas como qualquer asylo de mendicidade e estabelecimento pio e de beneficencia, ou educação gratuita, a fim de terem parte no beneficio das doações, legados ou heranças, que forem deixados aos estabelecimentos d'essa ordem.

TITULO III

Da instrucção e tratamento dos menores na casa de correcção
Art. 17.° A instrucção dada aos menores presos ou reclusos, será:
Quanto á parte moral, doutrina christã e praticas religiosas do respectivo capellão; quanto á parte literaria, ler, escrever e contar; quanto á parte profissional, a aprendizagem de um officio dos que ali se poderem ensinar e praticar, desenho linear e musica (pratica) para aquelles que para ella mostrarem aptidão.
Art. 18.° Haverá nas casas de correcção os exercicios militares e gymnastico proprios para desenvolver as forças physicas dos menores.
Art. 19.° Haverá todos os dias, exceptuados os domingos e dias santificados, aulas de instrucção moral e literaria e ensino profissional, segundo for determinado no respectivo regulamento.
Art. 20.° A aula de desenho linear será regida pelo director; a de musica, pelo sub-director; as de ler, escrever e contar, pelo capellão; este ensinará a doutrina christã, assistirá ás orações da manhã e da noite, e fará uma pratica religiosa aos menores todos os domingos e dias santificados.
Art. 21.° Todo o menor preso ou recluso é obrigado á instrucção moral, literaria e profissional, e aos exercicios militares e gymnasticos, nos termos dos artigos 15.°, 16.° e 17.° d'esta lei.
§ unico. Se o menor tiver habilitações litterarias ou profissionaes superiores ou differentes das que se alcançam na casa de correcção, poderá auxiliar os respectivos mestres, ou occupar-se em separado da sua profissão.
Art. 22.° Os mestres dos officios serão contratados para esse fim por meio de um vencimento certo, ou de uma percentagem do producto do trabalho, segundo o permittirem as circumstancias e for mais conveniente para o estabelecimento.
Art. 23.° O producto da venda dos artefactos será applicado á compra de materias primas para as officinas e a gratificações aos alumnos que se distinguirem por sua assiduidade e pericia no trabalho; havendo remanescente, reverterá a favor da casa.
Art. 24.° O menor presa ou recluso será vestido á custa do estado, tratado em suas doenças e alimentado como os presos das cadeias civis de Lisboa, Porto e Ponta Delgada, tendo porém tres refeições ao dia.
§ unico. O menor que tiver meios de subsistencia será vestido com o uniforme da casa pago á sua custa, e alimentado tambem á sua custa, tendo as suas refeições em cata separada do refeitorio commum, ou n'este, se o pae ou tutor pagar para que elle seja alimentado como os demais.
Art. 25. O individuo que deixar a casa de correcção por ter cumprido a pena de prisão ou de reclusão, ou acabar o tempo da detenção nos termos do artigo 10.° d'esta lei, e for pobre, sairá vestido convenientemente e á custa do estado, segundo a occupação ou profissão a que se dedicar, e terá a, protecção das commissões orçadas por esta lei.
§ unico. A protecção das commissões será concedida ainda quando o individuo tenha pae ou tutor, se estes a requererem.
Art. 26.º São applicaveis aos menores indicados em os
n.os l.° e 2.° do artigo 8.º d'esta lei as disposições dos artigos 17.° e seu paragrapho, 21.º e seu paragrapho e 24.° e seu paragrapho.
§ 1.° Se o menor não tiver conhecimento algum litterario ou profissional, será dispensado da respectiva instrucção, e empregado exclusivamente no serviço da casa ou n'outro qualquer que não exija aprendizagem.
§ 2.° O menor não terá direito a vestuario, salvo o caso de absoluta necessidade.
§ 3.° Se o menor tiver meios de subsistencia, poderá ser-lhe applicado, a requerimento de seus pães ou tutor, o disposto no artigo 25.° d'esta lei.
§ 4.° E applicavel ao menor o disposto no § unico do artigo 27.º d'esta lei.
Art. 27.° Os menores detidos nos termos dos artigos 143.° e 224.°, n.º 12.°, do codigo civil, estarão na casa de correcção, separados dos demais, em cumprimento de pena; ou detidos, e uns dos outros, cada um em seu quarto; quanto possa ser.
§ 1.° O menor que tiver meios de subsistencia será sustentado e tratado á sua custa, assistirá á missa e á pratica religiosa em logar separado dos outros menores, e ser-lhe-ha applicado o disposto no artigo 19.° d'esta lei, se seu pae ou tutor assim o determinarem.
§ 2.° O menor que não tiver meios de subsistencia será sustentado e tratado á custa do estado, assistirá á missa e á pratica religiosa, separado dos outros menores, e ser-lhe-ha applicado, o disposto no artigo 21.° d'esta lei.
§ 3.° É applicavel a estes menores o disposto no artigo 7.° e seu paragrapho.
Art. 28.° Dos registos das casas do correcção não se, passará certidão alguma relativa a menores que ahi residam ou tenham residido, excepto a de obito.

TITULO IV

Das colonias agricolas

Art. 29.° É creada, nas vizinhanças de Lisboa, uma colonia agricola, onde serão recebidos individuos menores de dezoito annos, que por sua occupação ou, na falta d'esta, pela de seus pães, tutores ou protectores pertençam á classe agricola, e sejam:
1.° Processados e não afiançados na comarca de Lisboa;
2.° Presos á ordem da auctoridade administrativa na comarca de Lisboa; 3.° Condemnados a reclusão ou a pena de prisão nas comarcas do districto administrativo do Lisboa;
4.° Detidos nos termos dos artigos 143.° e 224.º, n ° 12.°, do codigo civil no districto administrativo de Lisboa;
5.° Pensionistas, a requerimento dos respectivos pães, tutores ou protectores, pertencentes ao mesmo districto;
6.° Expostos e demais menores a cargo das camaras municipaes do mesmo districto, nos termos dos artigos 284.º è 294.° do codigo civil, a requerimento das, respectivas camaras.
§ 1.° Na mesma colonia serão recolhidos os menores que se acharem nas circumstancias prescriptas no artigo 43.° do codigo penal.
§ 2.° Para a colonia agricola poderão tambem ser transferidos os reclusos ou presos nas coisas de correcção, que tiverem reconhecida vocação para a vida agricola, e aquelles que, tendo dado provas de regeneração moral e de aproveitamento tanto litterario como profissional, assim o requererem.
Art. 30.° O respectivo delegado do procurador regio promoverá, segundo as circumstancias indicadas, a classificação dos menores condemnados.
§ unico. Se o permittir a capacidade do estabelecimento, poderão ser admittidos na colonia agricola os menores indicados nos n.os 3.º e 5.° do artigo 29.º pertencentes aos

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demais districtos administrativos do continente do reino.
Art. 31.° É o governo auctorisado a adaptar para o estabelecimento da colonia agricola algum edificio e terreno contiguo pertencentes ao estado e, na sua falta, a adquiril-os.
Art. 32.° A colonia agricola constará, alem de um terreno susceptivel de cultura, de um edificio contendo capella, casa para aula, dormitorios, refeitorio, casa do banhos e as officinas e acommodações necessarias com relação ao numero de menores que ali tenham de ser detidos ou recebidos, e aos trabalhos agricolas.
§ 1.° Se o terreno contiguo ao edificio que se escolher não for bastante extenso para o ensino pratico da agricultura, poderá o governo arrendar algum terreno adjacente que possa convir para o mesmo fim.
§ 2.º E applicavel á colonia agricola o disposto no artigo 12.° d'esta lei, relativamente ás enfermarias das casas de correcção, bem como o disposto no artigo 13.° e seu paragrapho d'esta lei, quanto á sua dependencia, nomeação de empregados e administração.
Art. 33.° O pessoal empregado na colonia agricola compor-se-ha de:
l director;
l sub director;
l capellão;
5 guardas.
§ 1.° Se os menores presos ou detidos excederem o numero de cem, nomear-se-ha um guarda para cada vinte, ou fracção de vinte a mais.
§ 2.° Os empregados residirão no estabelecimento, e receberão os vencimentos declarados na tabella que faz parte d'esta lei.
§ 3.° O serviço de saude da colonia agricola será contratado com o medico de partido do concelho respectivo, ou como melhor convier.
Art. 34.° Os logares de director e do sub-director serão providos por meio de concurso documental.
§ 1.° Os candidatos a director apresentarão diploma de approvação nas disciplinas do curso de agronomos do instituto geral de agricultura, ou de qualquer curso que comprehenda as mesmas disciplinas.
§ 2.° Os candidatos a sub-director deverão provar que sabem bem ler, escrever e contar (incluindo o systema metrico), o apresentarão attestados de pratica de mais de tres annos do trabalhos ruraes como quinteiros ou fazendeiros.
Art. 35.° São applicaveis aos menores, reclusos ou presos na colonia agricola, as disposições dos artigos l .° o seus paragraphos, 2.°, 3.°, 4.°, 6.° e seu paragrapho, 7.° e seu paragrapho, 24.° e seu paragrapho, o 25.° e seu pa-ragrapho, d'esta lei.
Art. 36.° A instrucção dada aos menores presos ou reclusos na colonia agricola será:
Quanto á parte moral, doutrina christã e praticas religiosas do respectivo capellão;
Quanto á parte litteraria, ler, escrever e contar, escolhendo-se para texto de leitura algum tratado elementar de agricultura, e aula de agricultura para menores que d'ella se possam aproveitar;
Quanto á parte profissional, aprendizagem de um officio, ligado com a agricultura, dos que ali se possam praticar, ou o ensino pratico d'ella.
Art. 37.° Os menores que não se occuparem de trabalhos agricolas terão diariamente exercicios proprios para lhes desenvolverem as forças physicas.
Art. 38.° O director, alem das outras obrigações a seu cargo indicadas no regulamento respectivo, será incumbido da regencia de uma aula de agricultura theorica, onde serão admittidos e conservados só os menores mais intelligentes e que mostrarem aproveitamento.
Art. 39.° O sub director, alem das outras obrigações a seu cargo, será incumbido, sob a inspecção do director, da direcção dos trabalhos agricolas, auxiliado por homens práticos, escolhidos de entre os guardas do estabelecimento.
Art. 40.° O capellão, alem das outras obrigações proprias do seu ministerio, será encarregado da instrucção moral e litteraria dos menores, assistirá ás orações da manhã e da noite, e lhes fará uma pratica todos os domingos e dias santificados.
Art. 41.° Quando a estação o permittir, predominará , para os menores, que se empregarem nos trabalhos agricolas, o seu ensino pratico; no caso contrario, o da instrucção litteraria.
Art. 42.° São applicaveis aos menores, reclusos ou presos, as disposições do artigo 19.° e seu paragrapho d'esta lei, no que for compativel com as do artigo 36'°
Art. 43.° É applicavel ás officinas da colonia agricola o disposto no artigo 22.° d'esta lei.
Art. 44.° O producto da venda dos artefactos será applicado á compra de materias primas para as officinas; o rendimento dos productos agricolas, á compra de sementes, utensilios e outros accessorios ruraes; e o remanescente em ambos os casos, tiradas as gratificações que se concederem a alumnos em premio de sua assiduidade e pericia, reverterá a beneficio da casa.
Art. 45 ° São applicaveis aos menores indicados nos n.os 1.° e 2.° do artigo 29.° d'esta lei, as disposições do artigo 26.° e seus paragraphos.
Art. 46.° São applicaveis aos menores indicados no n.° 4.° do artigo 29.° as disposições do artigo 27.° e seus paragraphos.
Art. 47.° São applicaveis aos pensionistas de que trata o artigo 29.° d'esta lei as disposições dos artigos 7.° e seu paragrapho, 21.° e seu paragrapho, e 24.° § unico.
§ 1.° Os pães, tutoras ou protectores requererão ao procurador regio pedante a relação de Lisboa a admissão dos pensionistas, instruindo o requerimento com os documentos seguintes:
1.° Certidão de idade, provando que o menor tem menos de dezoito annos;
2.° Attentado do medico, declarando que o menor foi vaccinado e não padece molestia contagiosa;
3.° Obrigação, em fórma legal, de satisfazer ás despezas que se fizerem na colonia com o menor.
§ 2.° O menor entrará com o enxoval determinado no regulamento.
Art. 48.° A aprendizagem do pensionista acaba aos vinte e um annos, ou antes, se seus pães, tutores ou protectores assim o determinarem.
Art. 49.° O pensionista será expulso da colonia á terceira reincidencia em qualquer contravenção do regulamento, a que seja applicado o maximo do castigo.
Art. 5O.° São applicaveis aos expostos e demais menores, admittidos na colonia a requisição das camaras municipaes, as disposições dos artigos 7.° e seu paragrapho, 21.° e seu paragrapho, 24.° § unico (in fine), artigos 25.º § unico, 47.° § 1.°, n.os 1.° e 2.°, e § 2.°
§ unico. As camaras concorrerão para as despezas da alimentação, vestuario e instrucção dos expostos e demais menores admittidos na colonia, com o que são obrigadas a despender com a educação dos mesmos menores, sendo esta verba inserida no respectivo orçamento, e com elle approvada como despeza obrigatoria.
Art. 51.° São applicaveis á colonia agricola as disposições dos artigos 28.° e 16.° d'esta lei.
Art. 52.° Passados tres annos depois da abertura da colonia agricola do districto de Lisboa, o governo, fundando-se na experiencia adquirida, apresentará ás côrtes uma proposta de lei ácerca da creação do novas colonias agricolas, se ellas se mostrarem necessarias.
Art. 53.° Os procuradores regios perante as relações de Lisboa, Porto e Açores, farão subir ao ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, até o fim de janeiro de cada anno, relatorios circunstanciados ácerca das casas de

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detenção e correcção, acompanhados de mappas estatisticos e das respectivas contas.
§ 1.° Similhante relatorio fará subir o procurador regio perante a relação de Lisboa ácerca da colonia agricola.
§ 2.º Estes relatorios serão immediatamente publicados no Diario do governo.
Art. 54.º A escola agricola de Villa Fernando será, considerada Como colonia agricola, para os effeitos d'esta lei, e regulada nos termos d'ella, em tudo quanto se não acha prevenido na lei de 22 de junho de 1880.
Art. 55.° O governo fiscal auctorisado a, dar a qualquer instituição
particular, que se proponha aos fins, exigidos n'esta lei, caracter official, acordando, porém, com os respectivos instituidores as condições do seu funccionamento, em harmonia com as prescripções legaes.

TITULO V

Das commissões de protecção

Art. 56.° É creada em cada uma das comarcas do continente do reino e das ilhas adjacente uma, commissão auxiliadora das casas de detenção e correcção das, colonias agricolas para menores, e protectora dos individuos que saírem dos mesmos estabelecimentos.
Art. 57. ° A commissão será composta nas comarcas de Lisboa, Porto e Ponta Delgada, do respectivo procurador regio, presidente, do provedor da santa casa da misericordia, dos administradores dos bairros, ou do concelho, e dos parochos das freguezias urbanas.
§ l.° As determinações desta commissão serão validas, estando presentes cinco D de seus membros.
§ 2.° Os administradores dos demais conselhos e parochos das outras freguesias da comarca serão membros correspondentes da commissão e executarâo as deliberações por ella tomadas na parte que lhes pertencer.
Art. 58.º A commissão de qualquer comarca fóra de Lisboa, Porto e Ponta Delgada será composta do respectivo delegado do procurador regio presidente; de administrador do concelho séde da comarca, do provedor da respectiva misericordia e dos parochos, das freguezias da mesma séde.
§ unico. Os administradores dos demais concelho.? provedores de misericordias e parochos das outras freguesias da comarca serão membros correspondentes da commissão, e executarão as determinações por ella tomadas na parte que lhes pertencer.
Art. 59.° As commissões nomearão vice-presidentes e thesoureiros, podendo estes ser escolhidos de entre individuos estranhos a ellas.
Art. 60.º Os fundos das commissão serão arrecadados na recebedoria da comarca á ordem do respectivo presidente.
Art. 61.° As commissões empregarâo todos os esforços para alcançar auxilios de qualquer natureza a favor das casas de correcção dos districtos das relações de Lisboa, Porto e Açores, e das colonias agricolas.
Art. 62.° As commissões protegerão os individuos que saírem das casas de detenção e correcção, e que para aquelle fim lhes forem recommendados pelo respectivo procurador regio, a quem ficam subordinadas, promovendo collocal-os de modo que possam alcançar meios honestos de subsistencia, e soccorrendo-os em caso de doença ou falta de trabalho.
Art. 63.° A protecção das commissões acaba:
1.° Completando o protegido vinte e cinco annos de idade;
2.º Pela vontade do protegido maior de vinte e um annos, ou por sua desobediencia ás ordens da commissão, ouvido n'este ultimo caso o respectivo procurador regio;
3.° Pela vontade do pae ou tutor do protegido menor de vinte e um annos, ouvido o respectivo procurador regio;
4.° Pela saída do protegido para fóra do continente do reino e ilhas adjacentes, emquanto durar a sua ausencia;
5.° Pela pronuncia do protegido por qualquer crime, emquanto durarem os seus effeitos;
6.° Assentando o protegido praça, ou tendo sido apurado para o serviço militar ou naval, emquanto servir;
Art. 64.º As, commissões darão conhecimento da sua constituição ao respectivo procurador regio, e, alem da correspondencia annual indispensavel, remetter-lhe-hão até o fim de janeiro de cada anno o relatorio dos seus trabalhas durante o anno antecedente, acompanhado das respectivas contas e mappas estatisticos.
Art. 65.° Os procuradores regios perante as relações de Lisboa, Porto e Açores, farão subir, pelo ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, até o fim de fevereiro de cada anno, relatorios, acompanhados das respectivas contas e mappas estatisticos, ácerca dos trabalhos das commissões durante o anno antecedente.
§ unico. Estes relatorios serão immediatamente publicados no Diario do governo.
Art. 66.º Fica revogada toda a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 4 de fevereiro de 1888.= Francisco Antonio da Veiga Beirão.

Tabella dos vencimentos dos empregados de cada uma das casas de detenção e correcção, ou colonias agricolas

Artigo unico. Terão de vencimento annual:

O director 600$000
O sub-director 400$000
O capellão 400$000
Cada um dos guardas 180$000

Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 4 de fevereiro de 1888. = Francisco Antonio da Veiga Beirão.
Foi enviada á commissão respectiva

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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